Aprender a tocar um instrumento musical faz bem ao cérebro, indica estudo; entenda por quê


Com base na pesquisa, cientistas ingleses sugerem que a exposição à música pode reduzir o risco de comprometimento cognitivo na velhice

Por Leon Ferrari
Atualização:

Em estudo com cerca de mil voluntários, cientistas ingleses encontraram uma correlação positiva entre aprender a tocar um instrumento e a saúde do cérebro em idosos, com efeitos duradouros ao longo da vida. Os musicistas apresentaram resultados melhores na memória de trabalho (aquela de curto prazo e associada a executar com sucesso uma tarefa) e nas funções executivas (ou seja, na capacidade de resolver problemas complexos).

A pesquisa foi conduzida na Universidade de Exeter, no Reino Unido, e publicada na revista científica International Journal of Geriatric Psychiatry. Embora tocar um instrumento tenha proporcionado o benefício mais importante, o estudo também encontrou uma ligação favorável entre cantar em um coral e a função executiva, e entre habilidade musical (de maneira geral) e a memória de trabalho.

A descoberta é importante frente a um cenário de rápido envelhecimento populacional, defendem os pesquisadores. “O envelhecimento está associado a múltiplas preocupações de longo prazo, como doenças cardiovasculares e condições neuropsiquiátricas, incluindo demência. A demência é caracterizada por uma piora progressiva da função cognitiva, levando a uma perda de função e independência”, escreveram.

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“Embora mais pesquisas sejam necessárias para investigar essa relação, nossas descobertas sugerem que promover a exposição à música ao longo da vida pode aumentar a reserva cognitiva e reduzir o risco de comprometimento cognitivo na velhice”, concluem.

Segundo nova pesquisa, aprender a tocar um instrumento musical contribui para um envelhecimento saudável  Foto: Minerva Studio/Adobe Stock

Especialistas brasileiras consultadas pelo Estadão, que não estiveram envolvidas no estudo, apontam que, embora a pesquisa tenha algumas limitações, as descobertas conversam com as de outros estudos mais robustos sobre a relação entre a música e a saúde do cérebro. Por isso, agrega mais evidências a um arcabouço científico que pode ajudar a traçar políticas públicas de envelhecimento saudável.

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A capacidade terapêutica da música, dizem, é um campo emergente de pesquisas. A musicoterapia, por exemplo, tem sido explorada em ensaios clínicos que, apesar de serem estudos limitados e pequenos, conseguiram resultados promissores no tratamento de pessoas com a doença de Alzheimer, a principal causa de demência.

“Ler partitura é quase uma coisa ‘matemática’, no sentido de que você tem uma quantidade de tempo, tem que entender como dividir o som naquela unidade de tempo, tem que se programar, estudar e repetir. Então, realmente, você está forçando seu cérebro a aprender uma habilidade nova”, aponta Claudia Kimie Suemoto, professora associada da disciplina de geriatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, que faz parte do Advisory Council da Alzheimer’s Association International Society to Advance Alzheimer’s Research and Treatment (ISTAART). “E por ser, de certa forma, ‘matemática’, mexe com memória e essa capacidade de exercitar metas e ações.”

Vanessa Clarizia Marchesin, doutora em Neurociência Aplicada e professora da ESPM, destaca que tocar um instrumento ativa ambos os hemisférios do cérebro, direito e esquerdo. “A música tem um elemento complexo. Tem um ritmo, uma intensidade, uma letra, um padrão musical”, explica.

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O estudo

A ideia da pesquisa, segundo comunicado oficial divulgado pela universidade, partiu da estudante de Medicina Gaia Vetere, que toca piano. “Como pianista, estava interessada em pesquisar o impacto da música e da cognição. Sendo relativamente nova no mundo da pesquisa e publicação, essa foi uma experiência desafiadora, mas também verdadeiramente enriquecedora”, afirmou a aluna, principal autora do estudo.

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Para desenvolver a pesquisa, Gaia e os colegas contataram a equipe do PROTECT-UK, que conduz uma avaliação cognitiva computadorizada – por meio de vários tipos de testes cognitivos – com pessoas com 40 anos ou mais. Ele está em curso há 10 anos.

