Ciência já mostra elo entre obesidade e 13 tipos de câncer


Desvendar de que forma a gordura excessiva contribui para a gênese do tumor pode ajudar na prevenção e na criação de novas drogas

Por Cristiane Segatto

A obesidade aumenta o risco de desenvolvimento de diversos tipos de câncer. Esse é um conhecimento consolidado, nos últimos anos, por vários estudos epidemiológicos. Mas diferentemente de outros fatores, como o tabagismo, grande parte das pessoas e até dos médicos não sabe da relação. Desvendar de que forma a gordura excessiva contribui para a gênese do tumor pode ajudar na prevenção e na criação de novos remédios.

Já são conhecidas mais de 200 variedades de câncer e, até agora, a ciência descobriu o elo entre a obesidade e 13 tipos da doença, como os de fígado, tireoide, ovário, rim, pâncreas, estômago, esôfago e vesícula biliar. Na lista também estão o câncer no tecido que envolve o cérebro e a medula espinhal (meningioma), o sanguíneo (mieloma múltiplo), o colorretal, o de mama (na pós-menopausa) e o do endométrio (tecido que reveste o útero).

A preocupação despertada pela relação entre a obesidade (em alta no mundo) e a doença tem levado instituições como a Organização Mundial da Saúde (OMS), o National Cancer Institute (NCI), nos Estados Unidos, e o Instituto Nacional de Câncer (Inca), no Brasil, a alertar para a necessidade de prevenção. Com a queda no número de fumantes, a tendência é de que a obesidade se torne o fator prevenível mais relevante na gênese do câncer, segundo a American Society of Clinical Oncology (Asco).

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Um estudo publicado neste mês na revista Nature Communications oferece uma nova explicação para montar esse quebra-cabeça. Segundo o trabalho, a adaptação celular à obesidade é governada pelo ácido palmítico, derivado da gordura. Essa adaptação produz alterações nas células-tronco que, em vez de originar tecidos saudáveis, tornam-se carcinogênicas. O estudo foi realizado com cultura celular de tumores de mama de 223 pacientes. “Pessoas obesas são mais propensas a desenvolver câncer e, quando isso ocorre, os tumores parecem ser mais agressivos”, diz Nils Halberg, da Universidade de Bergen, na Noruega, um dos autores. “Essa nova compreensão poderá levar ao surgimento de tratamentos melhores e específicos para pacientes obesos com câncer.”

“Não há dúvida de que a obesidade aumenta o risco de diversos tipos de câncer”, diz o médico Paulo Hoff, presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC). “O que está acontecendo agora, como esse artigo da Nature Communications demonstra, é um refinamento das hipóteses”, afirma.

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As primeiras pesquisas retrospectivas (quando os pesquisadores colhem informações a respeito dos fatores de risco aos quais os pacientes foram expostos) apontaram que mulheres obesas na pós-menopausa tinham risco mais elevado de desenvolver câncer de mama. Depois outros estudos mostraram relação com o câncer de fígado. Nos últimos anos, os oncologistas têm observado o aumento dos casos em que esses tumores não são provocados por uso de álcool ou hepatite viral – e sim por acúmulo de gordura (esteatose) no fígado.

“Ainda há mecanismos que precisam ser esclarecidos”, diz o mastologista Renato Cagnacci, do A.C. Camargo Cancer Center. Mas pelo menos três razões capazes de explicar por que o excesso de gordura aumenta o risco de surgimento de células malignas estão bem estabelecidas. A obesidade eleva a quantidade de insulina no organismo, um hormônio que aumenta o metabolismo e a duplicação celular, algo que pode desencadear tumores. O tecido gorduroso também produz hormônios femininos (estrogênio e progesterona), fator de risco para o desenvolvimento do câncer de mama, sobretudo em mulheres obesas na pós-menopausa.

O terceiro fator importante é a inflamação crônica. A obesidade desencadeia a produção de algumas citocinas (proteínas excretadas pelas células) que deixam a pessoa em um permanente estado inflamatório, algo que aumenta o risco de câncer. “A OMS estima que cerca de 20% de todos os cânceres têm alguma relação com a obesidade”, diz Cagnacci.

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Apesar das evidências acumuladas nos últimos anos, o desconhecimento sobre o assunto persiste. “A maioria dos médicos ainda tende a não ver a obesidade como fator de risco para câncer”, diz o oncologista Hoff. “Isso precisa mudar.”

A obesidade também parece aumentar o risco de recorrência dos tumores. Trabalhos epidemiológicos indicam que mulheres obesas ou que engordam depois do tratamento enfrentam um risco mais elevado de retorno da doença. A explicação recai, novamente, sobre os níveis elevados de estrogênio. “Sempre orientamos as pacientes em tratamento a manter um estilo de vida saudável, perder peso e fazer atividade física”, diz Cagnacci.

Com esse objetivo em mente, a artesã Leila Maria de Siqueira Garcia, de 64 anos, reorganizou os hábitos. Ela nunca foi magra, mas chegou a pesar mais de 130 kg durante o tratamento de um câncer de mama. “Um dia me olhei no espelho e decidi que conquistaria um novo corpo”, afirmou. Perdeu 47 kg em três anos. “Por conta própria, mudei minha alimentação para reduzir gordura, açúcar e refrigerante”, diz ela, que recebeu alta do tratamento de câncer há mais de dez anos. “Hoje me sinto ótima, mas quero emagrecer mais uns 5 kg para fazer a cirurgia de reconstrução da mama”, conta.

