Dimas Covas, presidente do Instituto Butantã, afirmou em coletiva de imprensa nesta terça-feira, 10, que o "evento adverso grave" observado em um voluntário brasileiro da Coronavac não teve nenhuma relação com os testes do imunizante. "O evento adverso foi analisado e não teve relação com a vacina. E essa informação está de posse da Anvisa desde o dia 6", afirmou. Ele disse esperar que a agência reguladora autorize a retomada dos testes no País entre esta terça e quarta-feira.
Covas e membros do governo estadual disseram estar chocados e indignados com a decisão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em paralisar o estudo. "Não seria mais justo, mais ético, mais compreensível marcar a reunião para discutir isso?", questionou, após dizer que foi notificado da decisão por e-mail na noite desta segunda, 9, apenas 20 minutos antes de a notícia ter sido divulgada pela imprensa, por onde ele afirma que ficou ciente da ordem.
Segundo o governo de São Paulo, a Anvisa foi informada do evento adverso no último dia 6, já com a declaração de que ele não tinha nenhuma relação com a vacina. "Quero acreditar que a Anvisa seja técnica e independente. Desde a sua constituição, essa independência e parte técnica do órgão é fundamental. A Anvisa é a guardiã sanitária do País e tem de se preocupar, sim, com tudo o que é relacionado à saúde, e ter critérios", defendeu Covas. "Se esse episódio representa alguma mudança [na postura técnica], não creio e não quero acreditar. Vou atribuir isso a uma dificuldade de comunicação, preocupação exagerada e fatores que podem ser resolvidos rapidamente. Quero acreditar nisso."
"A Anvisa recebe um formulário padronizado por envio eletrônico e, hoje, solicitou dentre os dados, esclarecimentos adicionais e detalhes das investigações que foram feitas. Agora, foram fornecidos todos os elementos disponíveis para que ela possa concluir rapidamente o caso”, explicou o presidente do instituto, que disse não entender o critério da agência para não aceitar os dados apresentados pelo Butantã. “Nós oferecemos os elementos para que não ocorresse a suspensão do estudo. Quem tomou a decisão foi a Anvisa, ela que precisa dizer porque suspendeu. Ela está apta a tomar a decisão de retomar o estudo o quanto antes possível."
O presidente do Butantã voltou a afirmar que a Coronavac é "a vacina mais segura das que estão em estudo até o momento". O instituto disse ainda que não pode divulgar detalhes sobre o evento adverso por regras de sigilo e que cabe à Anvisa revelar isso, já que a agência teria todas as informações. Ele também garantiu que os outros voluntários brasileiros que participam dessa fase não terão nenhuma reação adversa. "Eu afianço isso." A única informação divulgada é que o voluntário era do centro de estudo do Hospital das Clínicas da USP e o evento teria ocorrido 25 dias após ele ter participado do teste.
"Se vocês pudessem ter acesso às informações que temos, poderiam identificar o quão injusto está sendo essa penalidade e suspensão de continuidade dos estudos da fase 3 da vacina desenvolvida pelo Butantã", frisou João Gabbardo, coordenador do Centro de Contingência da Covid-19 de São Paulo. Covas explicou que um "evento adverso" não é o mesmo que "reação adversa", esta sim em geral relacionada à própria vacina. Ele e o secretário de Saúde do Estado, Jean Gorinchteyn, exemplificaram que um evento adverso poderia ser um atropelamento. "Uma pessoa é atropelada quando sai de casa e morre - não estou dizendo que foi esse o caso - é um evento adverso. Isso é reportado, mas é um óbito pelo acidente, pela causa externa, sem nenhuma relação com a vacina."
De acordo com comunicado divulgado pelo infectologista Esper Kallás, principal pesquisador do estudo, a equipe de investigadores fez análises criteriosas sobre o ocorrido e também concluiu que o evento não está relacionado à vacina em teste. "Fomentar esse descrédito gratuito a troco de quê?", questionou o presidente do Butantã sobre a interrupção dos testes. "Mesmo com posse desses dados, a Anvisa nos avisou às 20h40, marcando uma reunião para hoje de manhã e avisando sobre a suspensão do estudo. É uma decisão que causa medo e incerteza."
"Nesse estudo clínico tivemos reações adversas, eu mesmo as apresentei, foram leves. Não tivemos nenhuma reação grave. Não tivemos e continuamos a não ter. E podemos ter eventos adversos na população do estudo. É um acontecimento, mas que não tem relação direta com a vacina. São mais de 10 mil pessoas em acompanhamento e podemos ter os eventos mais diversos possíveis", afirmou.
"É impossível que haja relacionamento desse evento com a vacina", frisou Covas. "O efeito de determinado medicamento no organismo tem um tempo até que ele possa agir. A partir de um determinado período, ele não tem mais efeito. O intervalo entre a tomada da suposta vacina, que pode ser placebo, e o evento foi maior do que três semanas", reforçou Gabbardo.
Após a medida da Anvisa, a Coronavac não pode mais ser aplicada em nenhum dos voluntários. A vacina, entretanto, continua sendo testada em outros países. Na Indonésia, a farmacêutica estatal Bio Farm afirmou que o imunizante seguirá na fase clínica de testes, que envolvem 1,6 mil pessoas na província de West Java.
Em comunicado divulgado nesta terça, a Sinovac diz que entrou em contato com o Butantã após descobrir sobre a suspensão dos testes pela imprensa. "O diretor do Instituto nos disse que acredita que esse evento adverso grave não tem relação com a vacina. A Sinovac vai continuar falando com o Brasil sobre o assunto. O estudo clínico no Brasil é feito de acordo com o padrão internacional de Boas Práticas Clínicas (GCP, na sigla em inglês) e estamos confiantes na segurança da vacina", afirmou.
A paralisação da Coronavac no Brasil foi celebrada por Jair Bolsonaro por meio de um comentário publicado em seu perfil oficial nas redes sociais. "Morte, invalidez, anomalia. Esta é a vacina que o Dória queria obrigar a todos os paulistanos tomá-la. O Presidente disse que a vacina jamais poderia ser obrigatória. Mais uma que Jair Bolsonaro ganha", publicou. Ainda não foi confirmado se o voluntário teria recebido placebo ou o imunizante.
Desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac e produzida no Brasil pelo Instituto Butantã, a Coronavac já foi aplicada em mais de 10 mil voluntários pelo País. Sua suspensão foi anunciada no mesmo dia que o governador João Doria afirmou que o primeiro lote dos imunizantes chegaria a São Paulo no próximo dia 20.
Em dados divulgados no mês passado, o Butantã afirmou que a incidência de eventos adversos entre os voluntários foi de 35% ante pelo menos 70% nas outras vacinas testadas. A comparação foi feita com dados das pesquisas de outros quatro imunizantes em estudos: Moderna, Pfizer/BioNTech, Oxford/AstraZeneca e CanSino.
De acordo com especialistas, o registro de eventos adversos é comum nesta etapa de pesquisas de imunizantes, mas sempre precisam ser investigados para se determinar a origem do problema. A pesquisa da vacina da Universidade de Oxford, em parceria com a farmacêutica AstraZeneca, também teve os testes interrompidos pelo menos duas vezes por causa de efeitos adversos graves, mas os estudos foram retomados após análises de comitê independente de cientistas.