Brasil perde 18,3 mil leitos pediátricos em 17 anos, a maioria no SUS; entenda as razões


Queda de 25,6% na estrutura hospitalar infantil se deve a subfinanciamento e redução de demanda por internações

Por Fabiana Cambricoli
Atualização:

O Brasil perdeu 18,3 mil leitos pediátricos nos últimos 17 anos, o que representa uma redução de 25,6% no número de vagas hospitalares para crianças. O número total de leitos de internação infantis, somando leitos comuns e de terapia intensiva (UTIs) e semi-intensiva das redes pública e privada, caiu de 71.429 para 53.105 entre 2005 e 2022, segundo dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), sistema do Ministério da Saúde, compilados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass) a pedido do Estadão.

Questionado sobre a redução, o Ministério da Saúde apresentou números divergentes dos que constam no seu próprio site – o portal Datasus, de onde foram tirados os dados para o levantamento da reportagem. De acordo com as informações apresentadas pela pasta, houve aumento de leitos infantis no período analisado. A divergência gritante dos números oficiais do portal Datasus para os apresentados pela assessoria de imprensa do ministério não foi esclarecida (leia mais abaixo).

De acordo com os dados do CNES/Datasus, a maioria dos leitos fechados estava no sistema público de saúde, que teve queda de 35,8% no número de leitos comuns de internação (sem contar UTIs). A rede infantil privada também encolheu, com redução de 10% no total de camas hospitalares comuns.

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Considerando somente os leitos comuns de internação, foram 21,6 mil vagas perdidas nos últimos 17 anos, das quais 20,5 mil no Sistema Único de Saúde (SUS). Houve uma pequena compensação pelo ganho de 3,3 mil leitos de UTIs pediátricas no período – 1,4 mil no SUS e outros 1,9 mil na rede privada.

Apesar do aumento, o número atual ainda é considerado insuficiente para atender a demanda e distribuído de forma desigual entre as redes pública e privada. Isso porque 75% da população brasileira depende exclusivamente do SUS, mas somente 51% dos leitos de UTI infantis estão na rede pública.

Segundo especialistas e representantes do setor ouvidos pela reportagem, a melhora das condições de saúde das crianças observada nas últimas décadas graças a políticas de combate a pobreza e, principalmente, às ações de vacinação reduziu as internações por doenças preveníveis e ajuda a explicar a diminuição de leitos, mas não justifica tamanha queda.

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Repasses

Para eles, os repasses insuficientes do governo federal para custear leitos hospitalares, em especial os pediátricos, são a principal razão por trás da perda de estrutura hospitalar infantil. Fenômeno parecido ocorre com as operadoras de saúde, que, segundo especialistas, remuneram de forma menos vantajosa a prestação de serviço em pediatria em comparação com outras especialidades, tornando a área insustentável financeiramente.

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“Realmente, muitos atendimentos pediátricos passaram a ser ambulatoriais, mas essa não é a principal justificativa para a perda de leitos. O que ouvimos dos gestores hospitalares é que há uma distorção de valores praticadas na saúde pública e suplementar e que, especialmente na pediatria, esses leitos geram prejuízo, são deficitários”, afirma Fábio Guerra, diretor de defesa profissional da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).

Para o pediatra Graco Alvim, diretor da Federação Brasileira de Hospitais (FBH) e da Associação de Hospitais do Estado do Rio de Janeiro (AHERJ), as políticas de vacinação eficientes das últimas décadas reduziram a demanda por internações principalmente de crianças menores, mas o cenário de subfinanciamento fez com que o País fechasse mais leitos do que o recomendado. “Há regiões em que a criança precisa percorrer 100 quilômetros para ter acesso a um leito. Os valores pagos aos hospitais são baixos e não há um retorno no investimento em pediatria”, explica.

Segundo Nésio Fernandes, presidente do Conass, o Ministério da Saúde não agiu nos últimos anos para interromper a perda de leitos. “Observamos uma diminuição no incentivo federal e na coparticipação do custeio de leitos pediátricos, salvo algumas especialidades. Não há a habilitação federal de leitos clínicos pediátricos nem política federal de estruturação da atenção pediátrica hospitalar”, disse.

