Ao menos 43 sindicâncias foram abertas por conselhos regionais de medicina do País para investigar médicos suspeitos de cometer infrações éticas ao prescrever ou divulgar o suposto tratamento precoce contra a covid ou outras terapias que já se mostraram ineficazes contra a doença.
Defendidas pelo presidente Jair Bolsonaro, drogas como a hidroxicloroquina e a ivermectina seguem sendo prescritas mesmo após estudos clínicos apontarem que elas não funcionam para a covid e autoridades de saúde como a Organização Mundial da Saúde (OMS) desaconselharem seu uso.
Embora a prescrição de remédios do chamado kit covid tenha o aval do Conselho Federal de Medicina (CFM), que defende o argumento da autonomia médica, os profissionais podem ser punidos se divulgarem as drogas como garantia de cura ou se o tratamento causar efeitos colaterais aos pacientes.
Ao menos quatro CRMs já investigam casos do tipo, segundo levantamento feito pelo Estadão com os 27 conselhos, órgãos responsáveis por fiscalizar o exercício da profissão.
Três deles informaram o número total de sindicâncias abertas. São Paulo investiga 25 casos. No Rio Grande do Sul, são dez registros. Na Bahia, outras oito. Ao menos em dois casos (um em SP e outro na Bahia), os médicos investigados já sofreram uma interdição cautelar, ou seja, tiveram sua licença para exercer a medicina suspensa temporariamente.
No Rio Grande do Sul, quatro dos casos investigados tornaram-se públicos: dois referem-se a médicos que usaram a nebulização com cloroquina. Os episódios ocorreram nos municípios de Camaquã e Alecrim.
Um terceiro caso é de um profissional de São Gabriel que divulgou vídeo em que apresentava a droga flutamida, usada no tratamento do câncer de próstata, como cura da covid. O quarto procedimento também investiga um médico que vem publicando em suas redes sociais supostos protocolos de "tratamento precoce".
O conselho do Paraná também afirmou apurar possíveis irregularidades na indicação de falsos tratamentos, mas não informou o número total de procedimentos abertos. O órgão disse que não há sindicâncias abertas de casos em que o tratamento prescrito tenha causado danos, mas que apura possíveis infrações na publicidade médica de terapias para a covid.
Outros cinco CRMs (Alagoas, Espírito Santo, Goiás, Rio de Janeiro e Tocantins) disseram não ter nenhuma sindicância aberta sobre o tema. Os demais conselhos não responderam.
O número de possíveis infrações cometidas pode ser ainda maior já que, entre os médicos adeptos do "tratamento precoce", há inúmeras postagens apresentando a terapia como cura garantida, o que é vetado pelo CFM.
Segundo Edoardo Vattimo, coordenador de comunicação do Cremesp, a maioria das sindicâncias abertas no conselho tem como alvo médicos que fizeram propagandas indevidas do suposto tratamento precoce contra a covid. "A prescrição desses remédios não leva a sindicância porque o parecer do CFM diz que isso é permitido. O que a gente investiga são situações em que são feitas promessas de resultados, garantia de cura, sensacionalismo", explica ele.
Há também casos mais raros como o de uma médica que foi proibida temporariamente de exercer a medicina por estar prescrevendo um suposto soro que curava a covid. A interdição dura até que o caso seja investigado e julgado pelo conselho.
Vattimo explica que a fase de sindicância é o período de investigação preliminar e coleta dos depoimentos das partes envolvidas. Só depois dessa apuração é que o conselho decide se arquiva a denúncia ou se a transforma em um processo ético disciplinar, que pode levar a punições que variam de uma advertência à cassação do registro do médico.