Copa do Mundo: por que ela mexe tanto com nossas emoções?


A ciência explica as razões de o corpo manifestar alterações, como batimentos cardíacos acelerados, e o sentimento de pertencimento trazido pelo campeonato

Por Guilherme Santiago

A Copa do Mundo pode mexer com as emoções e ir além de um simples desejo de torcer para a seleção brasileira. Os batimentos cardíacos aceleram, a mão começa a transpirar, a respiração se torna ofegante e os olhos grudam na televisão para não perder nenhum detalhe. É, de fato, uma paixão nacional, que move pessoas de diferentes idades, religiões, classes sociais, etnias e culturas. Mas por que o campeonato causa tantas alterações no nosso emocional?

A ciência indica algumas possibilidades. Segundo Bruna Petrucelli, psicóloga e doutoranda em Neurociência e Cognição pela Universidade Federal do ABC (UFABC), a intensidade das emoções é determinada pelo significado que o esporte tem para cada indivíduo. É por isso que pessoas apaixonadas por Copa do Mundo costumam ter emoções mais intensas durante os jogos.

A forma como processamos essa situação também influencia. Conforme explica a psicóloga, o cérebro dos torcedores fanáticos costuma identificar os contextos dos jogos da Copa do Mundo como uma ameaça. “É como se toda a expectativa por uma boa performance dos jogadores e pela vitória da seleção exigisse um estado de alerta constante.”

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Na tentativa de se defender dessa condição, nosso organismo começa a produzir uma série de hormônios que são responsáveis por alguns sintomas comuns entre torcedores, como aumento dos batimentos cardíacos, suor excessivo, dificuldade para respirar e tensão muscular.

Futebol pode trazer emoções positivas, como o sentimento de pertencimento Foto: WILTON JUNIOR

‘Chorei em todas as Copas do Mundo’

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O influenciador Tutti Batista, de 21 anos, conhece bem esses sintomas, que o acompanham em toda partida da seleção brasileira que ele assiste. Ainda que seu nervosismo se manifeste em silêncio, a mão suada entrega a tensão. E não haveria como ser diferente. Tutti é um daqueles torcedores fanáticos pelo futebol, que coleciona camisetas, acompanha todos os jogos e sofre com cada um deles. Sua primeira lembrança com o esporte é de chorar, sentado no chão da sala de sua casa, com a derrota do Brasil na Copa de 2010 – situação que se repetiu em todas as outras a partir dessa. “Você nunca quer ver seu país fora da competição e, como eu sou muito emotivo, chorei em todas as Copas do Mundo.”

A paixão de Tutti pelo esporte é tão grande que ele não descarta uma viagem de última hora ao Catar. Ele quer assistir de perto aos jogos do Brasil e, se tudo der certo, ver a seleção que tanto ama carregar a taça de hexacampeã. “Eu quero viver isso, mas ainda estou estudando as possibilidades”, diz. De qualquer forma, ele sabe que a emoção sentida será a mesma, independente de onde estiver. “Parece coisa de doido, mas só quem sente entende.”

A ciência explica

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Tudo começa quando o sistema límbico – região do cérebro responsável pelo controle emocional – reconhece essa situação causada pela partida de futebol. O sistema começa a enviar mensagens para outra parte do cérebro, o hipotálamo, que, por sua vez, sinaliza essa situação para glândulas localizadas acima dos rins que vão começar produzir hormônios como adrenalina e cortisol. “O aparecimento de determinadas emoções é resultado dessa cascata de eventos na nossa mente”, explica Bruna.

Nessas situações, a adrenalina é a primeira a ser produzida. “Ela gera o aumento da nossa frequência cardíaca, da nossa respiração e deixa nossos músculos mais tensionados”, diz a psicóloga. Junto com a adrenalina, a norepinefrina também começa a ser produzida. O papel dela é parecido com o da adrenalina, porém, com um efeito maior na sensação de excitação. “Esse hormônio também costuma aparecer quando as pessoas estão apaixonadas”, conta. Já o cortisol, conhecido como o hormônio do estresse, tem sua produção iniciada alguns minutos depois. A função dele é preparar nosso corpo para situações de fuga ou luta.

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A copa do mundo é a paixão nacional, mas também é a paixão de Arthur Batista: "Minha primeira lembrança foi na Copa de 2010, quando tinha 9 anos. Lembro de chorar no chão da sala assistindo ao Brasil perder a copa" Foto: Werther Santana/Estadão

Enquanto tudo isso acontece, outra região do cérebro, o córtex pré-frontal, trabalha como uma central de controle. “Ele vai avaliar se nosso corpo precisa reagir desse jeito ou não”, explica. É essa estrutura que define se vamos continuar produzindo os hormônios ou se a produção pode ser interrompida. Entre os torcedores mais fanáticos, o cérebro pode entender que ainda é necessário ficar atento e ansioso, mesmo que não seja o caso. Nessas pessoas, os hormônios estressores continuem sendo produzidos.

Ao fim da partida, emoções positivas também podem aparecer. Nos casos em que a resposta ao estresse inicial for positiva, seja porque o Brasil venceu a partida ou ganhou o campeonato, nosso cérebro induz a produção da endorfina. O hormônio é responsável pela sensação de bem-estar, que também aparece depois de uma atividade física, por exemplo. “A endorfina vai contribuir com a nossa sensação de satisfação e felicidade”, diz.

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Construção de memórias positivas

Além de questões biológicas, há fatores humanos envolvidos nessa comoção nacional pelo esporte, como as memórias positivas que ele traz. Algumas pessoas lembram de assistir aos jogos pela televisão com a família reunida. Outras, como o colecionador Leonardo Rodrigues, lembram de passar horas colando figurinhas nos álbuns da Copa do Mundo.