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Ele afirma ainda que, além do subfinanciamento que afeta os hospitais públicos, os estabelecimentos de saúde filantrópicos que fazem atendimentos pelo SUS, como as Santas Casas, também sofrem por serem remunerados pelos valores defasados da Tabela SUS, o que gera “desinteresse na contratualização pelos prestadores desses serviços”.

Maioria dos leitos fechados estava em unidades com atendimento SUS. Foto: Estadão

Foi justamente com a justificativa de “restabelecer seu equilíbrio econômico-financeiro” que o Grupo Santa Casa de Belo Horizonte decidiu fechar a ala de pediatria do Hospital São Lucas, um dos principais da rede privada da capital mineira. O encerramento do serviço aconteceu em setembro deste ano, com o fechamento de 29 leitos de internação infantis e outros cinco de CTI pediátrico, além do pronto atendimento destinado à especialidade.

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De acordo com Raquel Felisardo, superintendente assistencial e diretora técnica do Hospital São Lucas, a decisão de fechar o setor de pediatria foi tomada pela atual gestão com a finalidade de garantir a sustentabilidade do hospital, após “análise criteriosa dos resultados da instituição” feita pelo grupo empresarial com o apoio de duas empresas de auditoria externa.

Impactos na rede de urgência e nos procedimentos eletivos

Para os especialistas, com a redução de leitos pediátricos no País para um patamar insuficiente, unidades de urgência ficam sobrecarregadas com pacientes com quadros agudos e filas de espera por procedimentos eletivos tendem a aumentar. “Com menos leitos, eu diminuo a capacidade de procedimentos eletivos, como cirurgias, e esses casos ficam parados nas centrais de regulação esperando uma vaga. Isso nos preocupa muito porque vai repercutir negativamente na assistência da criança e do adolescente”, diz Fábio Guerra, da SBP.

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Outro problema é que, com a diminuição de oferta de leitos pediátricos, os hospitais que mantêm o atendimento na especialidade ficam sobrecarregados, em especial nos períodos de maior demanda de internações pediátricas, como quando há maior circulação de vírus respiratórios.

Referência em atendimento pediátrico na rede privada da cidade de São Paulo, o Hospital Infantil Sabará chegou a registrar em novembro 100% de ocupação, com fila de espera no pronto-socorro por leitos de internação, mesmo após abrir uma segunda unidade. Na época, havia um aumento simultâneo de casos de covid-19 e bronquiolite causada pelo vírus sincicial respiratório (VSR), o que ampliou muito a demanda por internações pediátricas.

“Tínhamos 110 leitos, abrimos uma segunda unidade com mais 50 leitos em outubro, mas a gente pretendia ir ocupando esse novo espaço de forma gradativa, até o meio do ano que vem. Só que em novembro precisamos ocupar 40 desses leitos por causa da demanda. Os outros dez só não ocupamos porque precisavam de algumas adequações”, relata a infectologista pediátrica Daniella Bomfim, diretora técnica do Sabará.

Ministério da Saúde diz ter ampliado investimento e número de leitos

Questionado sobre a redução de leitos pediátricos, o Ministério da Saúde informou que criou a Rede de Atenção Materna e Infantil (Rami), elevando de R$ 924 milhões para R$ 1,6 bilhão o investimento por ano na área. A pasta disse ainda que “cabe aos Estados e municípios identificar as necessidades e demandas de cada localidade, além de disponibilizar a assistência e abertura de leitos aos pacientes” e que o ministério repassa valores para custeio “quando solicitado pelas secretarias estaduais e municipais de Saúde”.

O órgão apresentou uma planilha que mostra que o número total de leitos pediátricos (clínicos e cirúrgicos) aumentou no período, passando de 182.974 em 2007 para 198.676 em 2022. Os números passados pela pasta são exatamente os mesmos que constam no portal Datasus para leitos clínicos e cirúrgicos adultos e divergem de forma expressiva do total mostrado pelo portal para leitos pediátricos do SUS (40.136).

A pasta foi alertada sobre o possível erro nos dados e questionada a esclarecer a divergência nos dados, mas apenas informou que a planilha enviada por e-mail deveria ser considerada a correta, sem explicar a diferença dos dados.

Além disso, em reportagem do Estadão publicada em 2017 mostrando o já existente problema da perda de leitos pediátricos, o próprio Ministério da Saúde admitia a queda. O Estadão questionou o órgão sobre a mudança de posicionamento de 2017 para cá, mas não obteve resposta.

A Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), que representa os planos de saúde, também foi procurada para comentar a remuneração das operadoras aos hospitais pelos serviços de pediatria, mas não se manifestou. /COLABOROU MARINA RIGUEIRA, ESPECIAL PARA O ESTADÃO

O Brasil perdeu 18,3 mil leitos pediátricos nos últimos 17 anos, o que representa uma redução de 25,6% no número de vagas hospitalares para crianças. O número total de leitos de internação infantis, somando leitos comuns e de terapia intensiva (UTIs) e semi-intensiva das redes pública e privada, caiu de 71.429 para 53.105 entre 2005 e 2022, segundo dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), sistema do Ministério da Saúde, compilados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass) a pedido do Estadão.

Questionado sobre a redução, o Ministério da Saúde apresentou números divergentes dos que constam no seu próprio site – o portal Datasus, de onde foram tirados os dados para o levantamento da reportagem. De acordo com as informações apresentadas pela pasta, houve aumento de leitos infantis no período analisado. A divergência gritante dos números oficiais do portal Datasus para os apresentados pela assessoria de imprensa do ministério não foi esclarecida (leia mais abaixo).

De acordo com os dados do CNES/Datasus, a maioria dos leitos fechados estava no sistema público de saúde, que teve queda de 35,8% no número de leitos comuns de internação (sem contar UTIs). A rede infantil privada também encolheu, com redução de 10% no total de camas hospitalares comuns.

Considerando somente os leitos comuns de internação, foram 21,6 mil vagas perdidas nos últimos 17 anos, das quais 20,5 mil no Sistema Único de Saúde (SUS). Houve uma pequena compensação pelo ganho de 3,3 mil leitos de UTIs pediátricas no período – 1,4 mil no SUS e outros 1,9 mil na rede privada.

Apesar do aumento, o número atual ainda é considerado insuficiente para atender a demanda e distribuído de forma desigual entre as redes pública e privada. Isso porque 75% da população brasileira depende exclusivamente do SUS, mas somente 51% dos leitos de UTI infantis estão na rede pública.

Segundo especialistas e representantes do setor ouvidos pela reportagem, a melhora das condições de saúde das crianças observada nas últimas décadas graças a políticas de combate a pobreza e, principalmente, às ações de vacinação reduziu as internações por doenças preveníveis e ajuda a explicar a diminuição de leitos, mas não justifica tamanha queda.

Repasses

Para eles, os repasses insuficientes do governo federal para custear leitos hospitalares, em especial os pediátricos, são a principal razão por trás da perda de estrutura hospitalar infantil. Fenômeno parecido ocorre com as operadoras de saúde, que, segundo especialistas, remuneram de forma menos vantajosa a prestação de serviço em pediatria em comparação com outras especialidades, tornando a área insustentável financeiramente.

“Realmente, muitos atendimentos pediátricos passaram a ser ambulatoriais, mas essa não é a principal justificativa para a perda de leitos. O que ouvimos dos gestores hospitalares é que há uma distorção de valores praticadas na saúde pública e suplementar e que, especialmente na pediatria, esses leitos geram prejuízo, são deficitários”, afirma Fábio Guerra, diretor de defesa profissional da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).

Para o pediatra Graco Alvim, diretor da Federação Brasileira de Hospitais (FBH) e da Associação de Hospitais do Estado do Rio de Janeiro (AHERJ), as políticas de vacinação eficientes das últimas décadas reduziram a demanda por internações principalmente de crianças menores, mas o cenário de subfinanciamento fez com que o País fechasse mais leitos do que o recomendado. “Há regiões em que a criança precisa percorrer 100 quilômetros para ter acesso a um leito. Os valores pagos aos hospitais são baixos e não há um retorno no investimento em pediatria”, explica.

Segundo Nésio Fernandes, presidente do Conass, o Ministério da Saúde não agiu nos últimos anos para interromper a perda de leitos. “Observamos uma diminuição no incentivo federal e na coparticipação do custeio de leitos pediátricos, salvo algumas especialidades. Não há a habilitação federal de leitos clínicos pediátricos nem política federal de estruturação da atenção pediátrica hospitalar”, disse.

Ele afirma ainda que, além do subfinanciamento que afeta os hospitais públicos, os estabelecimentos de saúde filantrópicos que fazem atendimentos pelo SUS, como as Santas Casas, também sofrem por serem remunerados pelos valores defasados da Tabela SUS, o que gera “desinteresse na contratualização pelos prestadores desses serviços”.