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Leila Maria de Siqueira Garcia, de 64 anos, moradora de Mogi das Cruzes, diz que se olhou no espelho e decidiu 'conquistar' um novo corpo Foto: TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO

A maior parte das evidências que relacionam a obesidade a um aumento de risco de câncer é derivada de grandes estudos de coorte, um tipo de estudo observacional que se propõe a analisar, em uma população previamente definida, qual será a incidência de determinada doença. Dados de estudos observacionais podem ser difíceis de interpretar. Apesar dessas limitações, há evidências consistentes de que grandes quantidades de gordura corporal aumentam o risco de câncer, segundo o NCI, dos Estados Unidos.

Em 2016, a Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (Iarc, em inglês), da OMS, analisou evidências obtidas por mais de mil estudos sobre o tema e concluiu que a ausência de gordura corporal em excesso reduz o risco de câncer. O trabalho foi publicado no The New England Journal of Medicine. “O câncer é uma doença multifatorial. É difícil definir a causa em determinada pessoa”, disse o oncologista Ronaldo Corrêa, da Coordenação de Prevenção e Vigilância do Inca. “Em quase 90% dos casos, o fator que desencadeou a doença é um comportamento de vida ou uma exposição ambiental.”

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Segundo Corrêa, não existe um estudo que tenha avaliado o risco relativo do excesso de peso na população brasileira. O pesquisador explica que muitas das pesquisas feitas no mundo não analisam apenas as faixas de obesidade. Elas incluem no mesmo pacote todo tipo de excesso. Ou seja: uma categoria de sobrepeso e três de obesidade, segundo a classificação do IMC (índice de massa corporal).

Essa definição de excesso de peso contribuiu para o surgimento de 1,8% dos casos de câncer no Brasil, segundo estimativa publicada por Corrêa e colegas no ano passado na revista científica PLOS 1. Segundo o Inca, 5% dos casos de câncer de mama na pós-menopausa são atribuíveis ao excesso de gordura corporal. “Não é incomum que três instituições informem valores diferentes”, diz Corrêa. “Depende dos dados dos inquéritos populacionais que os pesquisadores usaram.”

Paulo Hoff salienta: “O que aumenta o risco de câncer é a obesidade (IMC acima de 30), não um pequeno sobrepeso”, diz. “Se a pessoa tem um pneuzinho, não quer dizer que ela tem um risco aumentado de sofrer da doença.” A tendência é de que nos próximos anos a quantidade de casos de câncer atribuíveis à gordura em excesso aumente. O avanço do sobrepeso, que já afeta 57,5% dos brasileiros, causa preocupação, porque a tendência é de que continuem engordando e se tornem obesos. É mais difícil fazer uma pessoa com excesso de peso emagrecer do que evitar que uma pessoa com peso normal se transforme em alguém com excesso de peso.

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“Adotar um estilo de vida saudável como fator de proteção é uma coisa simples que a maioria das pessoas pode correr atrás e conseguir alcançar”, diz o mastologista Cagnacci. O valor dos benefícios é imenso.

A obesidade aumenta o risco de desenvolvimento de diversos tipos de câncer. Esse é um conhecimento consolidado, nos últimos anos, por vários estudos epidemiológicos. Mas diferentemente de outros fatores, como o tabagismo, grande parte das pessoas e até dos médicos não sabe da relação. Desvendar de que forma a gordura excessiva contribui para a gênese do tumor pode ajudar na prevenção e na criação de novos remédios.

Já são conhecidas mais de 200 variedades de câncer e, até agora, a ciência descobriu o elo entre a obesidade e 13 tipos da doença, como os de fígado, tireoide, ovário, rim, pâncreas, estômago, esôfago e vesícula biliar. Na lista também estão o câncer no tecido que envolve o cérebro e a medula espinhal (meningioma), o sanguíneo (mieloma múltiplo), o colorretal, o de mama (na pós-menopausa) e o do endométrio (tecido que reveste o útero).

A preocupação despertada pela relação entre a obesidade (em alta no mundo) e a doença tem levado instituições como a Organização Mundial da Saúde (OMS), o National Cancer Institute (NCI), nos Estados Unidos, e o Instituto Nacional de Câncer (Inca), no Brasil, a alertar para a necessidade de prevenção. Com a queda no número de fumantes, a tendência é de que a obesidade se torne o fator prevenível mais relevante na gênese do câncer, segundo a American Society of Clinical Oncology (Asco).

Um estudo publicado neste mês na revista Nature Communications oferece uma nova explicação para montar esse quebra-cabeça. Segundo o trabalho, a adaptação celular à obesidade é governada pelo ácido palmítico, derivado da gordura. Essa adaptação produz alterações nas células-tronco que, em vez de originar tecidos saudáveis, tornam-se carcinogênicas. O estudo foi realizado com cultura celular de tumores de mama de 223 pacientes. “Pessoas obesas são mais propensas a desenvolver câncer e, quando isso ocorre, os tumores parecem ser mais agressivos”, diz Nils Halberg, da Universidade de Bergen, na Noruega, um dos autores. “Essa nova compreensão poderá levar ao surgimento de tratamentos melhores e específicos para pacientes obesos com câncer.”