Além de guardar os rostos dos craques da seleção, o álbum também guarda as memórias de Leonardo. “Lembro quando minha mãe estava internada para um tratamento médico e me dava dinheiro para comprar figurinha na banca de jornal ao lado do hospital”, conta. Por isso, colecionar os álbuns significa muito mais do que só uma tradição ou passatempo: é quase como uma forma de manter as memórias vivas. “Essa nostalgia faz você se sentir mais humano, esquecer os problemas e voltar a ser criança”, diz ele, que tem álbuns desde 1982 e revistas que fazem versões de álbuns mais antigos.

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Leonardo coleciona os álbuns desde a Copa de 1982, além de edições especiais dos campeonatos anteriores Foto: Arquivo Pessoal

Mirella Gualtieri, psicóloga do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP), explica que a Copa do Mundo é responsável pela construção de memórias muito sólidas. E isso se deve a três fatores: é uma experiência vivida em conjunto com outras pessoas; em geral, está carregada de emoção; e acontece de forma frequente, que permite a retomada dos sentimentos vividos a cada quatro anos. Essas vivências são armazenadas na nossa memória e constituem a relação que estabelecemos com o esporte.

Por isso, a paixão ou a indiferença pelo futebol pode ser explicada pelas memórias que a pessoa carrega, em especial quando as recordações são da infância que, conforme avalia Mirella, são as mais marcantes que podem ser experimentadas ao longo da vida.

Sentimento de pertencimento

A paixão também é justificada pelo senso de pertencimento. A psicóloga Mirella explica que esse sentimento aparece quando uma sequência de pessoas compartilha uma mesma experiência e se identifica por conta dela. Algo que tem tudo a ver com o futebol. Por ser um dos esportes mais importantes do País há décadas, ele tem influência na vida de pessoas de diferentes gerações. Essa influência foi transmitida ao longo dos anos: do seu avô, que passou para o seu pai, que passou para você, que vai passar para os seus filhos. “É por meio desse contexto de transmissão de cultura que definimos o que é se sentir pertencente a um grupo”, avalia.

Futebol pode trazer boas recordações, passadas de geração em geração Foto: Lucas Figueiredo

Renato Machado, morador da Vila Esperança, na Zona Leste de São Paulo, cresceu pintando as ruas de verde e amarelo durante a Copa do Mundo. “Quando eu era criança eu sentia essa união e esperança que a Copa traz. Lembrava que o jogador da Copa já foi um de nós, também já pintou a rua, também já torceu para a seleção”, revela ele, que é um dos líderes do Favela Chic, associação que há 18 anos oferece suporte aos moradores da comunidade.

Mas, conforme crescia, assistiu essa tradição se perder junto com o espírito de união e coletividade entre os moradores do bairro. Foi na tentativa de resgatar esse sentimento que ele mobilizou toda a vizinhança para arregaçar as mangas e fazer a pintura, realizada em dois finais de semana. “Assim como a Copa, pintar as ruas traz esperança e permite a união das pessoas. É uma forma de resgatar uma tradição que sempre nos fez bem.”

Mirella explica que, de fato, sentir-se parte de um grupo traz muitos benefícios, como aumentar nosso senso de proteção, segurança e conforto. “Quando fazemos parte de um grupo, o nosso alerta para detecção de sinais de perigo fica reduzido”, afirma. Ela explica que o sentimento também faz com que se atinja um estado mental e físico mais relaxado. “Essa condição de bem-estar acaba nos deixando mais suscetíveis a perceber e comunicar emoções positivas ao invés de emoções negativas.”

É possível controlar as emoções?

É diante de tantos significados e de uma importância histórica tão grande na vida de milhares de brasileiros que as emoções envolvendo a Copa do Mundo aparecem. Pode ser desafiador fazer o gerenciamento de todas elas, mas Marcelo Santos, psicólogo e docente da Universidade Presbiteriana Mackenzie, garante que é possível. Veja algumas recomendações.

  • Saiba como você é enquanto torcedor. O autoconhecimento é um ponto importante no processo de gerenciamento das emoções durante uma partida de futebol. Saber reconhecer se você é uma pessoa que costuma ser mais explosiva nessas situações é o primeiro passo. “Mas isso não é uma tarefa fácil para a maioria das pessoas”, pondera Marcelo.
  • Faça pausas. Se a partida estiver mexendo muito com você, a recomendação é fazer uma pausa longe da televisão. Pode parecer difícil se distanciar da partida e correr o risco de perder um lance importante, mas o especialista garante que esse movimento ajuda no controle das emoções. “É bom sair, respirar um pouco, beber um copo de água”, exemplifica.
  • Não abuse do álcool. O consumo de bebidas alcoólicas em excesso pode tornar mais difícil o gerenciamento das emoções durante a Copa. Isso porque o álcool tem potencial de aumentar a sensação de euforia e os batimentos cardíacos, que já ficam mais intensos nesses contexto. A recomendação é beber com cautela e acompanhado de um copo de água para hidratação.
  • Cuidado com o coração. “O gerenciamento das emoções nesse contexto é difícil, por isso é comum reações físicas, como o aceleramento dos batimentos cardíacos”, diz. Caso apareça dor ou pressão na região do peito, a recomendação é procurar um médico.
  • Depois do jogo, tente relaxar. É comum que as pessoas compartilhem suas percepções sobre o jogo após o fim da partida, mas é importante ficar atento se essas conversas têm ou não potencial de aumentar o estresse e a tensão. “Se perceber que essas discussões podem gerar um adicional de estresse, é recomendado evitá-las”, explica. O melhor é relaxar, buscar fazer outras atividades, de preferência com pessoas próximas, como família e amigos.

