Mudança de comportamento, ganho de opiniões, interesse por novos hábitos e perda pelos antigos, distanciamento dos pais e aproximação dos amigos… O que pode ser lido, por grande parte dos pais, como rebeldia ou uma mudança brusca da presença dentro de casa é, na verdade, a busca pela autonomia da própria vida e uma personalidade sendo moldada. Justamente por isso, conforme descreve a educadora e escritora Carolina Delboni, a adolescência é um tabu.
Na semana do Dia das Mães, a especialista em comportamento adolescente, que é colunista do E+, conversou com o Estadão sobre maternidade, as dificuldades em ser mãe de adolescente e os melhores caminhos para atravessar esta fase. De acordo com Carolina, os pais se enxergam perdidos quando encaram este novo momento da vida do filho: diferentemente da gestação e da infância, não há literatura, rede de apoio ou fontes de informação difusas sobre a adolescência, o que torna o processo mais complexo para ambos os lados.
A educadora ressalta a importância de os pais respeitarem a individualidade do adolescente. Quando as influências externas chegam e o filho começa a adotar opinião, estilo e preferências próprios, a reação de muitos pais, em um primeiro momento, é de estranhamento ou até mesmo de repressão. A resposta adotada pelos responsáveis, porém, deve ser de acolhimento, uma vez que, segundo ela, a criação de uma identidade própria é “vital” para que o adolescente se torne um adulto saudável.
Os assuntos também são o mote do livro Desafios da Adolescência na Contemporaneidade, lançado em fevereiro deste ano por Carolina. Com prefácio da educadora e colunista do Estadão Rosely Sayão, o livro, de 150 páginas, ainda aborda a relação entre o adolescente e a educação, as relações sociais da faixa etária e as sequelas deixadas pela covid-19 nesta geração. A obra está disponível em formato digital (R$ 31,41) e físico (R$ 43,80) na Amazon.
O primeiro capítulo do seu livro é “A adolescência é um grande tabu”. Esse tabu se deve, de fato, à mudança de comportamento do filho ou à falta de preparo dos pais para esta fase?
Os pais não estão preparados, sem sombra de dúvida. E é por uma questão muito simples: falta de informação. Os pais normalmente, por diferentes vias e formas, têm acesso a uma formação sobre o bebê e sobre a gravidez. Por exemplo, desde o momento em que a mulher está gestante, seja num posto de saúde ou em clínica particular, ela tem acesso a uma série de informações, via médico ou leitura. Existe literatura muito vasta sobre o bebê e infância, e a gente perde toda essa literatura e essa rede de apoio quando o filho entra na adolescência. É comum, por exemplo, nas redes sociais, grupos sobre maternidade, questões de amamentação, dúvidas da gestação, sono do bebê... E isso simplesmente acaba na hora que esse filho entra na adolescência. É comum ter grupo de WhatsApp nas escolas quando as crianças são pequenas, mas na adolescência acabam. É como se uma mãe ou um responsável legal não precisasse mais falar com outra mãe. Só que a gente rompe um vínculo vital para conseguir dar apoio a esses pais e conseguir informá-los. Por exemplo, quase ninguém sabe que existe o médico hebiatra, que é especializado em adolescência. Os pais perdem a chance de conhecimento e isso cria uma série de estigmas em volta do adolescente.
E como ampliar a rede de informações e de apoio sobre esta fase?
É importante entender que os pais não podem romper os vínculos e as redes de relações que foram criadas na infância. Não é preciso acabar com os grupos de WhatsApp de escola, por exemplo. Não precisa romper com esses espaços de diálogo e troca. A segunda sugestão é perguntar para quem era o pediatra anterior a indicação de um novo médico, e entender que a gente não pode pular essa fase, deixar esse adolescente nesse limbo. Tem profissionais de Saúde que atendem o adolescente, existe literatura específica que fala sobre o desenvolvimento e daí, às vezes, uma busca no Google funciona. [...] Outra forma é manter o contato estreito com a escola de novo. A família acha que, porque chegou na adolescência, o filho precisa de autonomia. “Ele já é capaz de fazer uma série de coisas sozinho. Não preciso mais ficar toda hora querendo saber da escola, porque se tiver qualquer coisa vão me chamar.” Ok, se tiver qualquer coisa a escola realmente vai chamar, mas procure com regularidade a orientação deles sobre como anda seu filho, como é que estão as relações dele dentro do espaço escolar, se tem socialização saudável, como é dentro da sala de aula. Procure saber antes de um problema chegar.
