Como virar vegano sem descuidar da saúde


Não é apenas deixar de comer carne: mudança se refere também ao estilo de vida, mas exige mais atenção na reposição de nutrientes

Por Nathalia Molina

A primeira a sair do prato é a carne vermelha. Depois somem a branca, os ovos e, por último, leite e laticínios. A mudança na alimentação para adotar o veganismo pode ser gradual, mas acontece de ser também de uma hora para outra. De repente, cortam-se todos os ingredientes e produtos de origem animal.

Quando essa postura se refere somente à alimentação, a pessoa se torna vegetariana. Quando extrapola para outros aspectos vira vegana. O termo vem do Reino Unido, da Vegan Society. Fundada em 1944, é a mais antiga organização do mundo dedicada ao tema. O veganismo veta produtos, serviços e entretenimento que envolvam sofrimento ou morte de animais, como roupas de couro, insumos testados em bichos, passeios a zoológicos.

continua após a publicidade

É comum as pessoas relacionarem veganismo com comida, porque atividades como circo, testes para pesquisa e atrativos representam apenas algo em torno de 2% a 3%, explica Ricardo Laurino, presidente da Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB). “Todo o restante da crueldade e morte faz parte da cadeia de alimentação”, afirma. Dia 1º de outubro é o Dia do Vegetarianismo.

Por onde alguém interessado em virar vegano deve começar?

“Quando você fala em estilo ou filosofia de vida, dá uma sensação de que a pessoa vai ter de mudar tudo. Mas basicamente é a gente pôr em prática algo com que todo mundo concorda: nas nossas escolhas, tiramos os produtos que têm relação com morte e crueldade de animais”, explica Laurino.

continua após a publicidade

Vegana há seis anos, Janete Silva, de 48 anos, não gostava de comer carnes desde pequena. “As únicas com que eu me adaptava melhor eram peixe e frango”, conta a assistente social da Defensoria Pública do Estado de São Paulo. “Meu pai criava galinhas e porcos, e eu via matar. Me perturbava. Eu já era dos vegetais, e me mantive assim.”

Vegana há seis anos, Janete Silva aprendeu a fazer queijos e iogurtes sem proteína animal Foto: Valéria Gonçalvez/Estadão


continua após a publicidade

A dificuldade, lembra, foi deixar de consumir laticínios. Esse parece ser um dos maiores desafios relatados por muita gente. Por isso, alguns decidem ir tirando aos poucos os componentes de origem animal. Dessas escolhas nascem variações: ovolactovegetariano (consome ovos, leite e laticínios); lactovegetariano (inclui só leites e laticínios); ovovegetariano (usa só ovos); vegetariano estrito (não come nada de origem animal).

“Comecei diminuindo, comia os queijos mais fortes só uma vez por mês. Mas toda vez em que eu ingeria tinha uma digestão lentíssima”, lembra Janete. Até que a funcionária pública parou de vez. “Do momento em que decidi, de verdade, nunca mais tive uma crise de sinusite”, conta, se referindo às dores que sentia desde criança.

Leite vegetal e outras receitas

continua após a publicidade

Para produzir leites e queijos a partir de vegetais, Janete tentou alguns cursos até encontrar, no ano passado, as aulas dadas por Renata Nunes. Vegana, ela criou o curso Mestre em Queijos e Laticínios Veganos e o programa Escola Vida Vegana, com aulas em módulos e alguns bônus gravados. “Há receitas, livros e documentários que indico, temperos e dicas para ter mais produtividade na cozinha, um curso de cosméticos básicos, sabonete, pasta de dente, chás e farmacinha caseira”, lembra.

Ela não tem formação em gastronomia, mas foi atrás de leitura e conhecimento sobre o assunto. Atualmente, faz pós-graduação em Nutrição Vegetariana e Vegana. Aos alunos, passa adiante o aprendizado que reuniu com a própria experiência. “Posso ensinar a minha trajetória, explicar como a pessoa se organiza para montar um cardápio, como economizar comprando em mais quantidade os ingredientes que já sabe que vai usar por alguns meses”, explica Renata, à frente do Instagram @ideiavegana.

continua após a publicidade

“Não é uma escola de gastronomia, é de estilo de vida. Escola de gastronomia há muitas, não é esse meu objetivo. Queria pegar a mãe de família para ela entender de onde se tiram os nutrientes para a alimentação.”

Laurino, da SVB, explica que a falta de informação é um entrave para quem pensa em mudar a alimentação. “Muitas pessoas se animam, mas, às vezes, por não terem conhecimento acabam desistindo de fazer a transição”, conta. “O veganismo está muito mais próximo do que elas imaginam e qualquer um pode adotá-lo.”

Quais os principais cuidados ao virar vegano?

continua após a publicidade

Segundo Tatiana Bononi, nutricionista da Rede de Hospitais São Camilo de São Paulo, quem pretende virar vegano precisa, primeiramente, procurar um médico ou um nutricionista para evitar problemas futuros acarretados por uma mudança de dieta. “A substituição da carne pode acontecer por diversas outras fontes de nutrientes e essa orientação é fundamental para garantir a manutenção de uma alimentação equilibrada”, esclarece.

Janete mostra os queijos veganos que produz Foto: Valeria Goncalvez

Uma pessoa vegana, por exemplo, deve comer mais do que costumava quando consumia carnes, ovos, leites e laticínios, para manter o peso e a nutrição, recomenda a nutricionista Alessandra Luglio, especializada em alimentação vegetariana e diretora de Campanhas da SVB. “Tem de fazer um prato maior em termos de vegetais, senão ele fica caloricamente insuficiente e a pessoa pode se sentir mais cansada”, explica. “O vegetal tem mais água e fibras. Faz volume, mas tem menos calorias por grama. Carnes, laticínios e ovos possuem gordura.”

Além disso, é preciso fazer uma série de exames para que a transição ocorra sem prejuízo para a saúde, avisa Tatiana. São ao todo cerca de 17 exames, como avaliação de sangue, metabolismo de gordura, avaliação de músculo de órgãos como rins e fígado, além de vitaminas como a D, B9 e B12.