A Copa do Mundo pode mexer com as emoções e ir além de um simples desejo de torcer para a seleção brasileira. Os batimentos cardíacos aceleram, a mão começa a transpirar, a respiração se torna ofegante e os olhos grudam na televisão para não perder nenhum detalhe. É, de fato, uma paixão nacional, que move pessoas de diferentes idades, religiões, classes sociais, etnias e culturas. Mas por que o campeonato causa tantas alterações no nosso emocional?

A ciência indica algumas possibilidades. Segundo Bruna Petrucelli, psicóloga e doutoranda em Neurociência e Cognição pela Universidade Federal do ABC (UFABC), a intensidade das emoções é determinada pelo significado que o esporte tem para cada indivíduo. É por isso que pessoas apaixonadas por Copa do Mundo costumam ter emoções mais intensas durante os jogos.

A forma como processamos essa situação também influencia. Conforme explica a psicóloga, o cérebro dos torcedores fanáticos costuma identificar os contextos dos jogos da Copa do Mundo como uma ameaça. “É como se toda a expectativa por uma boa performance dos jogadores e pela vitória da seleção exigisse um estado de alerta constante.”

Na tentativa de se defender dessa condição, nosso organismo começa a produzir uma série de hormônios que são responsáveis por alguns sintomas comuns entre torcedores, como aumento dos batimentos cardíacos, suor excessivo, dificuldade para respirar e tensão muscular.

Futebol pode trazer emoções positivas, como o sentimento de pertencimento Foto: WILTON JUNIOR

‘Chorei em todas as Copas do Mundo’

O influenciador Tutti Batista, de 21 anos, conhece bem esses sintomas, que o acompanham em toda partida da seleção brasileira que ele assiste. Ainda que seu nervosismo se manifeste em silêncio, a mão suada entrega a tensão. E não haveria como ser diferente. Tutti é um daqueles torcedores fanáticos pelo futebol, que coleciona camisetas, acompanha todos os jogos e sofre com cada um deles. Sua primeira lembrança com o esporte é de chorar, sentado no chão da sala de sua casa, com a derrota do Brasil na Copa de 2010 – situação que se repetiu em todas as outras a partir dessa. “Você nunca quer ver seu país fora da competição e, como eu sou muito emotivo, chorei em todas as Copas do Mundo.”

A paixão de Tutti pelo esporte é tão grande que ele não descarta uma viagem de última hora ao Catar. Ele quer assistir de perto aos jogos do Brasil e, se tudo der certo, ver a seleção que tanto ama carregar a taça de hexacampeã. “Eu quero viver isso, mas ainda estou estudando as possibilidades”, diz. De qualquer forma, ele sabe que a emoção sentida será a mesma, independente de onde estiver. “Parece coisa de doido, mas só quem sente entende.”

A ciência explica

Tudo começa quando o sistema límbico – região do cérebro responsável pelo controle emocional – reconhece essa situação causada pela partida de futebol. O sistema começa a enviar mensagens para outra parte do cérebro, o hipotálamo, que, por sua vez, sinaliza essa situação para glândulas localizadas acima dos rins que vão começar produzir hormônios como adrenalina e cortisol. “O aparecimento de determinadas emoções é resultado dessa cascata de eventos na nossa mente”, explica Bruna.

Nessas situações, a adrenalina é a primeira a ser produzida. “Ela gera o aumento da nossa frequência cardíaca, da nossa respiração e deixa nossos músculos mais tensionados”, diz a psicóloga. Junto com a adrenalina, a norepinefrina também começa a ser produzida. O papel dela é parecido com o da adrenalina, porém, com um efeito maior na sensação de excitação. “Esse hormônio também costuma aparecer quando as pessoas estão apaixonadas”, conta. Já o cortisol, conhecido como o hormônio do estresse, tem sua produção iniciada alguns minutos depois. A função dele é preparar nosso corpo para situações de fuga ou luta.

A copa do mundo é a paixão nacional, mas também é a paixão de Arthur Batista: "Minha primeira lembrança foi na Copa de 2010, quando tinha 9 anos. Lembro de chorar no chão da sala assistindo ao Brasil perder a copa" Foto: Werther Santana/Estadão

Enquanto tudo isso acontece, outra região do cérebro, o córtex pré-frontal, trabalha como uma central de controle. “Ele vai avaliar se nosso corpo precisa reagir desse jeito ou não”, explica. É essa estrutura que define se vamos continuar produzindo os hormônios ou se a produção pode ser interrompida. Entre os torcedores mais fanáticos, o cérebro pode entender que ainda é necessário ficar atento e ansioso, mesmo que não seja o caso. Nessas pessoas, os hormônios estressores continuem sendo produzidos.

Ao fim da partida, emoções positivas também podem aparecer. Nos casos em que a resposta ao estresse inicial for positiva, seja porque o Brasil venceu a partida ou ganhou o campeonato, nosso cérebro induz a produção da endorfina. O hormônio é responsável pela sensação de bem-estar, que também aparece depois de uma atividade física, por exemplo. “A endorfina vai contribuir com a nossa sensação de satisfação e felicidade”, diz.

Construção de memórias positivas

Além de questões biológicas, há fatores humanos envolvidos nessa comoção nacional pelo esporte, como as memórias positivas que ele traz. Algumas pessoas lembram de assistir aos jogos pela televisão com a família reunida. Outras, como o colecionador Leonardo Rodrigues, lembram de passar horas colando figurinhas nos álbuns da Copa do Mundo.