Um dos motivadores dos conflitos na adolescência é o crescimento de individualidade e identidade própria dos filhos. Qual a postura que os pais devem adotar neste momento?
Esse é um dos pontos que os pais mais têm dificuldade. Essa mudança é vital para que ele se torne um adulto. Ele não vai conseguir ser um adulto seguro de si, capaz de desempenhar todos aqueles sonhos e expectativas que os pais têm, se ele não se tornar um adolescente com as próprias opiniões e gostos. Os pais precisam entender que isso é uma fase que precisa ser vivida. Não é afronta nem confronto aos pais quando o adolescente discorda ou diz o que pensa. Deveríamos valorizar isso, é uma potencialidade dele. Isso significa que ele está se desenvolvendo de modo saudável e positivo. Deveríamos nos preocupar se isso não acontecesse, se o adolescente não discorda, não procurar o próprio grupo social e viver dentro de casa, se ainda pergunta muito aos pais o que acham e como ele deveria fazer. Na infância, a brincadeira é essencial para que a criança se desenvolva e aprenda. Já o adolescente se constitui como indivíduo através das relações sociais. Se ele não tiver a possibilidade de sair para fora e de se relacionar com o outro, ele terá muita dificuldade de desenvolver a personalidade dele. Quando os pais têm dimensão de entender o que é esse “sair para fora”, talvez seja mais fácil conseguirem vivenciar esse dia a dia com o adolescente sem tanto embate, entendendo que sem isso ele não se torna um adulto saudável e capaz como a grande maioria dos pais gostariam.
Para além do ganho de individualidade, o adolescente começa a ter mais independência, responsabilidade e liberdade. Como os pais podem lidar com isso, mantendo o cuidado necessário, mas sem limitá-lo?
Participando do universo deles. Isso não quer dizer ser amigo deles no sentido de sair com eles, mas é se inteirando desse universo, tentando manter algum vínculo, porque isso vai dar segurança, no sentido de “sei onde ele circula, com quem está e o que acontece nesse ambiente”. [...] Para poder, de certa forma, dar essa liberdade para o adolescente os pais acham que não precisam mais saber de mais nada. O que eles têm que entender é que eles não precisam e não devem invadir o espaço do filho. Querer entrar na festa, saber qual é a conversa entre os amigos, pegar o celular e ler conversa, não. É somente para manter o vínculo. Buscar escutar as músicas de que ele gosta, saber se já está consumindo álcool, perguntar sobre isso. Quando você se interessa pelo universo do adolescente, vai ganhar conhecimento sobre aquilo e ser capaz de manter esse vínculo com ele, sendo, então, capaz de dar liberdade para ele de sair, mas sabendo qual é o tipo de informação que você tem que dar para ele antes de ele sair. Esse, inclusive, é um momento em que os pais falham muito. Quando o adolescente traz para casa esses universos dele, seja por uma música, uma expressão ou roupa e cabelo, os pais tendem a criticar logo de cara. Toda vez que ele traz algo e encontra uma barreira vai dar dez passos para trás. E aí entramos naquele lugar que os pais reclamam muito: “Meu filho não fala, não conta o que está acontecendo”. Mas aí volto no ponto inicial. Você se interessa pelo que está acontecendo com o seu filho?