“Não há dúvida de que a obesidade aumenta o risco de diversos tipos de câncer”, diz o médico Paulo Hoff, presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC). “O que está acontecendo agora, como esse artigo da Nature Communications demonstra, é um refinamento das hipóteses”, afirma.

As primeiras pesquisas retrospectivas (quando os pesquisadores colhem informações a respeito dos fatores de risco aos quais os pacientes foram expostos) apontaram que mulheres obesas na pós-menopausa tinham risco mais elevado de desenvolver câncer de mama. Depois outros estudos mostraram relação com o câncer de fígado. Nos últimos anos, os oncologistas têm observado o aumento dos casos em que esses tumores não são provocados por uso de álcool ou hepatite viral – e sim por acúmulo de gordura (esteatose) no fígado.

“Ainda há mecanismos que precisam ser esclarecidos”, diz o mastologista Renato Cagnacci, do A.C. Camargo Cancer Center. Mas pelo menos três razões capazes de explicar por que o excesso de gordura aumenta o risco de surgimento de células malignas estão bem estabelecidas. A obesidade eleva a quantidade de insulina no organismo, um hormônio que aumenta o metabolismo e a duplicação celular, algo que pode desencadear tumores. O tecido gorduroso também produz hormônios femininos (estrogênio e progesterona), fator de risco para o desenvolvimento do câncer de mama, sobretudo em mulheres obesas na pós-menopausa.

O terceiro fator importante é a inflamação crônica. A obesidade desencadeia a produção de algumas citocinas (proteínas excretadas pelas células) que deixam a pessoa em um permanente estado inflamatório, algo que aumenta o risco de câncer. “A OMS estima que cerca de 20% de todos os cânceres têm alguma relação com a obesidade”, diz Cagnacci.

Apesar das evidências acumuladas nos últimos anos, o desconhecimento sobre o assunto persiste. “A maioria dos médicos ainda tende a não ver a obesidade como fator de risco para câncer”, diz o oncologista Hoff. “Isso precisa mudar.”

A obesidade também parece aumentar o risco de recorrência dos tumores. Trabalhos epidemiológicos indicam que mulheres obesas ou que engordam depois do tratamento enfrentam um risco mais elevado de retorno da doença. A explicação recai, novamente, sobre os níveis elevados de estrogênio. “Sempre orientamos as pacientes em tratamento a manter um estilo de vida saudável, perder peso e fazer atividade física”, diz Cagnacci.

Com esse objetivo em mente, a artesã Leila Maria de Siqueira Garcia, de 64 anos, reorganizou os hábitos. Ela nunca foi magra, mas chegou a pesar mais de 130 kg durante o tratamento de um câncer de mama. “Um dia me olhei no espelho e decidi que conquistaria um novo corpo”, afirmou. Perdeu 47 kg em três anos. “Por conta própria, mudei minha alimentação para reduzir gordura, açúcar e refrigerante”, diz ela, que recebeu alta do tratamento de câncer há mais de dez anos. “Hoje me sinto ótima, mas quero emagrecer mais uns 5 kg para fazer a cirurgia de reconstrução da mama”, conta.

Leila Maria de Siqueira Garcia, de 64 anos, moradora de Mogi das Cruzes, diz que se olhou no espelho e decidiu 'conquistar' um novo corpo Foto: TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO

A maior parte das evidências que relacionam a obesidade a um aumento de risco de câncer é derivada de grandes estudos de coorte, um tipo de estudo observacional que se propõe a analisar, em uma população previamente definida, qual será a incidência de determinada doença. Dados de estudos observacionais podem ser difíceis de interpretar. Apesar dessas limitações, há evidências consistentes de que grandes quantidades de gordura corporal aumentam o risco de câncer, segundo o NCI, dos Estados Unidos.

Em 2016, a Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (Iarc, em inglês), da OMS, analisou evidências obtidas por mais de mil estudos sobre o tema e concluiu que a ausência de gordura corporal em excesso reduz o risco de câncer. O trabalho foi publicado no The New England Journal of Medicine. “O câncer é uma doença multifatorial. É difícil definir a causa em determinada pessoa”, disse o oncologista Ronaldo Corrêa, da Coordenação de Prevenção e Vigilância do Inca. “Em quase 90% dos casos, o fator que desencadeou a doença é um comportamento de vida ou uma exposição ambiental.”

Segundo Corrêa, não existe um estudo que tenha avaliado o risco relativo do excesso de peso na população brasileira. O pesquisador explica que muitas das pesquisas feitas no mundo não analisam apenas as faixas de obesidade. Elas incluem no mesmo pacote todo tipo de excesso. Ou seja: uma categoria de sobrepeso e três de obesidade, segundo a classificação do IMC (índice de massa corporal).