Mesmo fazendo esses exames previamente, quem opta pelo veganismo também precisa ter um cuidado especial com a saúde. “Não é só cortar alimentos da dieta, é preciso que a gente trabalhe em conjunto com os objetivos dessa pessoa”, ensina Tatiana. “Precisamos entender se é necessário incluir nutrientes e sais minerais para não haver uma deficiência dessas substâncias. A dieta vegana tende a ter carência de B12, que é essencial para a formação de hemácias, importantíssimas para o funcionamento do sistema nervoso central.”

Para auxiliar nessa transição, a SVB criou o programa Opção Vegana (opcaovegana.svb.org.br), em parceria com Humane Society International (HSI). A intenção é ajudar tanto pessoas a encontrarem produtos veganos para comprar (na aba Fornecedores do menu do site) quanto estabelecimentos a incluírem em seus cardápios refeições preparadas sem produtos ou insumos de origem animal (em Orientações). Já o site ondetemopcaovegana.com.br, outra iniciativa da SVB, traz um levantamento de cerca de 3,2 mil estabelecimentos no Brasil com pelo menos um prato sem nenhum ingrediente de origem animal.

O presidente da SVB confirma que a adoção dessa nova postura já vinha crescendo no Brasil e ganhou mais impulso com a pandemia. “As pessoas pensaram mais na própria vida, nas escolhas. Isso acabou gerando uma vontade maior de mudar”, avalia Laurino.

Uma pesquisa do Ibope de 2018 já mostrava o crescimento de vegetarianos no País. No levantamento, 14% se declaravam vegetarianos – nas regiões metropolitanas de São Paulo, do Rio, de Curitiba e do Recife, eram 16%. A mesma pesquisa em 2012 apontou que 8% se diziam vegetarianos.

Questões ambientais

Laurino lembra ainda do aspecto de preservação ambiental que a mudança na alimentação ajuda a promover – segundo ele, a atividade que mais leva ao desmatamento é a produção de animais para abate. “Os animais consomem também boa parte do que a gente planta. Em torno de 80% da soja produzida acaba sendo consumida, na sua maioria, por porcos e frangos.”

Quando faz seus laticínios veganos, Janete se preocupa com a procedência dos insumos. Ela aprendeu tão bem as receitas que hoje vende os produtos pelas redes sociais. Começou presenteando os amigos, que passaram a fazer encomendas. “A castanha de caju orgânica vem de uma cooperativa do Ceará. No veganismo, a gente pensa numa cadeia inteira de sustentabilidade.”

Variedade de hortaliças e vegetais são importantes na dieta vegana Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Dicas para fazer a transição para o veganismo

Ingredientes

Alguns podem gerar dúvidas, que a SVB tira no seu Manual de Boas Práticas do programa Opção Vegana (opcaovegana.svb.org.br). Cogumelos, leveduras, fermentos e glúten (por ser uma proteína animal) são adequados para veganos. Já caseína, caseinato, soro de leite, lactalbumina, lactoferrina, lactoglobulina, lactose e lactulose são leite e não devem ser usados. Produtos com a indicação “contém traços de leite e ovos” podem ser consumidos, porque não têm ingredientes de origem animal na sua composição.

Substituição

A nutricionista Alessandra, da SVB, lembra que o cálcio, normalmente vindo do leite, pode ser obtido de folhas verde-escuras. “Tem cálcio na semente de gergelim. A gente pode usar tahine no lugar da manteiga. Crianças, adolescentes e idosos podem tomar bebidas vegetais enriquecidas com cálcio”, diz. A nutricionista Tatiana Bononi indica verduras como ora-pro-nóbis, rica em proteína, e peixinho, uma PANC (planta alimentícia não convencional) cujo sabor é similar ao do peixe.

Nutrição

É importante diversificar ao máximo os vegetais consumidos, aponta Alessandra. “A pessoa deve comer ervilha, lentinha e grão-de-bico, alimentos que trazem um aporte maior de vitaminas, proteínas e minerais”, afirma. “Fala-se demais de deficiência nutricional, mas não é verdade. A pessoa precisa fazer uma adequação.” Segundo ela, o consumo de carne tira a energia, e a maior parte das pessoas que se tornam veganas ou vegetarianas se sente mais bem disposta.

Suplementação

Isso muda de acordo com a fase da vida. “Gestantes e crianças têm de suplementar ferro e ácido fólico”, diz Alessandra. “A vitamina B12 é o único nutriente presente nas bactérias que estão no solo e que, quando deixa de consumir carne, o vegano precisa prestar mais atenção.”

Ajuda profissional

Embora não seja obrigatório, ter um nutricionista ou médico para acompanhar o processo ajuda a assegurar que a transição não acarrete problemas de saúde. “Toda mudança de estilo de vida merece um cuidado. No caso do veganismo, precisamos ter sim uma atenção maior para que a pessoa consiga consumir todos os nutrientes que ela precisa”, completa Tatiana.

Qual a diferença entre vegetariano e vegano?

Vegetariano

O termo se refere à alimentação composta apenas de vegetais. Mas ganha adaptações conforme as várias vertentes, que incluem o consumo de ovos, leite e laticínios.

Vegano

O conceito é mais amplo. O vegano come só vegetais, mas também corta produtos, serviços e entretenimento que envolvam sofrimento ou morte de animais.

Aprenda a fazer queijo vegano

Renata Nunes, do @ideiavegana, ensina a fazer queijo vegano de grão-de-bico.

INGREDIENTES

*3 xíc. de grão de bico (deixar de molho em água por no mínimo 8 horas, escorrer e lavar o grão de bico depois deste tempo)

2 xíc. de água filtrada

1 colher de sopa de levedura nutricional

1 colher de chá de cebola em pó

1 colher de chá de alho em pó

1 colher de chá de sal

2 colheres de sopa de azeite de oliva

1 colher de sopa de vinagre de maçã

MODO DE PREPARO

1. Bata no liquidificador o grão de bico, a água, a levedura, a cebola, o alho e o sal.

2. Acrescente o azeite e o vinagre e bata novamente

3. Coloque em uma panela e leve ao fogo, misturando para não grudar no fundo. Deixe ferver até a mistura começar a desgrudar do fundo da panela.