Maioria dos leitos fechados estava em unidades com atendimento SUS. Foto: Estadão

Foi justamente com a justificativa de “restabelecer seu equilíbrio econômico-financeiro” que o Grupo Santa Casa de Belo Horizonte decidiu fechar a ala de pediatria do Hospital São Lucas, um dos principais da rede privada da capital mineira. O encerramento do serviço aconteceu em setembro deste ano, com o fechamento de 29 leitos de internação infantis e outros cinco de CTI pediátrico, além do pronto atendimento destinado à especialidade.

De acordo com Raquel Felisardo, superintendente assistencial e diretora técnica do Hospital São Lucas, a decisão de fechar o setor de pediatria foi tomada pela atual gestão com a finalidade de garantir a sustentabilidade do hospital, após “análise criteriosa dos resultados da instituição” feita pelo grupo empresarial com o apoio de duas empresas de auditoria externa.

Impactos na rede de urgência e nos procedimentos eletivos

Para os especialistas, com a redução de leitos pediátricos no País para um patamar insuficiente, unidades de urgência ficam sobrecarregadas com pacientes com quadros agudos e filas de espera por procedimentos eletivos tendem a aumentar. “Com menos leitos, eu diminuo a capacidade de procedimentos eletivos, como cirurgias, e esses casos ficam parados nas centrais de regulação esperando uma vaga. Isso nos preocupa muito porque vai repercutir negativamente na assistência da criança e do adolescente”, diz Fábio Guerra, da SBP.

Outro problema é que, com a diminuição de oferta de leitos pediátricos, os hospitais que mantêm o atendimento na especialidade ficam sobrecarregados, em especial nos períodos de maior demanda de internações pediátricas, como quando há maior circulação de vírus respiratórios.

Referência em atendimento pediátrico na rede privada da cidade de São Paulo, o Hospital Infantil Sabará chegou a registrar em novembro 100% de ocupação, com fila de espera no pronto-socorro por leitos de internação, mesmo após abrir uma segunda unidade. Na época, havia um aumento simultâneo de casos de covid-19 e bronquiolite causada pelo vírus sincicial respiratório (VSR), o que ampliou muito a demanda por internações pediátricas.

“Tínhamos 110 leitos, abrimos uma segunda unidade com mais 50 leitos em outubro, mas a gente pretendia ir ocupando esse novo espaço de forma gradativa, até o meio do ano que vem. Só que em novembro precisamos ocupar 40 desses leitos por causa da demanda. Os outros dez só não ocupamos porque precisavam de algumas adequações”, relata a infectologista pediátrica Daniella Bomfim, diretora técnica do Sabará.

Ministério da Saúde diz ter ampliado investimento e número de leitos

Questionado sobre a redução de leitos pediátricos, o Ministério da Saúde informou que criou a Rede de Atenção Materna e Infantil (Rami), elevando de R$ 924 milhões para R$ 1,6 bilhão o investimento por ano na área. A pasta disse ainda que “cabe aos Estados e municípios identificar as necessidades e demandas de cada localidade, além de disponibilizar a assistência e abertura de leitos aos pacientes” e que o ministério repassa valores para custeio “quando solicitado pelas secretarias estaduais e municipais de Saúde”.

O órgão apresentou uma planilha que mostra que o número total de leitos pediátricos (clínicos e cirúrgicos) aumentou no período, passando de 182.974 em 2007 para 198.676 em 2022. Os números passados pela pasta são exatamente os mesmos que constam no portal Datasus para leitos clínicos e cirúrgicos adultos e divergem de forma expressiva do total mostrado pelo portal para leitos pediátricos do SUS (40.136).

A pasta foi alertada sobre o possível erro nos dados e questionada a esclarecer a divergência nos dados, mas apenas informou que a planilha enviada por e-mail deveria ser considerada a correta, sem explicar a diferença dos dados.

Além disso, em reportagem do Estadão publicada em 2017 mostrando o já existente problema da perda de leitos pediátricos, o próprio Ministério da Saúde admitia a queda. O Estadão questionou o órgão sobre a mudança de posicionamento de 2017 para cá, mas não obteve resposta.

A Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), que representa os planos de saúde, também foi procurada para comentar a remuneração das operadoras aos hospitais pelos serviços de pediatria, mas não se manifestou. /COLABOROU MARINA RIGUEIRA, ESPECIAL PARA O ESTADÃO

O Brasil perdeu 18,3 mil leitos pediátricos nos últimos 17 anos, o que representa uma redução de 25,6% no número de vagas hospitalares para crianças. O número total de leitos de internação infantis, somando leitos comuns e de terapia intensiva (UTIs) e semi-intensiva das redes pública e privada, caiu de 71.429 para 53.105 entre 2005 e 2022, segundo dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), sistema do Ministério da Saúde, compilados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass) a pedido do Estadão.

Questionado sobre a redução, o Ministério da Saúde apresentou números divergentes dos que constam no seu próprio site – o portal Datasus, de onde foram tirados os dados para o levantamento da reportagem. De acordo com as informações apresentadas pela pasta, houve aumento de leitos infantis no período analisado. A divergência gritante dos números oficiais do portal Datasus para os apresentados pela assessoria de imprensa do ministério não foi esclarecida (leia mais abaixo).

De acordo com os dados do CNES/Datasus, a maioria dos leitos fechados estava no sistema público de saúde, que teve queda de 35,8% no número de leitos comuns de internação (sem contar UTIs). A rede infantil privada também encolheu, com redução de 10% no total de camas hospitalares comuns.

Considerando somente os leitos comuns de internação, foram 21,6 mil vagas perdidas nos últimos 17 anos, das quais 20,5 mil no Sistema Único de Saúde (SUS). Houve uma pequena compensação pelo ganho de 3,3 mil leitos de UTIs pediátricas no período – 1,4 mil no SUS e outros 1,9 mil na rede privada.

Apesar do aumento, o número atual ainda é considerado insuficiente para atender a demanda e distribuído de forma desigual entre as redes pública e privada. Isso porque 75% da população brasileira depende exclusivamente do SUS, mas somente 51% dos leitos de UTI infantis estão na rede pública.

Segundo especialistas e representantes do setor ouvidos pela reportagem, a melhora das condições de saúde das crianças observada nas últimas décadas graças a políticas de combate a pobreza e, principalmente, às ações de vacinação reduziu as internações por doenças preveníveis e ajuda a explicar a diminuição de leitos, mas não justifica tamanha queda.

Repasses

Para eles, os repasses insuficientes do governo federal para custear leitos hospitalares, em especial os pediátricos, são a principal razão por trás da perda de estrutura hospitalar infantil. Fenômeno parecido ocorre com as operadoras de saúde, que, segundo especialistas, remuneram de forma menos vantajosa a prestação de serviço em pediatria em comparação com outras especialidades, tornando a área insustentável financeiramente.

“Realmente, muitos atendimentos pediátricos passaram a ser ambulatoriais, mas essa não é a principal justificativa para a perda de leitos. O que ouvimos dos gestores hospitalares é que há uma distorção de valores praticadas na saúde pública e suplementar e que, especialmente na pediatria, esses leitos geram prejuízo, são deficitários”, afirma Fábio Guerra, diretor de defesa profissional da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).

Para o pediatra Graco Alvim, diretor da Federação Brasileira de Hospitais (FBH) e da Associação de Hospitais do Estado do Rio de Janeiro (AHERJ), as políticas de vacinação eficientes das últimas décadas reduziram a demanda por internações principalmente de crianças menores, mas o cenário de subfinanciamento fez com que o País fechasse mais leitos do que o recomendado. “Há regiões em que a criança precisa percorrer 100 quilômetros para ter acesso a um leito. Os valores pagos aos hospitais são baixos e não há um retorno no investimento em pediatria”, explica.

Segundo Nésio Fernandes, presidente do Conass, o Ministério da Saúde não agiu nos últimos anos para interromper a perda de leitos. “Observamos uma diminuição no incentivo federal e na coparticipação do custeio de leitos pediátricos, salvo algumas especialidades. Não há a habilitação federal de leitos clínicos pediátricos nem política federal de estruturação da atenção pediátrica hospitalar”, disse.

Ele afirma ainda que, além do subfinanciamento que afeta os hospitais públicos, os estabelecimentos de saúde filantrópicos que fazem atendimentos pelo SUS, como as Santas Casas, também sofrem por serem remunerados pelos valores defasados da Tabela SUS, o que gera “desinteresse na contratualização pelos prestadores desses serviços”.