Essa definição de excesso de peso contribuiu para o surgimento de 1,8% dos casos de câncer no Brasil, segundo estimativa publicada por Corrêa e colegas no ano passado na revista científica PLOS 1. Segundo o Inca, 5% dos casos de câncer de mama na pós-menopausa são atribuíveis ao excesso de gordura corporal. “Não é incomum que três instituições informem valores diferentes”, diz Corrêa. “Depende dos dados dos inquéritos populacionais que os pesquisadores usaram.”

Paulo Hoff salienta: “O que aumenta o risco de câncer é a obesidade (IMC acima de 30), não um pequeno sobrepeso”, diz. “Se a pessoa tem um pneuzinho, não quer dizer que ela tem um risco aumentado de sofrer da doença.” A tendência é de que nos próximos anos a quantidade de casos de câncer atribuíveis à gordura em excesso aumente. O avanço do sobrepeso, que já afeta 57,5% dos brasileiros, causa preocupação, porque a tendência é de que continuem engordando e se tornem obesos. É mais difícil fazer uma pessoa com excesso de peso emagrecer do que evitar que uma pessoa com peso normal se transforme em alguém com excesso de peso.

“Adotar um estilo de vida saudável como fator de proteção é uma coisa simples que a maioria das pessoas pode correr atrás e conseguir alcançar”, diz o mastologista Cagnacci. O valor dos benefícios é imenso.

A obesidade aumenta o risco de desenvolvimento de diversos tipos de câncer. Esse é um conhecimento consolidado, nos últimos anos, por vários estudos epidemiológicos. Mas diferentemente de outros fatores, como o tabagismo, grande parte das pessoas e até dos médicos não sabe da relação. Desvendar de que forma a gordura excessiva contribui para a gênese do tumor pode ajudar na prevenção e na criação de novos remédios.

Já são conhecidas mais de 200 variedades de câncer e, até agora, a ciência descobriu o elo entre a obesidade e 13 tipos da doença, como os de fígado, tireoide, ovário, rim, pâncreas, estômago, esôfago e vesícula biliar. Na lista também estão o câncer no tecido que envolve o cérebro e a medula espinhal (meningioma), o sanguíneo (mieloma múltiplo), o colorretal, o de mama (na pós-menopausa) e o do endométrio (tecido que reveste o útero).

A preocupação despertada pela relação entre a obesidade (em alta no mundo) e a doença tem levado instituições como a Organização Mundial da Saúde (OMS), o National Cancer Institute (NCI), nos Estados Unidos, e o Instituto Nacional de Câncer (Inca), no Brasil, a alertar para a necessidade de prevenção. Com a queda no número de fumantes, a tendência é de que a obesidade se torne o fator prevenível mais relevante na gênese do câncer, segundo a American Society of Clinical Oncology (Asco).

Um estudo publicado neste mês na revista Nature Communications oferece uma nova explicação para montar esse quebra-cabeça. Segundo o trabalho, a adaptação celular à obesidade é governada pelo ácido palmítico, derivado da gordura. Essa adaptação produz alterações nas células-tronco que, em vez de originar tecidos saudáveis, tornam-se carcinogênicas. O estudo foi realizado com cultura celular de tumores de mama de 223 pacientes. “Pessoas obesas são mais propensas a desenvolver câncer e, quando isso ocorre, os tumores parecem ser mais agressivos”, diz Nils Halberg, da Universidade de Bergen, na Noruega, um dos autores. “Essa nova compreensão poderá levar ao surgimento de tratamentos melhores e específicos para pacientes obesos com câncer.”

“Não há dúvida de que a obesidade aumenta o risco de diversos tipos de câncer”, diz o médico Paulo Hoff, presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC). “O que está acontecendo agora, como esse artigo da Nature Communications demonstra, é um refinamento das hipóteses”, afirma.

As primeiras pesquisas retrospectivas (quando os pesquisadores colhem informações a respeito dos fatores de risco aos quais os pacientes foram expostos) apontaram que mulheres obesas na pós-menopausa tinham risco mais elevado de desenvolver câncer de mama. Depois outros estudos mostraram relação com o câncer de fígado. Nos últimos anos, os oncologistas têm observado o aumento dos casos em que esses tumores não são provocados por uso de álcool ou hepatite viral – e sim por acúmulo de gordura (esteatose) no fígado.

“Ainda há mecanismos que precisam ser esclarecidos”, diz o mastologista Renato Cagnacci, do A.C. Camargo Cancer Center. Mas pelo menos três razões capazes de explicar por que o excesso de gordura aumenta o risco de surgimento de células malignas estão bem estabelecidas. A obesidade eleva a quantidade de insulina no organismo, um hormônio que aumenta o metabolismo e a duplicação celular, algo que pode desencadear tumores. O tecido gorduroso também produz hormônios femininos (estrogênio e progesterona), fator de risco para o desenvolvimento do câncer de mama, sobretudo em mulheres obesas na pós-menopausa.

O terceiro fator importante é a inflamação crônica. A obesidade desencadeia a produção de algumas citocinas (proteínas excretadas pelas células) que deixam a pessoa em um permanente estado inflamatório, algo que aumenta o risco de câncer. “A OMS estima que cerca de 20% de todos os cânceres têm alguma relação com a obesidade”, diz Cagnacci.

