'Brasil depende de sua população para não repetir a Itália'


Infectologista afirma que adesão a medidas preventivas simples, como lavar as mãos, pode evitar disseminação maior da doença

Por Roberta Jansen

RIO - Ainda no início da epidemia do novo coronavírus, o Brasil depende do engajamento de sua população para evitar repetir a situação vivenciada pela Itália, com quarentena em todo o território nacional.A afirmação é do o infectologista Stefan Cunha Ujvari, do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, também autor de Pandemias: A Humanidade em Risco, que aponta a necessidade de ações preventivas para evitar um avanço da doença, que explodiu em outros países.

A seguir, os principais trechos da conversa.

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Stefan Cunha Ujvari é infectologista e autor de um livro sobre pandemias Foto: Divulgação/Hospital Alemão Oswaldo Cruz

A OMS decretou pandemia do novo coronavírus. O que isso muda?

Em termos práticos, não muda muito. No caso do Brasil, o Ministério da Saúde já estava encarando como uma pandemia, monitorando as pessoas que voltavam das áreas afetadas. Além disso, trata-se de uma epidemia em tempo real: estamos acompanhando o aumento do número de casos em todos os países e, com isso, ampliando a nossa vigilância. Isso facilita muito.

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Essa é a primeira pandemia desde a de 2009, da gripe suína. A situação hoje é mais grave?

Sempre temos que colocar na balança os cuidados que devemos tomar, o alerta à população, mas também não podemos levar ao pânico. Isso, muitas vezes, é uma dificuldade. Já estamos vendo que o vírus não é extremamente letal a ponto de causar pânico. Ainda há alguma incongruência nos dados, mas quando esmiuçamos os números vemos que, na Coréia, a letalidade é de menos de 1%. Na Itália é maior, chega a 5%, mas a população idosa é muito maior. Então, precisamos informar isso: é um vírus que, em indivíduos mais jovens, de até 50 anos, tem uma letalidade inferior a 1%. Mas essa letalidade vai aumentando depois dessa idade, podendo chegar a 14% na faixa dos 80 anos. A letalidade é também mais alta entre os que têm doenças debilitantes. 

O senhor acredita que em duas semanas poderemos estar vivendo uma situação como a atualmente enfrentada pela Itália?

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É difícil dizer. O Ministério da Saúde e as secretarias estão batendo muito na tecla dos cuidados a serem tomados pela população. Então não dá para definir se vamos ter um número ascendente de casos ou não. O problema da Itália foi que o início da epidemia do covid-19 coincidiu com a da influenza sazonal e houve muitos diagnósticos errados. Aí a epidemia ganhou uma ascensão muito rápida. Por aqui, estamos tendo um monitoramento absoluto dos casos, e a população está sendo massacrada com informações sobre profilaxia. Então temos uma chance grande de conseguirmos ter uma ascensão da epidemia menor do que a da Itália.

O senhor acha possíveltermos medidas de isolamento aqui no Brasil?

Não há uma regra. As autoridades precisam colocar na balança a letalidade do vírus e a situação da epidemia por um lado e, por outro, o impacto de fechar escolas, repartições, teatros, cancelar eventos públicos. Quando falamos de ascensão da epidemia, levamos em conta duas coisas. Uma é a probabilidade de uma pessoa adoecer. Como é um vírus novo, para o qual ninguém tem imunidade, todo mundo pode adoecer.A outra é a exposição ao vírus: quanto mais pessoas expostas, maior a ascensão. Se as pessoas doentes forem rapidamente identificadas e seguirem as medidas profiláticas, ficarem em casa, se a população em geral lavar as mãos, essas coisas todas, a exposição é reduzida. Mas se isso não ocorrer, o grau de exposição for grande, e o número de casos começar a subir muito, medidas mais drásticas terão que ser tomadas.

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Nós estamos em que estágio da epidemia?

