A morte de Isadora Belon Albanese, de 18 anos, após sofrer complicações de uma cirurgia de extração de siso tem levantado uma discussão sobre o risco desse tipo de procedimento e quais cuidados devem ser tomados.
Os pais da jovem reivindicam a criação de um protocolo padrão para esse tipo de procedimento, de forma que o paciente ou a família possam se atentar contra os possíveis riscos e identificar má conduta do dentista. No entanto, para especialistas escutados pelo Estadão, a criação de protocolo não faz sentido por uma série de motivos.
Segundo o cirurgião bucomaxilofacial e gestor das câmaras técnicas do Conselho Regional de Odontologia de São Paulo (CROSP) Sidney Neves, um protocolo para extração de siso atrapalharia a autonomia do dentista – essencial para que esses profissionais avaliem os quadros clínicos dos pacientes de forma individualizada.
O especialista afirma que dentistas são preparados e avaliados ao longo da graduação. Por isso, seus diplomas garantem a responsabilidade e competência necessárias para, a partir de seus conhecimentos científicos e de prática odontológica, conduzirem o tratamento adequado.
Ele ressalta ainda que, para que fosse criado um protocolo – ação de responsabilidade do CROSP ou do Conselho Federal de Odontologia (CFO) – seria necessária uma investigação a partir de todos os dados e informações do tratamento de Isadora, mas esses documentos não foram disponibilizados pela família por desejo próprio.
“A criação de um protocolo é uma providência tomada depois que um fato que foi apurado e teve suas responsabilidades reconhecidas. É uma medida que tomamos para evitar o aparecimento de uma nova situação“, afirma.
Ou seja, sem os documentos sobre o que causou e como se deu a complicação que levou Isadora à morte, não é possível averiguar se há uma falha estrutural no processo, se houve negligência profissional, ou qual outro possível fator levou ao desfecho negativo da jovem.
Francisco Franceschini Neto, mestre em Odontologia, especialista em cirurgia, traumatologia e implantodontia bucomaxilofacial e presidente da Associação Brasileira de Odontologia na Paraíba, concorda com Neves. Para ele, a criar um protocolo para esse tipo de procedimento é como querer fazer uma “receita de bolo” para algo que deve ser analisado individualmente e em sua complexidade.
“O profissional sabe o que precisa ser pedido a termos de exames, por exemplo, a depender da complexidade de cada quadro. Imagina se tivéssemos um protocolo dizendo que deve ser solicitada a tomografia de todos os dentes do siso antes da extração. Estamos falando de Brasil e, certamente, muita gente não conseguiria ter acesso a isso, pois é um exame caro“, diz Franceschini Neto.
Ambos os especialistas escutados pela reportagem enfatizam que casos de morte por complicações de extração de siso são extremamente raras.
Especialidade do profissional faz diferença
Apesar de a extração de siso poder ser feita por qualquer profissional dentista, os especialistas neste tipo de procedimento são os cirurgiões bucomaxilofaciais, também conhecidos como bucomaxilos. Por isso, Franceschini Neto recomenda que pacientes procurem por profissionais com esta especialidade na hora de passar por esse tipo de procedimento.
“É como médicos: um clínico geral tem capacidade para tratar o fígado ou o rim de um paciente, mas é o especialista nesses órgãos que têm maior competência para analisar o quadro e indicar o melhor tratamento, principalmente se for uma situação mais grave”, diz.
Neves reforça que, apesar de não haver protocolos para extração de siso, existem diretrizes que todo profissional dentista conhece. Portanto, um dentista qualificado vai saber avaliar quando o caso é grave ou não, se necessita ou não o acompanhamento de um especialista bucomaxilofacial e se precisa ou não de cuidados especiais.
O porta-voz da CROSP diz ainda que é necessário reforçar a importância da presença de profissionais bucomaxilofaciais em equipes multidisciplinares hospitalares.
Segundo ele, algumas infecções dentárias são bastante específicas e demandam o acompanhamento de um profissional treinado para isso, o que nem sempre ocorre, já que não há uma lei que determine que hospitais e unidades de saúde tenham essa especialidade em seu corpo clínico.
Para saber se um dentista tem mesmo diploma e quais são suas especialidades, é possível fazer uma busca no site do Conselho Regional de Odontologia do seu Estado pelo número do CRO ou pelo nome completo do profissional.
Entenda o caso de Isadora
De acordo com os pais de Isadora, que foram escutados pelo Fantástico em uma reportagem veiculada neste domingo, 16, a jovem passou por um procedimento de extração de dois dentes do siso no lado direito da boca em março deste ano e teve inchaço e dores normais para esse tipo de procedimento.
Já em 19 de abril, quando passou pela segunda cirurgia para a extração dos dois dentes do siso do lado esquerdo da boca, a situação foi diferente. Dois dias depois do procedimento, em 21 de abril, ela se queixou aos pais de que não estava conseguindo dormir tamanha a dor que sentia na região.
“Ela já foi no nosso quarto gritando de dor e falando: ‘não aguento mais, não aguento mais’. A dentista me acalmou e falou: ‘isso é previsto, calma, vamos trocar o antibiótico (...) ela teve falta de ar””, disse a mãe à reportagem. Os dois procedimentos foram feitos em uma clínica odontológica de Porto Feliz não identificada.
No mesmo dia, Isadora teve episódios de vômitos e a família decidiu então levá-la a um hospital. Ela precisava ser atendida por um especialista bucomaxilofacial, responsável por esse tipo de quadro. Segundo a família, só no dia seguinte, por volta das 11h, Isadora foi atendida pelo especialista.
O quadro de infecção já era grave e a jovem precisou passar por cirurgia de drenagem no local da extração. Durante o procedimento, teve uma parada cardíaca que durou quase quatro minutos. Em seguida, foi levada para a UTI, mas teve outra parada cardíaca e morreu às 6h15 do dia 23 de abril.
Revoltados com a morte rápida e inesperada da filha, os pais de Isadora levaram o caso às redes sociais e reuniram mais de 60 mil assinaturas em um pedido para criação de uma normativa para a extração do siso, com o objetivo de prevenir que quadros como este voltem a se repetir. Eles acreditam que não foram informados corretamente sobre os riscos e cuidados necessários.
Em nota enviada ao Estadão, o Hospital Modelo de Sorocaba, onde Isadora foi atendida, disse que ela foi submetida a uma bateria de exames que constatou um quadro já grave de infecção. A unidade de saúde afirma que a jovem foi medicada com “antibiótico venoso de atuação ampla e potência elevada”, mas, mesmo assim, seu estado se agravou para infecção generalizada.
Segundo o hospital, o profissional que realizou a cirurgia é especializado em operações bucomaxilares e que o procedimento seguiu todas as normas. Após o procedimento, “Isabela foi transferida para internação na UTI. Todos os profissionais, equipamentos e medicamentos necessários foram empregados na tentativa de recuperar seu quadro clínico. A direção do Hospital Modelo e suas equipes reafirmam o apoio à família de Isadora e sua luta”, finaliza a nota.
A dentista que atendeu Isadora, cujo nome não foi divulgado, disse à TV Globo que todas as medidas pré e pós-operatórias foram tomadas, que deu as devidas orientações à família e que lamenta o ocorrido.