Criança com obesidade pode tomar remédio para emagrecer, diz entidade dos EUA; veja como é no Brasil


Nova diretriz da Associação Americana de Pediatria admite medicamento ou cirurgia, mas combinados com mudança de estilo de vida; problema afeta 3,1 milhões de crianças brasileiras menores de 10 anos

Por Leon Ferrari
Atualização:

A Associação Americana de Pediatria (AAP) atualizou, após 15 anos, suas recomendações para o tratamento de crianças e adolescentes com sobrepeso e obesidade. Embora reforce que a terapia focada em mudança de estilo de vida seja a mais eficaz, admitiu, pela primeira vez a possibilidade de intervenção combinada com medicamentos emagrecedores (a partir dos 8 anos) ou cirurgia metabólica e bariátrica (em casos de obesidade grave e pacientes com 13 anos ou mais).

O documento é divulgado no momento em que a obesidade, doença crônica, é considerada uma “epidemia”, agravada com o isolamento social imposto pela covid-19. Além disso, diz a associação, os Estados Unidos têm ambiente “cada vez mais obesogênico”, que promove o comportamento sedentário e escolhas alimentares pouco saudáveis.

No Brasil, conforme a Pesquisa Nacional de Saúde 2019, a proporção de pessoas com obesidade na população adulta, entre 2003 e 2019, mais que dobrou, passando de 12,2% para 26,8%. No ano passado, o Ministério da Saúde informou que a obesidade infantil afeta 3,1 milhões de crianças menores de 10 anos no País; e o excesso de peso, 6,4 milhões. “O Brasil curiosamente saltou da desnutrição pra obesidade. Não tivemos um intermediário”, diz Durval Damiani, chefe de Endocrinologia Pediátrica do Instituto da Criança e do Adolescente do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.

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Especialistas ouvidos pelo Estadão veem com bons olhos as novas recomendações. Destacam que o plano valida opções já feitas pelos médicos, mas que sofriam resistência, na visão deles, por causa de estigmas. Outro ponto elogiado é o documento reconhecer a obesidade como doença multifatorial, não uma escolha; e, sobretudo, um desafio não de alguns médicos especialistas, mas de todos os que atendem o público jovem.

“O que chama muito a atenção é a Sociedade de Pediatria, como um todo, discutindo algo antes visto como assunto de alguns médicos especialistas em obesidade, que eram até meio marginalizados por outros”, diz o endocrinologista Bruno Halpern, presidente da Associação Brasileira para Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (Abeso).

Damiani aponta que isso é um passo preventivo importante,. “Ninguém desenvolve a obesidade de um dia para o outro. Ele vai ganhando pesosaindo da curva de crescimento e da curva de peso.”

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“A gente tem batalhado muito para que o pediatra”, afirma ele, chame a atenção da criança ou do adolescente para a obesidade, “mesmo que esta não tenha sido a causa primária da consulta”.

Endocrinologista pediátrica do Hospital Pequeno Príncipe, de Curitiba, Julienne Carvalho diz que o tratamento de crianças depende muito dos pais e responsáveis. “O pediatra é o médico de confiança da família desde sempre. Ele tem de estar a par dessas informações novas, para que a família se sinta realmente segura em fazer um tratamento que, até então, não imaginava que fosse possível para uma criança.”

Dados da Pesquisa Nacional de Saúde do IBGE revelam que15% das crianças brasileiras, com idade entre 5 e 9 anos, são obesas Foto: Heacphotos/ Creative Commons
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Avaliação

Apesar de reconhecer limitações do método, a associação americana destaca o índice de massa corporal (IMC) - razão entre a massa em quilogramas pelo quadrado da altura em metros - como medida de avaliação útil para identificar clinicamente sobrepeso e obesidade. O sobrepeso é o IMC igual ou superior ao percentil 85 e abaixo do percentil 95 para crianças e adolescentes da mesma idade e sexo. Já a obesidade, IMC igual ou superior ao percentil 95.

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Além de ressaltar que as duas condições têm fatores genéticos, fisiológicos, socioeconômicos e ambientais, a associação destaca que elas afetam desproporcionalmente crianças pobres e imigrantes. Além disso, crianças e adolescentes com esses diagnósticos têm maior prevalência de comorbidades (como hipertensão e problemas respiratórios) e risco de obesidade na vida adulta e morte prematura.

