Costuma sentir tontura ao se levantar? Essa queda de pressão pode indicar maior risco de demência


De acordo com estudo da Universidade Harvard, quando a queda de pressão acontece no primeiro minuto após ficar em pé, a relação com demência é mais forte; saiba como evitar a chamada hipotensão ortostática

Por Leon Ferrari
Atualização:

A ciência tem avançado no entendimento de que a regulação anormal da pressão arterial, em especial com quedas abruptas ao se levantar, está associada a um pior desempenho cognitivo e, inclusive, a um maior risco de desenvolver demência. Essa situação é clinicamente chamada de hipotensão ortostática ou postural, e é uma das principais causas de tontura em idosos. As pesquisas acendem um alerta sobre a necessidade de ficar atento aos sintomas, fazer medições em diferentes posições nos consultórios – algo que deveria ser praxe na geriatria –, além de diagnosticar e tratar precocemente.

O trabalho mais recente vem da Escola de Saúde Pública da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, e mostrou que quem teve queda expressiva na pressão arterial no primeiro minuto após se levantar apresentou um risco até 22% maior de demência em comparação com quem manteve a pressão estável.

A demência é uma síndrome causada por uma série de doenças – o Alzheimer é a principal delas –, que, ao longo do tempo, destroem as células nervosas e danificam o cérebro, geralmente levando ao declínio da função cognitiva (a capacidade de processar o pensamento), segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).

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Algumas causas são reversíveis (quando ela é causada por alterações metabólicas, um trauma ou processo infeccioso), mas, em uma grande parcela dos casos, isso ainda não é possível, embora a ciência e a medicina tenham avançado no sentido de desacelerar e amenizar sintomas.

O que está por trás da tontura ao se levantar

Toda vez que mudamos de posição, o corpo precisa se adaptar para manter a mesma pressão arterial. Afinal, é mais fácil bombear o sangue quando estamos na horizontal – a gravidade dá uma boa ajuda. E a manutenção da pressão é importante justamente para que todos os tecidos e órgãos – como o cérebro – sigam recebendo a quantidade adequada de sangue, onde há oxigênio e alimento (na forma de glicose).

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“O nosso corpo é calibrado. No pescoço, temos barorreceptores, que são receptores de pressão das artérias carótidas. Eles avisam ‘olha, agora a pessoa levantou, vamos dar uma subidinha (na pressão arterial) para que a pressão dela fique estável, e não caia”, descreve a geriatra Claudia Kimie Suemoto, professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), que faz parte do Advisory Council da Alzheimer’s Association International Society to Advance Alzheimer’s Research and Treatment (ISTAART).

Ter queda de pressão e sentir tontura no primeiro minuto após se levantar são sintomas que merecem ser investigados. Estudos associam essas situações a um maior risco de demência.  Foto: Krakenimages.com/Adobe Stock

Outra estratégia do organismo pode ser aumentar a frequência cardíaca. “Vai chegar um sangue ‘meia-boca’, mas vamos fazer chegar mais rápido, então, acelera o coração”, continua a médica. “Tudo isso vai manter uma coisa que a gente chama de débito cardíaco (que é o volume de sangue bombeado pelo coração em um minuto).”

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Só que, em algumas situações, uma queda de pressão arterial ocorre na mudança de posição. “Isso é patológico. Nem sempre você vai sentir algo ruim, mas toda vez que ocorre, não é normal”, alerta Claudia.

Para além da tontura, outra manifestação pode ser o escurecimento visual, e, em alguns casos, o desmaio (síncope). No entanto, a condição pode ser crônica e silenciosa, de acordo com o neurocirurgião Fernando Campos Gomes, professor livre docente da disciplina de Neurocirurgia da FMUSP.

Embora seja mais comum em idosos – a principal causa de tontura entre eles –, pessoas jovens podem experienciar essa queda na pressão ao levantar. “Quando estamos desidratados ou não comemos direito”, exemplifica Claudia. É preciso deixar claro que a hipotensão não é a única causa de tontura. Questões relacionadas com o labirinto, como a labirintite, também podem levar a esse problema.

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O recado principal é que tonturas ao se levantar são sinais importantes de que algo não vai bem, sobretudo se são frequentes. Diante dessa situação, é necessário buscar atendimento médico. Isso porque, além de problemas no curto prazo – como uma queda –, a hipotensão tem sido associada, em estudos, a processos de longo prazo, como a demência.

Tontura e demência

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O estudo liderado pela Universidade Harvard e publicado em outubro na revista científica Hypertension, da Associação Americana do Coração, refinou e esmiuçou essa conexão. Eles descobriram que uma queda expressiva na pressão arterial no primeiro minuto após se levantar aumentou o risco de demência em até 22%. Uma queda na pressão após o primeiro minuto teve menos impacto.

“A resposta anormal da pressão arterial pode ser um fator de risco para demência ou um sintoma precoce do processo neurodegenerativo precedendo o diagnóstico de demência, dada a insidiosa instalação e a longa fase prodrômica (fase que antecede o aparecimento de sintomas de uma doença) da demência”, escreveram os autores.

Médicos brasileiros consultados pelo Estadão, que não estiveram envolvidos nesta pesquisa, apontam que ela é muito importante e traz resultados consistentes por sua robustez. Para chegar a essa conclusão, foram analisados 11,6 mil pacientes que participam do Estudo do Risco de Aterosclerose nas Comunidades (Aric, na sigla em inglês), cujo acompanhamento ocorre desde o final da década de 1980.

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A média de idade dos participantes foi de 55 anos de idade no início do estudo. Cerca de um em cada cinco voluntários desenvolveu demência nas quase três décadas de análise.

Os pesquisadores também observaram uma “associação interessante”, nas palavras deles, entre grandes aumentos na pressão arterial aproximadamente dois minutos após os participantes ficarem em pé e um maior risco de demência. Outros estudos já haviam sugerido que uma hiperreatividade a esse estresse da mudança de posição poderiam ter efeitos danosos. A relação da chamada hipertensão ortástica, porém, não foi considerada estatisticamente significativa nesta pesquisa e, por isso, eles focaram na hipotensão.

Qual o mecanismo por trás dessa relação?

Ainda não se sabe exatamente por que a hipotensão ortástica aparentemente eleva a probabilidade de alguém enfrentar a demência. “E ainda não sabemos se a queda precoce na pressão leva à demência ou vice-versa”, disse Yuan Ma, professora assistente de epidemiologia de Harvard e principal autora do estudo, em comunicado.

