Para evitar mais casos de câncer de ovário, um grande grupo de pesquisa está sugerindo uma estratégia agressiva de prevenção: remover as trompas de Falópio da mulher se ela for submetida a uma cirurgia pélvica por outro motivo.
A prática se aplicaria a mulheres, homens trans ou pessoas não binárias em risco médio que não planejam ter filhos. As trompas de Falópio são estruturas ocas que permitem que os óvulos se desloquem dos ovários para o útero.
A orientação para removê-las, incluída em uma nova declaração de consenso da Ovarian Cancer Research Alliance (OCRA), não é totalmente nova: reflete conversas que muitos médicos já têm com suas pacientes e espelha as diretrizes de pelo menos dois grupos médicos.
Mas o conselho certamente chamará mais atenção para a remoção das trompas de Falópio como forma de diminuir o risco de câncer de ovário.
“Posso garantir que essas conversas estão acontecendo”, afirma Arif Kamal, diretor de pacientes da Sociedade Americana de Câncer. “É um grupo importante que se manifestou e disse: ‘Realmente achamos que essas conversas devem acontecer com bastante regularidade’”.
Aqui estão as respostas para perguntas comuns sobre as recomendações, o que é a cirurgia das trompas de Falópio, chamada de salpingectomia oportunista, e se mais pessoas devem pensar em fazê-la.
De onde vem esse novo conselho?
A Ovarian Cancer Research Alliance, um importante grupo de pesquisa sobre o câncer, publicou recentemente uma declaração de consenso encorajando pacientes a considerar a remoção preventiva das trompas de Falópio se forem submetidas a cirurgia pélvica para outro problema não canceroso, como histerectomia, ligadura de trompas, cistos e endometriose.
O grupo observa que, como “as trompas de Falópio são a origem da maioria dos cânceres serosos de alto grau, sua remoção demonstrou reduzir drasticamente o risco de um diagnóstico posterior de câncer de ovário”.
As recomendações do grupo, relatadas pela primeira vez no New York Times, também incentivam as mulheres e qualquer pessoa nascida com ovários a descobrir mais sobre seu risco genético de câncer de ovário. Quem têm genes de câncer BRCA1 e BRCA2 ou um forte histórico familiar de câncer de ovário recebe conselho para remover as trompas de Falópio e os ovários após ter os filhos planejados ou planejar não ter filhos.
Por que a remoção das trompas de Falópio está sendo recomendada para mais mulheres?
Os esforços para identificar um teste de triagem para câncer de ovário falharam. Um grande ensaio clínico britânico usou exames de imagem e sangue na esperança de encontrar câncer de ovário em estágios iniciais, mas os resultados mostraram que os testes não reduziram as mortes pela doença.
“Sabíamos que era um estudo importante. Sabíamos que precisávamos mudar a conversa porque somos a maior organização de câncer de ovário do mundo e tínhamos uma responsabilidade”, disse Audra Moran, presidente e diretora executiva da Ovarian Cancer Research Alliance (OCRA).
“Também sabíamos que a mensagem não seria bem recebida”, disse Moran, explicando que o conceito de que a detecção precoce salvaria vidas estava arraigado na comunidade. “Este estudo mostra claramente que não”.
Kamal observou que, embora as mamografias possam identificar cânceres de mama em estágio inicial, “não existe uma mamografia equivalente para os ovários e as trompas de Falópio”.
O câncer de ovário não é comum, mas é mortal e geralmente ocorre em mulheres sem fatores de risco conhecidos. De acordo com a Sociedade Americana de Câncer, a cada ano 19.710 mulheres são diagnosticadas com câncer de ovário nos Estados Unidos e cerca de 13 mil mulheres morrem por causa disso.
Bhavana Pothuri, oncologista ginecológica da NYU Langone, disse que houve uma “mudança de pensamento” nos últimos anos, com base em pesquisas recentes, levando os ginecologistas a recomendar a remoção das trompas de Falópio em vez da laqueadura tubária, em que as trompas são amarradas para evitar gravidez. A remoção das trompas de Falópio “está se tornando uma prática padrão”, disse Pothuri.
