Uma técnica inovadora que usa vapor de água (Rezum) para tratar a hiperplasia (aumento) benigna de próstata foi usada pela primeira vez no Brasil na última quinta-feira, 22, segundo o Hospital Alemão Oswaldo Cruz. Os três pacientes foram submetidos ao procedimento não invasivo em São Paulo.
Com menos chance de “perda” da ejaculação (a chamada ejaculação retrógrada), sem os riscos do sangramento ou necessidade de internação, o Rezum é opção para quem que não quer passar pelas cirurgias tradicionais. É uma alternativa também para quem não se adaptou às medicações.
Embora tenha menos efeitos colaterais e riscos, a chance de recidiva é maior. Além disso, custa de R$ 16 mil a R$ 17 mil. Esse valor, por ora, precisa sair do bolso do paciente, pois não há cobertura dos planos de saúde.
“Cabe muito bem para o paciente que prefere fazer uma cirurgia mais simples para resolver o problema e não quer ficar tomando remédio”, afirma Carlo Passerotti, coordenador do Centro Especializado em Urologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.
O que é a hiperplasia prostática benigna?
A próstata é uma glândula que só homens têm. Fica na frente do reto, abaixo da bexiga, “abraçada” na parte superior da uretra (o canal por onde passa a urina). A função dela é produzir um líquido que compõe o sêmen, que nutre e protege os espermatozoides.
Em jovens, a próstata pesa cerca de 20 gramas e é do tamanho de uma ameixa. Com a idade, ela cresce (hiperplasia), mas isso não representa um problema em si (por isso é definida como benigna). Alguns homens são assintomáticos. Mas o quadro pode afetar a micção (ato de urinar) e, se não tratado, pode levar a complicações sérias na bexiga e nos rins.
Segundo Daniel Moser, supervisor da Disciplina de hiperplasia benigna da Sociedade Brasileira de Urologia, as repercussões mais frequentes são dificuldade para urinar; jato fraco; sensação de que a bexiga não foi totalmente esvaziada; gotejamento após “terminar o xixi”; e levantar à noite para ir ao banheiro.
A hiperplasia afeta mais da metade dos homens com mais de 50 anos, segundo o Ministério da Saúde. O apresentador de TV Raul Gil, de 85 anos, passou por uma cirurgia neste mês após diagnóstico de hiperplasia.
Conforme manual da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), disponível na biblioteca virtual da Universidade Aberta do SUS, o risco de um homem precisar tratar o aumento prostático é de 30%. Já a probabilidade de precisar do tratamento cirúrgico é de 10%.
Não é incomum que pacientes apresentem a hiperplasia e o câncer de próstata, mas os dois quadros são diferentes. “A hiperplasia acontece no meio da próstata e o câncer, na periferia. Pense na glândula como se fosse uma mexerica: o câncer acontece do lado de fora e a hiperplasia, no gomo”, explica Passerotti.
Tratamento
Seja porque os problemas aparecem gradativamente ou por medo de potenciais efeitos colaterais do tratamento, os pacientes costumam demorar para buscar diagnóstico e, assim, passam a adaptar a vida aos sintomas. “Ao comprar uma passagem de avião, o jovem escolhe a janela para ver a paisagem. Se é um homem com mais idade, e a próstata começa a dificultar (a micção), ele escolhe a cadeira no corredor para ir ao banheiro”, exemplifica Passerotti.
A demora em buscar diagnóstico e tratamento pode levar a complicações sérias na bexiga, como infecções recorrentes e surgimento de cálculo. Também pode comprometer os rins - em casos mais graves, há insuficiência renal. “A bexiga perde a contratividade e, portanto, o poder de esvaziar a urina”, afirma Moser.
Antes do Rezum, eram apresentadas duas opções ao paciente após o diagnóstico: o tratamento medicamentoso ou cirúrgico. Alguns precisam de ambos.
Segundo Passerotti, são usados dois tipos de medicação no Brasil: um relaxa a próstata para facilitar a micção, e o outro faz a próstata murchar. Os principais efeitos colaterais relatados são disfunção erétil, “perda” da ejaculação (o paciente não ejacula mais o líquido e, por isso, alguns não sentem prazer) e hipotensão postural (tontura por queda de pressão). Como não tratam a causa, os remédios podem ser necessários indefinidamente.
Já em relação à cirurgia, há vários tipos. A mais realizada no Brasil, conforme Moser, chama-se RTU da próstata. Trata-se de um procedimento minimamente invasivo e que funciona para glândulas que não chegaram a 80 gramas. Nas “maiores”, o procedimento é a prostatectomia aberta (cirurgia aberta).
“Os riscos da RTU são sangramento intraoperatório e intoxicação hídrica, quando o paciente tem absorção do fluido que é utilizado na cirurgia. Ainda podem ocorrer diminuição dos níveis de sódio na corrente sanguínea e estreitamento do canal da urina, a estenose da uretra”, acrescenta o médico. “Na cirurgia aberta, tem um problema com a incisão, que é a dor no pós-operatório e risco de perda sanguínea aumentada.”