“Quedas abruptas na pressão arterial durante o primeiro minuto ao ficar em pé podem induzir hipoperfusão cerebral e hipóxia, contribuindo para lesões cerebrais isquêmicas e, subsequente, demência”, sugerem os pesquisadores. Traduzindo: menos sangue chegaria ao cérebro e, consequentemente, isso reduziria o fornecimento de oxigênio e glicose para o órgão – aumentando o risco de lesões cerebrovasculares.

“O cérebro é um órgão que não vive sem sangue. É um dos poucos órgãos que suporta por muito pouco (tempo) uma diminuição do fluxo de sangue que é bombeado do coração. Por isso, é particularmente vulnerável à hipotensão postural”, ensina Claudia.

“Imagine que o cérebro é um jardim, e tenho as mangueiras, que fazem a hidratação e regam o jardim. Mangueiras menos eficientes durante um dia só não vão fazer a diferença, mas, no decorrer de uma vida, alguém vai ter uma grama verde, enquanto o outro vai ter um jardim mais ‘capenga’”, ilustra Gomes.

Como qualquer estudo, ele tem limitações. Uma delas é que as medições da pressão foram feitas numa janela que não ultrapassa três minutos. Mas a medição da hipotensão exige uma avaliação de até cinco.

Outra questão, que é importante quando se quer extrapolar resultados, é a diversidade étnica e racial. O Aric acompanha quatro comunidades norte-americanas.

Estudo brasileiro já viu ligação entre hipotensão e pior desempenho cognitivo

Porém, no Brasil, um estudo liderado por Claudia aponta em direção similar. Ele foi publicado na Journals of Gerontology, da Oxford Academics, em 2018, e mostrou uma relação entre hipotensão e a hipertensão ortostática e um pior desempenho no teste de fluência verbal.

Neste teste, por exemplo, pode ser solicitado que o paciente fale, por um determinado tempo, todos os animais que lembra e, depois, que cite palavras que comecem com a letra “F”. “Esse teste avalia várias funções cognitivas, principalmente relacionadas à linguagem, porque depende do seu vocabulário. Mas também depende da sua velocidade de processamento, do quão rápido você consegue lembrar e falar, e da sua atenção. Tem que focar naquela tarefa. É um teste simples, mas, ao mesmo tempo, que analisa vários domínios cognitivos”, explica Claudia.

E qual a relação da fluência verbal com demência? “A demência tem algumas definições. O paciente deve ter déficit cognitivo em um ou mais domínios, seja memória, linguagem, atenção, velocidade de processamento. Isso precisa estar documentado num teste, como o de fluência verbal. E o paciente tem que apresentar perda funcional”.

Para chegar a esses resultados, Claudia e seus colegas analisaram 12,8 mil pacientes que participam do Estudo Longitudinal Brasileiro de Saúde do Adulto (ELSA-Brasil). Ele acompanha funcionários de instituições públicas de seis cidades brasileiras (São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador, Rio de Janeiro e Vitória). Nenhum dos analisados tinha demência, mas isso pode ter mudado nos 10 anos após a primeira análise. Segundo a médica, refazer as análises está nos planos.

Hábitos protetores

O estudo de Harvard, no entanto, já tem dados de longo prazo e o resultado justifica uma mudança na conduta médica. Ele pede mais atenção à hipotensão postural, que pode ser silenciosa e passar despercebida.

Cabe destacar que a hipotensão é tratável, inclusive por meio de medidas simples e não medicamentosas. Confira os hábitos protetores:

  • Beber água adequadamente: pessoas idosas não sentem tanta sede e a desidratação é uma das principais causas por trás da hipotensão.
  • Não se levantar rápido: o paciente, no início, vai provavelmente ser orientado a evitar se levantar muito rápido quando deitado. O ideal seria, por exemplo, sentar primeiramente, esperar um pouco, e, então, levantar-se.
  • Dormir com em uma cabeceira um pouco elevada.
  • Praticar atividade física: o sistema cardiovascular precisa de treino, e o exercício físico vai exigir mudanças de posição. É preciso fortalecer as pernas, principalmente as panturrilhas, para ajudar no retorno venoso (a volta do sangue ao coração).
  • Pode ser necessário usar meias elásticas.

Uma dica preciosa de Yuan Ma é: “O que é bom para o coração, é bom para o cérebro.”

A ciência tem avançado no entendimento de que a regulação anormal da pressão arterial, em especial com quedas abruptas ao se levantar, está associada a um pior desempenho cognitivo e, inclusive, a um maior risco de desenvolver demência. Essa situação é clinicamente chamada de hipotensão ortostática ou postural, e é uma das principais causas de tontura em idosos. As pesquisas acendem um alerta sobre a necessidade de ficar atento aos sintomas, fazer medições em diferentes posições nos consultórios – algo que deveria ser praxe na geriatria –, além de diagnosticar e tratar precocemente.

O trabalho mais recente vem da Escola de Saúde Pública da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, e mostrou que quem teve queda expressiva na pressão arterial no primeiro minuto após se levantar apresentou um risco até 22% maior de demência em comparação com quem manteve a pressão estável.

A demência é uma síndrome causada por uma série de doenças – o Alzheimer é a principal delas –, que, ao longo do tempo, destroem as células nervosas e danificam o cérebro, geralmente levando ao declínio da função cognitiva (a capacidade de processar o pensamento), segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).

Algumas causas são reversíveis (quando ela é causada por alterações metabólicas, um trauma ou processo infeccioso), mas, em uma grande parcela dos casos, isso ainda não é possível, embora a ciência e a medicina tenham avançado no sentido de desacelerar e amenizar sintomas.

O que está por trás da tontura ao se levantar

Toda vez que mudamos de posição, o corpo precisa se adaptar para manter a mesma pressão arterial. Afinal, é mais fácil bombear o sangue quando estamos na horizontal – a gravidade dá uma boa ajuda. E a manutenção da pressão é importante justamente para que todos os tecidos e órgãos – como o cérebro – sigam recebendo a quantidade adequada de sangue, onde há oxigênio e alimento (na forma de glicose).

“O nosso corpo é calibrado. No pescoço, temos barorreceptores, que são receptores de pressão das artérias carótidas. Eles avisam ‘olha, agora a pessoa levantou, vamos dar uma subidinha (na pressão arterial) para que a pressão dela fique estável, e não caia”, descreve a geriatra Claudia Kimie Suemoto, professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), que faz parte do Advisory Council da Alzheimer’s Association International Society to Advance Alzheimer’s Research and Treatment (ISTAART).