A equipe da Exeter convidou os voluntários do PROTECT a responder um questionário conhecido como “Experiência Musical ao Longo da Vida de Edimburgo” (ELMEQ, na sigla em inglês). Ao todo, analisaram dados de 1.107 indivíduos, com uma idade média de 67 anos.

Os participantes que relataram tocar um instrumento tiveram um desempenho significativamente melhor em tarefas de memória de trabalho e função executiva. Eles não encontraram diferenças significativas ao comparar participantes que tocavam apenas um instrumento com aqueles que tocavam vários.

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Os efeitos se mostraram duradouros ao longo da vida, assim como apontado em pesquisas anteriores. Contudo, os pesquisadores sugerem que continuar a tocar mais tarde na vida proporciona benefícios ainda maiores.

O canto em coral, outra variável pesquisada, também apresentou associação positiva com a função executiva – mas em menor escala do que tocar um instrumento. No entanto, aqui os cientistas fazem uma ressalva: é difícil mensurar exatamente qual o impacto do cantar em si, já que parte do benefício pode ser explicado pelo convívio proporcionado pela atividade. Tanto é que isolamento social também é um fator de risco conhecido para a demência.

O trabalho apresenta outras limitações. Como ele é baseado em questionários autorreferidos (isto é, que a própria pessoa responde), pode apresentar viés de seleção (por ser online, exige que o voluntário tenha algumas habilidades com a internet, por exemplo) e de informação (indivíduos que tocam talvez respondam com mais entusiasmo e superestimem efeitos). Além do mais, trata-se de um grupo de pessoas de alta escolaridade, baixa diversidade racial e econômica, majoritariamente feminino, o que dificulta extrapolar os resultados.

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Reserva cognitiva

A demência é precedida por um acúmulo gradual de déficits cognitivos, conforme escrevem os pesquisadores da Exeter. Para intervir e evitar o pior desfecho, “é crucial entender totalmente os fatores que influenciam o processo de declínio cognitivo e o risco de demência na vida posterior, incluindo fatores que ocorrem ao longo da vida”.

“Existem evidências bem estabelecidas que apoiam o papel da reserva cognitiva na função cognitiva”, apontam.

Trata-se de uma batalha entre reserva e lesão. “A reserva cognitiva é a ‘poupança’ que vai te dar resiliência ou resistência para resistir às alterações cerebrais que acontecem ao longo da vida, que podem ser cerebrovasculares, como derrame, ou lesões neurodegenerativas, como aquelas secundárias da doença de Alzheimer e da doença de Parkinson”, descreve Claudia, da USP.

Em resumo, quanto mais reserva você adquire ao longo da vida, mais preparado se torna para lidar com essas lesões, reduzindo seus impactos negativos. “Assim, você tem neurônios pra queimar”, brinca Claudia.

Qual a melhor idade para começar?

Uma série de fatores que mantêm o cérebro ativo parecem aumentar a reserva cognitiva. O mais conhecido é a educação formal. A essa lista se somam aprender uma língua nova, ter um trabalho com exigências intelectuais e praticar atividade física (que muitas vezes envolve aprender a complexidade de um novo esporte).

No fundo, estamos falando em neuroplasticidade, que, segundo Claudia, é a habilidade de desenvolver novos neurônios e melhorar a comunicação entre eles. “Do ponto de vista biológico, cada neurônio é como se fosse uma árvore cheia de galhos. E a neuroplasticidade não só aumenta o número de galhos, que são as sinapses, mas aumenta o número de árvores.”

Quanto mais árvores e galhos, maior reserva o cérebro tem. Embora essa poupança possa ser construída no decorrer do tempo, o ápice ocorre nos primeiros anos de vida. “Você tem mais substrato para responder a um estímulo”, explica Claudia. Pense em um bebê: às vezes, pensamos que ele não está prestando atenção no que fazemos ou ensinamos, mas, em poucos dias, ele nos surpreende reproduzindo a ação.

Por isso, frente aos resultados emergentes da relação da música com a saúde cerebral, avaliam as especialistas, uma iniciativa interessante seria oferecer aula de música na escola – da mesma maneira que temos cursos de línguas. Mas, independente disso, a dica de ouro é sempre se manter ativo – não necessariamente tocando instrumentos, mas com atividades que, em geral, tenham uma demanda intelectual.