4. Unte uma vasilha. Despeje a mistura e deixe esfriar completamente

5. Leve para a geladeira no dia seguinte

A primeira a sair do prato é a carne vermelha. Depois somem a branca, os ovos e, por último, leite e laticínios. A mudança na alimentação para adotar o veganismo pode ser gradual, mas acontece de ser também de uma hora para outra. De repente, cortam-se todos os ingredientes e produtos de origem animal.

Quando essa postura se refere somente à alimentação, a pessoa se torna vegetariana. Quando extrapola para outros aspectos vira vegana. O termo vem do Reino Unido, da Vegan Society. Fundada em 1944, é a mais antiga organização do mundo dedicada ao tema. O veganismo veta produtos, serviços e entretenimento que envolvam sofrimento ou morte de animais, como roupas de couro, insumos testados em bichos, passeios a zoológicos.

É comum as pessoas relacionarem veganismo com comida, porque atividades como circo, testes para pesquisa e atrativos representam apenas algo em torno de 2% a 3%, explica Ricardo Laurino, presidente da Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB). “Todo o restante da crueldade e morte faz parte da cadeia de alimentação”, afirma. Dia 1º de outubro é o Dia do Vegetarianismo.

Por onde alguém interessado em virar vegano deve começar?

“Quando você fala em estilo ou filosofia de vida, dá uma sensação de que a pessoa vai ter de mudar tudo. Mas basicamente é a gente pôr em prática algo com que todo mundo concorda: nas nossas escolhas, tiramos os produtos que têm relação com morte e crueldade de animais”, explica Laurino.

Vegana há seis anos, Janete Silva, de 48 anos, não gostava de comer carnes desde pequena. “As únicas com que eu me adaptava melhor eram peixe e frango”, conta a assistente social da Defensoria Pública do Estado de São Paulo. “Meu pai criava galinhas e porcos, e eu via matar. Me perturbava. Eu já era dos vegetais, e me mantive assim.”

Vegana há seis anos, Janete Silva aprendeu a fazer queijos e iogurtes sem proteína animal Foto: Valéria Gonçalvez/Estadão


A dificuldade, lembra, foi deixar de consumir laticínios. Esse parece ser um dos maiores desafios relatados por muita gente. Por isso, alguns decidem ir tirando aos poucos os componentes de origem animal. Dessas escolhas nascem variações: ovolactovegetariano (consome ovos, leite e laticínios); lactovegetariano (inclui só leites e laticínios); ovovegetariano (usa só ovos); vegetariano estrito (não come nada de origem animal).

“Comecei diminuindo, comia os queijos mais fortes só uma vez por mês. Mas toda vez em que eu ingeria tinha uma digestão lentíssima”, lembra Janete. Até que a funcionária pública parou de vez. “Do momento em que decidi, de verdade, nunca mais tive uma crise de sinusite”, conta, se referindo às dores que sentia desde criança.

Leite vegetal e outras receitas

Para produzir leites e queijos a partir de vegetais, Janete tentou alguns cursos até encontrar, no ano passado, as aulas dadas por Renata Nunes. Vegana, ela criou o curso Mestre em Queijos e Laticínios Veganos e o programa Escola Vida Vegana, com aulas em módulos e alguns bônus gravados. “Há receitas, livros e documentários que indico, temperos e dicas para ter mais produtividade na cozinha, um curso de cosméticos básicos, sabonete, pasta de dente, chás e farmacinha caseira”, lembra.

Ela não tem formação em gastronomia, mas foi atrás de leitura e conhecimento sobre o assunto. Atualmente, faz pós-graduação em Nutrição Vegetariana e Vegana. Aos alunos, passa adiante o aprendizado que reuniu com a própria experiência. “Posso ensinar a minha trajetória, explicar como a pessoa se organiza para montar um cardápio, como economizar comprando em mais quantidade os ingredientes que já sabe que vai usar por alguns meses”, explica Renata, à frente do Instagram @ideiavegana.

“Não é uma escola de gastronomia, é de estilo de vida. Escola de gastronomia há muitas, não é esse meu objetivo. Queria pegar a mãe de família para ela entender de onde se tiram os nutrientes para a alimentação.”

Laurino, da SVB, explica que a falta de informação é um entrave para quem pensa em mudar a alimentação. “Muitas pessoas se animam, mas, às vezes, por não terem conhecimento acabam desistindo de fazer a transição”, conta. “O veganismo está muito mais próximo do que elas imaginam e qualquer um pode adotá-lo.”

Quais os principais cuidados ao virar vegano?

Segundo Tatiana Bononi, nutricionista da Rede de Hospitais São Camilo de São Paulo, quem pretende virar vegano precisa, primeiramente, procurar um médico ou um nutricionista para evitar problemas futuros acarretados por uma mudança de dieta. “A substituição da carne pode acontecer por diversas outras fontes de nutrientes e essa orientação é fundamental para garantir a manutenção de uma alimentação equilibrada”, esclarece.

Janete mostra os queijos veganos que produz Foto: Valeria Goncalvez

Uma pessoa vegana, por exemplo, deve comer mais do que costumava quando consumia carnes, ovos, leites e laticínios, para manter o peso e a nutrição, recomenda a nutricionista Alessandra Luglio, especializada em alimentação vegetariana e diretora de Campanhas da SVB. “Tem de fazer um prato maior em termos de vegetais, senão ele fica caloricamente insuficiente e a pessoa pode se sentir mais cansada”, explica. “O vegetal tem mais água e fibras. Faz volume, mas tem menos calorias por grama. Carnes, laticínios e ovos possuem gordura.”

Além disso, é preciso fazer uma série de exames para que a transição ocorra sem prejuízo para a saúde, avisa Tatiana. São ao todo cerca de 17 exames, como avaliação de sangue, metabolismo de gordura, avaliação de músculo de órgãos como rins e fígado, além de vitaminas como a D, B9 e B12.