A gente está bem no começo da ascensão. Se não adotarmos medidas de controle, vamos começar a ter uma ascensão importante. Tudo vai depender de saber se a população vai aderir às medidas profiláticas.

Há razão para pânico?

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Olha, temos que pensar que 80% dos casos são leves; outros 15% são mais graves e 5% são críticos. Esses casos mais graves estão concentrados entre os idosos e aqueles que têm outras doenças. Não há motivo de pânico, mas todos temos que tomar cuidado, inclusive os mais jovens, para não contribuir para o aumento dos casos e acabar atingindo a população mais vulnerável.

A quarentena é uma das medidas de contenção de epidemias mais antigas da humanidade. A China inovou isolando milhares de pessoas, cidades inteiras. Agora, a Itália está fazendo o mesmo... É a única coisaser feita?

Na Idade Média até tínhamos o isolamento de algumas cidades, mas era coisa de pequena monta. Na história atual, não tem precedentes a atitude radical da China, de isolar uma cidade inteira. Também é inédito o que a Itália está fazendo, instituir uma quarentena num país inteiro. Se fosse um vírus com uma letalidade de 10% não teríamos discussão. Mas como tem uma letalidade mais baixa, temos que colocar na balança, analisar a ascensão da epidemia por um lado e o impacto social e econômico do outro. É complicadíssimo.

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É possível compararmos a atual epidemia à da gripe espanhola, de 1918?

Estamos a um século da gripe espanhola. O conhecimento que temos hoje é incomparável: taxas de letalidade, informações médicas. Naquela época nem conhecíamos o vírus. Em termos médicos, não tem comparação. Mas veja como é o pânico. Hoje, faltam álcool gel e máscaras nas lojas; naquela época, começou a faltar limão, cachaça e alho, que as pessoas acreditavam que podia curar a doença. As fake news também são semelhantes: o governo está escondendo informações, está morrendo muito mais gente do que é revelado. A história é igualzinha.

O senhor escreveu “A história da humanidade contada pelos vírus”. O que este vírus de agora revela sobre a nossa história?

Ele revela que temos uma quantidade grande de vírus circulando no meio selvagem, entre os animais selvagens, e toda vez que entramos nesse meio selvagem corremos riscos de nos expor. Foi assim com a Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars), que veio dos gatos selvagens; do ebola, que circula na selva, entre os primatas; dos vírus influenza. Se temos uma lição a tirar dessa epidemia é que precisamos ter mais rigor no contato com animais selvagens.

Receba no seu email as principais notícias do dia sobre o coronavírus. 

RIO - Ainda no início da epidemia do novo coronavírus, o Brasil depende do engajamento de sua população para evitar repetir a situação vivenciada pela Itália, com quarentena em todo o território nacional.A afirmação é do o infectologista Stefan Cunha Ujvari, do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, também autor de Pandemias: A Humanidade em Risco, que aponta a necessidade de ações preventivas para evitar um avanço da doença, que explodiu em outros países.

A seguir, os principais trechos da conversa.

Stefan Cunha Ujvari é infectologista e autor de um livro sobre pandemias Foto: Divulgação/Hospital Alemão Oswaldo Cruz

A OMS decretou pandemia do novo coronavírus. O que isso muda?

Em termos práticos, não muda muito. No caso do Brasil, o Ministério da Saúde já estava encarando como uma pandemia, monitorando as pessoas que voltavam das áreas afetadas. Além disso, trata-se de uma epidemia em tempo real: estamos acompanhando o aumento do número de casos em todos os países e, com isso, ampliando a nossa vigilância. Isso facilita muito.

Essa é a primeira pandemia desde a de 2009, da gripe suína. A situação hoje é mais grave?

