Uma revolução está em curso na medicina. O uso de dados e de inteligência artificial, por meio da medicina de precisão, já tem garantido respostas eficazes em diversas especialidades, com exames e tratamentos disponíveis aos pacientes em centros de excelência. Com base na análise dos dados genéticos ou de imagem de cada indivíduo, além de outros determinantes, como estilo de vida e o ambiente em que a pessoa está inserida, a medicina de precisão se tornou realidade palpável na oncologia e na hematologia, e tem mostrado cada vez mais seu potencial em áreas como cardiologia, neurologia, psiquiatria e reumatologia, ajudando, por exemplo, a identificar o risco de desenvolvimento de doenças, de cardiopatias a Alzheimer.
“Com um crescimento no volume de dados sobre o indivíduo e sobre a coletividade, e com o sequenciamento genético, começamos a olhar o indivíduo com uma lupa. Isto é, a pessoa não é só um adulto de 50 anos. Sabemos que seu pai e sua mãe têm determinadas doenças, que ela vive em um ambiente específico e tem um estilo de vida próprio e tem um mapa genético com certas características”, observa Eliézer Silva, diretor do Sistema de Saúde do Einstein.
Esse compilado de informações contribui não só para a personalização do tratamento, como para a predição e a prevenção de doenças – pilares que, junto com a participação do paciente e seu engajamento no próprio cuidado, formam a base da medicina de precisão.
“Quando falamos em saúde, há muitos dados disponíveis. E, quanto mais mergulhamos nesses dados, mais temos aprendido em relação a doenças, desfechos. Ao usar esse conjunto de dados para a prevenção e o tratamento, estamos falando de medicina personalizada”, afirma Miguel Cendoroglo Neto, diretor médico e de Serviços Hospitalares do Einstein.
Exames detectam doenças com antecedência, potencializando prevenção e tratamento
Para quem já tem um diagnóstico, especialmente quando se fala de câncer, a investigação genética abre uma “cartela” de informações adicionais que ajudam a definir, por exemplo, o medicamento mais indicado para cada etapa do tratamento, considerando quais podem garantir uma melhor resposta e de forma menos tóxica. “Nos anos 80 e 90, um tumor de pulmão tinha o mesmo tratamento em todos os casos. Hoje há dezenas de medicamentos para tumores em diferentes fases de desenvolvimento, e são vários os remédios para cada tipo de tumor”, pontua Silva.
Fernando Moura, gerente médico do Programa de Medicina de Precisão do Einstein, explica que, com um olhar para o sequenciamento genético, é possível saber onde está a alteração no DNA que levou ao desenvolvimento de uma determinada condição. “E então, em vez de propor um tratamento único para todo mundo, conseguimos oferecer, por exemplo, um tratamento alvo-molecular, que vai conferir melhores desfecho e qualidade de vida. Em alguns casos, podemos indicar remédios com muito menos efeitos colaterais do que a quimioterapia”, diz.
Ainda na oncologia, é possível determinar se um tratamento quimioterápico será necessário após a retirada de um tumor, detectando se existe DNA tumoral circulando no sangue, a partir de biópsia líquida – feita no Einstein por meio do teste Signatera. Sua presença determina a chamada Doença Residual Mínima (MRD, na sigla em inglês), que pode indicar que existem focos de micrometástases.
Predição para prevenir
O sequenciamento genético é importante aliado também antes mesmo de haver um diagnóstico. Exames preditivos mapeiam eventuais riscos de que a pessoa desenvolva uma doença, determinando monitoramentos ou mesmo mudança de hábitos que podem ser determinantes na prevenção.
No Einstein, o exame Predicta, por exemplo, permite mapear até 563 genes. No sequenciamento mais completo, é possível conhecer os riscos de desenvolvimento de até 22 tipos de câncer, 12 doenças cardiovasculares e distúrbios de coagulação, metabolismo, imunidade e neurológicos, além de outras doenças genéticas. Uma consulta de orientação antes do exame, bem como consultas de acompanhamento após os resultados, é realizada anualmente com geneticistas do hospital, por até cinco anos.
Esse tipo de exame também fornece outra ferramenta cada vez mais importante dentro da medicina de precisão: a investigação do perfil farmacogenético do paciente, que determina sua resposta a diferentes medicamentos, considerando a capacidade de metabolizar substâncias e prevenir possíveis reações adversas, ajustando as doses prescritas, por exemplo.
“Na psiquiatria, na maioria das vezes, o ajuste do medicamento e da dose certa é por tentativa e erro. Os testes de farmacogenética ajudam o psiquiatra a saber de antemão, pelos resultados, qual é a melhor opção para o metabolismo do paciente, minimizando efeitos colaterais indesejáveis”, exemplifica Eliézer Silva.
Na reumatologia, que trata doenças autoimunes, como artrite reumatoide e lúpus, é comum o uso de medicamentos do tipo Anti-TNF, como o Infliximabe, mas nem todos os pacientes têm bons resultados com o tratamento. Nos Estados Unidos, contudo, já estão disponíveis testes que conseguem indicar a chance de sucesso. “Com o resultado do teste, o médico pode direcionar para a melhor maneira de tratar a doença. O tratamento fica mais refinado e o paciente ganha em qualidade de vida”, diz Moura.