“A remoção das trompas de Falópio é um procedimento simples. E não afeta a função hormonal”, disse Pothuri. “Dá para tirar quase sem pensar. Especialmente se você estiver passando por uma cirurgia de histerectomia”.
Qual é o peso das recomendações da OCRA?
Karen H. Lu, presidente do departamento de oncologia ginecológica e medicina reprodutiva do MD Anderson Cancer Center da Universidade do Texas, disse que a declaração da OCRA “amplifica uma mensagem que vem sendo subnotificada”.
“Poucas mulheres sabem que os cânceres de ovário mais comuns e agressivos começam na trompa de Falópio distal”, disse ela. “Poucos médicos sabem”.
Sarah DeFeo, diretora de programa da OCRA, disse que, embora haja uma conscientização crescente na comunidade médica, muitas mulheres não sabem que o procedimento está disponível para elas.
“Muitas mulheres nunca ouviram falar desse assunto”, disse ela. “Se pudermos aumentar a conscientização a respeito como uma opção”, isso dará às mulheres a oportunidade de iniciar a conversa, acrescentou ela. “É uma questão de equidade, bem como de capacitar as mulheres a fazerem a pergunta a seus médicos”.
Stephanie V. Blank, presidente da Sociedade de Oncologia Ginecológica (SGO), disse que a OCRA perguntou à sociedade se ela endossaria a declaração, e o conselho da SGO o fez em outubro. “Estamos muito felizes” com o fato de a OCRA ter chamado a atenção para o assunto, disse Blank, que também é diretora de oncologia ginecológica do Mount Sinai Health System, em Nova York.
Blank disse que a declaração da OCRA representa uma mudança na ênfase anterior do grupo em procurar sintomas de câncer de ovário e detecção precoce. Ela e outros especialistas em câncer disseram que as mulheres e seus médicos devem considerar a possibilidade de remover as trompas de Falópio, porque não há triagem precoce eficaz para a doença.
Blank disse que há poucos dados mostrando a frequência com que os médicos discutem a possibilidade com suas pacientes, dizendo que ela suspeita que a taxa varie em diferentes regiões dos Estados Unidos e dependa de o médico ser afiliado a um centro médico acadêmico, onde pode haver mais familiaridade com a ideia.
No final de 2013, a SGO emitiu suas próprias recomendações de que a remoção das trompas de Falópio em mulheres com risco médio de câncer de ovário, que já tiveram filhos ou preferem não os ter e planejam uma histerectomia ou outra cirurgia pélvica “pode ser apropriada e viável como estratégia para a redução do risco de câncer de ovário”.
O Colégio Americano de Obstetras e Ginecologistas disse em 2015 e reafirmou em 2020 que a remoção das trompas de Falópio, enquanto as mulheres estão fazendo outros tipos de cirurgia ginecológica, pode ser “uma oportunidade para diminuir o risco de câncer de ovário”. O Colégio também observou que, embora o procedimento reduza o risco, ele não o elimina totalmente.
Quantas pessoas são afetadas por este conselho?
Não está claro exatamente quantas mulheres, pessoas trans ou não-binárias seriam candidatas à remoção das trompas de Falópio. Mas cerca de 4 milhões de cirurgias ginecológicas são realizadas a cada ano nos Estados Unidos, incluindo cerca de 600 mil histerectomias, que é a remoção cirúrgica do útero, bem como ligaduras de trompas, remoção de miomas ou cistos e outros procedimentos
Evan R. Myers, professor de obstetrícia e ginecologia na Escola de Medicina da Duke University, disse que na última década, os ginecologistas removeram trompas de Falópio com mais frequência durante as cirurgias de histerectomia, disse Myers.
“A justificativa é que a triagem de prevenção para câncer de ovário não funciona”, disse Myers. “E é provavelmente por causa da biologia da doença. É improvável que haja um teste de triagem para isso. Então, a remoção é o que nos resta como prevenção primária”.
Moran disse que os pesquisadores estão analisando quais procedimentos cirúrgicos podem se combinar com uma salpingectomia oportunista. “Os pesquisadores estão explorando a ideia de remover as trompas de Falópio durante outras operações na região pélvica, disse ela.