Mesmo fazendo esses exames previamente, quem opta pelo veganismo também precisa ter um cuidado especial com a saúde. “Não é só cortar alimentos da dieta, é preciso que a gente trabalhe em conjunto com os objetivos dessa pessoa”, ensina Tatiana. “Precisamos entender se é necessário incluir nutrientes e sais minerais para não haver uma deficiência dessas substâncias. A dieta vegana tende a ter carência de B12, que é essencial para a formação de hemácias, importantíssimas para o funcionamento do sistema nervoso central.”

Para auxiliar nessa transição, a SVB criou o programa Opção Vegana (opcaovegana.svb.org.br), em parceria com Humane Society International (HSI). A intenção é ajudar tanto pessoas a encontrarem produtos veganos para comprar (na aba Fornecedores do menu do site) quanto estabelecimentos a incluírem em seus cardápios refeições preparadas sem produtos ou insumos de origem animal (em Orientações). Já o site ondetemopcaovegana.com.br, outra iniciativa da SVB, traz um levantamento de cerca de 3,2 mil estabelecimentos no Brasil com pelo menos um prato sem nenhum ingrediente de origem animal.

O presidente da SVB confirma que a adoção dessa nova postura já vinha crescendo no Brasil e ganhou mais impulso com a pandemia. “As pessoas pensaram mais na própria vida, nas escolhas. Isso acabou gerando uma vontade maior de mudar”, avalia Laurino.

Uma pesquisa do Ibope de 2018 já mostrava o crescimento de vegetarianos no País. No levantamento, 14% se declaravam vegetarianos – nas regiões metropolitanas de São Paulo, do Rio, de Curitiba e do Recife, eram 16%. A mesma pesquisa em 2012 apontou que 8% se diziam vegetarianos.

Questões ambientais

Laurino lembra ainda do aspecto de preservação ambiental que a mudança na alimentação ajuda a promover – segundo ele, a atividade que mais leva ao desmatamento é a produção de animais para abate. “Os animais consomem também boa parte do que a gente planta. Em torno de 80% da soja produzida acaba sendo consumida, na sua maioria, por porcos e frangos.”

Quando faz seus laticínios veganos, Janete se preocupa com a procedência dos insumos. Ela aprendeu tão bem as receitas que hoje vende os produtos pelas redes sociais. Começou presenteando os amigos, que passaram a fazer encomendas. “A castanha de caju orgânica vem de uma cooperativa do Ceará. No veganismo, a gente pensa numa cadeia inteira de sustentabilidade.”

Variedade de hortaliças e vegetais são importantes na dieta vegana Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Dicas para fazer a transição para o veganismo

Ingredientes

Alguns podem gerar dúvidas, que a SVB tira no seu Manual de Boas Práticas do programa Opção Vegana (opcaovegana.svb.org.br). Cogumelos, leveduras, fermentos e glúten (por ser uma proteína animal) são adequados para veganos. Já caseína, caseinato, soro de leite, lactalbumina, lactoferrina, lactoglobulina, lactose e lactulose são leite e não devem ser usados. Produtos com a indicação “contém traços de leite e ovos” podem ser consumidos, porque não têm ingredientes de origem animal na sua composição.

Substituição

A nutricionista Alessandra, da SVB, lembra que o cálcio, normalmente vindo do leite, pode ser obtido de folhas verde-escuras. “Tem cálcio na semente de gergelim. A gente pode usar tahine no lugar da manteiga. Crianças, adolescentes e idosos podem tomar bebidas vegetais enriquecidas com cálcio”, diz. A nutricionista Tatiana Bononi indica verduras como ora-pro-nóbis, rica em proteína, e peixinho, uma PANC (planta alimentícia não convencional) cujo sabor é similar ao do peixe.

Nutrição

É importante diversificar ao máximo os vegetais consumidos, aponta Alessandra. “A pessoa deve comer ervilha, lentinha e grão-de-bico, alimentos que trazem um aporte maior de vitaminas, proteínas e minerais”, afirma. “Fala-se demais de deficiência nutricional, mas não é verdade. A pessoa precisa fazer uma adequação.” Segundo ela, o consumo de carne tira a energia, e a maior parte das pessoas que se tornam veganas ou vegetarianas se sente mais bem disposta.

Suplementação

Isso muda de acordo com a fase da vida. “Gestantes e crianças têm de suplementar ferro e ácido fólico”, diz Alessandra. “A vitamina B12 é o único nutriente presente nas bactérias que estão no solo e que, quando deixa de consumir carne, o vegano precisa prestar mais atenção.”

Ajuda profissional

Embora não seja obrigatório, ter um nutricionista ou médico para acompanhar o processo ajuda a assegurar que a transição não acarrete problemas de saúde. “Toda mudança de estilo de vida merece um cuidado. No caso do veganismo, precisamos ter sim uma atenção maior para que a pessoa consiga consumir todos os nutrientes que ela precisa”, completa Tatiana.

Qual a diferença entre vegetariano e vegano?

Vegetariano

O termo se refere à alimentação composta apenas de vegetais. Mas ganha adaptações conforme as várias vertentes, que incluem o consumo de ovos, leite e laticínios.

Vegano

O conceito é mais amplo. O vegano come só vegetais, mas também corta produtos, serviços e entretenimento que envolvam sofrimento ou morte de animais.

Aprenda a fazer queijo vegano

Renata Nunes, do @ideiavegana, ensina a fazer queijo vegano de grão-de-bico.

INGREDIENTES

*3 xíc. de grão de bico (deixar de molho em água por no mínimo 8 horas, escorrer e lavar o grão de bico depois deste tempo)

2 xíc. de água filtrada

1 colher de sopa de levedura nutricional

1 colher de chá de cebola em pó

1 colher de chá de alho em pó

1 colher de chá de sal

2 colheres de sopa de azeite de oliva

1 colher de sopa de vinagre de maçã

MODO DE PREPARO

1. Bata no liquidificador o grão de bico, a água, a levedura, a cebola, o alho e o sal.

2. Acrescente o azeite e o vinagre e bata novamente

3. Coloque em uma panela e leve ao fogo, misturando para não grudar no fundo. Deixe ferver até a mistura começar a desgrudar do fundo da panela.