Ter queda de pressão e sentir tontura no primeiro minuto após se levantar são sintomas que merecem ser investigados. Estudos associam essas situações a um maior risco de demência.  Foto: Krakenimages.com/Adobe Stock

Outra estratégia do organismo pode ser aumentar a frequência cardíaca. “Vai chegar um sangue ‘meia-boca’, mas vamos fazer chegar mais rápido, então, acelera o coração”, continua a médica. “Tudo isso vai manter uma coisa que a gente chama de débito cardíaco (que é o volume de sangue bombeado pelo coração em um minuto).”

Só que, em algumas situações, uma queda de pressão arterial ocorre na mudança de posição. “Isso é patológico. Nem sempre você vai sentir algo ruim, mas toda vez que ocorre, não é normal”, alerta Claudia.

Para além da tontura, outra manifestação pode ser o escurecimento visual, e, em alguns casos, o desmaio (síncope). No entanto, a condição pode ser crônica e silenciosa, de acordo com o neurocirurgião Fernando Campos Gomes, professor livre docente da disciplina de Neurocirurgia da FMUSP.

Embora seja mais comum em idosos – a principal causa de tontura entre eles –, pessoas jovens podem experienciar essa queda na pressão ao levantar. “Quando estamos desidratados ou não comemos direito”, exemplifica Claudia. É preciso deixar claro que a hipotensão não é a única causa de tontura. Questões relacionadas com o labirinto, como a labirintite, também podem levar a esse problema.

O recado principal é que tonturas ao se levantar são sinais importantes de que algo não vai bem, sobretudo se são frequentes. Diante dessa situação, é necessário buscar atendimento médico. Isso porque, além de problemas no curto prazo – como uma queda –, a hipotensão tem sido associada, em estudos, a processos de longo prazo, como a demência.

Tontura e demência

O estudo liderado pela Universidade Harvard e publicado em outubro na revista científica Hypertension, da Associação Americana do Coração, refinou e esmiuçou essa conexão. Eles descobriram que uma queda expressiva na pressão arterial no primeiro minuto após se levantar aumentou o risco de demência em até 22%. Uma queda na pressão após o primeiro minuto teve menos impacto.

“A resposta anormal da pressão arterial pode ser um fator de risco para demência ou um sintoma precoce do processo neurodegenerativo precedendo o diagnóstico de demência, dada a insidiosa instalação e a longa fase prodrômica (fase que antecede o aparecimento de sintomas de uma doença) da demência”, escreveram os autores.

Médicos brasileiros consultados pelo Estadão, que não estiveram envolvidos nesta pesquisa, apontam que ela é muito importante e traz resultados consistentes por sua robustez. Para chegar a essa conclusão, foram analisados 11,6 mil pacientes que participam do Estudo do Risco de Aterosclerose nas Comunidades (Aric, na sigla em inglês), cujo acompanhamento ocorre desde o final da década de 1980.

A média de idade dos participantes foi de 55 anos de idade no início do estudo. Cerca de um em cada cinco voluntários desenvolveu demência nas quase três décadas de análise.

Os pesquisadores também observaram uma “associação interessante”, nas palavras deles, entre grandes aumentos na pressão arterial aproximadamente dois minutos após os participantes ficarem em pé e um maior risco de demência. Outros estudos já haviam sugerido que uma hiperreatividade a esse estresse da mudança de posição poderiam ter efeitos danosos. A relação da chamada hipertensão ortástica, porém, não foi considerada estatisticamente significativa nesta pesquisa e, por isso, eles focaram na hipotensão.

Qual o mecanismo por trás dessa relação?

Ainda não se sabe exatamente por que a hipotensão ortástica aparentemente eleva a probabilidade de alguém enfrentar a demência. “E ainda não sabemos se a queda precoce na pressão leva à demência ou vice-versa”, disse Yuan Ma, professora assistente de epidemiologia de Harvard e principal autora do estudo, em comunicado.

“Quedas abruptas na pressão arterial durante o primeiro minuto ao ficar em pé podem induzir hipoperfusão cerebral e hipóxia, contribuindo para lesões cerebrais isquêmicas e, subsequente, demência”, sugerem os pesquisadores. Traduzindo: menos sangue chegaria ao cérebro e, consequentemente, isso reduziria o fornecimento de oxigênio e glicose para o órgão – aumentando o risco de lesões cerebrovasculares.

“O cérebro é um órgão que não vive sem sangue. É um dos poucos órgãos que suporta por muito pouco (tempo) uma diminuição do fluxo de sangue que é bombeado do coração. Por isso, é particularmente vulnerável à hipotensão postural”, ensina Claudia.

“Imagine que o cérebro é um jardim, e tenho as mangueiras, que fazem a hidratação e regam o jardim. Mangueiras menos eficientes durante um dia só não vão fazer a diferença, mas, no decorrer de uma vida, alguém vai ter uma grama verde, enquanto o outro vai ter um jardim mais ‘capenga’”, ilustra Gomes.

Como qualquer estudo, ele tem limitações. Uma delas é que as medições da pressão foram feitas numa janela que não ultrapassa três minutos. Mas a medição da hipotensão exige uma avaliação de até cinco.

Outra questão, que é importante quando se quer extrapolar resultados, é a diversidade étnica e racial. O Aric acompanha quatro comunidades norte-americanas.

Estudo brasileiro já viu ligação entre hipotensão e pior desempenho cognitivo

Porém, no Brasil, um estudo liderado por Claudia aponta em direção similar. Ele foi publicado na Journals of Gerontology, da Oxford Academics, em 2018, e mostrou uma relação entre hipotensão e a hipertensão ortostática e um pior desempenho no teste de fluência verbal.

Neste teste, por exemplo, pode ser solicitado que o paciente fale, por um determinado tempo, todos os animais que lembra e, depois, que cite palavras que comecem com a letra “F”. “Esse teste avalia várias funções cognitivas, principalmente relacionadas à linguagem, porque depende do seu vocabulário. Mas também depende da sua velocidade de processamento, do quão rápido você consegue lembrar e falar, e da sua atenção. Tem que focar naquela tarefa. É um teste simples, mas, ao mesmo tempo, que analisa vários domínios cognitivos”, explica Claudia.

E qual a relação da fluência verbal com demência? “A demência tem algumas definições. O paciente deve ter déficit cognitivo em um ou mais domínios, seja memória, linguagem, atenção, velocidade de processamento. Isso precisa estar documentado num teste, como o de fluência verbal. E o paciente tem que apresentar perda funcional”.