Uma nova fundação chamada Break Through Cancer, que está financiando pesquisas em cinco dos principais centros de câncer dos Estados Unidos para estudar quatro tipos de câncer intratável, incluindo o de ovário, está patrocinando um projeto para encorajar os cirurgiões gerais a avaliar a remoção das trompas de Falópio em mulheres após a idade reprodutiva que estão passando por cirurgia em outra parte do abdome. Isso pode incluir cirurgia da vesícula biliar ou da bexiga, reparo de hérnia ou apendicectomia.
“O que este projeto está promovendo é que muitas mulheres estão passando por cirurgias nas quais a remoção das trompas de Falópio pode ser feita com muito pouco risco”, disse Tyler Jacks, presidente da Break Through Cancer e diretor fundador do Koch Institute for Integrative Cancer Research do MIT.
Depois que as mulheres passam do ponto de engravidar, “as trompas de Falópio são vestigiais”, disse Jacks. O projeto “está tentando defender que isso é uma coisa segura de se fazer [e] teria claro benefício médico” na redução do risco de câncer de ovário.
Devo remover minhas trompas mesmo que não esteja planejando outra cirurgia?
Ninguém está recomendando o procedimento para pessoas em risco médio se nenhuma outra cirurgia estiver planejada.
Kamal disse que as pessoas que não têm um forte histórico familiar de câncer de ovário não devem necessariamente se apressar em falar com seus médicos sobre a remoção das trompas.
“Não é uma coisa absoluta, na qual toda mulher que está passando por um procedimento benigno deva ter as trompas de falópio removidas”, disse Kamal. “Mas ela precisa saber que tem essa opção”.
O que acontece durante a cirurgia de retirada das trompas de Falópio?
A remoção cirúrgica das trompas de Falópio é chamada de salpingectomia bilateral e também é uma forma permanente de controle de natalidade. A recuperação leva de uma a três semanas e o procedimento normalmente requer anestesia geral, de acordo com a Johns Hopkins. Mas a recuperação pode demorar mais, dependendo de qual outra cirurgia é realizada ao mesmo tempo.
Se a salpingectomia for realizada com laparoscópio, normalmente requer apenas três pequenas incisões perto do umbigo e na parte inferior do abdome. De acordo com a Johns Hopkins, o cirurgião usará um instrumento semelhante a uma pinça para agarrar as trompas e separá-las do ovário e do útero, selando os vasos sanguíneos para evitar sangramento.
Ainda terei menstruações ou poderei engravidar após a remoção das trompas de Falópio?
As trompas de Falópio não estão envolvidas na menstruação, então você continuará menstruando após a salpingectomia, informa a Cleveland Clinic.
A salpingectomia bilateral é uma forma permanente de controle de natalidade porque o óvulo não conseguirá mais alcançar o útero. Algumas pessoas podem ter removido apenas uma das trompas de Falópio e, nesses casos, a gravidez ainda pode ocorrer.
A pessoa que fez salpingectomia bilateral, mas ainda tem útero, pode engravidar por meio de fertilização in vitro.
Os ovários também devem ser removidos durante a cirurgia das trompas de Falópio?
A remoção do ovário, chamada ooforectomia, é desencorajada, a menos que a pessoa tenha um gene de câncer conhecido ou um forte histórico familiar de câncer de ovário, ou outra condição médica que possa justificar a cirurgia.
Os ovários desempenham funções importantes, fornecendo às mulheres os hormônios necessários que as protegem de ataques cardíacos e de enfraquecimento dos ossos e influenciam o desejo sexual. E a remoção dos ovários em mulheres mais jovens resultará em um começo abrupto da menopausa.
O risco de desenvolver câncer de ovário é relativamente baixo para a maioria das mulheres, disse DeFeo.
“Acho que ninguém está recomendando que uma mulher de risco médio – sem histórico familiar forte, sem mutação genética – deva remover as trompas e os ovários”, disse ela. “Ninguém sugeriria isso porque há desvantagens. Há riscos com a cirurgia e riscos de entrar em menopausa precoce”. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU
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