É importante os pais entenderem que dar liberdade não significa se ausentar do papel de pai e mãe. Imagina esses pais dentro de um carro, com o bebê ou uma criança. Normalmente esse bebê ou essa criança vão estar num bebê-conforto ou cadeirinha na parte de trás do carro, e você tem ali pai e mãe conduzindo o veículo. Como é a simbologia que eu diria dessa condução da adolescência? Quando coloco esse adolescente no volante, coloco ele para experimentar a direção da própria vida, só que esse carro ainda não é dele, ele ainda não aprendeu completamente. Ele precisa de um pai ou uma mãe que sente ao seu lado, no banco de passageiro. Ele não vai sair dirigindo sozinho, ele tem pai, mãe ou responsável legal que está ao lado dele, ajudando e o ensinando a conduzir esse veículo, até chegar no momento em que esse adolescente cresceu e agora é capaz de dirigir o seu próprio carro sozinho. Ou seja, é capaz de dirigir a própria vida.
E qual é o melhor caminho para propor um diálogo e enfrentar a adolescência de uma forma menos conflituosa?
Esse é outro ponto sensível da relação com adolescentes. E, ao contrário do que os pais pensam, os filhos sentem muito em não ter a possibilidade de escuta em casa. Os adolescentes, de maneira geral, podem até ser monossilábicos, mas eles têm uma capacidade de escuta que é muito maior e mais sensível do que a do adulto. Primeiro é importante o adulto entender que, da mesma forma que você não dialoga com uma criança de igual para igual, porque eu mudo a posição do meu corpo, para ficar na altura dela, e escolho o conteúdo e as palavras para uma conversa, o adolescente não dialoga como um adulto dialoga. Existe uma forma de conversa. Primeiro é entender que o adolescente escuta muito mais do que fala. Os pais ouvem os adolescentes, mas eles não escutam o que ele fala. Eu uso o meu sentido da audição e pronto, acabou. Normalmente, quando um adolescente se propõe a falar, como eu disse anteriormente, os pais, em uma primeira atitude, barram ou criam algo que não é confortável para aquele adolescente. Por exemplo: “Mãe, eu estava pensando em ir em uma festa, queria saber se posso”. “Ah, não sei. Quem é que vai? É na casa de quem? Tem adulto lá?”. São tantas perguntas que já trazem empecilhos que ele fala “ela não vai deixar”. Quando ele conta uma coisa que aconteceu que não foi legal, em vez de você partir para bronca, primeiro acolhe. A sugestão que eu faço é que quando o adolescente se propõe a falar, seja o que for, acolha primeiro. Procure se interessar de maneira genuína pelo que ele está trazendo. Depois disso ele vê que achou um canal de comunicação, não foi rejeitado. Como que eu vou criando isso no dia a dia? Pegando ganchos cotidianos que aparecem. Uma coisa na escola, um vídeo no TikTok, uma cena na novela. Usa o que ele trouxe como via de acesso para começar uma conversa.
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Todos esses desafios não são um assunto exclusivo da maternidade. Como incluir os pais nessa tarefa?
Esse é o desafio do feminismo e da própria maternidade. E é um desafio que começa desde o momento em que um homem e uma mulher decidem se casar. Faz parte dessa construção de planos e dessa maternidade o homem entender que ele é parte desta construção, desta formação de ser humano. E a gente está falando de algo que é bem complexo, é uma desconstrução de uma estrutura na qual a gente vive, mulheres sendo mãe ou não. A partir do momento em que a figura paterna existe dentro daquela casa, ela é importante e ela precisa se fazer presente, não pela agressividade, pelo masculino que a gente não gostaria mais de ver, mas um masculino que também ajuda a acolher, ajuda na construção dos diálogos e que também é capaz de mostrar para esse filho o papel de um homem na família. Como eu divido as tarefas com essa mulher que está dentro dessa casa? Como que eu ajudo a formar esse serzinho para que ele cresça e não continue perpetuando essa masculinidade tóxica? Esse pai tem uma obrigação social, estrutural e cultural, de romper com esse lugar da mulher dentro de casa e na maternidade, para que ele entenda que faz parte e que as próximas gerações possam ter isso de maneira mais suavizada.