Além de guardar os rostos dos craques da seleção, o álbum também guarda as memórias de Leonardo. “Lembro quando minha mãe estava internada para um tratamento médico e me dava dinheiro para comprar figurinha na banca de jornal ao lado do hospital”, conta. Por isso, colecionar os álbuns significa muito mais do que só uma tradição ou passatempo: é quase como uma forma de manter as memórias vivas. “Essa nostalgia faz você se sentir mais humano, esquecer os problemas e voltar a ser criança”, diz ele, que tem álbuns desde 1982 e revistas que fazem versões de álbuns mais antigos.

Leonardo coleciona os álbuns desde a Copa de 1982, além de edições especiais dos campeonatos anteriores Foto: Arquivo Pessoal

Mirella Gualtieri, psicóloga do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP), explica que a Copa do Mundo é responsável pela construção de memórias muito sólidas. E isso se deve a três fatores: é uma experiência vivida em conjunto com outras pessoas; em geral, está carregada de emoção; e acontece de forma frequente, que permite a retomada dos sentimentos vividos a cada quatro anos. Essas vivências são armazenadas na nossa memória e constituem a relação que estabelecemos com o esporte.

Por isso, a paixão ou a indiferença pelo futebol pode ser explicada pelas memórias que a pessoa carrega, em especial quando as recordações são da infância que, conforme avalia Mirella, são as mais marcantes que podem ser experimentadas ao longo da vida.

Sentimento de pertencimento

A paixão também é justificada pelo senso de pertencimento. A psicóloga Mirella explica que esse sentimento aparece quando uma sequência de pessoas compartilha uma mesma experiência e se identifica por conta dela. Algo que tem tudo a ver com o futebol. Por ser um dos esportes mais importantes do País há décadas, ele tem influência na vida de pessoas de diferentes gerações. Essa influência foi transmitida ao longo dos anos: do seu avô, que passou para o seu pai, que passou para você, que vai passar para os seus filhos. “É por meio desse contexto de transmissão de cultura que definimos o que é se sentir pertencente a um grupo”, avalia.

Futebol pode trazer boas recordações, passadas de geração em geração Foto: Lucas Figueiredo

Renato Machado, morador da Vila Esperança, na Zona Leste de São Paulo, cresceu pintando as ruas de verde e amarelo durante a Copa do Mundo. “Quando eu era criança eu sentia essa união e esperança que a Copa traz. Lembrava que o jogador da Copa já foi um de nós, também já pintou a rua, também já torceu para a seleção”, revela ele, que é um dos líderes do Favela Chic, associação que há 18 anos oferece suporte aos moradores da comunidade.

Mas, conforme crescia, assistiu essa tradição se perder junto com o espírito de união e coletividade entre os moradores do bairro. Foi na tentativa de resgatar esse sentimento que ele mobilizou toda a vizinhança para arregaçar as mangas e fazer a pintura, realizada em dois finais de semana. “Assim como a Copa, pintar as ruas traz esperança e permite a união das pessoas. É uma forma de resgatar uma tradição que sempre nos fez bem.”

Mirella explica que, de fato, sentir-se parte de um grupo traz muitos benefícios, como aumentar nosso senso de proteção, segurança e conforto. “Quando fazemos parte de um grupo, o nosso alerta para detecção de sinais de perigo fica reduzido”, afirma. Ela explica que o sentimento também faz com que se atinja um estado mental e físico mais relaxado. “Essa condição de bem-estar acaba nos deixando mais suscetíveis a perceber e comunicar emoções positivas ao invés de emoções negativas.”

É possível controlar as emoções?

É diante de tantos significados e de uma importância histórica tão grande na vida de milhares de brasileiros que as emoções envolvendo a Copa do Mundo aparecem. Pode ser desafiador fazer o gerenciamento de todas elas, mas Marcelo Santos, psicólogo e docente da Universidade Presbiteriana Mackenzie, garante que é possível. Veja algumas recomendações.

  • Saiba como você é enquanto torcedor. O autoconhecimento é um ponto importante no processo de gerenciamento das emoções durante uma partida de futebol. Saber reconhecer se você é uma pessoa que costuma ser mais explosiva nessas situações é o primeiro passo. “Mas isso não é uma tarefa fácil para a maioria das pessoas”, pondera Marcelo.
  • Faça pausas. Se a partida estiver mexendo muito com você, a recomendação é fazer uma pausa longe da televisão. Pode parecer difícil se distanciar da partida e correr o risco de perder um lance importante, mas o especialista garante que esse movimento ajuda no controle das emoções. “É bom sair, respirar um pouco, beber um copo de água”, exemplifica.
  • Não abuse do álcool. O consumo de bebidas alcoólicas em excesso pode tornar mais difícil o gerenciamento das emoções durante a Copa. Isso porque o álcool tem potencial de aumentar a sensação de euforia e os batimentos cardíacos, que já ficam mais intensos nesses contexto. A recomendação é beber com cautela e acompanhado de um copo de água para hidratação.
  • Cuidado com o coração. “O gerenciamento das emoções nesse contexto é difícil, por isso é comum reações físicas, como o aceleramento dos batimentos cardíacos”, diz. Caso apareça dor ou pressão na região do peito, a recomendação é procurar um médico.
  • Depois do jogo, tente relaxar. É comum que as pessoas compartilhem suas percepções sobre o jogo após o fim da partida, mas é importante ficar atento se essas conversas têm ou não potencial de aumentar o estresse e a tensão. “Se perceber que essas discussões podem gerar um adicional de estresse, é recomendado evitá-las”, explica. O melhor é relaxar, buscar fazer outras atividades, de preferência com pessoas próximas, como família e amigos.

