Os avanços divulgados pela Pfizer e BioNTech servem, acima de tudo, como uma prova de conceito. A gente sabe agora que vacinas para a covid-19 podem funcionar. E indica que as outras vacinas que estão sendo testadas têm chance de funcionar também. Porque por mais que as tecnologias adotadas em cada formulação sejam diferentes (como vírus inativado, vírus atenuado, com vetor, de DNA e RNA), todas as tecnologias são baseadas na mesma proteína spike.
Mas pode ser que ela não sirva para o Brasil por todas as questões de logística, de transporte. O RNA é uma molécula instável, que degrada com muita facilidade. E precisa ser armazenada a -70ºC, o que complica fora das grandes metrópoles. Mesmo nas grandes metrópoles este freezer não é trivial, além de ser muito caro.
A pesquisa brasileira tem tecnologia de ponta para também desenvolver uma vacina de RNA. O nosso laboratório de desenvolvimento de vacinas do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP) tem um grupo que está tentando também fazer esse desenvolvimento. Mas para produzir em larga escala é outra história, como ocorre com muito da ciência brasileira, que morre no paper (publicação científica), porque não há incentivo para transformar em produto.
As nossas plantas vacinais (como a do Butantã e de Biomanguinhos) estão adaptadas para as vacinas de primeira geração, feitas com vírus atenuado ou inativado. Mesmo as que se valem de um vírus mais inofensivo (como um adenovírus) como vetor para carregar só o material genético do patógeno que se quer combater, nunca chegamos a produzir. Aprimeira vez será agora em Biomanguinhos com a vacina da Universidade de Oxford com a AstraZeneca.
Uma vacina de RNA é muito fácil de fazer, não precisa de laboratório de segurança, como é o caso das vacinas que usam o vírus, o rendimento dela de doses por litro é alto. Em teoria seria muito mais fácil escalar uma vacina de RNA do que uma de primeira geração. Requer menos espaço e menos investimento em logística quando se pensa em equipar laboratórios para isso. Ela demandaria mudanças nas nossas plantas vacinais, mas o investimento certamente seria menor do que o que vai ser feito, por exemplo, para ampliar a fábrica do Butantã para fazer a Coronavac.
O problema é que não adianta ter toda a logística para fazer uma vacina de RNA no Brasil, se não tiver uma cadeia de frio incorporada para poder armazenar e distribuir a vacina ou algum modo de liofilizar as vacinas de RNA para poder armazenar em geladeira comum, onde hoje mantemos as outras vacinas.*É pesquisadora do Instituto de Biociências da USP e presidente do Instituto Questão de Ciência