Tratamento

A Associação de Pediatria frisa que o Tratamento Intensivo de Comportamento de Saúde e Estilo de Vida é a abordagem com mais evidências científicas de alta qualidade. A estratégia envolve mudar hábitos do paciente e da família, facilitando a alimentação mais saudável e estimulando a atividade física.

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Pela primeira vez, porém, a associação reconheceu a possibilidade de intervenção com medicamentos emagrecedores ou cirurgia bariátrica. O documento não fala em tratar todos dessa forma - destaca que esses devem ser tratamentos combinados com estratégias de mudança de hábitos.

“Inclusive porque a efetividade do tratamento medicamentoso ou mesmo da cirurgia bariátrica é muito baixo a médio e longo prazo se não houver mudança de estilo de vida”, diz Raphael Liberatore, professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP.

Segundo Damiani, remédios e cirurgia são cogitados apenas quando a mudar o comportamento, sozinho, não apresenta resultados. “Primeiro é a conscientização. Mas, se a criança está hipertensa, com problema metabólico, a glicemia está meio alta, há problemas reais. Não estamos falando de estética: ela não está saudável com essa obesidade. Então começamos a ter opções medicamentosas.”

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Os médicos comentam que, em alguns casos, os benefícios dos medicamentos ou cirurgia superam os riscos. Nesse sentido, a diretriz da sociedade de pediatras vem para dar validade a opções já adotadas pelos profissionais há alguns anos. Damiani conta que sua equipe foi pioneira em cirurgia bariátrica em adolescentes no País e, em 2007, operaram uma paciente de 15 anos. “Ela tinha de andar com o apoio dos pais do lado, como se fossem muleta. Não ia mais pra escola.”

“Você não imagina o quanto caíram em cima da gente, dizendo que éramos loucos de operar uma criança com 15 anos. Depois foi ficando mais comum. Levamos todas as pancadas possíveis, mas é um projeto extremamente bem-sucedido. Nunca perdemos um paciente e tivemos resultados espetaculares”, afirma.

“Chocou o mundo (a indicação de remédio ou cirurgia) porque as pessoas têm preconceito com obesidade. Existe ainda a visão antiquada e preconceituosa de que a obesidade é uma escolha e que é só somente relacionada a maus hábitos de vida”, diz Halpern, da Associação Brasileira para Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica.

“Sem levar em consideração que há duas pessoas que vivem exatamente no mesmo ambiente, irmãos por exemplo, que um tem obesidade grave e o outro, peso normal. Sem levar em consideração que há pessoas com obesidade que são altamente ativas fisicamente, têm bons padrões de alimentação”, afirma.

Estudantes americanos em bufê de saladas para o almoço, em escola do Colorado; tratamento da obesidade tem, como abordagem fundamental, a mudança de estilo de vida, com foco na alimentação e em exercício físico. Foto: Rick Wilking/Reuters

No documento, a AAP destaca que a farmacoterapia pode ser prescrita para crianças a partir dos 8 anos em “condições específicas”, após avaliação de risco e benefício, embora frise que não haja amplo escopo de evidências para o uso desses medicamentos em pacientes menores de 12 anos.

Durval Damiani destaca que essa questão da faixa etária esbarra nos estudos clínicos, que custam caro e servem para que uma farmacêutica receba autorização para oferecer a solução ao público. “Por exemplo, uma droga para colesterol alto: o laboratório vai fazer o teste principalmente em adultos e eventualmente em adolescentes. Eles não têm muito interesse em fazer em criança. Porque a grande venda de remédio vai ser para adulto mesmo”, afirma.

“Então, o laboratório desenha um estudo com a faixa partir dos 12 anos e quando submete a uma agência reguladora, vai se basear nisso, esse medicamento foi testado a partir dos 12 anos, o que não quer dizer necessariamente que ele não possa ser usado em idades menores”, diz.

Os médicos afirmam que os remédios aprovados para uso no público pediátrico são de baixo risco, com alguns relatos de problema de tolerabilidade, como enjoo e náusea.

Em relação à bariátrica, a recomendação é de cirurgia para crianças com 13 anos ou mais com obesidade considerada grave. Halpern explica que a intervenção cirúrgica é encarada como recurso para caso grave porque é um “procedimento para o resto da vida”. “Muda a anatomia do estômago e temos de evitar o máximo fazer coisas em crianças e adolescentes que terão impacto na anatomia do corpo para o resto da vida.”