Para chegar a esses resultados, Claudia e seus colegas analisaram 12,8 mil pacientes que participam do Estudo Longitudinal Brasileiro de Saúde do Adulto (ELSA-Brasil). Ele acompanha funcionários de instituições públicas de seis cidades brasileiras (São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador, Rio de Janeiro e Vitória). Nenhum dos analisados tinha demência, mas isso pode ter mudado nos 10 anos após a primeira análise. Segundo a médica, refazer as análises está nos planos.

Hábitos protetores

O estudo de Harvard, no entanto, já tem dados de longo prazo e o resultado justifica uma mudança na conduta médica. Ele pede mais atenção à hipotensão postural, que pode ser silenciosa e passar despercebida.

Cabe destacar que a hipotensão é tratável, inclusive por meio de medidas simples e não medicamentosas. Confira os hábitos protetores:

  • Beber água adequadamente: pessoas idosas não sentem tanta sede e a desidratação é uma das principais causas por trás da hipotensão.
  • Não se levantar rápido: o paciente, no início, vai provavelmente ser orientado a evitar se levantar muito rápido quando deitado. O ideal seria, por exemplo, sentar primeiramente, esperar um pouco, e, então, levantar-se.
  • Dormir com em uma cabeceira um pouco elevada.
  • Praticar atividade física: o sistema cardiovascular precisa de treino, e o exercício físico vai exigir mudanças de posição. É preciso fortalecer as pernas, principalmente as panturrilhas, para ajudar no retorno venoso (a volta do sangue ao coração).
  • Pode ser necessário usar meias elásticas.

Uma dica preciosa de Yuan Ma é: “O que é bom para o coração, é bom para o cérebro.”

A ciência tem avançado no entendimento de que a regulação anormal da pressão arterial, em especial com quedas abruptas ao se levantar, está associada a um pior desempenho cognitivo e, inclusive, a um maior risco de desenvolver demência. Essa situação é clinicamente chamada de hipotensão ortostática ou postural, e é uma das principais causas de tontura em idosos. As pesquisas acendem um alerta sobre a necessidade de ficar atento aos sintomas, fazer medições em diferentes posições nos consultórios – algo que deveria ser praxe na geriatria –, além de diagnosticar e tratar precocemente.

O trabalho mais recente vem da Escola de Saúde Pública da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, e mostrou que quem teve queda expressiva na pressão arterial no primeiro minuto após se levantar apresentou um risco até 22% maior de demência em comparação com quem manteve a pressão estável.

A demência é uma síndrome causada por uma série de doenças – o Alzheimer é a principal delas –, que, ao longo do tempo, destroem as células nervosas e danificam o cérebro, geralmente levando ao declínio da função cognitiva (a capacidade de processar o pensamento), segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).

Algumas causas são reversíveis (quando ela é causada por alterações metabólicas, um trauma ou processo infeccioso), mas, em uma grande parcela dos casos, isso ainda não é possível, embora a ciência e a medicina tenham avançado no sentido de desacelerar e amenizar sintomas.

O que está por trás da tontura ao se levantar

Toda vez que mudamos de posição, o corpo precisa se adaptar para manter a mesma pressão arterial. Afinal, é mais fácil bombear o sangue quando estamos na horizontal – a gravidade dá uma boa ajuda. E a manutenção da pressão é importante justamente para que todos os tecidos e órgãos – como o cérebro – sigam recebendo a quantidade adequada de sangue, onde há oxigênio e alimento (na forma de glicose).

“O nosso corpo é calibrado. No pescoço, temos barorreceptores, que são receptores de pressão das artérias carótidas. Eles avisam ‘olha, agora a pessoa levantou, vamos dar uma subidinha (na pressão arterial) para que a pressão dela fique estável, e não caia”, descreve a geriatra Claudia Kimie Suemoto, professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), que faz parte do Advisory Council da Alzheimer’s Association International Society to Advance Alzheimer’s Research and Treatment (ISTAART).

Ter queda de pressão e sentir tontura no primeiro minuto após se levantar são sintomas que merecem ser investigados. Estudos associam essas situações a um maior risco de demência.  Foto: Krakenimages.com/Adobe Stock

Outra estratégia do organismo pode ser aumentar a frequência cardíaca. “Vai chegar um sangue ‘meia-boca’, mas vamos fazer chegar mais rápido, então, acelera o coração”, continua a médica. “Tudo isso vai manter uma coisa que a gente chama de débito cardíaco (que é o volume de sangue bombeado pelo coração em um minuto).”

Só que, em algumas situações, uma queda de pressão arterial ocorre na mudança de posição. “Isso é patológico. Nem sempre você vai sentir algo ruim, mas toda vez que ocorre, não é normal”, alerta Claudia.

Para além da tontura, outra manifestação pode ser o escurecimento visual, e, em alguns casos, o desmaio (síncope). No entanto, a condição pode ser crônica e silenciosa, de acordo com o neurocirurgião Fernando Campos Gomes, professor livre docente da disciplina de Neurocirurgia da FMUSP.

Embora seja mais comum em idosos – a principal causa de tontura entre eles –, pessoas jovens podem experienciar essa queda na pressão ao levantar. “Quando estamos desidratados ou não comemos direito”, exemplifica Claudia. É preciso deixar claro que a hipotensão não é a única causa de tontura. Questões relacionadas com o labirinto, como a labirintite, também podem levar a esse problema.

O recado principal é que tonturas ao se levantar são sinais importantes de que algo não vai bem, sobretudo se são frequentes. Diante dessa situação, é necessário buscar atendimento médico. Isso porque, além de problemas no curto prazo – como uma queda –, a hipotensão tem sido associada, em estudos, a processos de longo prazo, como a demência.

Tontura e demência

O estudo liderado pela Universidade Harvard e publicado em outubro na revista científica Hypertension, da Associação Americana do Coração, refinou e esmiuçou essa conexão. Eles descobriram que uma queda expressiva na pressão arterial no primeiro minuto após se levantar aumentou o risco de demência em até 22%. Uma queda na pressão após o primeiro minuto teve menos impacto.

“A resposta anormal da pressão arterial pode ser um fator de risco para demência ou um sintoma precoce do processo neurodegenerativo precedendo o diagnóstico de demência, dada a insidiosa instalação e a longa fase prodrômica (fase que antecede o aparecimento de sintomas de uma doença) da demência”, escreveram os autores.

Médicos brasileiros consultados pelo Estadão, que não estiveram envolvidos nesta pesquisa, apontam que ela é muito importante e traz resultados consistentes por sua robustez. Para chegar a essa conclusão, foram analisados 11,6 mil pacientes que participam do Estudo do Risco de Aterosclerose nas Comunidades (Aric, na sigla em inglês), cujo acompanhamento ocorre desde o final da década de 1980.