A Copa do Mundo pode mexer com as emoções e ir além de um simples desejo de torcer para a seleção brasileira. Os batimentos cardíacos aceleram, a mão começa a transpirar, a respiração se torna ofegante e os olhos grudam na televisão para não perder nenhum detalhe. É, de fato, uma paixão nacional, que move pessoas de diferentes idades, religiões, classes sociais, etnias e culturas. Mas por que o campeonato causa tantas alterações no nosso emocional?

A ciência indica algumas possibilidades. Segundo Bruna Petrucelli, psicóloga e doutoranda em Neurociência e Cognição pela Universidade Federal do ABC (UFABC), a intensidade das emoções é determinada pelo significado que o esporte tem para cada indivíduo. É por isso que pessoas apaixonadas por Copa do Mundo costumam ter emoções mais intensas durante os jogos.

A forma como processamos essa situação também influencia. Conforme explica a psicóloga, o cérebro dos torcedores fanáticos costuma identificar os contextos dos jogos da Copa do Mundo como uma ameaça. “É como se toda a expectativa por uma boa performance dos jogadores e pela vitória da seleção exigisse um estado de alerta constante.”

Na tentativa de se defender dessa condição, nosso organismo começa a produzir uma série de hormônios que são responsáveis por alguns sintomas comuns entre torcedores, como aumento dos batimentos cardíacos, suor excessivo, dificuldade para respirar e tensão muscular.

Futebol pode trazer emoções positivas, como o sentimento de pertencimento Foto: WILTON JUNIOR

‘Chorei em todas as Copas do Mundo’

O influenciador Tutti Batista, de 21 anos, conhece bem esses sintomas, que o acompanham em toda partida da seleção brasileira que ele assiste. Ainda que seu nervosismo se manifeste em silêncio, a mão suada entrega a tensão. E não haveria como ser diferente. Tutti é um daqueles torcedores fanáticos pelo futebol, que coleciona camisetas, acompanha todos os jogos e sofre com cada um deles. Sua primeira lembrança com o esporte é de chorar, sentado no chão da sala de sua casa, com a derrota do Brasil na Copa de 2010 – situação que se repetiu em todas as outras a partir dessa. “Você nunca quer ver seu país fora da competição e, como eu sou muito emotivo, chorei em todas as Copas do Mundo.”

A paixão de Tutti pelo esporte é tão grande que ele não descarta uma viagem de última hora ao Catar. Ele quer assistir de perto aos jogos do Brasil e, se tudo der certo, ver a seleção que tanto ama carregar a taça de hexacampeã. “Eu quero viver isso, mas ainda estou estudando as possibilidades”, diz. De qualquer forma, ele sabe que a emoção sentida será a mesma, independente de onde estiver. “Parece coisa de doido, mas só quem sente entende.”

A ciência explica

Tudo começa quando o sistema límbico – região do cérebro responsável pelo controle emocional – reconhece essa situação causada pela partida de futebol. O sistema começa a enviar mensagens para outra parte do cérebro, o hipotálamo, que, por sua vez, sinaliza essa situação para glândulas localizadas acima dos rins que vão começar produzir hormônios como adrenalina e cortisol. “O aparecimento de determinadas emoções é resultado dessa cascata de eventos na nossa mente”, explica Bruna.

Nessas situações, a adrenalina é a primeira a ser produzida. “Ela gera o aumento da nossa frequência cardíaca, da nossa respiração e deixa nossos músculos mais tensionados”, diz a psicóloga. Junto com a adrenalina, a norepinefrina também começa a ser produzida. O papel dela é parecido com o da adrenalina, porém, com um efeito maior na sensação de excitação. “Esse hormônio também costuma aparecer quando as pessoas estão apaixonadas”, conta. Já o cortisol, conhecido como o hormônio do estresse, tem sua produção iniciada alguns minutos depois. A função dele é preparar nosso corpo para situações de fuga ou luta.

A copa do mundo é a paixão nacional, mas também é a paixão de Arthur Batista: "Minha primeira lembrança foi na Copa de 2010, quando tinha 9 anos. Lembro de chorar no chão da sala assistindo ao Brasil perder a copa" Foto: Werther Santana/Estadão

Enquanto tudo isso acontece, outra região do cérebro, o córtex pré-frontal, trabalha como uma central de controle. “Ele vai avaliar se nosso corpo precisa reagir desse jeito ou não”, explica. É essa estrutura que define se vamos continuar produzindo os hormônios ou se a produção pode ser interrompida. Entre os torcedores mais fanáticos, o cérebro pode entender que ainda é necessário ficar atento e ansioso, mesmo que não seja o caso. Nessas pessoas, os hormônios estressores continuem sendo produzidos.

Ao fim da partida, emoções positivas também podem aparecer. Nos casos em que a resposta ao estresse inicial for positiva, seja porque o Brasil venceu a partida ou ganhou o campeonato, nosso cérebro induz a produção da endorfina. O hormônio é responsável pela sensação de bem-estar, que também aparece depois de uma atividade física, por exemplo. “A endorfina vai contribuir com a nossa sensação de satisfação e felicidade”, diz.

Construção de memórias positivas

Além de questões biológicas, há fatores humanos envolvidos nessa comoção nacional pelo esporte, como as memórias positivas que ele traz. Algumas pessoas lembram de assistir aos jogos pela televisão com a família reunida. Outras, como o colecionador Leonardo Rodrigues, lembram de passar horas colando figurinhas nos álbuns da Copa do Mundo.