4. Unte uma vasilha. Despeje a mistura e deixe esfriar completamente

5. Leve para a geladeira no dia seguinte

A primeira a sair do prato é a carne vermelha. Depois somem a branca, os ovos e, por último, leite e laticínios. A mudança na alimentação para adotar o veganismo pode ser gradual, mas acontece de ser também de uma hora para outra. De repente, cortam-se todos os ingredientes e produtos de origem animal.

Quando essa postura se refere somente à alimentação, a pessoa se torna vegetariana. Quando extrapola para outros aspectos vira vegana. O termo vem do Reino Unido, da Vegan Society. Fundada em 1944, é a mais antiga organização do mundo dedicada ao tema. O veganismo veta produtos, serviços e entretenimento que envolvam sofrimento ou morte de animais, como roupas de couro, insumos testados em bichos, passeios a zoológicos.

É comum as pessoas relacionarem veganismo com comida, porque atividades como circo, testes para pesquisa e atrativos representam apenas algo em torno de 2% a 3%, explica Ricardo Laurino, presidente da Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB). “Todo o restante da crueldade e morte faz parte da cadeia de alimentação”, afirma. Dia 1º de outubro é o Dia do Vegetarianismo.

Por onde alguém interessado em virar vegano deve começar?

“Quando você fala em estilo ou filosofia de vida, dá uma sensação de que a pessoa vai ter de mudar tudo. Mas basicamente é a gente pôr em prática algo com que todo mundo concorda: nas nossas escolhas, tiramos os produtos que têm relação com morte e crueldade de animais”, explica Laurino.

Vegana há seis anos, Janete Silva, de 48 anos, não gostava de comer carnes desde pequena. “As únicas com que eu me adaptava melhor eram peixe e frango”, conta a assistente social da Defensoria Pública do Estado de São Paulo. “Meu pai criava galinhas e porcos, e eu via matar. Me perturbava. Eu já era dos vegetais, e me mantive assim.”

Vegana há seis anos, Janete Silva aprendeu a fazer queijos e iogurtes sem proteína animal Foto: Valéria Gonçalvez/Estadão


A dificuldade, lembra, foi deixar de consumir laticínios. Esse parece ser um dos maiores desafios relatados por muita gente. Por isso, alguns decidem ir tirando aos poucos os componentes de origem animal. Dessas escolhas nascem variações: ovolactovegetariano (consome ovos, leite e laticínios); lactovegetariano (inclui só leites e laticínios); ovovegetariano (usa só ovos); vegetariano estrito (não come nada de origem animal).

“Comecei diminuindo, comia os queijos mais fortes só uma vez por mês. Mas toda vez em que eu ingeria tinha uma digestão lentíssima”, lembra Janete. Até que a funcionária pública parou de vez. “Do momento em que decidi, de verdade, nunca mais tive uma crise de sinusite”, conta, se referindo às dores que sentia desde criança.

Leite vegetal e outras receitas

Para produzir leites e queijos a partir de vegetais, Janete tentou alguns cursos até encontrar, no ano passado, as aulas dadas por Renata Nunes. Vegana, ela criou o curso Mestre em Queijos e Laticínios Veganos e o programa Escola Vida Vegana, com aulas em módulos e alguns bônus gravados. “Há receitas, livros e documentários que indico, temperos e dicas para ter mais produtividade na cozinha, um curso de cosméticos básicos, sabonete, pasta de dente, chás e farmacinha caseira”, lembra.

Ela não tem formação em gastronomia, mas foi atrás de leitura e conhecimento sobre o assunto. Atualmente, faz pós-graduação em Nutrição Vegetariana e Vegana. Aos alunos, passa adiante o aprendizado que reuniu com a própria experiência. “Posso ensinar a minha trajetória, explicar como a pessoa se organiza para montar um cardápio, como economizar comprando em mais quantidade os ingredientes que já sabe que vai usar por alguns meses”, explica Renata, à frente do Instagram @ideiavegana.

“Não é uma escola de gastronomia, é de estilo de vida. Escola de gastronomia há muitas, não é esse meu objetivo. Queria pegar a mãe de família para ela entender de onde se tiram os nutrientes para a alimentação.”

Laurino, da SVB, explica que a falta de informação é um entrave para quem pensa em mudar a alimentação. “Muitas pessoas se animam, mas, às vezes, por não terem conhecimento acabam desistindo de fazer a transição”, conta. “O veganismo está muito mais próximo do que elas imaginam e qualquer um pode adotá-lo.”

Quais os principais cuidados ao virar vegano?

Segundo Tatiana Bononi, nutricionista da Rede de Hospitais São Camilo de São Paulo, quem pretende virar vegano precisa, primeiramente, procurar um médico ou um nutricionista para evitar problemas futuros acarretados por uma mudança de dieta. “A substituição da carne pode acontecer por diversas outras fontes de nutrientes e essa orientação é fundamental para garantir a manutenção de uma alimentação equilibrada”, esclarece.

Janete mostra os queijos veganos que produz Foto: Valeria Goncalvez

Uma pessoa vegana, por exemplo, deve comer mais do que costumava quando consumia carnes, ovos, leites e laticínios, para manter o peso e a nutrição, recomenda a nutricionista Alessandra Luglio, especializada em alimentação vegetariana e diretora de Campanhas da SVB. “Tem de fazer um prato maior em termos de vegetais, senão ele fica caloricamente insuficiente e a pessoa pode se sentir mais cansada”, explica. “O vegetal tem mais água e fibras. Faz volume, mas tem menos calorias por grama. Carnes, laticínios e ovos possuem gordura.”

Além disso, é preciso fazer uma série de exames para que a transição ocorra sem prejuízo para a saúde, avisa Tatiana. São ao todo cerca de 17 exames, como avaliação de sangue, metabolismo de gordura, avaliação de músculo de órgãos como rins e fígado, além de vitaminas como a D, B9 e B12.