Sempre temos que colocar na balança os cuidados que devemos tomar, o alerta à população, mas também não podemos levar ao pânico. Isso, muitas vezes, é uma dificuldade. Já estamos vendo que o vírus não é extremamente letal a ponto de causar pânico. Ainda há alguma incongruência nos dados, mas quando esmiuçamos os números vemos que, na Coréia, a letalidade é de menos de 1%. Na Itália é maior, chega a 5%, mas a população idosa é muito maior. Então, precisamos informar isso: é um vírus que, em indivíduos mais jovens, de até 50 anos, tem uma letalidade inferior a 1%. Mas essa letalidade vai aumentando depois dessa idade, podendo chegar a 14% na faixa dos 80 anos. A letalidade é também mais alta entre os que têm doenças debilitantes. 

O senhor acredita que em duas semanas poderemos estar vivendo uma situação como a atualmente enfrentada pela Itália?

É difícil dizer. O Ministério da Saúde e as secretarias estão batendo muito na tecla dos cuidados a serem tomados pela população. Então não dá para definir se vamos ter um número ascendente de casos ou não. O problema da Itália foi que o início da epidemia do covid-19 coincidiu com a da influenza sazonal e houve muitos diagnósticos errados. Aí a epidemia ganhou uma ascensão muito rápida. Por aqui, estamos tendo um monitoramento absoluto dos casos, e a população está sendo massacrada com informações sobre profilaxia. Então temos uma chance grande de conseguirmos ter uma ascensão da epidemia menor do que a da Itália.

O senhor acha possíveltermos medidas de isolamento aqui no Brasil?

Não há uma regra. As autoridades precisam colocar na balança a letalidade do vírus e a situação da epidemia por um lado e, por outro, o impacto de fechar escolas, repartições, teatros, cancelar eventos públicos. Quando falamos de ascensão da epidemia, levamos em conta duas coisas. Uma é a probabilidade de uma pessoa adoecer. Como é um vírus novo, para o qual ninguém tem imunidade, todo mundo pode adoecer.A outra é a exposição ao vírus: quanto mais pessoas expostas, maior a ascensão. Se as pessoas doentes forem rapidamente identificadas e seguirem as medidas profiláticas, ficarem em casa, se a população em geral lavar as mãos, essas coisas todas, a exposição é reduzida. Mas se isso não ocorrer, o grau de exposição for grande, e o número de casos começar a subir muito, medidas mais drásticas terão que ser tomadas.

Nós estamos em que estágio da epidemia?

A gente está bem no começo da ascensão. Se não adotarmos medidas de controle, vamos começar a ter uma ascensão importante. Tudo vai depender de saber se a população vai aderir às medidas profiláticas.

Há razão para pânico?

Olha, temos que pensar que 80% dos casos são leves; outros 15% são mais graves e 5% são críticos. Esses casos mais graves estão concentrados entre os idosos e aqueles que têm outras doenças. Não há motivo de pânico, mas todos temos que tomar cuidado, inclusive os mais jovens, para não contribuir para o aumento dos casos e acabar atingindo a população mais vulnerável.

A quarentena é uma das medidas de contenção de epidemias mais antigas da humanidade. A China inovou isolando milhares de pessoas, cidades inteiras. Agora, a Itália está fazendo o mesmo... É a única coisaser feita?

Na Idade Média até tínhamos o isolamento de algumas cidades, mas era coisa de pequena monta. Na história atual, não tem precedentes a atitude radical da China, de isolar uma cidade inteira. Também é inédito o que a Itália está fazendo, instituir uma quarentena num país inteiro. Se fosse um vírus com uma letalidade de 10% não teríamos discussão. Mas como tem uma letalidade mais baixa, temos que colocar na balança, analisar a ascensão da epidemia por um lado e o impacto social e econômico do outro. É complicadíssimo.

É possível compararmos a atual epidemia à da gripe espanhola, de 1918?