Outro ponto de atenção, diz, Liberatore, é a absorção menor de nutrientes e sais minerais após a cirurgia. “Numa época em que tanto o crescimento quanto o desenvolvimento de puberdade são muito dependentes da nutrição adequada.” Antes de recomendar a execução do procedimento para um paciente mais jovem, além dessas ressalvas, os médicos também avaliam os possíveis impactos psicológicos.

Brasil

Julienne Carvalho diz que há alguns medicamentos aprovados por bula para tratar crianças com obesidade. “A linha mais moderna são medicamentos chamados análogos de GLP-1, que são de alto custo e há aprovação para adolescentes acima de 12 anos de idade, inclusive no Brasil.”

Em 2012, o Ministério da Saúde reduziu de 18 para 16 anos a idade mínima elegível para bariátrica no Sistema Único de Saúde (SUS), desde que o paciente corra risco de saúde. Julienne explica que, em casos em que o médico não vê outra solução, ocorre judicialização na tentativa de conseguir aval para cirurgia em pacientes mais novos. “Há muita dificuldade em relação à cirurgia bariátrica para crianças e adolescentes no Brasil”, diz.

“Pensando que é uma doença com repercussões graves mesmo à saúde do indivíduo, deveria ser um pouco mais fácil o acesso de pacientes que realmente têm indicação de fazer a bariátrica. Tanto para aqueles que têm mais que 16 anos que, mesmo com respaldo da lei, o acesso também não é fácil, quanto para casos especiais de pacientes que ainda não têm 16 anos”, afirma.

Julienne acrescenta que, no caso de processo judicial, “se perde muito tempo, porque essas avaliações nunca são muito rápidas”. “É uma situação muito preocupante que uma criança com 8, 9, 10 anos, em estado grave, tenha que, teoricamente, pela lei, que aguardar mais 5 ou 6 anos para um tratamento. Pode ser que essa criança não esteja viva daqui a cinco ou seis anos.”

O Estadão entrou em contato com o Ministério da Saúde e questionou quais eram as recomendações para tratamento de obesidade infantil e os planos de atualizações. A pasta informou que o SUS “oferece assistência integral às pessoas com sobrepeso e obesidade, com atividades preventivas de vigilância alimentar, acompanhamento nutricional, além de assistência clínica e cirúrgica, como cirurgia bariátrica e reparadora para correção do excesso de pele”.

Prevenção

Para Damiani, a prevenção é a a arma fundamental no combate a “epidemia”. “Onde essa prevenção tem de ser fortemente estimulada? Evidentemente, na família e na chamada família estendida, onde a escola exerce papel fundamental”, defende. “As pessoas precisam prestar atenção no peso dos filhos. Ir ao pediatra e cobrar eventualmente: ‘Doutor, como está o meu filho? Está crescendo bem? O peso está adequado para a altura?’”

“A indústria está oferecendo cada vez mais produtoscalóricos, mais saborosos, mais gostosos de comer, e as pessoas comendo à vontade e ganhando peso, com mais inatividade. A tendência é continuar aumentando (a prevalência), o que é trágico”, alerta.

A Associação Americana de Pediatria (AAP) atualizou, após 15 anos, suas recomendações para o tratamento de crianças e adolescentes com sobrepeso e obesidade. Embora reforce que a terapia focada em mudança de estilo de vida seja a mais eficaz, admitiu, pela primeira vez a possibilidade de intervenção combinada com medicamentos emagrecedores (a partir dos 8 anos) ou cirurgia metabólica e bariátrica (em casos de obesidade grave e pacientes com 13 anos ou mais).

O documento é divulgado no momento em que a obesidade, doença crônica, é considerada uma “epidemia”, agravada com o isolamento social imposto pela covid-19. Além disso, diz a associação, os Estados Unidos têm ambiente “cada vez mais obesogênico”, que promove o comportamento sedentário e escolhas alimentares pouco saudáveis.

No Brasil, conforme a Pesquisa Nacional de Saúde 2019, a proporção de pessoas com obesidade na população adulta, entre 2003 e 2019, mais que dobrou, passando de 12,2% para 26,8%. No ano passado, o Ministério da Saúde informou que a obesidade infantil afeta 3,1 milhões de crianças menores de 10 anos no País; e o excesso de peso, 6,4 milhões. “O Brasil curiosamente saltou da desnutrição pra obesidade. Não tivemos um intermediário”, diz Durval Damiani, chefe de Endocrinologia Pediátrica do Instituto da Criança e do Adolescente do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.