Mesmo fazendo esses exames previamente, quem opta pelo veganismo também precisa ter um cuidado especial com a saúde. “Não é só cortar alimentos da dieta, é preciso que a gente trabalhe em conjunto com os objetivos dessa pessoa”, ensina Tatiana. “Precisamos entender se é necessário incluir nutrientes e sais minerais para não haver uma deficiência dessas substâncias. A dieta vegana tende a ter carência de B12, que é essencial para a formação de hemácias, importantíssimas para o funcionamento do sistema nervoso central.”

Para auxiliar nessa transição, a SVB criou o programa Opção Vegana (opcaovegana.svb.org.br), em parceria com Humane Society International (HSI). A intenção é ajudar tanto pessoas a encontrarem produtos veganos para comprar (na aba Fornecedores do menu do site) quanto estabelecimentos a incluírem em seus cardápios refeições preparadas sem produtos ou insumos de origem animal (em Orientações). Já o site ondetemopcaovegana.com.br, outra iniciativa da SVB, traz um levantamento de cerca de 3,2 mil estabelecimentos no Brasil com pelo menos um prato sem nenhum ingrediente de origem animal.

O presidente da SVB confirma que a adoção dessa nova postura já vinha crescendo no Brasil e ganhou mais impulso com a pandemia. “As pessoas pensaram mais na própria vida, nas escolhas. Isso acabou gerando uma vontade maior de mudar”, avalia Laurino.

Uma pesquisa do Ibope de 2018 já mostrava o crescimento de vegetarianos no País. No levantamento, 14% se declaravam vegetarianos – nas regiões metropolitanas de São Paulo, do Rio, de Curitiba e do Recife, eram 16%. A mesma pesquisa em 2012 apontou que 8% se diziam vegetarianos.

Questões ambientais

Laurino lembra ainda do aspecto de preservação ambiental que a mudança na alimentação ajuda a promover – segundo ele, a atividade que mais leva ao desmatamento é a produção de animais para abate. “Os animais consomem também boa parte do que a gente planta. Em torno de 80% da soja produzida acaba sendo consumida, na sua maioria, por porcos e frangos.”

Quando faz seus laticínios veganos, Janete se preocupa com a procedência dos insumos. Ela aprendeu tão bem as receitas que hoje vende os produtos pelas redes sociais. Começou presenteando os amigos, que passaram a fazer encomendas. “A castanha de caju orgânica vem de uma cooperativa do Ceará. No veganismo, a gente pensa numa cadeia inteira de sustentabilidade.”

Variedade de hortaliças e vegetais são importantes na dieta vegana Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Dicas para fazer a transição para o veganismo

Ingredientes

Alguns podem gerar dúvidas, que a SVB tira no seu Manual de Boas Práticas do programa Opção Vegana (opcaovegana.svb.org.br). Cogumelos, leveduras, fermentos e glúten (por ser uma proteína animal) são adequados para veganos. Já caseína, caseinato, soro de leite, lactalbumina, lactoferrina, lactoglobulina, lactose e lactulose são leite e não devem ser usados. Produtos com a indicação “contém traços de leite e ovos” podem ser consumidos, porque não têm ingredientes de origem animal na sua composição.

Substituição

A nutricionista Alessandra, da SVB, lembra que o cálcio, normalmente vindo do leite, pode ser obtido de folhas verde-escuras. “Tem cálcio na semente de gergelim. A gente pode usar tahine no lugar da manteiga. Crianças, adolescentes e idosos podem tomar bebidas vegetais enriquecidas com cálcio”, diz. A nutricionista Tatiana Bononi indica verduras como ora-pro-nóbis, rica em proteína, e peixinho, uma PANC (planta alimentícia não convencional) cujo sabor é similar ao do peixe.

Nutrição

É importante diversificar ao máximo os vegetais consumidos, aponta Alessandra. “A pessoa deve comer ervilha, lentinha e grão-de-bico, alimentos que trazem um aporte maior de vitaminas, proteínas e minerais”, afirma. “Fala-se demais de deficiência nutricional, mas não é verdade. A pessoa precisa fazer uma adequação.” Segundo ela, o consumo de carne tira a energia, e a maior parte das pessoas que se tornam veganas ou vegetarianas se sente mais bem disposta.

Suplementação

Isso muda de acordo com a fase da vida. “Gestantes e crianças têm de suplementar ferro e ácido fólico”, diz Alessandra. “A vitamina B12 é o único nutriente presente nas bactérias que estão no solo e que, quando deixa de consumir carne, o vegano precisa prestar mais atenção.”

Ajuda profissional

Embora não seja obrigatório, ter um nutricionista ou médico para acompanhar o processo ajuda a assegurar que a transição não acarrete problemas de saúde. “Toda mudança de estilo de vida merece um cuidado. No caso do veganismo, precisamos ter sim uma atenção maior para que a pessoa consiga consumir todos os nutrientes que ela precisa”, completa Tatiana.

Qual a diferença entre vegetariano e vegano?

Vegetariano

O termo se refere à alimentação composta apenas de vegetais. Mas ganha adaptações conforme as várias vertentes, que incluem o consumo de ovos, leite e laticínios.

Vegano

O conceito é mais amplo. O vegano come só vegetais, mas também corta produtos, serviços e entretenimento que envolvam sofrimento ou morte de animais.

Aprenda a fazer queijo vegano

Renata Nunes, do @ideiavegana, ensina a fazer queijo vegano de grão-de-bico.

INGREDIENTES

*3 xíc. de grão de bico (deixar de molho em água por no mínimo 8 horas, escorrer e lavar o grão de bico depois deste tempo)

2 xíc. de água filtrada

1 colher de sopa de levedura nutricional

1 colher de chá de cebola em pó

1 colher de chá de alho em pó

1 colher de chá de sal

2 colheres de sopa de azeite de oliva

1 colher de sopa de vinagre de maçã

MODO DE PREPARO

1. Bata no liquidificador o grão de bico, a água, a levedura, a cebola, o alho e o sal.

2. Acrescente o azeite e o vinagre e bata novamente

3. Coloque em uma panela e leve ao fogo, misturando para não grudar no fundo. Deixe ferver até a mistura começar a desgrudar do fundo da panela.