A média de idade dos participantes foi de 55 anos de idade no início do estudo. Cerca de um em cada cinco voluntários desenvolveu demência nas quase três décadas de análise.

Os pesquisadores também observaram uma “associação interessante”, nas palavras deles, entre grandes aumentos na pressão arterial aproximadamente dois minutos após os participantes ficarem em pé e um maior risco de demência. Outros estudos já haviam sugerido que uma hiperreatividade a esse estresse da mudança de posição poderiam ter efeitos danosos. A relação da chamada hipertensão ortástica, porém, não foi considerada estatisticamente significativa nesta pesquisa e, por isso, eles focaram na hipotensão.

Qual o mecanismo por trás dessa relação?

Ainda não se sabe exatamente por que a hipotensão ortástica aparentemente eleva a probabilidade de alguém enfrentar a demência. “E ainda não sabemos se a queda precoce na pressão leva à demência ou vice-versa”, disse Yuan Ma, professora assistente de epidemiologia de Harvard e principal autora do estudo, em comunicado.

“Quedas abruptas na pressão arterial durante o primeiro minuto ao ficar em pé podem induzir hipoperfusão cerebral e hipóxia, contribuindo para lesões cerebrais isquêmicas e, subsequente, demência”, sugerem os pesquisadores. Traduzindo: menos sangue chegaria ao cérebro e, consequentemente, isso reduziria o fornecimento de oxigênio e glicose para o órgão – aumentando o risco de lesões cerebrovasculares.

“O cérebro é um órgão que não vive sem sangue. É um dos poucos órgãos que suporta por muito pouco (tempo) uma diminuição do fluxo de sangue que é bombeado do coração. Por isso, é particularmente vulnerável à hipotensão postural”, ensina Claudia.

“Imagine que o cérebro é um jardim, e tenho as mangueiras, que fazem a hidratação e regam o jardim. Mangueiras menos eficientes durante um dia só não vão fazer a diferença, mas, no decorrer de uma vida, alguém vai ter uma grama verde, enquanto o outro vai ter um jardim mais ‘capenga’”, ilustra Gomes.

Como qualquer estudo, ele tem limitações. Uma delas é que as medições da pressão foram feitas numa janela que não ultrapassa três minutos. Mas a medição da hipotensão exige uma avaliação de até cinco.

Outra questão, que é importante quando se quer extrapolar resultados, é a diversidade étnica e racial. O Aric acompanha quatro comunidades norte-americanas.

Estudo brasileiro já viu ligação entre hipotensão e pior desempenho cognitivo

Porém, no Brasil, um estudo liderado por Claudia aponta em direção similar. Ele foi publicado na Journals of Gerontology, da Oxford Academics, em 2018, e mostrou uma relação entre hipotensão e a hipertensão ortostática e um pior desempenho no teste de fluência verbal.

Neste teste, por exemplo, pode ser solicitado que o paciente fale, por um determinado tempo, todos os animais que lembra e, depois, que cite palavras que comecem com a letra “F”. “Esse teste avalia várias funções cognitivas, principalmente relacionadas à linguagem, porque depende do seu vocabulário. Mas também depende da sua velocidade de processamento, do quão rápido você consegue lembrar e falar, e da sua atenção. Tem que focar naquela tarefa. É um teste simples, mas, ao mesmo tempo, que analisa vários domínios cognitivos”, explica Claudia.

E qual a relação da fluência verbal com demência? “A demência tem algumas definições. O paciente deve ter déficit cognitivo em um ou mais domínios, seja memória, linguagem, atenção, velocidade de processamento. Isso precisa estar documentado num teste, como o de fluência verbal. E o paciente tem que apresentar perda funcional”.

Para chegar a esses resultados, Claudia e seus colegas analisaram 12,8 mil pacientes que participam do Estudo Longitudinal Brasileiro de Saúde do Adulto (ELSA-Brasil). Ele acompanha funcionários de instituições públicas de seis cidades brasileiras (São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador, Rio de Janeiro e Vitória). Nenhum dos analisados tinha demência, mas isso pode ter mudado nos 10 anos após a primeira análise. Segundo a médica, refazer as análises está nos planos.

Hábitos protetores

O estudo de Harvard, no entanto, já tem dados de longo prazo e o resultado justifica uma mudança na conduta médica. Ele pede mais atenção à hipotensão postural, que pode ser silenciosa e passar despercebida.

Cabe destacar que a hipotensão é tratável, inclusive por meio de medidas simples e não medicamentosas. Confira os hábitos protetores:

  • Beber água adequadamente: pessoas idosas não sentem tanta sede e a desidratação é uma das principais causas por trás da hipotensão.
  • Não se levantar rápido: o paciente, no início, vai provavelmente ser orientado a evitar se levantar muito rápido quando deitado. O ideal seria, por exemplo, sentar primeiramente, esperar um pouco, e, então, levantar-se.
  • Dormir com em uma cabeceira um pouco elevada.
  • Praticar atividade física: o sistema cardiovascular precisa de treino, e o exercício físico vai exigir mudanças de posição. É preciso fortalecer as pernas, principalmente as panturrilhas, para ajudar no retorno venoso (a volta do sangue ao coração).
  • Pode ser necessário usar meias elásticas.

Uma dica preciosa de Yuan Ma é: “O que é bom para o coração, é bom para o cérebro.”

A ciência tem avançado no entendimento de que a regulação anormal da pressão arterial, em especial com quedas abruptas ao se levantar, está associada a um pior desempenho cognitivo e, inclusive, a um maior risco de desenvolver demência. Essa situação é clinicamente chamada de hipotensão ortostática ou postural, e é uma das principais causas de tontura em idosos. As pesquisas acendem um alerta sobre a necessidade de ficar atento aos sintomas, fazer medições em diferentes posições nos consultórios – algo que deveria ser praxe na geriatria –, além de diagnosticar e tratar precocemente.

O trabalho mais recente vem da Escola de Saúde Pública da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, e mostrou que quem teve queda expressiva na pressão arterial no primeiro minuto após se levantar apresentou um risco até 22% maior de demência em comparação com quem manteve a pressão estável.

A demência é uma síndrome causada por uma série de doenças – o Alzheimer é a principal delas –, que, ao longo do tempo, destroem as células nervosas e danificam o cérebro, geralmente levando ao declínio da função cognitiva (a capacidade de processar o pensamento), segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).