Maioria dos leitos fechados estava em unidades com atendimento SUS. Foto: Estadão

Foi justamente com a justificativa de “restabelecer seu equilíbrio econômico-financeiro” que o Grupo Santa Casa de Belo Horizonte decidiu fechar a ala de pediatria do Hospital São Lucas, um dos principais da rede privada da capital mineira. O encerramento do serviço aconteceu em setembro deste ano, com o fechamento de 29 leitos de internação infantis e outros cinco de CTI pediátrico, além do pronto atendimento destinado à especialidade.

De acordo com Raquel Felisardo, superintendente assistencial e diretora técnica do Hospital São Lucas, a decisão de fechar o setor de pediatria foi tomada pela atual gestão com a finalidade de garantir a sustentabilidade do hospital, após “análise criteriosa dos resultados da instituição” feita pelo grupo empresarial com o apoio de duas empresas de auditoria externa.

Impactos na rede de urgência e nos procedimentos eletivos

Para os especialistas, com a redução de leitos pediátricos no País para um patamar insuficiente, unidades de urgência ficam sobrecarregadas com pacientes com quadros agudos e filas de espera por procedimentos eletivos tendem a aumentar. “Com menos leitos, eu diminuo a capacidade de procedimentos eletivos, como cirurgias, e esses casos ficam parados nas centrais de regulação esperando uma vaga. Isso nos preocupa muito porque vai repercutir negativamente na assistência da criança e do adolescente”, diz Fábio Guerra, da SBP.

Outro problema é que, com a diminuição de oferta de leitos pediátricos, os hospitais que mantêm o atendimento na especialidade ficam sobrecarregados, em especial nos períodos de maior demanda de internações pediátricas, como quando há maior circulação de vírus respiratórios.

Referência em atendimento pediátrico na rede privada da cidade de São Paulo, o Hospital Infantil Sabará chegou a registrar em novembro 100% de ocupação, com fila de espera no pronto-socorro por leitos de internação, mesmo após abrir uma segunda unidade. Na época, havia um aumento simultâneo de casos de covid-19 e bronquiolite causada pelo vírus sincicial respiratório (VSR), o que ampliou muito a demanda por internações pediátricas.

“Tínhamos 110 leitos, abrimos uma segunda unidade com mais 50 leitos em outubro, mas a gente pretendia ir ocupando esse novo espaço de forma gradativa, até o meio do ano que vem. Só que em novembro precisamos ocupar 40 desses leitos por causa da demanda. Os outros dez só não ocupamos porque precisavam de algumas adequações”, relata a infectologista pediátrica Daniella Bomfim, diretora técnica do Sabará.

Ministério da Saúde diz ter ampliado investimento e número de leitos

Questionado sobre a redução de leitos pediátricos, o Ministério da Saúde informou que criou a Rede de Atenção Materna e Infantil (Rami), elevando de R$ 924 milhões para R$ 1,6 bilhão o investimento por ano na área. A pasta disse ainda que “cabe aos Estados e municípios identificar as necessidades e demandas de cada localidade, além de disponibilizar a assistência e abertura de leitos aos pacientes” e que o ministério repassa valores para custeio “quando solicitado pelas secretarias estaduais e municipais de Saúde”.

O órgão apresentou uma planilha que mostra que o número total de leitos pediátricos (clínicos e cirúrgicos) aumentou no período, passando de 182.974 em 2007 para 198.676 em 2022. Os números passados pela pasta são exatamente os mesmos que constam no portal Datasus para leitos clínicos e cirúrgicos adultos e divergem de forma expressiva do total mostrado pelo portal para leitos pediátricos do SUS (40.136).

A pasta foi alertada sobre o possível erro nos dados e questionada a esclarecer a divergência nos dados, mas apenas informou que a planilha enviada por e-mail deveria ser considerada a correta, sem explicar a diferença dos dados.

Além disso, em reportagem do Estadão publicada em 2017 mostrando o já existente problema da perda de leitos pediátricos, o próprio Ministério da Saúde admitia a queda. O Estadão questionou o órgão sobre a mudança de posicionamento de 2017 para cá, mas não obteve resposta.

A Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), que representa os planos de saúde, também foi procurada para comentar a remuneração das operadoras aos hospitais pelos serviços de pediatria, mas não se manifestou. /COLABOROU MARINA RIGUEIRA, ESPECIAL PARA O ESTADÃO

O Brasil perdeu 18,3 mil leitos pediátricos nos últimos 17 anos, o que representa uma redução de 25,6% no número de vagas hospitalares para crianças. O número total de leitos de internação infantis, somando leitos comuns e de terapia intensiva (UTIs) e semi-intensiva das redes pública e privada, caiu de 71.429 para 53.105 entre 2005 e 2022, segundo dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), sistema do Ministério da Saúde, compilados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass) a pedido do Estadão.

Questionado sobre a redução, o Ministério da Saúde apresentou números divergentes dos que constam no seu próprio site – o portal Datasus, de onde foram tirados os dados para o levantamento da reportagem. De acordo com as informações apresentadas pela pasta, houve aumento de leitos infantis no período analisado. A divergência gritante dos números oficiais do portal Datasus para os apresentados pela assessoria de imprensa do ministério não foi esclarecida (leia mais abaixo).

De acordo com os dados do CNES/Datasus, a maioria dos leitos fechados estava no sistema público de saúde, que teve queda de 35,8% no número de leitos comuns de internação (sem contar UTIs). A rede infantil privada também encolheu, com redução de 10% no total de camas hospitalares comuns.

Considerando somente os leitos comuns de internação, foram 21,6 mil vagas perdidas nos últimos 17 anos, das quais 20,5 mil no Sistema Único de Saúde (SUS). Houve uma pequena compensação pelo ganho de 3,3 mil leitos de UTIs pediátricas no período – 1,4 mil no SUS e outros 1,9 mil na rede privada.

Apesar do aumento, o número atual ainda é considerado insuficiente para atender a demanda e distribuído de forma desigual entre as redes pública e privada. Isso porque 75% da população brasileira depende exclusivamente do SUS, mas somente 51% dos leitos de UTI infantis estão na rede pública.

Segundo especialistas e representantes do setor ouvidos pela reportagem, a melhora das condições de saúde das crianças observada nas últimas décadas graças a políticas de combate a pobreza e, principalmente, às ações de vacinação reduziu as internações por doenças preveníveis e ajuda a explicar a diminuição de leitos, mas não justifica tamanha queda.

Repasses

Para eles, os repasses insuficientes do governo federal para custear leitos hospitalares, em especial os pediátricos, são a principal razão por trás da perda de estrutura hospitalar infantil. Fenômeno parecido ocorre com as operadoras de saúde, que, segundo especialistas, remuneram de forma menos vantajosa a prestação de serviço em pediatria em comparação com outras especialidades, tornando a área insustentável financeiramente.

“Realmente, muitos atendimentos pediátricos passaram a ser ambulatoriais, mas essa não é a principal justificativa para a perda de leitos. O que ouvimos dos gestores hospitalares é que há uma distorção de valores praticadas na saúde pública e suplementar e que, especialmente na pediatria, esses leitos geram prejuízo, são deficitários”, afirma Fábio Guerra, diretor de defesa profissional da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).

Para o pediatra Graco Alvim, diretor da Federação Brasileira de Hospitais (FBH) e da Associação de Hospitais do Estado do Rio de Janeiro (AHERJ), as políticas de vacinação eficientes das últimas décadas reduziram a demanda por internações principalmente de crianças menores, mas o cenário de subfinanciamento fez com que o País fechasse mais leitos do que o recomendado. “Há regiões em que a criança precisa percorrer 100 quilômetros para ter acesso a um leito. Os valores pagos aos hospitais são baixos e não há um retorno no investimento em pediatria”, explica.

Segundo Nésio Fernandes, presidente do Conass, o Ministério da Saúde não agiu nos últimos anos para interromper a perda de leitos. “Observamos uma diminuição no incentivo federal e na coparticipação do custeio de leitos pediátricos, salvo algumas especialidades. Não há a habilitação federal de leitos clínicos pediátricos nem política federal de estruturação da atenção pediátrica hospitalar”, disse.

Ele afirma ainda que, além do subfinanciamento que afeta os hospitais públicos, os estabelecimentos de saúde filantrópicos que fazem atendimentos pelo SUS, como as Santas Casas, também sofrem por serem remunerados pelos valores defasados da Tabela SUS, o que gera “desinteresse na contratualização pelos prestadores desses serviços”.