Apesar das evidências acumuladas nos últimos anos, o desconhecimento sobre o assunto persiste. “A maioria dos médicos ainda tende a não ver a obesidade como fator de risco para câncer”, diz o oncologista Hoff. “Isso precisa mudar.”

A obesidade também parece aumentar o risco de recorrência dos tumores. Trabalhos epidemiológicos indicam que mulheres obesas ou que engordam depois do tratamento enfrentam um risco mais elevado de retorno da doença. A explicação recai, novamente, sobre os níveis elevados de estrogênio. “Sempre orientamos as pacientes em tratamento a manter um estilo de vida saudável, perder peso e fazer atividade física”, diz Cagnacci.

Com esse objetivo em mente, a artesã Leila Maria de Siqueira Garcia, de 64 anos, reorganizou os hábitos. Ela nunca foi magra, mas chegou a pesar mais de 130 kg durante o tratamento de um câncer de mama. “Um dia me olhei no espelho e decidi que conquistaria um novo corpo”, afirmou. Perdeu 47 kg em três anos. “Por conta própria, mudei minha alimentação para reduzir gordura, açúcar e refrigerante”, diz ela, que recebeu alta do tratamento de câncer há mais de dez anos. “Hoje me sinto ótima, mas quero emagrecer mais uns 5 kg para fazer a cirurgia de reconstrução da mama”, conta.

Leila Maria de Siqueira Garcia, de 64 anos, moradora de Mogi das Cruzes, diz que se olhou no espelho e decidiu 'conquistar' um novo corpo Foto: TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO

A maior parte das evidências que relacionam a obesidade a um aumento de risco de câncer é derivada de grandes estudos de coorte, um tipo de estudo observacional que se propõe a analisar, em uma população previamente definida, qual será a incidência de determinada doença. Dados de estudos observacionais podem ser difíceis de interpretar. Apesar dessas limitações, há evidências consistentes de que grandes quantidades de gordura corporal aumentam o risco de câncer, segundo o NCI, dos Estados Unidos.

Em 2016, a Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (Iarc, em inglês), da OMS, analisou evidências obtidas por mais de mil estudos sobre o tema e concluiu que a ausência de gordura corporal em excesso reduz o risco de câncer. O trabalho foi publicado no The New England Journal of Medicine. “O câncer é uma doença multifatorial. É difícil definir a causa em determinada pessoa”, disse o oncologista Ronaldo Corrêa, da Coordenação de Prevenção e Vigilância do Inca. “Em quase 90% dos casos, o fator que desencadeou a doença é um comportamento de vida ou uma exposição ambiental.”

Segundo Corrêa, não existe um estudo que tenha avaliado o risco relativo do excesso de peso na população brasileira. O pesquisador explica que muitas das pesquisas feitas no mundo não analisam apenas as faixas de obesidade. Elas incluem no mesmo pacote todo tipo de excesso. Ou seja: uma categoria de sobrepeso e três de obesidade, segundo a classificação do IMC (índice de massa corporal).

Essa definição de excesso de peso contribuiu para o surgimento de 1,8% dos casos de câncer no Brasil, segundo estimativa publicada por Corrêa e colegas no ano passado na revista científica PLOS 1. Segundo o Inca, 5% dos casos de câncer de mama na pós-menopausa são atribuíveis ao excesso de gordura corporal. “Não é incomum que três instituições informem valores diferentes”, diz Corrêa. “Depende dos dados dos inquéritos populacionais que os pesquisadores usaram.”

Paulo Hoff salienta: “O que aumenta o risco de câncer é a obesidade (IMC acima de 30), não um pequeno sobrepeso”, diz. “Se a pessoa tem um pneuzinho, não quer dizer que ela tem um risco aumentado de sofrer da doença.” A tendência é de que nos próximos anos a quantidade de casos de câncer atribuíveis à gordura em excesso aumente. O avanço do sobrepeso, que já afeta 57,5% dos brasileiros, causa preocupação, porque a tendência é de que continuem engordando e se tornem obesos. É mais difícil fazer uma pessoa com excesso de peso emagrecer do que evitar que uma pessoa com peso normal se transforme em alguém com excesso de peso.

“Adotar um estilo de vida saudável como fator de proteção é uma coisa simples que a maioria das pessoas pode correr atrás e conseguir alcançar”, diz o mastologista Cagnacci. O valor dos benefícios é imenso.

A obesidade aumenta o risco de desenvolvimento de diversos tipos de câncer. Esse é um conhecimento consolidado, nos últimos anos, por vários estudos epidemiológicos. Mas diferentemente de outros fatores, como o tabagismo, grande parte das pessoas e até dos médicos não sabe da relação. Desvendar de que forma a gordura excessiva contribui para a gênese do tumor pode ajudar na prevenção e na criação de novos remédios.

Já são conhecidas mais de 200 variedades de câncer e, até agora, a ciência descobriu o elo entre a obesidade e 13 tipos da doença, como os de fígado, tireoide, ovário, rim, pâncreas, estômago, esôfago e vesícula biliar. Na lista também estão o câncer no tecido que envolve o cérebro e a medula espinhal (meningioma), o sanguíneo (mieloma múltiplo), o colorretal, o de mama (na pós-menopausa) e o do endométrio (tecido que reveste o útero).