Algumas causas são reversíveis (quando ela é causada por alterações metabólicas, um trauma ou processo infeccioso), mas, em uma grande parcela dos casos, isso ainda não é possível, embora a ciência e a medicina tenham avançado no sentido de desacelerar e amenizar sintomas.

O que está por trás da tontura ao se levantar

Toda vez que mudamos de posição, o corpo precisa se adaptar para manter a mesma pressão arterial. Afinal, é mais fácil bombear o sangue quando estamos na horizontal – a gravidade dá uma boa ajuda. E a manutenção da pressão é importante justamente para que todos os tecidos e órgãos – como o cérebro – sigam recebendo a quantidade adequada de sangue, onde há oxigênio e alimento (na forma de glicose).

“O nosso corpo é calibrado. No pescoço, temos barorreceptores, que são receptores de pressão das artérias carótidas. Eles avisam ‘olha, agora a pessoa levantou, vamos dar uma subidinha (na pressão arterial) para que a pressão dela fique estável, e não caia”, descreve a geriatra Claudia Kimie Suemoto, professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), que faz parte do Advisory Council da Alzheimer’s Association International Society to Advance Alzheimer’s Research and Treatment (ISTAART).

Ter queda de pressão e sentir tontura no primeiro minuto após se levantar são sintomas que merecem ser investigados. Estudos associam essas situações a um maior risco de demência.  Foto: Krakenimages.com/Adobe Stock

Outra estratégia do organismo pode ser aumentar a frequência cardíaca. “Vai chegar um sangue ‘meia-boca’, mas vamos fazer chegar mais rápido, então, acelera o coração”, continua a médica. “Tudo isso vai manter uma coisa que a gente chama de débito cardíaco (que é o volume de sangue bombeado pelo coração em um minuto).”

Só que, em algumas situações, uma queda de pressão arterial ocorre na mudança de posição. “Isso é patológico. Nem sempre você vai sentir algo ruim, mas toda vez que ocorre, não é normal”, alerta Claudia.

Para além da tontura, outra manifestação pode ser o escurecimento visual, e, em alguns casos, o desmaio (síncope). No entanto, a condição pode ser crônica e silenciosa, de acordo com o neurocirurgião Fernando Campos Gomes, professor livre docente da disciplina de Neurocirurgia da FMUSP.

Embora seja mais comum em idosos – a principal causa de tontura entre eles –, pessoas jovens podem experienciar essa queda na pressão ao levantar. “Quando estamos desidratados ou não comemos direito”, exemplifica Claudia. É preciso deixar claro que a hipotensão não é a única causa de tontura. Questões relacionadas com o labirinto, como a labirintite, também podem levar a esse problema.

O recado principal é que tonturas ao se levantar são sinais importantes de que algo não vai bem, sobretudo se são frequentes. Diante dessa situação, é necessário buscar atendimento médico. Isso porque, além de problemas no curto prazo – como uma queda –, a hipotensão tem sido associada, em estudos, a processos de longo prazo, como a demência.

Tontura e demência

O estudo liderado pela Universidade Harvard e publicado em outubro na revista científica Hypertension, da Associação Americana do Coração, refinou e esmiuçou essa conexão. Eles descobriram que uma queda expressiva na pressão arterial no primeiro minuto após se levantar aumentou o risco de demência em até 22%. Uma queda na pressão após o primeiro minuto teve menos impacto.

“A resposta anormal da pressão arterial pode ser um fator de risco para demência ou um sintoma precoce do processo neurodegenerativo precedendo o diagnóstico de demência, dada a insidiosa instalação e a longa fase prodrômica (fase que antecede o aparecimento de sintomas de uma doença) da demência”, escreveram os autores.

Médicos brasileiros consultados pelo Estadão, que não estiveram envolvidos nesta pesquisa, apontam que ela é muito importante e traz resultados consistentes por sua robustez. Para chegar a essa conclusão, foram analisados 11,6 mil pacientes que participam do Estudo do Risco de Aterosclerose nas Comunidades (Aric, na sigla em inglês), cujo acompanhamento ocorre desde o final da década de 1980.

A média de idade dos participantes foi de 55 anos de idade no início do estudo. Cerca de um em cada cinco voluntários desenvolveu demência nas quase três décadas de análise.

Os pesquisadores também observaram uma “associação interessante”, nas palavras deles, entre grandes aumentos na pressão arterial aproximadamente dois minutos após os participantes ficarem em pé e um maior risco de demência. Outros estudos já haviam sugerido que uma hiperreatividade a esse estresse da mudança de posição poderiam ter efeitos danosos. A relação da chamada hipertensão ortástica, porém, não foi considerada estatisticamente significativa nesta pesquisa e, por isso, eles focaram na hipotensão.

Qual o mecanismo por trás dessa relação?

Ainda não se sabe exatamente por que a hipotensão ortástica aparentemente eleva a probabilidade de alguém enfrentar a demência. “E ainda não sabemos se a queda precoce na pressão leva à demência ou vice-versa”, disse Yuan Ma, professora assistente de epidemiologia de Harvard e principal autora do estudo, em comunicado.

“Quedas abruptas na pressão arterial durante o primeiro minuto ao ficar em pé podem induzir hipoperfusão cerebral e hipóxia, contribuindo para lesões cerebrais isquêmicas e, subsequente, demência”, sugerem os pesquisadores. Traduzindo: menos sangue chegaria ao cérebro e, consequentemente, isso reduziria o fornecimento de oxigênio e glicose para o órgão – aumentando o risco de lesões cerebrovasculares.

“O cérebro é um órgão que não vive sem sangue. É um dos poucos órgãos que suporta por muito pouco (tempo) uma diminuição do fluxo de sangue que é bombeado do coração. Por isso, é particularmente vulnerável à hipotensão postural”, ensina Claudia.

“Imagine que o cérebro é um jardim, e tenho as mangueiras, que fazem a hidratação e regam o jardim. Mangueiras menos eficientes durante um dia só não vão fazer a diferença, mas, no decorrer de uma vida, alguém vai ter uma grama verde, enquanto o outro vai ter um jardim mais ‘capenga’”, ilustra Gomes.

Como qualquer estudo, ele tem limitações. Uma delas é que as medições da pressão foram feitas numa janela que não ultrapassa três minutos. Mas a medição da hipotensão exige uma avaliação de até cinco.

Outra questão, que é importante quando se quer extrapolar resultados, é a diversidade étnica e racial. O Aric acompanha quatro comunidades norte-americanas.

Estudo brasileiro já viu ligação entre hipotensão e pior desempenho cognitivo

Porém, no Brasil, um estudo liderado por Claudia aponta em direção similar. Ele foi publicado na Journals of Gerontology, da Oxford Academics, em 2018, e mostrou uma relação entre hipotensão e a hipertensão ortostática e um pior desempenho no teste de fluência verbal.