Especialistas ouvidos pelo Estadão veem com bons olhos as novas recomendações. Destacam que o plano valida opções já feitas pelos médicos, mas que sofriam resistência, na visão deles, por causa de estigmas. Outro ponto elogiado é o documento reconhecer a obesidade como doença multifatorial, não uma escolha; e, sobretudo, um desafio não de alguns médicos especialistas, mas de todos os que atendem o público jovem.

“O que chama muito a atenção é a Sociedade de Pediatria, como um todo, discutindo algo antes visto como assunto de alguns médicos especialistas em obesidade, que eram até meio marginalizados por outros”, diz o endocrinologista Bruno Halpern, presidente da Associação Brasileira para Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (Abeso).

Damiani aponta que isso é um passo preventivo importante,. “Ninguém desenvolve a obesidade de um dia para o outro. Ele vai ganhando pesosaindo da curva de crescimento e da curva de peso.”

“A gente tem batalhado muito para que o pediatra”, afirma ele, chame a atenção da criança ou do adolescente para a obesidade, “mesmo que esta não tenha sido a causa primária da consulta”.

Endocrinologista pediátrica do Hospital Pequeno Príncipe, de Curitiba, Julienne Carvalho diz que o tratamento de crianças depende muito dos pais e responsáveis. “O pediatra é o médico de confiança da família desde sempre. Ele tem de estar a par dessas informações novas, para que a família se sinta realmente segura em fazer um tratamento que, até então, não imaginava que fosse possível para uma criança.”

Dados da Pesquisa Nacional de Saúde do IBGE revelam que15% das crianças brasileiras, com idade entre 5 e 9 anos, são obesas Foto: Heacphotos/ Creative Commons

Avaliação

Apesar de reconhecer limitações do método, a associação americana destaca o índice de massa corporal (IMC) - razão entre a massa em quilogramas pelo quadrado da altura em metros - como medida de avaliação útil para identificar clinicamente sobrepeso e obesidade. O sobrepeso é o IMC igual ou superior ao percentil 85 e abaixo do percentil 95 para crianças e adolescentes da mesma idade e sexo. Já a obesidade, IMC igual ou superior ao percentil 95.

Além de ressaltar que as duas condições têm fatores genéticos, fisiológicos, socioeconômicos e ambientais, a associação destaca que elas afetam desproporcionalmente crianças pobres e imigrantes. Além disso, crianças e adolescentes com esses diagnósticos têm maior prevalência de comorbidades (como hipertensão e problemas respiratórios) e risco de obesidade na vida adulta e morte prematura.

Tratamento

A Associação de Pediatria frisa que o Tratamento Intensivo de Comportamento de Saúde e Estilo de Vida é a abordagem com mais evidências científicas de alta qualidade. A estratégia envolve mudar hábitos do paciente e da família, facilitando a alimentação mais saudável e estimulando a atividade física.

Pela primeira vez, porém, a associação reconheceu a possibilidade de intervenção com medicamentos emagrecedores ou cirurgia bariátrica. O documento não fala em tratar todos dessa forma - destaca que esses devem ser tratamentos combinados com estratégias de mudança de hábitos.

“Inclusive porque a efetividade do tratamento medicamentoso ou mesmo da cirurgia bariátrica é muito baixo a médio e longo prazo se não houver mudança de estilo de vida”, diz Raphael Liberatore, professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP.

Segundo Damiani, remédios e cirurgia são cogitados apenas quando a mudar o comportamento, sozinho, não apresenta resultados. “Primeiro é a conscientização. Mas, se a criança está hipertensa, com problema metabólico, a glicemia está meio alta, há problemas reais. Não estamos falando de estética: ela não está saudável com essa obesidade. Então começamos a ter opções medicamentosas.”

Os médicos comentam que, em alguns casos, os benefícios dos medicamentos ou cirurgia superam os riscos. Nesse sentido, a diretriz da sociedade de pediatras vem para dar validade a opções já adotadas pelos profissionais há alguns anos. Damiani conta que sua equipe foi pioneira em cirurgia bariátrica em adolescentes no País e, em 2007, operaram uma paciente de 15 anos. “Ela tinha de andar com o apoio dos pais do lado, como se fossem muleta. Não ia mais pra escola.”