A preocupação despertada pela relação entre a obesidade (em alta no mundo) e a doença tem levado instituições como a Organização Mundial da Saúde (OMS), o National Cancer Institute (NCI), nos Estados Unidos, e o Instituto Nacional de Câncer (Inca), no Brasil, a alertar para a necessidade de prevenção. Com a queda no número de fumantes, a tendência é de que a obesidade se torne o fator prevenível mais relevante na gênese do câncer, segundo a American Society of Clinical Oncology (Asco).

Um estudo publicado neste mês na revista Nature Communications oferece uma nova explicação para montar esse quebra-cabeça. Segundo o trabalho, a adaptação celular à obesidade é governada pelo ácido palmítico, derivado da gordura. Essa adaptação produz alterações nas células-tronco que, em vez de originar tecidos saudáveis, tornam-se carcinogênicas. O estudo foi realizado com cultura celular de tumores de mama de 223 pacientes. “Pessoas obesas são mais propensas a desenvolver câncer e, quando isso ocorre, os tumores parecem ser mais agressivos”, diz Nils Halberg, da Universidade de Bergen, na Noruega, um dos autores. “Essa nova compreensão poderá levar ao surgimento de tratamentos melhores e específicos para pacientes obesos com câncer.”

“Não há dúvida de que a obesidade aumenta o risco de diversos tipos de câncer”, diz o médico Paulo Hoff, presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC). “O que está acontecendo agora, como esse artigo da Nature Communications demonstra, é um refinamento das hipóteses”, afirma.

As primeiras pesquisas retrospectivas (quando os pesquisadores colhem informações a respeito dos fatores de risco aos quais os pacientes foram expostos) apontaram que mulheres obesas na pós-menopausa tinham risco mais elevado de desenvolver câncer de mama. Depois outros estudos mostraram relação com o câncer de fígado. Nos últimos anos, os oncologistas têm observado o aumento dos casos em que esses tumores não são provocados por uso de álcool ou hepatite viral – e sim por acúmulo de gordura (esteatose) no fígado.

“Ainda há mecanismos que precisam ser esclarecidos”, diz o mastologista Renato Cagnacci, do A.C. Camargo Cancer Center. Mas pelo menos três razões capazes de explicar por que o excesso de gordura aumenta o risco de surgimento de células malignas estão bem estabelecidas. A obesidade eleva a quantidade de insulina no organismo, um hormônio que aumenta o metabolismo e a duplicação celular, algo que pode desencadear tumores. O tecido gorduroso também produz hormônios femininos (estrogênio e progesterona), fator de risco para o desenvolvimento do câncer de mama, sobretudo em mulheres obesas na pós-menopausa.

O terceiro fator importante é a inflamação crônica. A obesidade desencadeia a produção de algumas citocinas (proteínas excretadas pelas células) que deixam a pessoa em um permanente estado inflamatório, algo que aumenta o risco de câncer. “A OMS estima que cerca de 20% de todos os cânceres têm alguma relação com a obesidade”, diz Cagnacci.

Apesar das evidências acumuladas nos últimos anos, o desconhecimento sobre o assunto persiste. “A maioria dos médicos ainda tende a não ver a obesidade como fator de risco para câncer”, diz o oncologista Hoff. “Isso precisa mudar.”

A obesidade também parece aumentar o risco de recorrência dos tumores. Trabalhos epidemiológicos indicam que mulheres obesas ou que engordam depois do tratamento enfrentam um risco mais elevado de retorno da doença. A explicação recai, novamente, sobre os níveis elevados de estrogênio. “Sempre orientamos as pacientes em tratamento a manter um estilo de vida saudável, perder peso e fazer atividade física”, diz Cagnacci.

Com esse objetivo em mente, a artesã Leila Maria de Siqueira Garcia, de 64 anos, reorganizou os hábitos. Ela nunca foi magra, mas chegou a pesar mais de 130 kg durante o tratamento de um câncer de mama. “Um dia me olhei no espelho e decidi que conquistaria um novo corpo”, afirmou. Perdeu 47 kg em três anos. “Por conta própria, mudei minha alimentação para reduzir gordura, açúcar e refrigerante”, diz ela, que recebeu alta do tratamento de câncer há mais de dez anos. “Hoje me sinto ótima, mas quero emagrecer mais uns 5 kg para fazer a cirurgia de reconstrução da mama”, conta.

Leila Maria de Siqueira Garcia, de 64 anos, moradora de Mogi das Cruzes, diz que se olhou no espelho e decidiu 'conquistar' um novo corpo Foto: TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO

A maior parte das evidências que relacionam a obesidade a um aumento de risco de câncer é derivada de grandes estudos de coorte, um tipo de estudo observacional que se propõe a analisar, em uma população previamente definida, qual será a incidência de determinada doença. Dados de estudos observacionais podem ser difíceis de interpretar. Apesar dessas limitações, há evidências consistentes de que grandes quantidades de gordura corporal aumentam o risco de câncer, segundo o NCI, dos Estados Unidos.