Neste teste, por exemplo, pode ser solicitado que o paciente fale, por um determinado tempo, todos os animais que lembra e, depois, que cite palavras que comecem com a letra “F”. “Esse teste avalia várias funções cognitivas, principalmente relacionadas à linguagem, porque depende do seu vocabulário. Mas também depende da sua velocidade de processamento, do quão rápido você consegue lembrar e falar, e da sua atenção. Tem que focar naquela tarefa. É um teste simples, mas, ao mesmo tempo, que analisa vários domínios cognitivos”, explica Claudia.

E qual a relação da fluência verbal com demência? “A demência tem algumas definições. O paciente deve ter déficit cognitivo em um ou mais domínios, seja memória, linguagem, atenção, velocidade de processamento. Isso precisa estar documentado num teste, como o de fluência verbal. E o paciente tem que apresentar perda funcional”.

Para chegar a esses resultados, Claudia e seus colegas analisaram 12,8 mil pacientes que participam do Estudo Longitudinal Brasileiro de Saúde do Adulto (ELSA-Brasil). Ele acompanha funcionários de instituições públicas de seis cidades brasileiras (São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador, Rio de Janeiro e Vitória). Nenhum dos analisados tinha demência, mas isso pode ter mudado nos 10 anos após a primeira análise. Segundo a médica, refazer as análises está nos planos.

Hábitos protetores

O estudo de Harvard, no entanto, já tem dados de longo prazo e o resultado justifica uma mudança na conduta médica. Ele pede mais atenção à hipotensão postural, que pode ser silenciosa e passar despercebida.

Cabe destacar que a hipotensão é tratável, inclusive por meio de medidas simples e não medicamentosas. Confira os hábitos protetores:

  • Beber água adequadamente: pessoas idosas não sentem tanta sede e a desidratação é uma das principais causas por trás da hipotensão.
  • Não se levantar rápido: o paciente, no início, vai provavelmente ser orientado a evitar se levantar muito rápido quando deitado. O ideal seria, por exemplo, sentar primeiramente, esperar um pouco, e, então, levantar-se.
  • Dormir com em uma cabeceira um pouco elevada.
  • Praticar atividade física: o sistema cardiovascular precisa de treino, e o exercício físico vai exigir mudanças de posição. É preciso fortalecer as pernas, principalmente as panturrilhas, para ajudar no retorno venoso (a volta do sangue ao coração).
  • Pode ser necessário usar meias elásticas.

Uma dica preciosa de Yuan Ma é: “O que é bom para o coração, é bom para o cérebro.”

A ciência tem avançado no entendimento de que a regulação anormal da pressão arterial, em especial com quedas abruptas ao se levantar, está associada a um pior desempenho cognitivo e, inclusive, a um maior risco de desenvolver demência. Essa situação é clinicamente chamada de hipotensão ortostática ou postural, e é uma das principais causas de tontura em idosos. As pesquisas acendem um alerta sobre a necessidade de ficar atento aos sintomas, fazer medições em diferentes posições nos consultórios – algo que deveria ser praxe na geriatria –, além de diagnosticar e tratar precocemente.

O trabalho mais recente vem da Escola de Saúde Pública da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, e mostrou que quem teve queda expressiva na pressão arterial no primeiro minuto após se levantar apresentou um risco até 22% maior de demência em comparação com quem manteve a pressão estável.

A demência é uma síndrome causada por uma série de doenças – o Alzheimer é a principal delas –, que, ao longo do tempo, destroem as células nervosas e danificam o cérebro, geralmente levando ao declínio da função cognitiva (a capacidade de processar o pensamento), segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).

Algumas causas são reversíveis (quando ela é causada por alterações metabólicas, um trauma ou processo infeccioso), mas, em uma grande parcela dos casos, isso ainda não é possível, embora a ciência e a medicina tenham avançado no sentido de desacelerar e amenizar sintomas.

O que está por trás da tontura ao se levantar

Toda vez que mudamos de posição, o corpo precisa se adaptar para manter a mesma pressão arterial. Afinal, é mais fácil bombear o sangue quando estamos na horizontal – a gravidade dá uma boa ajuda. E a manutenção da pressão é importante justamente para que todos os tecidos e órgãos – como o cérebro – sigam recebendo a quantidade adequada de sangue, onde há oxigênio e alimento (na forma de glicose).

“O nosso corpo é calibrado. No pescoço, temos barorreceptores, que são receptores de pressão das artérias carótidas. Eles avisam ‘olha, agora a pessoa levantou, vamos dar uma subidinha (na pressão arterial) para que a pressão dela fique estável, e não caia”, descreve a geriatra Claudia Kimie Suemoto, professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), que faz parte do Advisory Council da Alzheimer’s Association International Society to Advance Alzheimer’s Research and Treatment (ISTAART).

Ter queda de pressão e sentir tontura no primeiro minuto após se levantar são sintomas que merecem ser investigados. Estudos associam essas situações a um maior risco de demência.  Foto: Krakenimages.com/Adobe Stock

Outra estratégia do organismo pode ser aumentar a frequência cardíaca. “Vai chegar um sangue ‘meia-boca’, mas vamos fazer chegar mais rápido, então, acelera o coração”, continua a médica. “Tudo isso vai manter uma coisa que a gente chama de débito cardíaco (que é o volume de sangue bombeado pelo coração em um minuto).”

Só que, em algumas situações, uma queda de pressão arterial ocorre na mudança de posição. “Isso é patológico. Nem sempre você vai sentir algo ruim, mas toda vez que ocorre, não é normal”, alerta Claudia.

Para além da tontura, outra manifestação pode ser o escurecimento visual, e, em alguns casos, o desmaio (síncope). No entanto, a condição pode ser crônica e silenciosa, de acordo com o neurocirurgião Fernando Campos Gomes, professor livre docente da disciplina de Neurocirurgia da FMUSP.

Embora seja mais comum em idosos – a principal causa de tontura entre eles –, pessoas jovens podem experienciar essa queda na pressão ao levantar. “Quando estamos desidratados ou não comemos direito”, exemplifica Claudia. É preciso deixar claro que a hipotensão não é a única causa de tontura. Questões relacionadas com o labirinto, como a labirintite, também podem levar a esse problema.

O recado principal é que tonturas ao se levantar são sinais importantes de que algo não vai bem, sobretudo se são frequentes. Diante dessa situação, é necessário buscar atendimento médico. Isso porque, além de problemas no curto prazo – como uma queda –, a hipotensão tem sido associada, em estudos, a processos de longo prazo, como a demência.