4. Unte uma vasilha. Despeje a mistura e deixe esfriar completamente

5. Leve para a geladeira no dia seguinte

A primeira a sair do prato é a carne vermelha. Depois somem a branca, os ovos e, por último, leite e laticínios. A mudança na alimentação para adotar o veganismo pode ser gradual, mas acontece de ser também de uma hora para outra. De repente, cortam-se todos os ingredientes e produtos de origem animal.

Quando essa postura se refere somente à alimentação, a pessoa se torna vegetariana. Quando extrapola para outros aspectos vira vegana. O termo vem do Reino Unido, da Vegan Society. Fundada em 1944, é a mais antiga organização do mundo dedicada ao tema. O veganismo veta produtos, serviços e entretenimento que envolvam sofrimento ou morte de animais, como roupas de couro, insumos testados em bichos, passeios a zoológicos.

É comum as pessoas relacionarem veganismo com comida, porque atividades como circo, testes para pesquisa e atrativos representam apenas algo em torno de 2% a 3%, explica Ricardo Laurino, presidente da Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB). “Todo o restante da crueldade e morte faz parte da cadeia de alimentação”, afirma. Dia 1º de outubro é o Dia do Vegetarianismo.

Por onde alguém interessado em virar vegano deve começar?

“Quando você fala em estilo ou filosofia de vida, dá uma sensação de que a pessoa vai ter de mudar tudo. Mas basicamente é a gente pôr em prática algo com que todo mundo concorda: nas nossas escolhas, tiramos os produtos que têm relação com morte e crueldade de animais”, explica Laurino.

Vegana há seis anos, Janete Silva, de 48 anos, não gostava de comer carnes desde pequena. “As únicas com que eu me adaptava melhor eram peixe e frango”, conta a assistente social da Defensoria Pública do Estado de São Paulo. “Meu pai criava galinhas e porcos, e eu via matar. Me perturbava. Eu já era dos vegetais, e me mantive assim.”

Vegana há seis anos, Janete Silva aprendeu a fazer queijos e iogurtes sem proteína animal Foto: Valéria Gonçalvez/Estadão


A dificuldade, lembra, foi deixar de consumir laticínios. Esse parece ser um dos maiores desafios relatados por muita gente. Por isso, alguns decidem ir tirando aos poucos os componentes de origem animal. Dessas escolhas nascem variações: ovolactovegetariano (consome ovos, leite e laticínios); lactovegetariano (inclui só leites e laticínios); ovovegetariano (usa só ovos); vegetariano estrito (não come nada de origem animal).

“Comecei diminuindo, comia os queijos mais fortes só uma vez por mês. Mas toda vez em que eu ingeria tinha uma digestão lentíssima”, lembra Janete. Até que a funcionária pública parou de vez. “Do momento em que decidi, de verdade, nunca mais tive uma crise de sinusite”, conta, se referindo às dores que sentia desde criança.

Leite vegetal e outras receitas

Para produzir leites e queijos a partir de vegetais, Janete tentou alguns cursos até encontrar, no ano passado, as aulas dadas por Renata Nunes. Vegana, ela criou o curso Mestre em Queijos e Laticínios Veganos e o programa Escola Vida Vegana, com aulas em módulos e alguns bônus gravados. “Há receitas, livros e documentários que indico, temperos e dicas para ter mais produtividade na cozinha, um curso de cosméticos básicos, sabonete, pasta de dente, chás e farmacinha caseira”, lembra.

Ela não tem formação em gastronomia, mas foi atrás de leitura e conhecimento sobre o assunto. Atualmente, faz pós-graduação em Nutrição Vegetariana e Vegana. Aos alunos, passa adiante o aprendizado que reuniu com a própria experiência. “Posso ensinar a minha trajetória, explicar como a pessoa se organiza para montar um cardápio, como economizar comprando em mais quantidade os ingredientes que já sabe que vai usar por alguns meses”, explica Renata, à frente do Instagram @ideiavegana.

“Não é uma escola de gastronomia, é de estilo de vida. Escola de gastronomia há muitas, não é esse meu objetivo. Queria pegar a mãe de família para ela entender de onde se tiram os nutrientes para a alimentação.”

Laurino, da SVB, explica que a falta de informação é um entrave para quem pensa em mudar a alimentação. “Muitas pessoas se animam, mas, às vezes, por não terem conhecimento acabam desistindo de fazer a transição”, conta. “O veganismo está muito mais próximo do que elas imaginam e qualquer um pode adotá-lo.”

Quais os principais cuidados ao virar vegano?

Segundo Tatiana Bononi, nutricionista da Rede de Hospitais São Camilo de São Paulo, quem pretende virar vegano precisa, primeiramente, procurar um médico ou um nutricionista para evitar problemas futuros acarretados por uma mudança de dieta. “A substituição da carne pode acontecer por diversas outras fontes de nutrientes e essa orientação é fundamental para garantir a manutenção de uma alimentação equilibrada”, esclarece.

Janete mostra os queijos veganos que produz Foto: Valeria Goncalvez

Uma pessoa vegana, por exemplo, deve comer mais do que costumava quando consumia carnes, ovos, leites e laticínios, para manter o peso e a nutrição, recomenda a nutricionista Alessandra Luglio, especializada em alimentação vegetariana e diretora de Campanhas da SVB. “Tem de fazer um prato maior em termos de vegetais, senão ele fica caloricamente insuficiente e a pessoa pode se sentir mais cansada”, explica. “O vegetal tem mais água e fibras. Faz volume, mas tem menos calorias por grama. Carnes, laticínios e ovos possuem gordura.”

Além disso, é preciso fazer uma série de exames para que a transição ocorra sem prejuízo para a saúde, avisa Tatiana. São ao todo cerca de 17 exames, como avaliação de sangue, metabolismo de gordura, avaliação de músculo de órgãos como rins e fígado, além de vitaminas como a D, B9 e B12.