“Você não imagina o quanto caíram em cima da gente, dizendo que éramos loucos de operar uma criança com 15 anos. Depois foi ficando mais comum. Levamos todas as pancadas possíveis, mas é um projeto extremamente bem-sucedido. Nunca perdemos um paciente e tivemos resultados espetaculares”, afirma.

“Chocou o mundo (a indicação de remédio ou cirurgia) porque as pessoas têm preconceito com obesidade. Existe ainda a visão antiquada e preconceituosa de que a obesidade é uma escolha e que é só somente relacionada a maus hábitos de vida”, diz Halpern, da Associação Brasileira para Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica.

“Sem levar em consideração que há duas pessoas que vivem exatamente no mesmo ambiente, irmãos por exemplo, que um tem obesidade grave e o outro, peso normal. Sem levar em consideração que há pessoas com obesidade que são altamente ativas fisicamente, têm bons padrões de alimentação”, afirma.

Estudantes americanos em bufê de saladas para o almoço, em escola do Colorado; tratamento da obesidade tem, como abordagem fundamental, a mudança de estilo de vida, com foco na alimentação e em exercício físico. Foto: Rick Wilking/Reuters

No documento, a AAP destaca que a farmacoterapia pode ser prescrita para crianças a partir dos 8 anos em “condições específicas”, após avaliação de risco e benefício, embora frise que não haja amplo escopo de evidências para o uso desses medicamentos em pacientes menores de 12 anos.

Durval Damiani destaca que essa questão da faixa etária esbarra nos estudos clínicos, que custam caro e servem para que uma farmacêutica receba autorização para oferecer a solução ao público. “Por exemplo, uma droga para colesterol alto: o laboratório vai fazer o teste principalmente em adultos e eventualmente em adolescentes. Eles não têm muito interesse em fazer em criança. Porque a grande venda de remédio vai ser para adulto mesmo”, afirma.

“Então, o laboratório desenha um estudo com a faixa partir dos 12 anos e quando submete a uma agência reguladora, vai se basear nisso, esse medicamento foi testado a partir dos 12 anos, o que não quer dizer necessariamente que ele não possa ser usado em idades menores”, diz.

Os médicos afirmam que os remédios aprovados para uso no público pediátrico são de baixo risco, com alguns relatos de problema de tolerabilidade, como enjoo e náusea.

Em relação à bariátrica, a recomendação é de cirurgia para crianças com 13 anos ou mais com obesidade considerada grave. Halpern explica que a intervenção cirúrgica é encarada como recurso para caso grave porque é um “procedimento para o resto da vida”. “Muda a anatomia do estômago e temos de evitar o máximo fazer coisas em crianças e adolescentes que terão impacto na anatomia do corpo para o resto da vida.”

Outro ponto de atenção, diz, Liberatore, é a absorção menor de nutrientes e sais minerais após a cirurgia. “Numa época em que tanto o crescimento quanto o desenvolvimento de puberdade são muito dependentes da nutrição adequada.” Antes de recomendar a execução do procedimento para um paciente mais jovem, além dessas ressalvas, os médicos também avaliam os possíveis impactos psicológicos.

Brasil

Julienne Carvalho diz que há alguns medicamentos aprovados por bula para tratar crianças com obesidade. “A linha mais moderna são medicamentos chamados análogos de GLP-1, que são de alto custo e há aprovação para adolescentes acima de 12 anos de idade, inclusive no Brasil.”

Em 2012, o Ministério da Saúde reduziu de 18 para 16 anos a idade mínima elegível para bariátrica no Sistema Único de Saúde (SUS), desde que o paciente corra risco de saúde. Julienne explica que, em casos em que o médico não vê outra solução, ocorre judicialização na tentativa de conseguir aval para cirurgia em pacientes mais novos. “Há muita dificuldade em relação à cirurgia bariátrica para crianças e adolescentes no Brasil”, diz.

“Pensando que é uma doença com repercussões graves mesmo à saúde do indivíduo, deveria ser um pouco mais fácil o acesso de pacientes que realmente têm indicação de fazer a bariátrica. Tanto para aqueles que têm mais que 16 anos que, mesmo com respaldo da lei, o acesso também não é fácil, quanto para casos especiais de pacientes que ainda não têm 16 anos”, afirma.