Estamos a um século da gripe espanhola. O conhecimento que temos hoje é incomparável: taxas de letalidade, informações médicas. Naquela época nem conhecíamos o vírus. Em termos médicos, não tem comparação. Mas veja como é o pânico. Hoje, faltam álcool gel e máscaras nas lojas; naquela época, começou a faltar limão, cachaça e alho, que as pessoas acreditavam que podia curar a doença. As fake news também são semelhantes: o governo está escondendo informações, está morrendo muito mais gente do que é revelado. A história é igualzinha.

O senhor escreveu “A história da humanidade contada pelos vírus”. O que este vírus de agora revela sobre a nossa história?

Ele revela que temos uma quantidade grande de vírus circulando no meio selvagem, entre os animais selvagens, e toda vez que entramos nesse meio selvagem corremos riscos de nos expor. Foi assim com a Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars), que veio dos gatos selvagens; do ebola, que circula na selva, entre os primatas; dos vírus influenza. Se temos uma lição a tirar dessa epidemia é que precisamos ter mais rigor no contato com animais selvagens.

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RIO - Ainda no início da epidemia do novo coronavírus, o Brasil depende do engajamento de sua população para evitar repetir a situação vivenciada pela Itália, com quarentena em todo o território nacional.A afirmação é do o infectologista Stefan Cunha Ujvari, do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, também autor de Pandemias: A Humanidade em Risco, que aponta a necessidade de ações preventivas para evitar um avanço da doença, que explodiu em outros países.

A seguir, os principais trechos da conversa.

Stefan Cunha Ujvari é infectologista e autor de um livro sobre pandemias Foto: Divulgação/Hospital Alemão Oswaldo Cruz

A OMS decretou pandemia do novo coronavírus. O que isso muda?

Em termos práticos, não muda muito. No caso do Brasil, o Ministério da Saúde já estava encarando como uma pandemia, monitorando as pessoas que voltavam das áreas afetadas. Além disso, trata-se de uma epidemia em tempo real: estamos acompanhando o aumento do número de casos em todos os países e, com isso, ampliando a nossa vigilância. Isso facilita muito.

Essa é a primeira pandemia desde a de 2009, da gripe suína. A situação hoje é mais grave?

Sempre temos que colocar na balança os cuidados que devemos tomar, o alerta à população, mas também não podemos levar ao pânico. Isso, muitas vezes, é uma dificuldade. Já estamos vendo que o vírus não é extremamente letal a ponto de causar pânico. Ainda há alguma incongruência nos dados, mas quando esmiuçamos os números vemos que, na Coréia, a letalidade é de menos de 1%. Na Itália é maior, chega a 5%, mas a população idosa é muito maior. Então, precisamos informar isso: é um vírus que, em indivíduos mais jovens, de até 50 anos, tem uma letalidade inferior a 1%. Mas essa letalidade vai aumentando depois dessa idade, podendo chegar a 14% na faixa dos 80 anos. A letalidade é também mais alta entre os que têm doenças debilitantes. 

O senhor acredita que em duas semanas poderemos estar vivendo uma situação como a atualmente enfrentada pela Itália?

É difícil dizer. O Ministério da Saúde e as secretarias estão batendo muito na tecla dos cuidados a serem tomados pela população. Então não dá para definir se vamos ter um número ascendente de casos ou não. O problema da Itália foi que o início da epidemia do covid-19 coincidiu com a da influenza sazonal e houve muitos diagnósticos errados. Aí a epidemia ganhou uma ascensão muito rápida. Por aqui, estamos tendo um monitoramento absoluto dos casos, e a população está sendo massacrada com informações sobre profilaxia. Então temos uma chance grande de conseguirmos ter uma ascensão da epidemia menor do que a da Itália.

O senhor acha possíveltermos medidas de isolamento aqui no Brasil?