Além de guardar os rostos dos craques da seleção, o álbum também guarda as memórias de Leonardo. “Lembro quando minha mãe estava internada para um tratamento médico e me dava dinheiro para comprar figurinha na banca de jornal ao lado do hospital”, conta. Por isso, colecionar os álbuns significa muito mais do que só uma tradição ou passatempo: é quase como uma forma de manter as memórias vivas. “Essa nostalgia faz você se sentir mais humano, esquecer os problemas e voltar a ser criança”, diz ele, que tem álbuns desde 1982 e revistas que fazem versões de álbuns mais antigos.

Leonardo coleciona os álbuns desde a Copa de 1982, além de edições especiais dos campeonatos anteriores Foto: Arquivo Pessoal

Mirella Gualtieri, psicóloga do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP), explica que a Copa do Mundo é responsável pela construção de memórias muito sólidas. E isso se deve a três fatores: é uma experiência vivida em conjunto com outras pessoas; em geral, está carregada de emoção; e acontece de forma frequente, que permite a retomada dos sentimentos vividos a cada quatro anos. Essas vivências são armazenadas na nossa memória e constituem a relação que estabelecemos com o esporte.

Por isso, a paixão ou a indiferença pelo futebol pode ser explicada pelas memórias que a pessoa carrega, em especial quando as recordações são da infância que, conforme avalia Mirella, são as mais marcantes que podem ser experimentadas ao longo da vida.

Sentimento de pertencimento

A paixão também é justificada pelo senso de pertencimento. A psicóloga Mirella explica que esse sentimento aparece quando uma sequência de pessoas compartilha uma mesma experiência e se identifica por conta dela. Algo que tem tudo a ver com o futebol. Por ser um dos esportes mais importantes do País há décadas, ele tem influência na vida de pessoas de diferentes gerações. Essa influência foi transmitida ao longo dos anos: do seu avô, que passou para o seu pai, que passou para você, que vai passar para os seus filhos. “É por meio desse contexto de transmissão de cultura que definimos o que é se sentir pertencente a um grupo”, avalia.

Futebol pode trazer boas recordações, passadas de geração em geração Foto: Lucas Figueiredo

Renato Machado, morador da Vila Esperança, na Zona Leste de São Paulo, cresceu pintando as ruas de verde e amarelo durante a Copa do Mundo. “Quando eu era criança eu sentia essa união e esperança que a Copa traz. Lembrava que o jogador da Copa já foi um de nós, também já pintou a rua, também já torceu para a seleção”, revela ele, que é um dos líderes do Favela Chic, associação que há 18 anos oferece suporte aos moradores da comunidade.

Mas, conforme crescia, assistiu essa tradição se perder junto com o espírito de união e coletividade entre os moradores do bairro. Foi na tentativa de resgatar esse sentimento que ele mobilizou toda a vizinhança para arregaçar as mangas e fazer a pintura, realizada em dois finais de semana. “Assim como a Copa, pintar as ruas traz esperança e permite a união das pessoas. É uma forma de resgatar uma tradição que sempre nos fez bem.”

Mirella explica que, de fato, sentir-se parte de um grupo traz muitos benefícios, como aumentar nosso senso de proteção, segurança e conforto. “Quando fazemos parte de um grupo, o nosso alerta para detecção de sinais de perigo fica reduzido”, afirma. Ela explica que o sentimento também faz com que se atinja um estado mental e físico mais relaxado. “Essa condição de bem-estar acaba nos deixando mais suscetíveis a perceber e comunicar emoções positivas ao invés de emoções negativas.”

É possível controlar as emoções?

É diante de tantos significados e de uma importância histórica tão grande na vida de milhares de brasileiros que as emoções envolvendo a Copa do Mundo aparecem. Pode ser desafiador fazer o gerenciamento de todas elas, mas Marcelo Santos, psicólogo e docente da Universidade Presbiteriana Mackenzie, garante que é possível. Veja algumas recomendações.

  • Saiba como você é enquanto torcedor. O autoconhecimento é um ponto importante no processo de gerenciamento das emoções durante uma partida de futebol. Saber reconhecer se você é uma pessoa que costuma ser mais explosiva nessas situações é o primeiro passo. “Mas isso não é uma tarefa fácil para a maioria das pessoas”, pondera Marcelo.
  • Faça pausas. Se a partida estiver mexendo muito com você, a recomendação é fazer uma pausa longe da televisão. Pode parecer difícil se distanciar da partida e correr o risco de perder um lance importante, mas o especialista garante que esse movimento ajuda no controle das emoções. “É bom sair, respirar um pouco, beber um copo de água”, exemplifica.
  • Não abuse do álcool. O consumo de bebidas alcoólicas em excesso pode tornar mais difícil o gerenciamento das emoções durante a Copa. Isso porque o álcool tem potencial de aumentar a sensação de euforia e os batimentos cardíacos, que já ficam mais intensos nesses contexto. A recomendação é beber com cautela e acompanhado de um copo de água para hidratação.
  • Cuidado com o coração. “O gerenciamento das emoções nesse contexto é difícil, por isso é comum reações físicas, como o aceleramento dos batimentos cardíacos”, diz. Caso apareça dor ou pressão na região do peito, a recomendação é procurar um médico.
  • Depois do jogo, tente relaxar. É comum que as pessoas compartilhem suas percepções sobre o jogo após o fim da partida, mas é importante ficar atento se essas conversas têm ou não potencial de aumentar o estresse e a tensão. “Se perceber que essas discussões podem gerar um adicional de estresse, é recomendado evitá-las”, explica. O melhor é relaxar, buscar fazer outras atividades, de preferência com pessoas próximas, como família e amigos.

