O risco de um homem brasileiro morrer por câncer de pâncreas mais do que dobrou nos últimos 25 anos. A taxa bruta de mortalidade, que inclui os efeitos do envelhecimento populacional, subiu de 2,4 (em cada 100 mil habitantes) para 5,7 nesse período. No caso do câncer de fígado, também houve alta acentuada: o índice passou de 2,8 para 5,9.
Diante desse cenário, o Instituto Nacional de Câncer (Inca) incluiu, pela primeira vez, esses dois tipos na estimativa de incidência de câncer para os próximos anos. Os resultados ligam o alerta em relação a adoção de medidas para diagnóstico e prevenção, principalmente para homens. O País deve ter 704 mil novos casos de câncer por ano até 2025.
“O câncer de fígado e o câncer de pâncreas são dois tipos altamente letais. Isso significa que a incidência é muito parecida com a mortalidade”, explica ao Estadão Marianna Cancela, pesquisadora da Coordenação de Prevenção e Vigilância do Inca. Segundo ela, o instituto vinha acompanhando esse tipo de câncer principalmente pelas taxas de mortalidade, também chamadas de risco, ao longo dos últimos anos.
“A gente viu, então, um aumento bem pronunciado e, por essa razão, resolveu incluir nas estimativas de incidência”, aponta. Conforme o Inca, o câncer de fígado se relaciona principalmente com infecções hepáticas e doenças hepáticas crônicas. Já o câncer de pâncreas tem, entre os principais fatores de risco, o tabagismo e a obesidade – não à toa, é bastante prevalente em países desenvolvidos, como os Estados Unidos.
No Brasil, especialmente o câncer de pâncreas tem avançado nos últimos anos, com a mudança de hábitos alimentares da população – alimentos ultraprocessados ganharam espaço na mesa do brasileiro – e o aumento de índices de sedentarismo e de inatividade física. “É a chamada ocidentalização do estilo de vida”, aponta Marianna.
Levantamento do Inca aponta que a taxa ajustada de mortalidade por câncer de pâncreas, que retira os efeitos do envelhecimento populacional, subiu 1,33% ao ano, para homens e mulheres, desde 1995. No caso do câncer de fígado, cresceu 1,14% ao ano para homens e, para mulheres, se manteve estável. Como a população brasileira vem envelhecendo ao longo dos últimos anos, as mortes por essas doenças aumentaram em todos os recortes.
‘Não existe detecção precoce’
“São dois tipos de câncer para os quais não existe detecção precoce, geralmente são diagnosticados em estágios avançados. Por isso também acabam sendo tão letais”, diz Marianna. Segundo ela, o câncer de pâncreas está em 5º lugar em mortalidade oncológica entre mulheres brasileiras, em números brutos. Nas regiões Sul e Sudeste, está em 4º.
No caso do câncer de fígado, a lógica de incidência no mapa do Brasil se inverte. “Nas regiões Norte e Nordeste, ele ocupa o 4º lugar em causa de morte”, aponta. A pesquisadora explica que os casos de câncer ligados a infecções, como de cólon de útero, são mais frequentes nesses locais. “Então, como o câncer de fígado está ligado às hepatites B e C, a gente acaba tendo maior incidência nessas regiões.”
De acordo com a Estimativa 2023 – Incidência de Câncer no Brasil divulgada nesta quarta-feira, 23, o câncer de fígado destaca-se entre os mais incidentes no País. “Quando a gente olha as taxas entre os homens, o câncer de fígado está em 10.º lugar no Brasil como um todo, com seis casos para cada 100 mil homens”, afirma Marianna. “Se a gente olhar na região Norte e na região Nordeste, está 7º e em 8º, respectivamente.”
“Já a estimativa do câncer de pâncreas é de cinco casos por 100 mil homens”, continua a pesquisadora. Segundo ela, o câncer de pâncreas está em 12º entre as principais incidências na região Sul, o que não chama atenção em um primeiro momento. Ainda assim, como ele é considerado muito letal e a taxa de incidência é de oito casos para cada 100 mil homens, acaba sendo um motivo de preocupação para os próximos anos.
Em relação às mulheres, o câncer de pâncreas ocupa o 9º lugar em incidência, com 5,1 casos para cada 100 mil mulheres, e o de fígado o 14º, com 3,8 para cada 100 mil mulheres. “De novo, a região Sul acaba se destacando porque o câncer de pâncreas ocupa o 6º lugar, com 7,9 casos por 100 mil mulheres”, destaca Marianna.
“Os tumores de câncer de pâncreas inicialmente não dão sintomas, ou dão sintomas que são muito comuns a doenças benignas”, afirma Felipe Coimbra, líder do Centro de Referência em Tumores do Aparelho Digestivo Alto do A.C.Camargo Cancer Center. Entre esses sintomas, ele destaca emagrecimento, dor abdominal ou mesmo dor nas costas.
Obesidade e tabagismo são fatores de risco
Os principais fatores de risco são obesidade e tabagismo. Além de diabetes, que também pode estar relacionada à doença. “Tem casos em jovens também, mas acomete em geral pessoas mais velhas, após os 60, 70 anos”, explica. Segundo ele, existem grandes campanhas para conscientização quanto aos sintomas especialmente do câncer de pâncreas, incentivando a realização de exames.
Segundo Coimbra, o número de pacientes de câncer de pâncreas aumentou cerca de duas a três vezes na última década. O diagnóstico tardio, aponta, é um dos principais entraves para os tratamentos. “Mais de 80% dos tumores de pâncreas, quando são diagnosticados, estão avançados”, afirma o médico.
No caso do câncer de fígado, Coimbra destaca que a doença também tem crescido em incidência em todo o mundo. “Ele pode estar relacionado a diversos fatores que ajudam a desenvolver o tumor. Isso inclui as hepatites virais, como a B e a C, que são muito comuns nas regiões Norte e Nordeste. Daí a gente tira uma provável causa de ver a incidência maior nesses locais”, aponta.
Além dessas hepatites, o médico explica que são fatores de risco do câncer de fígado as doenças hepáticas crônicas, como a cirrose, e o consumo crônico de álcool. A obesidade também pode estar relacionada a alguns casos.
“As regiões que têm maior incidência desses fatores de risco acabam levando a um maior desenvolvimento de tumores primários no fígado”, alerta. Entre dicas para prevenção, estão ter hábitos alimentares saudáveis, adotar rotina de exercícios e fazer exames periódicos.
Na avaliação de Coimbra, é preciso olhar com cuidado tanto para o câncer de pâncreas quanto para o de fígado nos próximos anos. “A gente tem observado aos poucos aumento na incidência, justamente pelo aumento nos fatores de risco, que sempre estiveram entre os de maior mortalidade nas estatísticas anteriores, mas que não havia um olhar direto sobre o controle da sua incidência.”