Julienne acrescenta que, no caso de processo judicial, “se perde muito tempo, porque essas avaliações nunca são muito rápidas”. “É uma situação muito preocupante que uma criança com 8, 9, 10 anos, em estado grave, tenha que, teoricamente, pela lei, que aguardar mais 5 ou 6 anos para um tratamento. Pode ser que essa criança não esteja viva daqui a cinco ou seis anos.”

O Estadão entrou em contato com o Ministério da Saúde e questionou quais eram as recomendações para tratamento de obesidade infantil e os planos de atualizações. A pasta informou que o SUS “oferece assistência integral às pessoas com sobrepeso e obesidade, com atividades preventivas de vigilância alimentar, acompanhamento nutricional, além de assistência clínica e cirúrgica, como cirurgia bariátrica e reparadora para correção do excesso de pele”.

Prevenção

Para Damiani, a prevenção é a a arma fundamental no combate a “epidemia”. “Onde essa prevenção tem de ser fortemente estimulada? Evidentemente, na família e na chamada família estendida, onde a escola exerce papel fundamental”, defende. “As pessoas precisam prestar atenção no peso dos filhos. Ir ao pediatra e cobrar eventualmente: ‘Doutor, como está o meu filho? Está crescendo bem? O peso está adequado para a altura?’”

“A indústria está oferecendo cada vez mais produtoscalóricos, mais saborosos, mais gostosos de comer, e as pessoas comendo à vontade e ganhando peso, com mais inatividade. A tendência é continuar aumentando (a prevalência), o que é trágico”, alerta.

A Associação Americana de Pediatria (AAP) atualizou, após 15 anos, suas recomendações para o tratamento de crianças e adolescentes com sobrepeso e obesidade. Embora reforce que a terapia focada em mudança de estilo de vida seja a mais eficaz, admitiu, pela primeira vez a possibilidade de intervenção combinada com medicamentos emagrecedores (a partir dos 8 anos) ou cirurgia metabólica e bariátrica (em casos de obesidade grave e pacientes com 13 anos ou mais).

O documento é divulgado no momento em que a obesidade, doença crônica, é considerada uma “epidemia”, agravada com o isolamento social imposto pela covid-19. Além disso, diz a associação, os Estados Unidos têm ambiente “cada vez mais obesogênico”, que promove o comportamento sedentário e escolhas alimentares pouco saudáveis.

No Brasil, conforme a Pesquisa Nacional de Saúde 2019, a proporção de pessoas com obesidade na população adulta, entre 2003 e 2019, mais que dobrou, passando de 12,2% para 26,8%. No ano passado, o Ministério da Saúde informou que a obesidade infantil afeta 3,1 milhões de crianças menores de 10 anos no País; e o excesso de peso, 6,4 milhões. “O Brasil curiosamente saltou da desnutrição pra obesidade. Não tivemos um intermediário”, diz Durval Damiani, chefe de Endocrinologia Pediátrica do Instituto da Criança e do Adolescente do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.

Especialistas ouvidos pelo Estadão veem com bons olhos as novas recomendações. Destacam que o plano valida opções já feitas pelos médicos, mas que sofriam resistência, na visão deles, por causa de estigmas. Outro ponto elogiado é o documento reconhecer a obesidade como doença multifatorial, não uma escolha; e, sobretudo, um desafio não de alguns médicos especialistas, mas de todos os que atendem o público jovem.

“O que chama muito a atenção é a Sociedade de Pediatria, como um todo, discutindo algo antes visto como assunto de alguns médicos especialistas em obesidade, que eram até meio marginalizados por outros”, diz o endocrinologista Bruno Halpern, presidente da Associação Brasileira para Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (Abeso).

Damiani aponta que isso é um passo preventivo importante,. “Ninguém desenvolve a obesidade de um dia para o outro. Ele vai ganhando pesosaindo da curva de crescimento e da curva de peso.”

“A gente tem batalhado muito para que o pediatra”, afirma ele, chame a atenção da criança ou do adolescente para a obesidade, “mesmo que esta não tenha sido a causa primária da consulta”.

Endocrinologista pediátrica do Hospital Pequeno Príncipe, de Curitiba, Julienne Carvalho diz que o tratamento de crianças depende muito dos pais e responsáveis. “O pediatra é o médico de confiança da família desde sempre. Ele tem de estar a par dessas informações novas, para que a família se sinta realmente segura em fazer um tratamento que, até então, não imaginava que fosse possível para uma criança.”