A Copa do Mundo pode mexer com as emoções e ir além de um simples desejo de torcer para a seleção brasileira. Os batimentos cardíacos aceleram, a mão começa a transpirar, a respiração se torna ofegante e os olhos grudam na televisão para não perder nenhum detalhe. É, de fato, uma paixão nacional, que move pessoas de diferentes idades, religiões, classes sociais, etnias e culturas. Mas por que o campeonato causa tantas alterações no nosso emocional?

A ciência indica algumas possibilidades. Segundo Bruna Petrucelli, psicóloga e doutoranda em Neurociência e Cognição pela Universidade Federal do ABC (UFABC), a intensidade das emoções é determinada pelo significado que o esporte tem para cada indivíduo. É por isso que pessoas apaixonadas por Copa do Mundo costumam ter emoções mais intensas durante os jogos.

A forma como processamos essa situação também influencia. Conforme explica a psicóloga, o cérebro dos torcedores fanáticos costuma identificar os contextos dos jogos da Copa do Mundo como uma ameaça. “É como se toda a expectativa por uma boa performance dos jogadores e pela vitória da seleção exigisse um estado de alerta constante.”

Na tentativa de se defender dessa condição, nosso organismo começa a produzir uma série de hormônios que são responsáveis por alguns sintomas comuns entre torcedores, como aumento dos batimentos cardíacos, suor excessivo, dificuldade para respirar e tensão muscular.

Futebol pode trazer emoções positivas, como o sentimento de pertencimento Foto: WILTON JUNIOR

‘Chorei em todas as Copas do Mundo’

O influenciador Tutti Batista, de 21 anos, conhece bem esses sintomas, que o acompanham em toda partida da seleção brasileira que ele assiste. Ainda que seu nervosismo se manifeste em silêncio, a mão suada entrega a tensão. E não haveria como ser diferente. Tutti é um daqueles torcedores fanáticos pelo futebol, que coleciona camisetas, acompanha todos os jogos e sofre com cada um deles. Sua primeira lembrança com o esporte é de chorar, sentado no chão da sala de sua casa, com a derrota do Brasil na Copa de 2010 – situação que se repetiu em todas as outras a partir dessa. “Você nunca quer ver seu país fora da competição e, como eu sou muito emotivo, chorei em todas as Copas do Mundo.”

A paixão de Tutti pelo esporte é tão grande que ele não descarta uma viagem de última hora ao Catar. Ele quer assistir de perto aos jogos do Brasil e, se tudo der certo, ver a seleção que tanto ama carregar a taça de hexacampeã. “Eu quero viver isso, mas ainda estou estudando as possibilidades”, diz. De qualquer forma, ele sabe que a emoção sentida será a mesma, independente de onde estiver. “Parece coisa de doido, mas só quem sente entende.”

A ciência explica

Tudo começa quando o sistema límbico – região do cérebro responsável pelo controle emocional – reconhece essa situação causada pela partida de futebol. O sistema começa a enviar mensagens para outra parte do cérebro, o hipotálamo, que, por sua vez, sinaliza essa situação para glândulas localizadas acima dos rins que vão começar produzir hormônios como adrenalina e cortisol. “O aparecimento de determinadas emoções é resultado dessa cascata de eventos na nossa mente”, explica Bruna.

Nessas situações, a adrenalina é a primeira a ser produzida. “Ela gera o aumento da nossa frequência cardíaca, da nossa respiração e deixa nossos músculos mais tensionados”, diz a psicóloga. Junto com a adrenalina, a norepinefrina também começa a ser produzida. O papel dela é parecido com o da adrenalina, porém, com um efeito maior na sensação de excitação. “Esse hormônio também costuma aparecer quando as pessoas estão apaixonadas”, conta. Já o cortisol, conhecido como o hormônio do estresse, tem sua produção iniciada alguns minutos depois. A função dele é preparar nosso corpo para situações de fuga ou luta.

A copa do mundo é a paixão nacional, mas também é a paixão de Arthur Batista: "Minha primeira lembrança foi na Copa de 2010, quando tinha 9 anos. Lembro de chorar no chão da sala assistindo ao Brasil perder a copa" Foto: Werther Santana/Estadão

Enquanto tudo isso acontece, outra região do cérebro, o córtex pré-frontal, trabalha como uma central de controle. “Ele vai avaliar se nosso corpo precisa reagir desse jeito ou não”, explica. É essa estrutura que define se vamos continuar produzindo os hormônios ou se a produção pode ser interrompida. Entre os torcedores mais fanáticos, o cérebro pode entender que ainda é necessário ficar atento e ansioso, mesmo que não seja o caso. Nessas pessoas, os hormônios estressores continuem sendo produzidos.

Ao fim da partida, emoções positivas também podem aparecer. Nos casos em que a resposta ao estresse inicial for positiva, seja porque o Brasil venceu a partida ou ganhou o campeonato, nosso cérebro induz a produção da endorfina. O hormônio é responsável pela sensação de bem-estar, que também aparece depois de uma atividade física, por exemplo. “A endorfina vai contribuir com a nossa sensação de satisfação e felicidade”, diz.

Construção de memórias positivas

Além de questões biológicas, há fatores humanos envolvidos nessa comoção nacional pelo esporte, como as memórias positivas que ele traz. Algumas pessoas lembram de assistir aos jogos pela televisão com a família reunida. Outras, como o colecionador Leonardo Rodrigues, lembram de passar horas colando figurinhas nos álbuns da Copa do Mundo.