A regra, diz Vanessa, é mexer-se. “O treino torna a capacidade do cérebro em habilidade.”

Em estudo com cerca de mil voluntários, cientistas ingleses encontraram uma correlação positiva entre aprender a tocar um instrumento e a saúde do cérebro em idosos, com efeitos duradouros ao longo da vida. Os musicistas apresentaram resultados melhores na memória de trabalho (aquela de curto prazo e associada a executar com sucesso uma tarefa) e nas funções executivas (ou seja, na capacidade de resolver problemas complexos).

A pesquisa foi conduzida na Universidade de Exeter, no Reino Unido, e publicada na revista científica International Journal of Geriatric Psychiatry. Embora tocar um instrumento tenha proporcionado o benefício mais importante, o estudo também encontrou uma ligação favorável entre cantar em um coral e a função executiva, e entre habilidade musical (de maneira geral) e a memória de trabalho.

A descoberta é importante frente a um cenário de rápido envelhecimento populacional, defendem os pesquisadores. “O envelhecimento está associado a múltiplas preocupações de longo prazo, como doenças cardiovasculares e condições neuropsiquiátricas, incluindo demência. A demência é caracterizada por uma piora progressiva da função cognitiva, levando a uma perda de função e independência”, escreveram.

“Embora mais pesquisas sejam necessárias para investigar essa relação, nossas descobertas sugerem que promover a exposição à música ao longo da vida pode aumentar a reserva cognitiva e reduzir o risco de comprometimento cognitivo na velhice”, concluem.

Segundo nova pesquisa, aprender a tocar um instrumento musical contribui para um envelhecimento saudável  Foto: Minerva Studio/Adobe Stock

Especialistas brasileiras consultadas pelo Estadão, que não estiveram envolvidas no estudo, apontam que, embora a pesquisa tenha algumas limitações, as descobertas conversam com as de outros estudos mais robustos sobre a relação entre a música e a saúde do cérebro. Por isso, agrega mais evidências a um arcabouço científico que pode ajudar a traçar políticas públicas de envelhecimento saudável.

A capacidade terapêutica da música, dizem, é um campo emergente de pesquisas. A musicoterapia, por exemplo, tem sido explorada em ensaios clínicos que, apesar de serem estudos limitados e pequenos, conseguiram resultados promissores no tratamento de pessoas com a doença de Alzheimer, a principal causa de demência.

“Ler partitura é quase uma coisa ‘matemática’, no sentido de que você tem uma quantidade de tempo, tem que entender como dividir o som naquela unidade de tempo, tem que se programar, estudar e repetir. Então, realmente, você está forçando seu cérebro a aprender uma habilidade nova”, aponta Claudia Kimie Suemoto, professora associada da disciplina de geriatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, que faz parte do Advisory Council da Alzheimer’s Association International Society to Advance Alzheimer’s Research and Treatment (ISTAART). “E por ser, de certa forma, ‘matemática’, mexe com memória e essa capacidade de exercitar metas e ações.”

Vanessa Clarizia Marchesin, doutora em Neurociência Aplicada e professora da ESPM, destaca que tocar um instrumento ativa ambos os hemisférios do cérebro, direito e esquerdo. “A música tem um elemento complexo. Tem um ritmo, uma intensidade, uma letra, um padrão musical”, explica.

O estudo

A ideia da pesquisa, segundo comunicado oficial divulgado pela universidade, partiu da estudante de Medicina Gaia Vetere, que toca piano. “Como pianista, estava interessada em pesquisar o impacto da música e da cognição. Sendo relativamente nova no mundo da pesquisa e publicação, essa foi uma experiência desafiadora, mas também verdadeiramente enriquecedora”, afirmou a aluna, principal autora do estudo.

Para desenvolver a pesquisa, Gaia e os colegas contataram a equipe do PROTECT-UK, que conduz uma avaliação cognitiva computadorizada – por meio de vários tipos de testes cognitivos – com pessoas com 40 anos ou mais. Ele está em curso há 10 anos.

