Sasha Bradford não tem tempo para perder coisas. Ela é mãe, trabalha fora e tem muitos hobbies. Quando perde as chaves ou documentos importantes – ou esquece a bolsa favorita no restaurante – ela fica irritada e aborrecida. “É uma coisa que me afeta muito”, disse Bradford, 34 anos, funcionária federal em Washington que escreve um blog sobre saúde mental. Bradford tem transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), o que a torna “propensa a colocar as coisas nos lugares e depois esquecer onde as coloquei”, disse ela.
Ela aprendeu a se adaptar, em parte anotando onde guardou objetos de valor, como joias caras, e estabelecendo pequenas metas. Por exemplo, “toda vez que viajo, normalmente esqueço ou perco alguma coisa. Então agora penso numa coisa que é realmente importante lembrar (para levar para casa) e me concentro nisso”. Sasha também treina a si mesma para não entrar em pânico quando um item se perde, concentrando-se na respiração e nas afirmações.
Sua angústia interna provavelmente é familiar para qualquer pessoa cujo celular se perca uma dúzia de vezes por dia, ou que não consiga encontrar o controle remoto da TV até dez minutos depois do início do melhor programa da noite. Esses lapsos podem ser acompanhados por um medo insistente: o que está acontecendo? Será que tem algo errado comigo?
Provavelmente não, concordam os especialistas. “É uma ocorrência muito comum e com certeza muito irritante”, disse Daniel Schacter, professor de psicologia e diretor do Laboratório de Memória Schacter da Universidade de Harvard. “Na maioria das vezes, perder coisas resulta do que chamo de distração. É um colapso na interface de atenção com a memória que acontece quando estamos focados em algo diferente do objeto que vamos perder, seja o controle remoto, o celular ou os óculos”, disse ele. “Estamos pensando em outra coisa e nunca chegamos a codificar as informações na memória sobre onde colocamos o objeto, porque temos outras preocupações ocupando nossa atenção”.
Distração ou algo mais sério?
Não é necessariamente uma coisa ruim, disse ele: pode ser que estejamos ocupados pensando em algo produtivo, como uma tarefa de trabalho ou o que fazer para o jantar. Ou pode haver outro fator inócuo em jogo: “Pode ser que eu conscientemente tenha deixado algo em algum lugar, talvez seja o livro que estou lendo, e sei que não poderei voltar a ele por alguns dias”, ele disse. “E depois não consigo lembrar onde o coloquei”. É um exemplo perfeitamente normal de “transiência”, o decréscimo da acessibilidade da memória ao longo do tempo.
Schacter, autor de Os Sete Pecados da Memória: Como a Mente Esquece e Lembra, tentou se treinar para manter o controle de onde guarda os óculos de leitura e as chaves do carro, a ponto de só colocá-los em certos lugares e até perceber se alguma coisa está escapando dessa rotina. Às vezes, quando estamos operando no piloto automático e não nos concentramos no nosso entorno, até mesmo a melhor das intenções pode ser insuficiente, disse Schacter. Mas, na maioria das vezes, ele acha que as pessoas podem superar a tendência de perder as coisas.
É possível, no entanto, que esteja acontecendo algo mais sério do que a distração. Perder itens pode ser um sinal de TDAH, transtorno que é caracterizado por traços como desatenção e impulsividade. Se você tem a condição, provavelmente passou a vida toda sofrendo com objetos rebeldes, disse Stephanie Moulton Sarkis, psicoterapeuta de Tampa especializada em TDAH.
Para descobrir se você precisa de ajuda, pense na intensidade, frequência e duração da tendência: “O que significa se perguntar: quanto isso está afetando seu dia a dia? Com que frequência está acontecendo e quanto tempo você leva para encontrar suas coisas?”. Às vezes, as pessoas que têm TDAH relatam que perder coisas afeta seu trabalho ou relacionamentos; por exemplo, se não conseguem encontrar as chaves e chegam atrasadas ao escritório ou a um jantar, podem irritar o chefe ou os amigos. Nesse caso, Stephanie diz que vale a pena passar por um exame médico. Existem muitos medicamentos eficazes que podem “fazer com que seu cérebro consiga colocar algo de volta no lugar a que pertence”, disse ela.
Muitas pessoas perguntam a Gregory Jicha, diretor de ensaios clínicos do Centro de Envelhecimento Sanders-Brown da Universidade de Kentucky, se elas deveriam se preocupar com o extravio das coisas. Muitas vezes, é simplesmente uma parte normal do envelhecimento: “O cérebro muda com o tempo”, disse ele. Por exemplo, imagine que você se depara com alguém e não consegue lembrar o nome dessa pessoa – mas depois de algumas horas o nome surge na sua mente. “Esta desaceleração está associada a um envelhecimento normal”.