Não há uma regra. As autoridades precisam colocar na balança a letalidade do vírus e a situação da epidemia por um lado e, por outro, o impacto de fechar escolas, repartições, teatros, cancelar eventos públicos. Quando falamos de ascensão da epidemia, levamos em conta duas coisas. Uma é a probabilidade de uma pessoa adoecer. Como é um vírus novo, para o qual ninguém tem imunidade, todo mundo pode adoecer.A outra é a exposição ao vírus: quanto mais pessoas expostas, maior a ascensão. Se as pessoas doentes forem rapidamente identificadas e seguirem as medidas profiláticas, ficarem em casa, se a população em geral lavar as mãos, essas coisas todas, a exposição é reduzida. Mas se isso não ocorrer, o grau de exposição for grande, e o número de casos começar a subir muito, medidas mais drásticas terão que ser tomadas.

Nós estamos em que estágio da epidemia?

A gente está bem no começo da ascensão. Se não adotarmos medidas de controle, vamos começar a ter uma ascensão importante. Tudo vai depender de saber se a população vai aderir às medidas profiláticas.

Há razão para pânico?

Olha, temos que pensar que 80% dos casos são leves; outros 15% são mais graves e 5% são críticos. Esses casos mais graves estão concentrados entre os idosos e aqueles que têm outras doenças. Não há motivo de pânico, mas todos temos que tomar cuidado, inclusive os mais jovens, para não contribuir para o aumento dos casos e acabar atingindo a população mais vulnerável.

A quarentena é uma das medidas de contenção de epidemias mais antigas da humanidade. A China inovou isolando milhares de pessoas, cidades inteiras. Agora, a Itália está fazendo o mesmo... É a única coisaser feita?

Na Idade Média até tínhamos o isolamento de algumas cidades, mas era coisa de pequena monta. Na história atual, não tem precedentes a atitude radical da China, de isolar uma cidade inteira. Também é inédito o que a Itália está fazendo, instituir uma quarentena num país inteiro. Se fosse um vírus com uma letalidade de 10% não teríamos discussão. Mas como tem uma letalidade mais baixa, temos que colocar na balança, analisar a ascensão da epidemia por um lado e o impacto social e econômico do outro. É complicadíssimo.

É possível compararmos a atual epidemia à da gripe espanhola, de 1918?

Estamos a um século da gripe espanhola. O conhecimento que temos hoje é incomparável: taxas de letalidade, informações médicas. Naquela época nem conhecíamos o vírus. Em termos médicos, não tem comparação. Mas veja como é o pânico. Hoje, faltam álcool gel e máscaras nas lojas; naquela época, começou a faltar limão, cachaça e alho, que as pessoas acreditavam que podia curar a doença. As fake news também são semelhantes: o governo está escondendo informações, está morrendo muito mais gente do que é revelado. A história é igualzinha.

O senhor escreveu “A história da humanidade contada pelos vírus”. O que este vírus de agora revela sobre a nossa história?

Ele revela que temos uma quantidade grande de vírus circulando no meio selvagem, entre os animais selvagens, e toda vez que entramos nesse meio selvagem corremos riscos de nos expor. Foi assim com a Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars), que veio dos gatos selvagens; do ebola, que circula na selva, entre os primatas; dos vírus influenza. Se temos uma lição a tirar dessa epidemia é que precisamos ter mais rigor no contato com animais selvagens.

Receba no seu email as principais notícias do dia sobre o coronavírus. 

RIO - Ainda no início da epidemia do novo coronavírus, o Brasil depende do engajamento de sua população para evitar repetir a situação vivenciada pela Itália, com quarentena em todo o território nacional.A afirmação é do o infectologista Stefan Cunha Ujvari, do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, também autor de Pandemias: A Humanidade em Risco, que aponta a necessidade de ações preventivas para evitar um avanço da doença, que explodiu em outros países.

A seguir, os principais trechos da conversa.

Stefan Cunha Ujvari é infectologista e autor de um livro sobre pandemias Foto: Divulgação/Hospital Alemão Oswaldo Cruz

A OMS decretou pandemia do novo coronavírus. O que isso muda?