Tontura e demência

O estudo liderado pela Universidade Harvard e publicado em outubro na revista científica Hypertension, da Associação Americana do Coração, refinou e esmiuçou essa conexão. Eles descobriram que uma queda expressiva na pressão arterial no primeiro minuto após se levantar aumentou o risco de demência em até 22%. Uma queda na pressão após o primeiro minuto teve menos impacto.

“A resposta anormal da pressão arterial pode ser um fator de risco para demência ou um sintoma precoce do processo neurodegenerativo precedendo o diagnóstico de demência, dada a insidiosa instalação e a longa fase prodrômica (fase que antecede o aparecimento de sintomas de uma doença) da demência”, escreveram os autores.

Médicos brasileiros consultados pelo Estadão, que não estiveram envolvidos nesta pesquisa, apontam que ela é muito importante e traz resultados consistentes por sua robustez. Para chegar a essa conclusão, foram analisados 11,6 mil pacientes que participam do Estudo do Risco de Aterosclerose nas Comunidades (Aric, na sigla em inglês), cujo acompanhamento ocorre desde o final da década de 1980.

A média de idade dos participantes foi de 55 anos de idade no início do estudo. Cerca de um em cada cinco voluntários desenvolveu demência nas quase três décadas de análise.

Os pesquisadores também observaram uma “associação interessante”, nas palavras deles, entre grandes aumentos na pressão arterial aproximadamente dois minutos após os participantes ficarem em pé e um maior risco de demência. Outros estudos já haviam sugerido que uma hiperreatividade a esse estresse da mudança de posição poderiam ter efeitos danosos. A relação da chamada hipertensão ortástica, porém, não foi considerada estatisticamente significativa nesta pesquisa e, por isso, eles focaram na hipotensão.

Qual o mecanismo por trás dessa relação?

Ainda não se sabe exatamente por que a hipotensão ortástica aparentemente eleva a probabilidade de alguém enfrentar a demência. “E ainda não sabemos se a queda precoce na pressão leva à demência ou vice-versa”, disse Yuan Ma, professora assistente de epidemiologia de Harvard e principal autora do estudo, em comunicado.

“Quedas abruptas na pressão arterial durante o primeiro minuto ao ficar em pé podem induzir hipoperfusão cerebral e hipóxia, contribuindo para lesões cerebrais isquêmicas e, subsequente, demência”, sugerem os pesquisadores. Traduzindo: menos sangue chegaria ao cérebro e, consequentemente, isso reduziria o fornecimento de oxigênio e glicose para o órgão – aumentando o risco de lesões cerebrovasculares.

“O cérebro é um órgão que não vive sem sangue. É um dos poucos órgãos que suporta por muito pouco (tempo) uma diminuição do fluxo de sangue que é bombeado do coração. Por isso, é particularmente vulnerável à hipotensão postural”, ensina Claudia.

“Imagine que o cérebro é um jardim, e tenho as mangueiras, que fazem a hidratação e regam o jardim. Mangueiras menos eficientes durante um dia só não vão fazer a diferença, mas, no decorrer de uma vida, alguém vai ter uma grama verde, enquanto o outro vai ter um jardim mais ‘capenga’”, ilustra Gomes.

Como qualquer estudo, ele tem limitações. Uma delas é que as medições da pressão foram feitas numa janela que não ultrapassa três minutos. Mas a medição da hipotensão exige uma avaliação de até cinco.

Outra questão, que é importante quando se quer extrapolar resultados, é a diversidade étnica e racial. O Aric acompanha quatro comunidades norte-americanas.

Estudo brasileiro já viu ligação entre hipotensão e pior desempenho cognitivo

Porém, no Brasil, um estudo liderado por Claudia aponta em direção similar. Ele foi publicado na Journals of Gerontology, da Oxford Academics, em 2018, e mostrou uma relação entre hipotensão e a hipertensão ortostática e um pior desempenho no teste de fluência verbal.

Neste teste, por exemplo, pode ser solicitado que o paciente fale, por um determinado tempo, todos os animais que lembra e, depois, que cite palavras que comecem com a letra “F”. “Esse teste avalia várias funções cognitivas, principalmente relacionadas à linguagem, porque depende do seu vocabulário. Mas também depende da sua velocidade de processamento, do quão rápido você consegue lembrar e falar, e da sua atenção. Tem que focar naquela tarefa. É um teste simples, mas, ao mesmo tempo, que analisa vários domínios cognitivos”, explica Claudia.

E qual a relação da fluência verbal com demência? “A demência tem algumas definições. O paciente deve ter déficit cognitivo em um ou mais domínios, seja memória, linguagem, atenção, velocidade de processamento. Isso precisa estar documentado num teste, como o de fluência verbal. E o paciente tem que apresentar perda funcional”.

Para chegar a esses resultados, Claudia e seus colegas analisaram 12,8 mil pacientes que participam do Estudo Longitudinal Brasileiro de Saúde do Adulto (ELSA-Brasil). Ele acompanha funcionários de instituições públicas de seis cidades brasileiras (São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador, Rio de Janeiro e Vitória). Nenhum dos analisados tinha demência, mas isso pode ter mudado nos 10 anos após a primeira análise. Segundo a médica, refazer as análises está nos planos.

Hábitos protetores

O estudo de Harvard, no entanto, já tem dados de longo prazo e o resultado justifica uma mudança na conduta médica. Ele pede mais atenção à hipotensão postural, que pode ser silenciosa e passar despercebida.

Cabe destacar que a hipotensão é tratável, inclusive por meio de medidas simples e não medicamentosas. Confira os hábitos protetores:

  • Beber água adequadamente: pessoas idosas não sentem tanta sede e a desidratação é uma das principais causas por trás da hipotensão.
  • Não se levantar rápido: o paciente, no início, vai provavelmente ser orientado a evitar se levantar muito rápido quando deitado. O ideal seria, por exemplo, sentar primeiramente, esperar um pouco, e, então, levantar-se.
  • Dormir com em uma cabeceira um pouco elevada.
  • Praticar atividade física: o sistema cardiovascular precisa de treino, e o exercício físico vai exigir mudanças de posição. É preciso fortalecer as pernas, principalmente as panturrilhas, para ajudar no retorno venoso (a volta do sangue ao coração).
  • Pode ser necessário usar meias elásticas.

Uma dica preciosa de Yuan Ma é: “O que é bom para o coração, é bom para o cérebro.”

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