A equipe da Exeter convidou os voluntários do PROTECT a responder um questionário conhecido como “Experiência Musical ao Longo da Vida de Edimburgo” (ELMEQ, na sigla em inglês). Ao todo, analisaram dados de 1.107 indivíduos, com uma idade média de 67 anos.

Os participantes que relataram tocar um instrumento tiveram um desempenho significativamente melhor em tarefas de memória de trabalho e função executiva. Eles não encontraram diferenças significativas ao comparar participantes que tocavam apenas um instrumento com aqueles que tocavam vários.

Os efeitos se mostraram duradouros ao longo da vida, assim como apontado em pesquisas anteriores. Contudo, os pesquisadores sugerem que continuar a tocar mais tarde na vida proporciona benefícios ainda maiores.

O canto em coral, outra variável pesquisada, também apresentou associação positiva com a função executiva – mas em menor escala do que tocar um instrumento. No entanto, aqui os cientistas fazem uma ressalva: é difícil mensurar exatamente qual o impacto do cantar em si, já que parte do benefício pode ser explicado pelo convívio proporcionado pela atividade. Tanto é que isolamento social também é um fator de risco conhecido para a demência.

O trabalho apresenta outras limitações. Como ele é baseado em questionários autorreferidos (isto é, que a própria pessoa responde), pode apresentar viés de seleção (por ser online, exige que o voluntário tenha algumas habilidades com a internet, por exemplo) e de informação (indivíduos que tocam talvez respondam com mais entusiasmo e superestimem efeitos). Além do mais, trata-se de um grupo de pessoas de alta escolaridade, baixa diversidade racial e econômica, majoritariamente feminino, o que dificulta extrapolar os resultados.

Reserva cognitiva

A demência é precedida por um acúmulo gradual de déficits cognitivos, conforme escrevem os pesquisadores da Exeter. Para intervir e evitar o pior desfecho, “é crucial entender totalmente os fatores que influenciam o processo de declínio cognitivo e o risco de demência na vida posterior, incluindo fatores que ocorrem ao longo da vida”.

“Existem evidências bem estabelecidas que apoiam o papel da reserva cognitiva na função cognitiva”, apontam.

Trata-se de uma batalha entre reserva e lesão. “A reserva cognitiva é a ‘poupança’ que vai te dar resiliência ou resistência para resistir às alterações cerebrais que acontecem ao longo da vida, que podem ser cerebrovasculares, como derrame, ou lesões neurodegenerativas, como aquelas secundárias da doença de Alzheimer e da doença de Parkinson”, descreve Claudia, da USP.

Em resumo, quanto mais reserva você adquire ao longo da vida, mais preparado se torna para lidar com essas lesões, reduzindo seus impactos negativos. “Assim, você tem neurônios pra queimar”, brinca Claudia.

Qual a melhor idade para começar?

Uma série de fatores que mantêm o cérebro ativo parecem aumentar a reserva cognitiva. O mais conhecido é a educação formal. A essa lista se somam aprender uma língua nova, ter um trabalho com exigências intelectuais e praticar atividade física (que muitas vezes envolve aprender a complexidade de um novo esporte).

No fundo, estamos falando em neuroplasticidade, que, segundo Claudia, é a habilidade de desenvolver novos neurônios e melhorar a comunicação entre eles. “Do ponto de vista biológico, cada neurônio é como se fosse uma árvore cheia de galhos. E a neuroplasticidade não só aumenta o número de galhos, que são as sinapses, mas aumenta o número de árvores.”

Quanto mais árvores e galhos, maior reserva o cérebro tem. Embora essa poupança possa ser construída no decorrer do tempo, o ápice ocorre nos primeiros anos de vida. “Você tem mais substrato para responder a um estímulo”, explica Claudia. Pense em um bebê: às vezes, pensamos que ele não está prestando atenção no que fazemos ou ensinamos, mas, em poucos dias, ele nos surpreende reproduzindo a ação.

Por isso, frente aos resultados emergentes da relação da música com a saúde cerebral, avaliam as especialistas, uma iniciativa interessante seria oferecer aula de música na escola – da mesma maneira que temos cursos de línguas. Mas, independente disso, a dica de ouro é sempre se manter ativo – não necessariamente tocando instrumentos, mas com atividades que, em geral, tenham uma demanda intelectual.

