Quase todos os corredores, veteranos ou novatos, pequenos ou velozes, jovens ou mais velhos, compartilham um vínculo. Alguém logo os avisará que estão arruinando seus joelhos. “Muitas pessoas pensam que correr é ruim” para essas e outras articulações, disse Jean-François Esculier, professor clínico de Fisioterapia da Universidade de British Columbia, em Kelowna, no Canadá.
No entanto, os estudos - incluindo o mais recente do pesquisador - geralmente mostram o contrário. Nessas análises, a corrida de longa distância não destrói os joelhos da maioria dos praticantes. Em vez disso, fortalece essas partes do corpo, deixando-as mais resistentes e menos danificadas em comparação a alguém que nunca praticou o esporte.
Apesar disso, há exceções. Por isso, é importante entender as nuances da ciência, as características únicas de seu corpo e a mecânica do que realmente ocorre por trás de nossas rótulas a cada passo que damos.
Desde que a primeira maratona da história terminou com a morte de todo o seu “elenco” (composto por apenas um soldado, Fidípedes), alguns estão convencidas de que correr deve ser difícil para nós, especialmente para os joelhos. Uma pesquisa online conduzida por Esculier e seus colegas, cujos resultados foram publicados este ano no Orthopedic Journal of Sports Medicine, descobriu que mais da metade dos 2.514 entrevistados acreditavam que a corrida de longa distância danifica os joelhos.
Essa ideia persiste até hoje, apesar das consideráveis evidências em sentido contrário. Análises após análises indicam que a prática raramente causa ou exacerba a artrite na maioria dos joelhos dos corredores, mesmo nos mais velhos, que correm risco relativamente alto de desenvolver a inflamação.
A corrida pode fortalecer os joelhos?
Mudar a percepção do público é difícil, disse Alister Hart, cirurgião ortopédico e professor de pesquisa da University College London (Reino Unido), que costumava ter preocupações com seus próprios joelhos especialmente depois de terminar sua primeira maratona e mancar por dias após. Nesse ponto, ele decidiu que deveria se aprofundar nos efeitos dessa atividade nas articulações dos corredores.
Então, para um estudo de 2019, ele e seus colegas ortopedistas recrutaram 82 corredores iniciantes de meia-idade que se inscreveram para a Maratona de Londres de 2017. Poucos haviam praticado corridas com frequência, e nenhum sentiu dor no joelho. Os pesquisadores examinaram os participantes antes de iniciarem um programa de treinamento estruturado de quatro meses e executado novamente duas semanas após a maioria completar a maratona (Onze desistiram durante os treinos).
Curiosamente, embora nenhum dos corredores tenha relatado problemas no joelho no início, a maioria de seus primeiros exames mostrou sinais de lesões articulares incipientes, incluindo lesões na cartilagem e na medula óssea, qualquer uma das quais poderia ser um passo inicial para a artrite.
No entanto, esse dano latente foi parcialmente revertido por treinamento e corrida. Duas semanas após a primeira maratona, a maioria das lesões existentes na medula óssea dos corredores havia diminuído, assim como grande parte de sua cartilagem desgastada.
Todavia, alguns corredores apresentaram sintomas, ainda que leves, de novos danos nos ossos e na cartilagem ao redor das rótulas, uma parte da articulação que absorve grande parte do impacto da corrida. “Não podemos ignorar isso, já que provavelmente aconteceu por causa do treinamento e das corridas”, disse Johann Henckel, coautor do estudo e também cirurgião ortopédico da University College London e do Royal National Orthopaedic Hospital. “Tivemos de perguntar: esse dano perdura ou piora?”
Se isso acontecesse, correr estava prejudicando os joelhos das pessoas. Os cientistas ajudaram a resolver essa preocupação, no entanto, com um estudo de acompanhamento, publicado em 2020. No trabalho, examinaram os joelhos dos participantes novamente, seis meses após a corrida.
Os novos exames mostraram que seus joelhos estavam mais saudáveis no momento do que nas semanas logo após a maratona. Muitas das lesões que começaram a diminuir durante os treinos eram menores e os novos danos vistos ao redor de algumas rótulas haviam se dissipado em grande parte, com poucos sinais remanescentes de traumas.
“Eu me sinto confortável neste momento dizendo que correr não deve prejudicar os joelhos da maioria das pessoas e pode, de fato, ser benéfico”, afirmou Hart.
Como, porém, a corrida renova os joelhos? Ele e seus colegas acreditam que a prática fortalece os principais músculos da perna que sustentam a articulação, permitindo que eles assumam e descarreguem mais das tensões envolvidas em tocar repetidamente o solo.
Fortalecimento da cartilagem
A cartilagem do joelho provavelmente também aumenta, graças aos repetidos esmagamentos que recebe durante a corrida, disse Esculier. “Por muito tempo, pensamos que ela não poderia se adaptar” à corrida ou outras atividades, comentou. “Mas, na verdade, se adapta, tornando-se mais forte à compressão”.
Em 2022, em revisão de estudos anteriores de ressonância magnética que participou, ele e seus colegas encontraram evidências de que a cartilagem do joelho se achata imediatamente após uma corrida, mas depois volta à forma em poucas horas. Com a prática recreativa de longo prazo, disse, o tecido provavelmente engrossa, embora essa possibilidade ainda precise ser estudada. “A conclusão é que a cartilagem se torna mais robusta” com a corrida, disse Esculier.
Alguns corredores desenvolvem lesões no joelho ou artrite. Assim como muitos não corredores. Um resumo online útil da ciência dos joelhos e da corrida, criado pelo professor e outros pesquisadores, aponta que as pessoas com excesso de peso, mais de 50 anos, histórico familiar de artrite ou histórico pessoal de lesões no joelho enfrentam risco substancialmente maior de traumas.
“Se correr faz seus joelhos doerem, você não precisa disso”, disse Hart. “É bom tentar outra coisa.” Ele hoje faz cross training com ciclismo, que está sendo estudado por seu grupo sobre como afeta as articulações.
Mesmo os céticos convictos podem se deparar com joelhos mais resistentes na corrida. Hart se lembra de apresentar recentemente as descobertas sobre corrida e saúde da articulação para outros médicos. Segundo ele, um dos colegas disse “que simplesmente não acreditava”, mas algumas semanas depois, viu o homem correndo no Regent’s Park, em Londres.