Em termos práticos, não muda muito. No caso do Brasil, o Ministério da Saúde já estava encarando como uma pandemia, monitorando as pessoas que voltavam das áreas afetadas. Além disso, trata-se de uma epidemia em tempo real: estamos acompanhando o aumento do número de casos em todos os países e, com isso, ampliando a nossa vigilância. Isso facilita muito.

Essa é a primeira pandemia desde a de 2009, da gripe suína. A situação hoje é mais grave?

Sempre temos que colocar na balança os cuidados que devemos tomar, o alerta à população, mas também não podemos levar ao pânico. Isso, muitas vezes, é uma dificuldade. Já estamos vendo que o vírus não é extremamente letal a ponto de causar pânico. Ainda há alguma incongruência nos dados, mas quando esmiuçamos os números vemos que, na Coréia, a letalidade é de menos de 1%. Na Itália é maior, chega a 5%, mas a população idosa é muito maior. Então, precisamos informar isso: é um vírus que, em indivíduos mais jovens, de até 50 anos, tem uma letalidade inferior a 1%. Mas essa letalidade vai aumentando depois dessa idade, podendo chegar a 14% na faixa dos 80 anos. A letalidade é também mais alta entre os que têm doenças debilitantes. 

O senhor acredita que em duas semanas poderemos estar vivendo uma situação como a atualmente enfrentada pela Itália?

É difícil dizer. O Ministério da Saúde e as secretarias estão batendo muito na tecla dos cuidados a serem tomados pela população. Então não dá para definir se vamos ter um número ascendente de casos ou não. O problema da Itália foi que o início da epidemia do covid-19 coincidiu com a da influenza sazonal e houve muitos diagnósticos errados. Aí a epidemia ganhou uma ascensão muito rápida. Por aqui, estamos tendo um monitoramento absoluto dos casos, e a população está sendo massacrada com informações sobre profilaxia. Então temos uma chance grande de conseguirmos ter uma ascensão da epidemia menor do que a da Itália.

O senhor acha possíveltermos medidas de isolamento aqui no Brasil?

Não há uma regra. As autoridades precisam colocar na balança a letalidade do vírus e a situação da epidemia por um lado e, por outro, o impacto de fechar escolas, repartições, teatros, cancelar eventos públicos. Quando falamos de ascensão da epidemia, levamos em conta duas coisas. Uma é a probabilidade de uma pessoa adoecer. Como é um vírus novo, para o qual ninguém tem imunidade, todo mundo pode adoecer.A outra é a exposição ao vírus: quanto mais pessoas expostas, maior a ascensão. Se as pessoas doentes forem rapidamente identificadas e seguirem as medidas profiláticas, ficarem em casa, se a população em geral lavar as mãos, essas coisas todas, a exposição é reduzida. Mas se isso não ocorrer, o grau de exposição for grande, e o número de casos começar a subir muito, medidas mais drásticas terão que ser tomadas.

Nós estamos em que estágio da epidemia?

A gente está bem no começo da ascensão. Se não adotarmos medidas de controle, vamos começar a ter uma ascensão importante. Tudo vai depender de saber se a população vai aderir às medidas profiláticas.

Há razão para pânico?

Olha, temos que pensar que 80% dos casos são leves; outros 15% são mais graves e 5% são críticos. Esses casos mais graves estão concentrados entre os idosos e aqueles que têm outras doenças. Não há motivo de pânico, mas todos temos que tomar cuidado, inclusive os mais jovens, para não contribuir para o aumento dos casos e acabar atingindo a população mais vulnerável.

A quarentena é uma das medidas de contenção de epidemias mais antigas da humanidade. A China inovou isolando milhares de pessoas, cidades inteiras. Agora, a Itália está fazendo o mesmo... É a única coisaser feita?