A regra, diz Vanessa, é mexer-se. “O treino torna a capacidade do cérebro em habilidade.”

Em estudo com cerca de mil voluntários, cientistas ingleses encontraram uma correlação positiva entre aprender a tocar um instrumento e a saúde do cérebro em idosos, com efeitos duradouros ao longo da vida. Os musicistas apresentaram resultados melhores na memória de trabalho (aquela de curto prazo e associada a executar com sucesso uma tarefa) e nas funções executivas (ou seja, na capacidade de resolver problemas complexos).

A pesquisa foi conduzida na Universidade de Exeter, no Reino Unido, e publicada na revista científica International Journal of Geriatric Psychiatry. Embora tocar um instrumento tenha proporcionado o benefício mais importante, o estudo também encontrou uma ligação favorável entre cantar em um coral e a função executiva, e entre habilidade musical (de maneira geral) e a memória de trabalho.

A descoberta é importante frente a um cenário de rápido envelhecimento populacional, defendem os pesquisadores. “O envelhecimento está associado a múltiplas preocupações de longo prazo, como doenças cardiovasculares e condições neuropsiquiátricas, incluindo demência. A demência é caracterizada por uma piora progressiva da função cognitiva, levando a uma perda de função e independência”, escreveram.

“Embora mais pesquisas sejam necessárias para investigar essa relação, nossas descobertas sugerem que promover a exposição à música ao longo da vida pode aumentar a reserva cognitiva e reduzir o risco de comprometimento cognitivo na velhice”, concluem.

Segundo nova pesquisa, aprender a tocar um instrumento musical contribui para um envelhecimento saudável  Foto: Minerva Studio/Adobe Stock

Especialistas brasileiras consultadas pelo Estadão, que não estiveram envolvidas no estudo, apontam que, embora a pesquisa tenha algumas limitações, as descobertas conversam com as de outros estudos mais robustos sobre a relação entre a música e a saúde do cérebro. Por isso, agrega mais evidências a um arcabouço científico que pode ajudar a traçar políticas públicas de envelhecimento saudável.

A capacidade terapêutica da música, dizem, é um campo emergente de pesquisas. A musicoterapia, por exemplo, tem sido explorada em ensaios clínicos que, apesar de serem estudos limitados e pequenos, conseguiram resultados promissores no tratamento de pessoas com a doença de Alzheimer, a principal causa de demência.

“Ler partitura é quase uma coisa ‘matemática’, no sentido de que você tem uma quantidade de tempo, tem que entender como dividir o som naquela unidade de tempo, tem que se programar, estudar e repetir. Então, realmente, você está forçando seu cérebro a aprender uma habilidade nova”, aponta Claudia Kimie Suemoto, professora associada da disciplina de geriatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, que faz parte do Advisory Council da Alzheimer’s Association International Society to Advance Alzheimer’s Research and Treatment (ISTAART). “E por ser, de certa forma, ‘matemática’, mexe com memória e essa capacidade de exercitar metas e ações.”

Vanessa Clarizia Marchesin, doutora em Neurociência Aplicada e professora da ESPM, destaca que tocar um instrumento ativa ambos os hemisférios do cérebro, direito e esquerdo. “A música tem um elemento complexo. Tem um ritmo, uma intensidade, uma letra, um padrão musical”, explica.

O estudo

A ideia da pesquisa, segundo comunicado oficial divulgado pela universidade, partiu da estudante de Medicina Gaia Vetere, que toca piano. “Como pianista, estava interessada em pesquisar o impacto da música e da cognição. Sendo relativamente nova no mundo da pesquisa e publicação, essa foi uma experiência desafiadora, mas também verdadeiramente enriquecedora”, afirmou a aluna, principal autora do estudo.

Para desenvolver a pesquisa, Gaia e os colegas contataram a equipe do PROTECT-UK, que conduz uma avaliação cognitiva computadorizada – por meio de vários tipos de testes cognitivos – com pessoas com 40 anos ou mais. Ele está em curso há 10 anos.

A equipe da Exeter convidou os voluntários do PROTECT a responder um questionário conhecido como “Experiência Musical ao Longo da Vida de Edimburgo” (ELMEQ, na sigla em inglês). Ao todo, analisaram dados de 1.107 indivíduos, com uma idade média de 67 anos.