Dados da Pesquisa Nacional de Saúde do IBGE revelam que15% das crianças brasileiras, com idade entre 5 e 9 anos, são obesas Foto: Heacphotos/ Creative Commons

Avaliação

Apesar de reconhecer limitações do método, a associação americana destaca o índice de massa corporal (IMC) - razão entre a massa em quilogramas pelo quadrado da altura em metros - como medida de avaliação útil para identificar clinicamente sobrepeso e obesidade. O sobrepeso é o IMC igual ou superior ao percentil 85 e abaixo do percentil 95 para crianças e adolescentes da mesma idade e sexo. Já a obesidade, IMC igual ou superior ao percentil 95.

Além de ressaltar que as duas condições têm fatores genéticos, fisiológicos, socioeconômicos e ambientais, a associação destaca que elas afetam desproporcionalmente crianças pobres e imigrantes. Além disso, crianças e adolescentes com esses diagnósticos têm maior prevalência de comorbidades (como hipertensão e problemas respiratórios) e risco de obesidade na vida adulta e morte prematura.

Tratamento

A Associação de Pediatria frisa que o Tratamento Intensivo de Comportamento de Saúde e Estilo de Vida é a abordagem com mais evidências científicas de alta qualidade. A estratégia envolve mudar hábitos do paciente e da família, facilitando a alimentação mais saudável e estimulando a atividade física.

Pela primeira vez, porém, a associação reconheceu a possibilidade de intervenção com medicamentos emagrecedores ou cirurgia bariátrica. O documento não fala em tratar todos dessa forma - destaca que esses devem ser tratamentos combinados com estratégias de mudança de hábitos.

“Inclusive porque a efetividade do tratamento medicamentoso ou mesmo da cirurgia bariátrica é muito baixo a médio e longo prazo se não houver mudança de estilo de vida”, diz Raphael Liberatore, professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP.

Segundo Damiani, remédios e cirurgia são cogitados apenas quando a mudar o comportamento, sozinho, não apresenta resultados. “Primeiro é a conscientização. Mas, se a criança está hipertensa, com problema metabólico, a glicemia está meio alta, há problemas reais. Não estamos falando de estética: ela não está saudável com essa obesidade. Então começamos a ter opções medicamentosas.”

Os médicos comentam que, em alguns casos, os benefícios dos medicamentos ou cirurgia superam os riscos. Nesse sentido, a diretriz da sociedade de pediatras vem para dar validade a opções já adotadas pelos profissionais há alguns anos. Damiani conta que sua equipe foi pioneira em cirurgia bariátrica em adolescentes no País e, em 2007, operaram uma paciente de 15 anos. “Ela tinha de andar com o apoio dos pais do lado, como se fossem muleta. Não ia mais pra escola.”

“Você não imagina o quanto caíram em cima da gente, dizendo que éramos loucos de operar uma criança com 15 anos. Depois foi ficando mais comum. Levamos todas as pancadas possíveis, mas é um projeto extremamente bem-sucedido. Nunca perdemos um paciente e tivemos resultados espetaculares”, afirma.

“Chocou o mundo (a indicação de remédio ou cirurgia) porque as pessoas têm preconceito com obesidade. Existe ainda a visão antiquada e preconceituosa de que a obesidade é uma escolha e que é só somente relacionada a maus hábitos de vida”, diz Halpern, da Associação Brasileira para Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica.

“Sem levar em consideração que há duas pessoas que vivem exatamente no mesmo ambiente, irmãos por exemplo, que um tem obesidade grave e o outro, peso normal. Sem levar em consideração que há pessoas com obesidade que são altamente ativas fisicamente, têm bons padrões de alimentação”, afirma.

Estudantes americanos em bufê de saladas para o almoço, em escola do Colorado; tratamento da obesidade tem, como abordagem fundamental, a mudança de estilo de vida, com foco na alimentação e em exercício físico. Foto: Rick Wilking/Reuters

No documento, a AAP destaca que a farmacoterapia pode ser prescrita para crianças a partir dos 8 anos em “condições específicas”, após avaliação de risco e benefício, embora frise que não haja amplo escopo de evidências para o uso desses medicamentos em pacientes menores de 12 anos.

