A Câmara dos Deputados aprovou nesta quinta-feira, 12, o projeto de lei que prevê a castração química de pessoas condenadas por pedofilia. De acordo com o texto, apresentado pelo deputado Ricardo Salles (Novo-SP), a castração seria realizada “mediante uso de medicamentos inibidores da libido” e observando as contraindicações médicas. A proposta segue agora para o Senado.
O termo castração química refere-se ao uso de medicamentos para bloquear a produção ou a ação da testosterona no organismo. Esse hormônio, entre outras funções, desempenha um papel fundamental na regulação do desejo sexual, tanto para homens quanto para mulheres. Por isso, níveis baixos resultam em diminuição da libido ou mesmo em disfunção erétil nos homens.
Esses medicamentos existem com a finalidade principal de combater a evolução do câncer de próstata em casos de metástase — e a queda da libido é um efeito colateral.
Como destaca o coordenador do Departamento de Oncologia da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU), Maurício Dener Cordeiro, embora a testosterona não seja a causadora desse tipo de tumor, ela favorece seu crescimento, daí a importância de reduzir os níveis do hormônio em pacientes com a doença. “Com isso, conseguimos fazer uma regressão do câncer durante algum tempo.”
Como é feita a castração química?
A castração é feita com o uso de medicamentos injetáveis ou orais, e seus efeitos não são permanentes — eles normalmente desaparecem quando a medicação é suspensa.
Entre os medicamentos injetáveis utilizados, existem dois tipos de terapias: os antagonistas e os agonistas do hormônio luteinizante (LH), responsável por controlar a produção da testosterona no corpo.
Os antagonistas, ou antiandrogênios, impedem que a testosterona seja produzida. Já os agonistas têm uma ação mais complexa: provocam uma resposta biológica que imita o efeito do LH do corpo. Assim, eles inicialmente estimulam a produção de testosterona, mas com o tempo a produção diminui, pois os receptores ficam sobrecarregados. Eles são injetados sob a pele ou via intramuscular a cada três ou seis meses.
Já as medicações orais são de uso diário e atuam impedindo a ação da testosterona nas células. Hormônios femininos como estrogênio e progesterona também reduzem essa produção e podem ser utilizados. Um exemplo é o acetato de medroxiprogesterona, um derivado de progesterona.
Quais os efeitos colaterais?
Segundo Cordeiro, o uso de medicamentos ligados ao LH pode provocar uma sensação de calor no corpo, além de condições clínicas como anemia e piora do controle glicêmico, contribuindo para diabetes. Também podem ocorrer casos de aumento dos níveis de colesterol.
Quanto à diminuição da testosterona, outro importante efeito colateral nos homens é a perda de densidade óssea, comenta Alexandre Hohl, vice-presidente do Departamento de Endocrinologia Feminina, Andrologia e Transgeneridade da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem).
O endocrinologista afirma que, de maneira geral, a castração química leva ao desenvolvimento de sintomas de hipogonadismo (condição em que o paciente apresenta níveis muito baixos de testosterona), incluindo aumento da gordura corporal e maior risco para doenças cardiovasculares.
Outro provável efeito é a infertilidade, segundo o endocrinologista, especialmente se a medicação for usada por muito tempo.
Hohl destaca, no entanto, que tudo o que se sabe sobre efeitos colaterais e reações à castração química diz respeito às pessoas adoecidas, população-alvo do procedimento, com condições de saúde muito específicas.
“Esse remédio não é usado em pessoas saudáveis. Por isso, não dá para falar com certeza que ele vai levar à diminuição da produção de espermatozoides, já que parte dos homens que fazem uso desse tipo de remédio muitas vezes já tiraram os testículos”, exemplifica.
Nas mulheres, os efeitos também incluem diminuição da libido e, no longo prazo, anemia. Mas Cordeiro destaca que são manifestações mais brandas do que as dos homens, visto que a quantidade de testosterona nos homens é maior.
Castração química no mundo
A primeira vez que a castração química foi usada em pessoas acusadas de crimes sexuais contra crianças foi em 1996, na Califórnia, com o acetato de medroxiprogesterona.
A partir de então, a droga virou um “pilar” da castração química e foi aprovada por outros estados americanos. Segundo Hohl, o país tem um grande histórico com o uso dessa substância, bem maior do que com o emprego de antiandrogênicos, por exemplo.
Além dos Estados Unidos, o acetato de medroxiprogesterona e o acetato de ciproterona têm sido usados no Canadá e alguns países europeus. A introdução dos agonistas de LH seria mais recente.
Entre os países europeus que também contam com legislação sobre castração química para crimes sexuais estão Reino Unido, Bélgica, Dinamarca, Suécia e Alemanha. Na maioria, os hormônios só são aplicados de forma voluntária. Países como Polônia, Macedônia, Rússia, Indonésia e alguns estados dos EUA adotam o tratamento farmacológico mandatório.