Os participantes que relataram tocar um instrumento tiveram um desempenho significativamente melhor em tarefas de memória de trabalho e função executiva. Eles não encontraram diferenças significativas ao comparar participantes que tocavam apenas um instrumento com aqueles que tocavam vários.

Os efeitos se mostraram duradouros ao longo da vida, assim como apontado em pesquisas anteriores. Contudo, os pesquisadores sugerem que continuar a tocar mais tarde na vida proporciona benefícios ainda maiores.

O canto em coral, outra variável pesquisada, também apresentou associação positiva com a função executiva – mas em menor escala do que tocar um instrumento. No entanto, aqui os cientistas fazem uma ressalva: é difícil mensurar exatamente qual o impacto do cantar em si, já que parte do benefício pode ser explicado pelo convívio proporcionado pela atividade. Tanto é que isolamento social também é um fator de risco conhecido para a demência.

O trabalho apresenta outras limitações. Como ele é baseado em questionários autorreferidos (isto é, que a própria pessoa responde), pode apresentar viés de seleção (por ser online, exige que o voluntário tenha algumas habilidades com a internet, por exemplo) e de informação (indivíduos que tocam talvez respondam com mais entusiasmo e superestimem efeitos). Além do mais, trata-se de um grupo de pessoas de alta escolaridade, baixa diversidade racial e econômica, majoritariamente feminino, o que dificulta extrapolar os resultados.

Reserva cognitiva

A demência é precedida por um acúmulo gradual de déficits cognitivos, conforme escrevem os pesquisadores da Exeter. Para intervir e evitar o pior desfecho, “é crucial entender totalmente os fatores que influenciam o processo de declínio cognitivo e o risco de demência na vida posterior, incluindo fatores que ocorrem ao longo da vida”.

“Existem evidências bem estabelecidas que apoiam o papel da reserva cognitiva na função cognitiva”, apontam.

Trata-se de uma batalha entre reserva e lesão. “A reserva cognitiva é a ‘poupança’ que vai te dar resiliência ou resistência para resistir às alterações cerebrais que acontecem ao longo da vida, que podem ser cerebrovasculares, como derrame, ou lesões neurodegenerativas, como aquelas secundárias da doença de Alzheimer e da doença de Parkinson”, descreve Claudia, da USP.

Em resumo, quanto mais reserva você adquire ao longo da vida, mais preparado se torna para lidar com essas lesões, reduzindo seus impactos negativos. “Assim, você tem neurônios pra queimar”, brinca Claudia.

Qual a melhor idade para começar?

Uma série de fatores que mantêm o cérebro ativo parecem aumentar a reserva cognitiva. O mais conhecido é a educação formal. A essa lista se somam aprender uma língua nova, ter um trabalho com exigências intelectuais e praticar atividade física (que muitas vezes envolve aprender a complexidade de um novo esporte).

No fundo, estamos falando em neuroplasticidade, que, segundo Claudia, é a habilidade de desenvolver novos neurônios e melhorar a comunicação entre eles. “Do ponto de vista biológico, cada neurônio é como se fosse uma árvore cheia de galhos. E a neuroplasticidade não só aumenta o número de galhos, que são as sinapses, mas aumenta o número de árvores.”

Quanto mais árvores e galhos, maior reserva o cérebro tem. Embora essa poupança possa ser construída no decorrer do tempo, o ápice ocorre nos primeiros anos de vida. “Você tem mais substrato para responder a um estímulo”, explica Claudia. Pense em um bebê: às vezes, pensamos que ele não está prestando atenção no que fazemos ou ensinamos, mas, em poucos dias, ele nos surpreende reproduzindo a ação.

Por isso, frente aos resultados emergentes da relação da música com a saúde cerebral, avaliam as especialistas, uma iniciativa interessante seria oferecer aula de música na escola – da mesma maneira que temos cursos de línguas. Mas, independente disso, a dica de ouro é sempre se manter ativo – não necessariamente tocando instrumentos, mas com atividades que, em geral, tenham uma demanda intelectual.

A regra, diz Vanessa, é mexer-se. “O treino torna a capacidade do cérebro em habilidade.”

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