Durval Damiani destaca que essa questão da faixa etária esbarra nos estudos clínicos, que custam caro e servem para que uma farmacêutica receba autorização para oferecer a solução ao público. “Por exemplo, uma droga para colesterol alto: o laboratório vai fazer o teste principalmente em adultos e eventualmente em adolescentes. Eles não têm muito interesse em fazer em criança. Porque a grande venda de remédio vai ser para adulto mesmo”, afirma.

“Então, o laboratório desenha um estudo com a faixa partir dos 12 anos e quando submete a uma agência reguladora, vai se basear nisso, esse medicamento foi testado a partir dos 12 anos, o que não quer dizer necessariamente que ele não possa ser usado em idades menores”, diz.

Os médicos afirmam que os remédios aprovados para uso no público pediátrico são de baixo risco, com alguns relatos de problema de tolerabilidade, como enjoo e náusea.

Em relação à bariátrica, a recomendação é de cirurgia para crianças com 13 anos ou mais com obesidade considerada grave. Halpern explica que a intervenção cirúrgica é encarada como recurso para caso grave porque é um “procedimento para o resto da vida”. “Muda a anatomia do estômago e temos de evitar o máximo fazer coisas em crianças e adolescentes que terão impacto na anatomia do corpo para o resto da vida.”

Outro ponto de atenção, diz, Liberatore, é a absorção menor de nutrientes e sais minerais após a cirurgia. “Numa época em que tanto o crescimento quanto o desenvolvimento de puberdade são muito dependentes da nutrição adequada.” Antes de recomendar a execução do procedimento para um paciente mais jovem, além dessas ressalvas, os médicos também avaliam os possíveis impactos psicológicos.

Brasil

Julienne Carvalho diz que há alguns medicamentos aprovados por bula para tratar crianças com obesidade. “A linha mais moderna são medicamentos chamados análogos de GLP-1, que são de alto custo e há aprovação para adolescentes acima de 12 anos de idade, inclusive no Brasil.”

Em 2012, o Ministério da Saúde reduziu de 18 para 16 anos a idade mínima elegível para bariátrica no Sistema Único de Saúde (SUS), desde que o paciente corra risco de saúde. Julienne explica que, em casos em que o médico não vê outra solução, ocorre judicialização na tentativa de conseguir aval para cirurgia em pacientes mais novos. “Há muita dificuldade em relação à cirurgia bariátrica para crianças e adolescentes no Brasil”, diz.

“Pensando que é uma doença com repercussões graves mesmo à saúde do indivíduo, deveria ser um pouco mais fácil o acesso de pacientes que realmente têm indicação de fazer a bariátrica. Tanto para aqueles que têm mais que 16 anos que, mesmo com respaldo da lei, o acesso também não é fácil, quanto para casos especiais de pacientes que ainda não têm 16 anos”, afirma.

Julienne acrescenta que, no caso de processo judicial, “se perde muito tempo, porque essas avaliações nunca são muito rápidas”. “É uma situação muito preocupante que uma criança com 8, 9, 10 anos, em estado grave, tenha que, teoricamente, pela lei, que aguardar mais 5 ou 6 anos para um tratamento. Pode ser que essa criança não esteja viva daqui a cinco ou seis anos.”

O Estadão entrou em contato com o Ministério da Saúde e questionou quais eram as recomendações para tratamento de obesidade infantil e os planos de atualizações. A pasta informou que o SUS “oferece assistência integral às pessoas com sobrepeso e obesidade, com atividades preventivas de vigilância alimentar, acompanhamento nutricional, além de assistência clínica e cirúrgica, como cirurgia bariátrica e reparadora para correção do excesso de pele”.

Prevenção

Para Damiani, a prevenção é a a arma fundamental no combate a “epidemia”. “Onde essa prevenção tem de ser fortemente estimulada? Evidentemente, na família e na chamada família estendida, onde a escola exerce papel fundamental”, defende. “As pessoas precisam prestar atenção no peso dos filhos. Ir ao pediatra e cobrar eventualmente: ‘Doutor, como está o meu filho? Está crescendo bem? O peso está adequado para a altura?’”

“A indústria está oferecendo cada vez mais produtoscalóricos, mais saborosos, mais gostosos de comer, e as pessoas comendo à vontade e ganhando peso, com mais inatividade. A tendência é continuar aumentando (a prevalência), o que é trágico”, alerta.

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