Diagnóstico precoce de Alzheimer
Um exame que começou a ser oferecido há mais de um ano no Einstein permite confirmar, por meio de imagens, o diagnóstico de Alzheimer em estágios muito precoces, com até 20 anos de antecedência ao início das manifestações clínicas. A técnica envolve a realização de imagens PET em conjunto com estudos de tomografia ou ressonância magnética para mapear, por meio de um contraste de medicina nuclear, a presença e a extensão das placas de proteína beta-amiloide, marcadora da doença.
Para Rodrigo Deliberato, diretor de Informações de Pesquisa na Faculdade de Medicina da Universidade de Cincinnati (EUA), a área de doenças e distúrbios imunológicos deve se destacar nos próximos anos dentro da medicina de precisão, com o auxílio dos algoritmos e da análise de dados. O especialista cita a doença intestinal inflamatória (DII), em que muitos pacientes não se beneficiam dos tratamentos disponíveis. “A inteligência artificial permite identificar grupos de pacientes com características semelhantes para desenvolver e fornecer terapias personalizadas a eles”, diz Deliberato.
E permite também mudar protocolos diante de resultados. No Einstein, o que começou com uma análise de dados de 250 casos de pacientes com tumor de pâncreas levou à mudança da indicação de quimioterapia antes de cirurgia para a redução do tumor, por exemplo. “Ao analisar os nossos dados, percebemos que nem todos deveriam receber quimioterapia pré-operatória. Ir direto para a cirurgia era o mais indicado para certos casos”, relata Moura. Os dados foram reunidos a outros estudos semelhantes, por meio de metanálise. O grupo do Einstein analisou 3.229 resumos de estudo e selecionou seis ensaios clínicos randomizados, chegando à conclusão de que seguir direto para a cirurgia era o caminho mais indicado para alguns casos.
Em outro estudo realizado no Einstein, desta vez usando exames de imagem, o Centro de Excelência de Medicina Materno-Fetal analisou 38 mil ultrassonografias obstétricas. Nesse exame, é possível visualizar o fluxo da artéria uterina da esquerda, que colabora com a nutrição do feto. Com base nessas imagens, foi possível construir um algoritmo capaz de prever antecipadamente, por volta da 12ª semana de gravidez, o risco de o bebê nascer com baixo peso – o que permite mais tempo para fazer as intervenções e evitar problemas no nascimento.
Obstáculos sobre os dados
Por mais que todos os caminhos do futuro da medicina apontem para a medicina de precisão, há gargalos que precisam ser contornados. Um deles, como explica Tatiana de Almeida, coordenadora de Ciência de Dados no Laboratório Clínico do Einstein, é fazer com que grandes quantidades de informações conversem entre si. “Dados objetivos, como os obtidos a partir de exames, são mais fáceis de trabalhar. Mas aqueles gerados pelas anotações médicas, mais subjetivos, são diferentes”, explica a médica.
Segundo ela, estudos publicados mostram que, no futuro, será possível, com base em bancos organizados de informações, predizer se determinada pessoa, caso não mude seu estilo de vida, terá sua taxa glicêmica aumentada em um ou dois anos. “É possível fazer essa previsão antes que o paciente tenha o comprometimento fisiológico, e isso é feito analisando informações de vários exames juntos, não só os dados anteriores de glicemia, porque cada indivíduo tem um organismo único”, afirma Almeida.
Para Deliberato, é necessária uma maior integração entre governo e demais instituições de saúde para que a medicina personalizada funcione melhor. “Só assim teremos um número adequado de pacientes para fazer as análises. A oncologia saiu na frente [na medicina personalizada] porque tem muitos dados disponíveis”, afirma.
Cendoroglo destaca que a análise de bancos de dados pode ser essencial para validar novas terapias de forma mais ágil. “Alguns estudos mostram que se leva hoje de 15 a 20 anos desde conceber a ideia de um novo tratamento até que ele vire uma prática universal. Durante a pandemia, a gente viu que era possível fazer isso em dois anos. E os dados podem ajudar muito nisso.”
Centros trabalham de forma multidisciplinar sobre diferentes especialidades
Apesar de olhar para o futuro, quando o assunto é medicina de precisão, o Einstein – que vai organizar nos dias 29 e 30 de setembro o III Simpósio Internacional Einstein de Medicina de Precisão – já busca adaptação à nova realidade. Hoje, o hospital tem 16 Centros de Excelência em Medicina Personalizada (CEMPs), e a ideia é, até o fim de 2026, contar com 60 centros no total. “Estamos reorganizando toda a prática médica do Einstein por meio desses centros de excelência”, observa Miguel Cendoroglo. Os centros são grupos de trabalho com médicos especializados, que olham de forma colaborativa para as doenças, discutindo o aprimoramento das jornadas de tratamento com base nas ferramentas da medicina de precisão.