Na Idade Média até tínhamos o isolamento de algumas cidades, mas era coisa de pequena monta. Na história atual, não tem precedentes a atitude radical da China, de isolar uma cidade inteira. Também é inédito o que a Itália está fazendo, instituir uma quarentena num país inteiro. Se fosse um vírus com uma letalidade de 10% não teríamos discussão. Mas como tem uma letalidade mais baixa, temos que colocar na balança, analisar a ascensão da epidemia por um lado e o impacto social e econômico do outro. É complicadíssimo.

É possível compararmos a atual epidemia à da gripe espanhola, de 1918?

Estamos a um século da gripe espanhola. O conhecimento que temos hoje é incomparável: taxas de letalidade, informações médicas. Naquela época nem conhecíamos o vírus. Em termos médicos, não tem comparação. Mas veja como é o pânico. Hoje, faltam álcool gel e máscaras nas lojas; naquela época, começou a faltar limão, cachaça e alho, que as pessoas acreditavam que podia curar a doença. As fake news também são semelhantes: o governo está escondendo informações, está morrendo muito mais gente do que é revelado. A história é igualzinha.

O senhor escreveu “A história da humanidade contada pelos vírus”. O que este vírus de agora revela sobre a nossa história?

Ele revela que temos uma quantidade grande de vírus circulando no meio selvagem, entre os animais selvagens, e toda vez que entramos nesse meio selvagem corremos riscos de nos expor. Foi assim com a Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars), que veio dos gatos selvagens; do ebola, que circula na selva, entre os primatas; dos vírus influenza. Se temos uma lição a tirar dessa epidemia é que precisamos ter mais rigor no contato com animais selvagens.

Receba no seu email as principais notícias do dia sobre o coronavírus. 

RIO - Ainda no início da epidemia do novo coronavírus, o Brasil depende do engajamento de sua população para evitar repetir a situação vivenciada pela Itália, com quarentena em todo o território nacional.A afirmação é do o infectologista Stefan Cunha Ujvari, do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, também autor de Pandemias: A Humanidade em Risco, que aponta a necessidade de ações preventivas para evitar um avanço da doença, que explodiu em outros países.

A seguir, os principais trechos da conversa.

Stefan Cunha Ujvari é infectologista e autor de um livro sobre pandemias Foto: Divulgação/Hospital Alemão Oswaldo Cruz

A OMS decretou pandemia do novo coronavírus. O que isso muda?

Em termos práticos, não muda muito. No caso do Brasil, o Ministério da Saúde já estava encarando como uma pandemia, monitorando as pessoas que voltavam das áreas afetadas. Além disso, trata-se de uma epidemia em tempo real: estamos acompanhando o aumento do número de casos em todos os países e, com isso, ampliando a nossa vigilância. Isso facilita muito.

Essa é a primeira pandemia desde a de 2009, da gripe suína. A situação hoje é mais grave?

Sempre temos que colocar na balança os cuidados que devemos tomar, o alerta à população, mas também não podemos levar ao pânico. Isso, muitas vezes, é uma dificuldade. Já estamos vendo que o vírus não é extremamente letal a ponto de causar pânico. Ainda há alguma incongruência nos dados, mas quando esmiuçamos os números vemos que, na Coréia, a letalidade é de menos de 1%. Na Itália é maior, chega a 5%, mas a população idosa é muito maior. Então, precisamos informar isso: é um vírus que, em indivíduos mais jovens, de até 50 anos, tem uma letalidade inferior a 1%. Mas essa letalidade vai aumentando depois dessa idade, podendo chegar a 14% na faixa dos 80 anos. A letalidade é também mais alta entre os que têm doenças debilitantes. 

O senhor acredita que em duas semanas poderemos estar vivendo uma situação como a atualmente enfrentada pela Itália?