Em 2016, a Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (Iarc, em inglês), da OMS, analisou evidências obtidas por mais de mil estudos sobre o tema e concluiu que a ausência de gordura corporal em excesso reduz o risco de câncer. O trabalho foi publicado no The New England Journal of Medicine. “O câncer é uma doença multifatorial. É difícil definir a causa em determinada pessoa”, disse o oncologista Ronaldo Corrêa, da Coordenação de Prevenção e Vigilância do Inca. “Em quase 90% dos casos, o fator que desencadeou a doença é um comportamento de vida ou uma exposição ambiental.”

Segundo Corrêa, não existe um estudo que tenha avaliado o risco relativo do excesso de peso na população brasileira. O pesquisador explica que muitas das pesquisas feitas no mundo não analisam apenas as faixas de obesidade. Elas incluem no mesmo pacote todo tipo de excesso. Ou seja: uma categoria de sobrepeso e três de obesidade, segundo a classificação do IMC (índice de massa corporal).

Essa definição de excesso de peso contribuiu para o surgimento de 1,8% dos casos de câncer no Brasil, segundo estimativa publicada por Corrêa e colegas no ano passado na revista científica PLOS 1. Segundo o Inca, 5% dos casos de câncer de mama na pós-menopausa são atribuíveis ao excesso de gordura corporal. “Não é incomum que três instituições informem valores diferentes”, diz Corrêa. “Depende dos dados dos inquéritos populacionais que os pesquisadores usaram.”

Paulo Hoff salienta: “O que aumenta o risco de câncer é a obesidade (IMC acima de 30), não um pequeno sobrepeso”, diz. “Se a pessoa tem um pneuzinho, não quer dizer que ela tem um risco aumentado de sofrer da doença.” A tendência é de que nos próximos anos a quantidade de casos de câncer atribuíveis à gordura em excesso aumente. O avanço do sobrepeso, que já afeta 57,5% dos brasileiros, causa preocupação, porque a tendência é de que continuem engordando e se tornem obesos. É mais difícil fazer uma pessoa com excesso de peso emagrecer do que evitar que uma pessoa com peso normal se transforme em alguém com excesso de peso.

“Adotar um estilo de vida saudável como fator de proteção é uma coisa simples que a maioria das pessoas pode correr atrás e conseguir alcançar”, diz o mastologista Cagnacci. O valor dos benefícios é imenso.

A obesidade aumenta o risco de desenvolvimento de diversos tipos de câncer. Esse é um conhecimento consolidado, nos últimos anos, por vários estudos epidemiológicos. Mas diferentemente de outros fatores, como o tabagismo, grande parte das pessoas e até dos médicos não sabe da relação. Desvendar de que forma a gordura excessiva contribui para a gênese do tumor pode ajudar na prevenção e na criação de novos remédios.

Já são conhecidas mais de 200 variedades de câncer e, até agora, a ciência descobriu o elo entre a obesidade e 13 tipos da doença, como os de fígado, tireoide, ovário, rim, pâncreas, estômago, esôfago e vesícula biliar. Na lista também estão o câncer no tecido que envolve o cérebro e a medula espinhal (meningioma), o sanguíneo (mieloma múltiplo), o colorretal, o de mama (na pós-menopausa) e o do endométrio (tecido que reveste o útero).

A preocupação despertada pela relação entre a obesidade (em alta no mundo) e a doença tem levado instituições como a Organização Mundial da Saúde (OMS), o National Cancer Institute (NCI), nos Estados Unidos, e o Instituto Nacional de Câncer (Inca), no Brasil, a alertar para a necessidade de prevenção. Com a queda no número de fumantes, a tendência é de que a obesidade se torne o fator prevenível mais relevante na gênese do câncer, segundo a American Society of Clinical Oncology (Asco).

Um estudo publicado neste mês na revista Nature Communications oferece uma nova explicação para montar esse quebra-cabeça. Segundo o trabalho, a adaptação celular à obesidade é governada pelo ácido palmítico, derivado da gordura. Essa adaptação produz alterações nas células-tronco que, em vez de originar tecidos saudáveis, tornam-se carcinogênicas. O estudo foi realizado com cultura celular de tumores de mama de 223 pacientes. “Pessoas obesas são mais propensas a desenvolver câncer e, quando isso ocorre, os tumores parecem ser mais agressivos”, diz Nils Halberg, da Universidade de Bergen, na Noruega, um dos autores. “Essa nova compreensão poderá levar ao surgimento de tratamentos melhores e específicos para pacientes obesos com câncer.”

“Não há dúvida de que a obesidade aumenta o risco de diversos tipos de câncer”, diz o médico Paulo Hoff, presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC). “O que está acontecendo agora, como esse artigo da Nature Communications demonstra, é um refinamento das hipóteses”, afirma.

As primeiras pesquisas retrospectivas (quando os pesquisadores colhem informações a respeito dos fatores de risco aos quais os pacientes foram expostos) apontaram que mulheres obesas na pós-menopausa tinham risco mais elevado de desenvolver câncer de mama. Depois outros estudos mostraram relação com o câncer de fígado. Nos últimos anos, os oncologistas têm observado o aumento dos casos em que esses tumores não são provocados por uso de álcool ou hepatite viral – e sim por acúmulo de gordura (esteatose) no fígado.