Além de guardar os rostos dos craques da seleção, o álbum também guarda as memórias de Leonardo. “Lembro quando minha mãe estava internada para um tratamento médico e me dava dinheiro para comprar figurinha na banca de jornal ao lado do hospital”, conta. Por isso, colecionar os álbuns significa muito mais do que só uma tradição ou passatempo: é quase como uma forma de manter as memórias vivas. “Essa nostalgia faz você se sentir mais humano, esquecer os problemas e voltar a ser criança”, diz ele, que tem álbuns desde 1982 e revistas que fazem versões de álbuns mais antigos.

Leonardo coleciona os álbuns desde a Copa de 1982, além de edições especiais dos campeonatos anteriores Foto: Arquivo Pessoal

Mirella Gualtieri, psicóloga do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP), explica que a Copa do Mundo é responsável pela construção de memórias muito sólidas. E isso se deve a três fatores: é uma experiência vivida em conjunto com outras pessoas; em geral, está carregada de emoção; e acontece de forma frequente, que permite a retomada dos sentimentos vividos a cada quatro anos. Essas vivências são armazenadas na nossa memória e constituem a relação que estabelecemos com o esporte.

Por isso, a paixão ou a indiferença pelo futebol pode ser explicada pelas memórias que a pessoa carrega, em especial quando as recordações são da infância que, conforme avalia Mirella, são as mais marcantes que podem ser experimentadas ao longo da vida.

Sentimento de pertencimento

A paixão também é justificada pelo senso de pertencimento. A psicóloga Mirella explica que esse sentimento aparece quando uma sequência de pessoas compartilha uma mesma experiência e se identifica por conta dela. Algo que tem tudo a ver com o futebol. Por ser um dos esportes mais importantes do País há décadas, ele tem influência na vida de pessoas de diferentes gerações. Essa influência foi transmitida ao longo dos anos: do seu avô, que passou para o seu pai, que passou para você, que vai passar para os seus filhos. “É por meio desse contexto de transmissão de cultura que definimos o que é se sentir pertencente a um grupo”, avalia.

Futebol pode trazer boas recordações, passadas de geração em geração Foto: Lucas Figueiredo

Renato Machado, morador da Vila Esperança, na Zona Leste de São Paulo, cresceu pintando as ruas de verde e amarelo durante a Copa do Mundo. “Quando eu era criança eu sentia essa união e esperança que a Copa traz. Lembrava que o jogador da Copa já foi um de nós, também já pintou a rua, também já torceu para a seleção”, revela ele, que é um dos líderes do Favela Chic, associação que há 18 anos oferece suporte aos moradores da comunidade.

Mas, conforme crescia, assistiu essa tradição se perder junto com o espírito de união e coletividade entre os moradores do bairro. Foi na tentativa de resgatar esse sentimento que ele mobilizou toda a vizinhança para arregaçar as mangas e fazer a pintura, realizada em dois finais de semana. “Assim como a Copa, pintar as ruas traz esperança e permite a união das pessoas. É uma forma de resgatar uma tradição que sempre nos fez bem.”

Mirella explica que, de fato, sentir-se parte de um grupo traz muitos benefícios, como aumentar nosso senso de proteção, segurança e conforto. “Quando fazemos parte de um grupo, o nosso alerta para detecção de sinais de perigo fica reduzido”, afirma. Ela explica que o sentimento também faz com que se atinja um estado mental e físico mais relaxado. “Essa condição de bem-estar acaba nos deixando mais suscetíveis a perceber e comunicar emoções positivas ao invés de emoções negativas.”

É possível controlar as emoções?

É diante de tantos significados e de uma importância histórica tão grande na vida de milhares de brasileiros que as emoções envolvendo a Copa do Mundo aparecem. Pode ser desafiador fazer o gerenciamento de todas elas, mas Marcelo Santos, psicólogo e docente da Universidade Presbiteriana Mackenzie, garante que é possível. Veja algumas recomendações.

  • Saiba como você é enquanto torcedor. O autoconhecimento é um ponto importante no processo de gerenciamento das emoções durante uma partida de futebol. Saber reconhecer se você é uma pessoa que costuma ser mais explosiva nessas situações é o primeiro passo. “Mas isso não é uma tarefa fácil para a maioria das pessoas”, pondera Marcelo.
  • Faça pausas. Se a partida estiver mexendo muito com você, a recomendação é fazer uma pausa longe da televisão. Pode parecer difícil se distanciar da partida e correr o risco de perder um lance importante, mas o especialista garante que esse movimento ajuda no controle das emoções. “É bom sair, respirar um pouco, beber um copo de água”, exemplifica.
  • Não abuse do álcool. O consumo de bebidas alcoólicas em excesso pode tornar mais difícil o gerenciamento das emoções durante a Copa. Isso porque o álcool tem potencial de aumentar a sensação de euforia e os batimentos cardíacos, que já ficam mais intensos nesses contexto. A recomendação é beber com cautela e acompanhado de um copo de água para hidratação.
  • Cuidado com o coração. “O gerenciamento das emoções nesse contexto é difícil, por isso é comum reações físicas, como o aceleramento dos batimentos cardíacos”, diz. Caso apareça dor ou pressão na região do peito, a recomendação é procurar um médico.
  • Depois do jogo, tente relaxar. É comum que as pessoas compartilhem suas percepções sobre o jogo após o fim da partida, mas é importante ficar atento se essas conversas têm ou não potencial de aumentar o estresse e a tensão. “Se perceber que essas discussões podem gerar um adicional de estresse, é recomendado evitá-las”, explica. O melhor é relaxar, buscar fazer outras atividades, de preferência com pessoas próximas, como família e amigos.

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