Ainda assim, algumas pessoas temem que seja um prenúncio de Alzheimer, disse Jicha, ignorando o fato de que o problema existe desde a adolescência. Se você está com medo de ter desenvolvido algum problema que possa indicar declínio cognitivo, ele sugere recorrer a uma pessoa de confiança: “Uma das melhores maneiras de identificar isso é entrar em contato com um amigo ou familiar. Eles podem lhe dizer que você perde as chaves desde sempre”, disse ele. “Quando estamos procurando uma mudança que tenha um significado real, o que estamos procurando na verdade é uma mudança em relação ao desempenho anterior”.
Uma nova tendência a perder as coisas, ou um aumento na gravidade, pode indicar que você precisa consultar um médico. Mais da metade dos pacientes que começam a ter problemas de memória têm outra causa que não a demência e podem ser tratados com eficácia, disse Jicha, como falta de sono ou problemas de tireoide. Às vezes, a medicação está causando o esquecimento, ou problemas de visão ou audição podem estar por trás disso.
Aqui estão algumas recomendações desses e de outros especialistas para superar sua tendência de perder as coisas:
Fale o lugar em voz alta
Quando você colocar algo em algum lugar, diga sua localização em voz alta. Às vezes, mal notamos onde colocamos, por exemplo, os óculos ou o iPad. Uma maneira de prestar mais atenção ao momento é verbalizar a localização do item, disse Mareen Dennis, professora assistente de psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de Kentucky. “Você fala: ‘Estou colocando meu mouse à direita do meu computador agora’. Dizer isso na sua cabeça ou em voz alta faz com que você concentre sua atenção no lugar onde você o colocou”, aumentando as chances de você se lembrar de sua localização mais tarde.
Use a criatividade
Faça uma musiquinha ou uma rima. Faça do controle sobre seus objetos pessoais uma chance para ser criativo. Você pode fazer uma rima rápida, Mareen sugeriu: “Minhas chaves estão na porta e é isso que importa”. Ou escolha uma música cativante e crie uma paródia. “Algumas pessoas usam a música ‘Cabeça, ombro, joelho e pé’. Funciona muito bem”, diz. Gastar tempo com uma música é uma maneira útil de guardar na cabeça a localização dos objetos.
Tire fotos
Você já saiu de uma loja e perambulou pelo estacionamento por dez minutos porque não conseguia encontrar o carro? Tire uma foto da vaga, especialmente se você estiver em um aeroporto e não for voltar por alguns dias, sugeriu Susan Whitbourne, professora emérita de ciências psicológicas e cerebrais da Universidade de Massachusetts. O mesmo conselho se aplica a muitas coisas: fotografe todos os lugares onde você armazena objetos fáceis de perder e, quando não conseguir encontrá-los, olhe a foto. “Você só precisa de um segundo.”
Escolha uma cor
Faça com que seus objetos pessoais chamem atenção. Mareen recomenda escolher uma “cor que seja sua marca”, uma cor que você adore, como roxo brilhante. Ponha suas chaves em um chaveiro roxo e escolha uma capa de telefone roxa, “para que, quando você estiver procurando as coisas, esteja sempre procurando sua cor favorita”. Você também pode amarrar uma fita no controle remoto da TV, para facilitar a localização quando ele inevitavelmente desaparecer.
Invista em tecnologia
Existem muitos gadgets projetados para guardar registro das coisas: você pode anexar um Apple AirTag a produtos que costuma perder, por exemplo, e um aplicativo o guiará até a localização deles, disse Stephanie Moulton Sarkis, psicoterapeuta de Tampa especializada em TDAH. Há também fobs que você pode colocar em sua carteira ou bolsa e que tocarão como um telefone quando você pressionar um botão em outro fob ou em um aplicativo no seu celular. A desvantagem dessa tecnologia, Dennis apontou, é que é mais uma coisa para acompanhar.
Estabeleça uma rotina
Mareen treina seus pacientes com TDAH para fazer um “lar para tudo”. Você pode colocar um cesto perto da porta da frente para deixar suas chaves e carteira imediatamente ao entrar em casa, ou designar uma gaveta como a gaveta da tesoura. Então, “pense nos espaços onde você vive, identifique os itens que precisam ser guardados e os devolva ao local de origem.”.
Mantenha a calma
Se estiver em uma situação em que perdeu algo, “respire fundo e dê ao seu cérebro um ou dois minutos”, disse Gregory Jicha, diretor de ensaios clínicos do Centro de Envelhecimento Sanders-Brown da Universidade de Kentucky. “Você vai encontrar o que procura, na maioria dos casos.”
Seja gentil com você
É compreensível que se irrite com a tendência de perder as coisas. Mas, se você continuar se martirizando, pode “virar uma profecia autorrealizável, e você começa a pensar que não consegue controlar sua memória, que tem algo errado com você, e isso gera mais ansiedade”, disse Susan. Quando seus pensamentos espiralam dessa maneira, é ainda menos provável que consiga se concentrar e encontrar o que perdeu. Então se lembre de pegar leve./ Tradução de Renato Prelorentzou