É difícil dizer. O Ministério da Saúde e as secretarias estão batendo muito na tecla dos cuidados a serem tomados pela população. Então não dá para definir se vamos ter um número ascendente de casos ou não. O problema da Itália foi que o início da epidemia do covid-19 coincidiu com a da influenza sazonal e houve muitos diagnósticos errados. Aí a epidemia ganhou uma ascensão muito rápida. Por aqui, estamos tendo um monitoramento absoluto dos casos, e a população está sendo massacrada com informações sobre profilaxia. Então temos uma chance grande de conseguirmos ter uma ascensão da epidemia menor do que a da Itália.

O senhor acha possíveltermos medidas de isolamento aqui no Brasil?

Não há uma regra. As autoridades precisam colocar na balança a letalidade do vírus e a situação da epidemia por um lado e, por outro, o impacto de fechar escolas, repartições, teatros, cancelar eventos públicos. Quando falamos de ascensão da epidemia, levamos em conta duas coisas. Uma é a probabilidade de uma pessoa adoecer. Como é um vírus novo, para o qual ninguém tem imunidade, todo mundo pode adoecer.A outra é a exposição ao vírus: quanto mais pessoas expostas, maior a ascensão. Se as pessoas doentes forem rapidamente identificadas e seguirem as medidas profiláticas, ficarem em casa, se a população em geral lavar as mãos, essas coisas todas, a exposição é reduzida. Mas se isso não ocorrer, o grau de exposição for grande, e o número de casos começar a subir muito, medidas mais drásticas terão que ser tomadas.

Nós estamos em que estágio da epidemia?

A gente está bem no começo da ascensão. Se não adotarmos medidas de controle, vamos começar a ter uma ascensão importante. Tudo vai depender de saber se a população vai aderir às medidas profiláticas.

Há razão para pânico?

Olha, temos que pensar que 80% dos casos são leves; outros 15% são mais graves e 5% são críticos. Esses casos mais graves estão concentrados entre os idosos e aqueles que têm outras doenças. Não há motivo de pânico, mas todos temos que tomar cuidado, inclusive os mais jovens, para não contribuir para o aumento dos casos e acabar atingindo a população mais vulnerável.

A quarentena é uma das medidas de contenção de epidemias mais antigas da humanidade. A China inovou isolando milhares de pessoas, cidades inteiras. Agora, a Itália está fazendo o mesmo... É a única coisaser feita?

Na Idade Média até tínhamos o isolamento de algumas cidades, mas era coisa de pequena monta. Na história atual, não tem precedentes a atitude radical da China, de isolar uma cidade inteira. Também é inédito o que a Itália está fazendo, instituir uma quarentena num país inteiro. Se fosse um vírus com uma letalidade de 10% não teríamos discussão. Mas como tem uma letalidade mais baixa, temos que colocar na balança, analisar a ascensão da epidemia por um lado e o impacto social e econômico do outro. É complicadíssimo.

É possível compararmos a atual epidemia à da gripe espanhola, de 1918?

Estamos a um século da gripe espanhola. O conhecimento que temos hoje é incomparável: taxas de letalidade, informações médicas. Naquela época nem conhecíamos o vírus. Em termos médicos, não tem comparação. Mas veja como é o pânico. Hoje, faltam álcool gel e máscaras nas lojas; naquela época, começou a faltar limão, cachaça e alho, que as pessoas acreditavam que podia curar a doença. As fake news também são semelhantes: o governo está escondendo informações, está morrendo muito mais gente do que é revelado. A história é igualzinha.

O senhor escreveu “A história da humanidade contada pelos vírus”. O que este vírus de agora revela sobre a nossa história?

Ele revela que temos uma quantidade grande de vírus circulando no meio selvagem, entre os animais selvagens, e toda vez que entramos nesse meio selvagem corremos riscos de nos expor. Foi assim com a Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars), que veio dos gatos selvagens; do ebola, que circula na selva, entre os primatas; dos vírus influenza. Se temos uma lição a tirar dessa epidemia é que precisamos ter mais rigor no contato com animais selvagens.

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