Mesmo fazendo esses exames previamente, quem opta pelo veganismo também precisa ter um cuidado especial com a saúde. “Não é só cortar alimentos da dieta, é preciso que a gente trabalhe em conjunto com os objetivos dessa pessoa”, ensina Tatiana. “Precisamos entender se é necessário incluir nutrientes e sais minerais para não haver uma deficiência dessas substâncias. A dieta vegana tende a ter carência de B12, que é essencial para a formação de hemácias, importantíssimas para o funcionamento do sistema nervoso central.”

Para auxiliar nessa transição, a SVB criou o programa Opção Vegana (opcaovegana.svb.org.br), em parceria com Humane Society International (HSI). A intenção é ajudar tanto pessoas a encontrarem produtos veganos para comprar (na aba Fornecedores do menu do site) quanto estabelecimentos a incluírem em seus cardápios refeições preparadas sem produtos ou insumos de origem animal (em Orientações). Já o site ondetemopcaovegana.com.br, outra iniciativa da SVB, traz um levantamento de cerca de 3,2 mil estabelecimentos no Brasil com pelo menos um prato sem nenhum ingrediente de origem animal.

O presidente da SVB confirma que a adoção dessa nova postura já vinha crescendo no Brasil e ganhou mais impulso com a pandemia. “As pessoas pensaram mais na própria vida, nas escolhas. Isso acabou gerando uma vontade maior de mudar”, avalia Laurino.

Uma pesquisa do Ibope de 2018 já mostrava o crescimento de vegetarianos no País. No levantamento, 14% se declaravam vegetarianos – nas regiões metropolitanas de São Paulo, do Rio, de Curitiba e do Recife, eram 16%. A mesma pesquisa em 2012 apontou que 8% se diziam vegetarianos.

Questões ambientais

Laurino lembra ainda do aspecto de preservação ambiental que a mudança na alimentação ajuda a promover – segundo ele, a atividade que mais leva ao desmatamento é a produção de animais para abate. “Os animais consomem também boa parte do que a gente planta. Em torno de 80% da soja produzida acaba sendo consumida, na sua maioria, por porcos e frangos.”

Quando faz seus laticínios veganos, Janete se preocupa com a procedência dos insumos. Ela aprendeu tão bem as receitas que hoje vende os produtos pelas redes sociais. Começou presenteando os amigos, que passaram a fazer encomendas. “A castanha de caju orgânica vem de uma cooperativa do Ceará. No veganismo, a gente pensa numa cadeia inteira de sustentabilidade.”

Variedade de hortaliças e vegetais são importantes na dieta vegana Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Dicas para fazer a transição para o veganismo

Ingredientes

Alguns podem gerar dúvidas, que a SVB tira no seu Manual de Boas Práticas do programa Opção Vegana (opcaovegana.svb.org.br). Cogumelos, leveduras, fermentos e glúten (por ser uma proteína animal) são adequados para veganos. Já caseína, caseinato, soro de leite, lactalbumina, lactoferrina, lactoglobulina, lactose e lactulose são leite e não devem ser usados. Produtos com a indicação “contém traços de leite e ovos” podem ser consumidos, porque não têm ingredientes de origem animal na sua composição.

Substituição

A nutricionista Alessandra, da SVB, lembra que o cálcio, normalmente vindo do leite, pode ser obtido de folhas verde-escuras. “Tem cálcio na semente de gergelim. A gente pode usar tahine no lugar da manteiga. Crianças, adolescentes e idosos podem tomar bebidas vegetais enriquecidas com cálcio”, diz. A nutricionista Tatiana Bononi indica verduras como ora-pro-nóbis, rica em proteína, e peixinho, uma PANC (planta alimentícia não convencional) cujo sabor é similar ao do peixe.

Nutrição

É importante diversificar ao máximo os vegetais consumidos, aponta Alessandra. “A pessoa deve comer ervilha, lentinha e grão-de-bico, alimentos que trazem um aporte maior de vitaminas, proteínas e minerais”, afirma. “Fala-se demais de deficiência nutricional, mas não é verdade. A pessoa precisa fazer uma adequação.” Segundo ela, o consumo de carne tira a energia, e a maior parte das pessoas que se tornam veganas ou vegetarianas se sente mais bem disposta.

Suplementação

Isso muda de acordo com a fase da vida. “Gestantes e crianças têm de suplementar ferro e ácido fólico”, diz Alessandra. “A vitamina B12 é o único nutriente presente nas bactérias que estão no solo e que, quando deixa de consumir carne, o vegano precisa prestar mais atenção.”

Ajuda profissional

Embora não seja obrigatório, ter um nutricionista ou médico para acompanhar o processo ajuda a assegurar que a transição não acarrete problemas de saúde. “Toda mudança de estilo de vida merece um cuidado. No caso do veganismo, precisamos ter sim uma atenção maior para que a pessoa consiga consumir todos os nutrientes que ela precisa”, completa Tatiana.

Qual a diferença entre vegetariano e vegano?

Vegetariano

O termo se refere à alimentação composta apenas de vegetais. Mas ganha adaptações conforme as várias vertentes, que incluem o consumo de ovos, leite e laticínios.

Vegano

O conceito é mais amplo. O vegano come só vegetais, mas também corta produtos, serviços e entretenimento que envolvam sofrimento ou morte de animais.

Aprenda a fazer queijo vegano

Renata Nunes, do @ideiavegana, ensina a fazer queijo vegano de grão-de-bico.

INGREDIENTES

*3 xíc. de grão de bico (deixar de molho em água por no mínimo 8 horas, escorrer e lavar o grão de bico depois deste tempo)

2 xíc. de água filtrada

1 colher de sopa de levedura nutricional

1 colher de chá de cebola em pó

1 colher de chá de alho em pó

1 colher de chá de sal

2 colheres de sopa de azeite de oliva

1 colher de sopa de vinagre de maçã

MODO DE PREPARO

1. Bata no liquidificador o grão de bico, a água, a levedura, a cebola, o alho e o sal.

2. Acrescente o azeite e o vinagre e bata novamente

3. Coloque em uma panela e leve ao fogo, misturando para não grudar no fundo. Deixe ferver até a mistura começar a desgrudar do fundo da panela.

4. Unte uma vasilha. Despeje a mistura e deixe esfriar completamente

5. Leve para a geladeira no dia seguinte

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.