“Ainda há mecanismos que precisam ser esclarecidos”, diz o mastologista Renato Cagnacci, do A.C. Camargo Cancer Center. Mas pelo menos três razões capazes de explicar por que o excesso de gordura aumenta o risco de surgimento de células malignas estão bem estabelecidas. A obesidade eleva a quantidade de insulina no organismo, um hormônio que aumenta o metabolismo e a duplicação celular, algo que pode desencadear tumores. O tecido gorduroso também produz hormônios femininos (estrogênio e progesterona), fator de risco para o desenvolvimento do câncer de mama, sobretudo em mulheres obesas na pós-menopausa.

O terceiro fator importante é a inflamação crônica. A obesidade desencadeia a produção de algumas citocinas (proteínas excretadas pelas células) que deixam a pessoa em um permanente estado inflamatório, algo que aumenta o risco de câncer. “A OMS estima que cerca de 20% de todos os cânceres têm alguma relação com a obesidade”, diz Cagnacci.

Apesar das evidências acumuladas nos últimos anos, o desconhecimento sobre o assunto persiste. “A maioria dos médicos ainda tende a não ver a obesidade como fator de risco para câncer”, diz o oncologista Hoff. “Isso precisa mudar.”

A obesidade também parece aumentar o risco de recorrência dos tumores. Trabalhos epidemiológicos indicam que mulheres obesas ou que engordam depois do tratamento enfrentam um risco mais elevado de retorno da doença. A explicação recai, novamente, sobre os níveis elevados de estrogênio. “Sempre orientamos as pacientes em tratamento a manter um estilo de vida saudável, perder peso e fazer atividade física”, diz Cagnacci.

Com esse objetivo em mente, a artesã Leila Maria de Siqueira Garcia, de 64 anos, reorganizou os hábitos. Ela nunca foi magra, mas chegou a pesar mais de 130 kg durante o tratamento de um câncer de mama. “Um dia me olhei no espelho e decidi que conquistaria um novo corpo”, afirmou. Perdeu 47 kg em três anos. “Por conta própria, mudei minha alimentação para reduzir gordura, açúcar e refrigerante”, diz ela, que recebeu alta do tratamento de câncer há mais de dez anos. “Hoje me sinto ótima, mas quero emagrecer mais uns 5 kg para fazer a cirurgia de reconstrução da mama”, conta.

Leila Maria de Siqueira Garcia, de 64 anos, moradora de Mogi das Cruzes, diz que se olhou no espelho e decidiu 'conquistar' um novo corpo Foto: TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO

A maior parte das evidências que relacionam a obesidade a um aumento de risco de câncer é derivada de grandes estudos de coorte, um tipo de estudo observacional que se propõe a analisar, em uma população previamente definida, qual será a incidência de determinada doença. Dados de estudos observacionais podem ser difíceis de interpretar. Apesar dessas limitações, há evidências consistentes de que grandes quantidades de gordura corporal aumentam o risco de câncer, segundo o NCI, dos Estados Unidos.

Em 2016, a Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (Iarc, em inglês), da OMS, analisou evidências obtidas por mais de mil estudos sobre o tema e concluiu que a ausência de gordura corporal em excesso reduz o risco de câncer. O trabalho foi publicado no The New England Journal of Medicine. “O câncer é uma doença multifatorial. É difícil definir a causa em determinada pessoa”, disse o oncologista Ronaldo Corrêa, da Coordenação de Prevenção e Vigilância do Inca. “Em quase 90% dos casos, o fator que desencadeou a doença é um comportamento de vida ou uma exposição ambiental.”

Segundo Corrêa, não existe um estudo que tenha avaliado o risco relativo do excesso de peso na população brasileira. O pesquisador explica que muitas das pesquisas feitas no mundo não analisam apenas as faixas de obesidade. Elas incluem no mesmo pacote todo tipo de excesso. Ou seja: uma categoria de sobrepeso e três de obesidade, segundo a classificação do IMC (índice de massa corporal).

Essa definição de excesso de peso contribuiu para o surgimento de 1,8% dos casos de câncer no Brasil, segundo estimativa publicada por Corrêa e colegas no ano passado na revista científica PLOS 1. Segundo o Inca, 5% dos casos de câncer de mama na pós-menopausa são atribuíveis ao excesso de gordura corporal. “Não é incomum que três instituições informem valores diferentes”, diz Corrêa. “Depende dos dados dos inquéritos populacionais que os pesquisadores usaram.”

Paulo Hoff salienta: “O que aumenta o risco de câncer é a obesidade (IMC acima de 30), não um pequeno sobrepeso”, diz. “Se a pessoa tem um pneuzinho, não quer dizer que ela tem um risco aumentado de sofrer da doença.” A tendência é de que nos próximos anos a quantidade de casos de câncer atribuíveis à gordura em excesso aumente. O avanço do sobrepeso, que já afeta 57,5% dos brasileiros, causa preocupação, porque a tendência é de que continuem engordando e se tornem obesos. É mais difícil fazer uma pessoa com excesso de peso emagrecer do que evitar que uma pessoa com peso normal se transforme em alguém com excesso de peso.

“Adotar um estilo de vida saudável como fator de proteção é uma coisa simples que a maioria das pessoas pode correr atrás e conseguir alcançar”, diz o mastologista Cagnacci. O valor dos benefícios é imenso.

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