SÃO PAULO - Um dia após balançar no cargo e ter o seu “dia do fico”, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, assina nesta terça, 7, um relatório técnico com um grupo de cientistas e técnicos do ministério em que reforça a importância do isolamento social para combater o avanço do novo coronavírus no País. E alerta que, mesmo com as medidas que vêm sendo adotadas, “um aumento nos casos de covid-19 é esperado nos próximos meses”.
O texto tem como primeiro autor o infectologista Julio Croda, pesquisador da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS) e da Fiocruz, e que até o fim de março era diretor do Departamento de Imunização e Doenças Transmissíveis do ministério. Ele estava de férias e saiu por divergências internas. Também assinam o texto outros técnicos da pasta, como o secretário de Vigilância, Wanderson de Oliveira.
“Vários modelos matemáticos mostraram que o vírus potencialmente estará circulando até meados de setembro, com um pico importante de casos em abril e maio. Assim, existem preocupações quanto à disponibilidade de unidades de terapia intensiva (UTIs) e ventiladores mecânicos necessários para pacientes hospitalizados com covid-19, bem como a disponibilidade de testes de diagnóstico específicos, particularmente RT-PCR (o molecular, tipo mais preciso de exame) em tempo real, para a detecção precoce da covid-19 e a prevenção de transmissão subsequente”, escrevem os autores na Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical.
O texto – um relato sobre como se deu a preparação do ministério para a pandemia – foi entregue para a revista no último dia 2, quando cresciam as divergências da pasta com o presidente Jair Bolsonaro, que tem defendido um abrandamento das medidas e que as pessoas voltem a trabalhar.
Ao Estado, Croda afirmou que foi coincidência o artigo sair um dia depois do auge do desgaste entre o ministro e o presidente. Em pronunciamento à imprensa no começo da noite dessa segunda-feira, 6, ao dizer que permaneceria no cargo, Mandetta pediu “paz” para chefiar a pasta.
“Se mantivermos o nível de isolamento atual, teremos leito. Caso contrário, teremos aumento exponencial”, explicou Croda sobre as perspectivas para o Brasil apontadas no relatório. “Vão subir os casos, mas ainda teremos capacidade de responder. Sem as medidas, porém, não teremos essa capacidade”, disse o especialista.
“Se o distanciamento social for eficaz limitando o acesso do público apenas a serviços essenciais, o impacto econômico pode ser mitigado enquanto a epidemia é controlada”, escreveram os autores do relatório.
Quarentena só de idosos pode levar a até 529 mil mortes no Brasil
Na semana passada, um estudo do Imperial College, de Londres, estimou que até 529 mil mortes poderiam ocorrer no Brasil em um modelo de isolamento social um pouco mais brando na população como um todo e mais rigoroso somente entre os idosos. Já uma estratégia de isolamento para todo mundo poderia reduzir as vítimas para algo em torno de 44 mil.
Nesta segunda, o Brasil registrou oficialmente 553 mortes em decorrência da infecção e passou dos 12 mil casos confirmados. Em seu pronunciamento, o ministro reafirmou seu compromisso com a ciência e com o isolamento. “Não vamos perder o foco: ciência, disciplina, planejamento, foco. Esses barulhos que vêm ao lado, Fulano falou isso, Beltrano falou aquilo, esquece. Foco aqui.”
Algumas horas antes, no que foi interpretado como um afrouxamento, Oliveira afirmou que poderá ocorrer uma redução do isolamento social em regiões que não comprometeram mais do que metade da capacidade de atendimento instalada antes da pandemia do novo coronavírus. A nova diretriz foi publicada no boletim epidemiológico divulgado pela pasta nesta segunda.
Apesar disso, Oliveira, assim como Mandetta faria horas depois, reforçou a importância do isolamento amplo neste momento. "A teoria do distanciamento social seletivo, em que abro o sistema para que populações jovens possam transitar, se infectar e criar com isso imunidade de rebanho, em teoria ela é razoável. Não tem problema do ponto de vista metodológico, desde que tivéssemos leitos, respiradores e equipamentos de proteção suficientes", afirmou o secretário. "O único instrumento de controle existente, possível e disponível é o distanciamento social".