Maioria dos leitos fechados estava em unidades com atendimento SUS. Foto: Estadão

Foi justamente com a justificativa de “restabelecer seu equilíbrio econômico-financeiro” que o Grupo Santa Casa de Belo Horizonte decidiu fechar a ala de pediatria do Hospital São Lucas, um dos principais da rede privada da capital mineira. O encerramento do serviço aconteceu em setembro deste ano, com o fechamento de 29 leitos de internação infantis e outros cinco de CTI pediátrico, além do pronto atendimento destinado à especialidade.

De acordo com Raquel Felisardo, superintendente assistencial e diretora técnica do Hospital São Lucas, a decisão de fechar o setor de pediatria foi tomada pela atual gestão com a finalidade de garantir a sustentabilidade do hospital, após “análise criteriosa dos resultados da instituição” feita pelo grupo empresarial com o apoio de duas empresas de auditoria externa.

Impactos na rede de urgência e nos procedimentos eletivos

Para os especialistas, com a redução de leitos pediátricos no País para um patamar insuficiente, unidades de urgência ficam sobrecarregadas com pacientes com quadros agudos e filas de espera por procedimentos eletivos tendem a aumentar. “Com menos leitos, eu diminuo a capacidade de procedimentos eletivos, como cirurgias, e esses casos ficam parados nas centrais de regulação esperando uma vaga. Isso nos preocupa muito porque vai repercutir negativamente na assistência da criança e do adolescente”, diz Fábio Guerra, da SBP.

Outro problema é que, com a diminuição de oferta de leitos pediátricos, os hospitais que mantêm o atendimento na especialidade ficam sobrecarregados, em especial nos períodos de maior demanda de internações pediátricas, como quando há maior circulação de vírus respiratórios.

Referência em atendimento pediátrico na rede privada da cidade de São Paulo, o Hospital Infantil Sabará chegou a registrar em novembro 100% de ocupação, com fila de espera no pronto-socorro por leitos de internação, mesmo após abrir uma segunda unidade. Na época, havia um aumento simultâneo de casos de covid-19 e bronquiolite causada pelo vírus sincicial respiratório (VSR), o que ampliou muito a demanda por internações pediátricas.

“Tínhamos 110 leitos, abrimos uma segunda unidade com mais 50 leitos em outubro, mas a gente pretendia ir ocupando esse novo espaço de forma gradativa, até o meio do ano que vem. Só que em novembro precisamos ocupar 40 desses leitos por causa da demanda. Os outros dez só não ocupamos porque precisavam de algumas adequações”, relata a infectologista pediátrica Daniella Bomfim, diretora técnica do Sabará.

Ministério da Saúde diz ter ampliado investimento e número de leitos

Questionado sobre a redução de leitos pediátricos, o Ministério da Saúde informou que criou a Rede de Atenção Materna e Infantil (Rami), elevando de R$ 924 milhões para R$ 1,6 bilhão o investimento por ano na área. A pasta disse ainda que “cabe aos Estados e municípios identificar as necessidades e demandas de cada localidade, além de disponibilizar a assistência e abertura de leitos aos pacientes” e que o ministério repassa valores para custeio “quando solicitado pelas secretarias estaduais e municipais de Saúde”.

O órgão apresentou uma planilha que mostra que o número total de leitos pediátricos (clínicos e cirúrgicos) aumentou no período, passando de 182.974 em 2007 para 198.676 em 2022. Os números passados pela pasta são exatamente os mesmos que constam no portal Datasus para leitos clínicos e cirúrgicos adultos e divergem de forma expressiva do total mostrado pelo portal para leitos pediátricos do SUS (40.136).

A pasta foi alertada sobre o possível erro nos dados e questionada a esclarecer a divergência nos dados, mas apenas informou que a planilha enviada por e-mail deveria ser considerada a correta, sem explicar a diferença dos dados.

Além disso, em reportagem do Estadão publicada em 2017 mostrando o já existente problema da perda de leitos pediátricos, o próprio Ministério da Saúde admitia a queda. O Estadão questionou o órgão sobre a mudança de posicionamento de 2017 para cá, mas não obteve resposta.

A Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), que representa os planos de saúde, também foi procurada para comentar a remuneração das operadoras aos hospitais pelos serviços de pediatria, mas não se manifestou. /COLABOROU MARINA RIGUEIRA, ESPECIAL PARA O ESTADÃO

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