Como é o método Rezum?
Passerotti, do Oswaldo Cruz, explica que no método Rezum, é introduzida uma câmera de vídeo pela uretra do paciente, por onde é injetada na próstata um vapor de água a mais de 100° C. Ao entrar em contato com o tecido prostático, cuja temperatura é de 36° C, provoca um equilíbrio térmico, e o tamanho da glândula é reduzido em até 48%.
O procedimento é ambulatorial (isto é, pode ser feito em consultório) e não exige internação. Leva por volta de cinco minutos e, cerca de uma hora e meia depois, o paciente já pode ir para casa.
O procedimento é indolor e não há necessidade de anestesia geral. O indivíduo precisa apenas ser sedado. Após a intervenção, ele precisa usar sonda por alguns dias e pode sentir um certo incômodo. “Há ardência depois que o paciente tira a sonda e começa a urinar. O paciente pode sentir um pouco de desconforto por causa da ‘queimadura’ [a desidratação da próstata causada pelo Rezum]. É uma área que não dá para deixar de repouso.”
Segundo o urologista do Oswaldo Cruz, o paciente pode precisar usar uma medicação por curto período de tempo para um maior alívio dos sintomas da hiperplasia. Mas, um ou dois meses depois, já pode deixar os remédios de lado.
Aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) no ano passado, o Rezum já é usado nos Estados Unidos, para pesquisa, há cerca de cinco ou seis anos, de acordo com Passerotti. Por lá, foi considerado “promissor” e um possível “ponto de inflexão” no tratamento da hiperplasia.
“O tratamento da HBP (sigla da hiperplasia benigna da próstata) sintomática pode estar atingindo um ponto de inflexão. Novos procedimentos minimamente invasivos parecem oferecer a homens adequadamente selecionados os benefícios de alívio significativo e duradouro dos sintomas e um perfil de efeitos colaterais que compete bem com a terapia médica”, escreveu Granville Lloyd, do departamento de Urologia da Escola de Medicina da Universidade do Colorado (EUA), em editorial que acompanhou a publicação de estudo sobre os testes da terapia na revista científica The Journal of Urology.
Além da rapidez do procedimento e do fato de não exigir internação, um dos grandes trunfos do Rezum é a redução do risco de ejaculação retrógrada. Segundo Passerotti, enquanto nas cirurgias esse risco ultrapassa os 90%, com a técnica que usa vapor a mesma taxa fica entre 5% e 10%.
“Ejaculação retrógrada incomoda muito o paciente, porque ele ejacula normalmente, mas o líquido não sai. E tem alguns pacientes que associam a falta do líquido à ausência de prazer”, afirma.
Outra vantagem é o baixíssimo risco de sangramento, que pode ocorrer nas cirurgias. “A probabilidade (de precisar) de transfusão é quase zero”, destaca Passerotti. Embora não haja contraindicação absoluta, em pacientes que apresentem uma próstata com mais de 80 gramas o alívio dos sintomas pode ser menor, afirma.
Desvantagens
Apesar de destacar que a técnica traz avanços importantes, Moser vê a aplicação do Rezum como uma alternativa à medicação, mas não à cirurgia. “Metade dos pacientes vai ter de refazer (o procedimento) em cinco ou seis anos.”
Além disso, segundo ele, a eficácia das cirurgias na recuperação dos parâmetros urinários (fluxo, por exemplo) é um pouco melhor. Em relação ao alívio de sintomas, os métodos se equiparam.
Conforme o estudo que baseou a aprovação da técnica, a chance de um paciente precisar repetir o procedimento em cinco anos é de 4,4%. Conforme explica Passerotti, por se tratar de terapia nova, o efeito de longo prazo ainda é incerto. Ele pondera que a necessidade de reaplicação provavelmente será “um pouco maior” do que a de outros tratamentos.
Outra desvantagem é o custo. Segundo Passerotti, o tratamento custa entre R$16 mil e R$ 17 mil. Ele afirma, porém, que o valor não difere tanto de outros métodos. O problema é que, por ser uma terapia nova, ainda não há cobertura pelos convênios particulares.
Opção para o SUS?
A inclusão do tratamento no Sistema Único de Saúde (SUS) pode ajudar a lidar com as longas filas de pacientes que aguardam cirurgia, na visão de Passerotti. “Esse tratamento vai ser extremamente importante no SUS, porque é um tratamento simples e rápido. Há uma fila no SUS de quase três a quatro anos para tratar hiperplasia, sendo que 60% dos pacientes que chegam no SUS com o problema estão sondados, ou seja, chegaram no limite.”
Moser destaca, contudo, que a possibilidade de precisar repetir o tratamento em alguns anos é um ponto a ser levado em conta. “Resolve a fila por cinco anos e, depois, vai ter a fila toda de novo”, pondera.