Havia uma pedra no meio do caminho do patriarca da independência do Brasil, Jose Bonifácio. Não por acaso, é verdade, já que antes de enveredar pela política, ele desenvolveu estudos importantes de mineralogia, e em 1800 estava na Suécia justamente em busca de novas pedras. Entre os minerais descobertos por ele estava a petalita, rocha que chamou sua atenção pois, quando lançada ao fogo, emitia bela chama avermelhada. Essa observação levou outro cientista, o jovem sueco Johan August Arfwedson, quase vinte anos depois, a identificar na petalita o lítio, metal cujo nome foi inspirado em litos, que significa pedra em grego.
Certamente a maioria dos leitores já ouviu falar desse metal, onipresente nas baterias de celulares, tablets, smartwatches, notebooks e carros elétricos. As baterias de lítio, de fato, foram revolucionárias para a indústria de tecnologia, pois trata-se de metal muito leve e com grande capacidade de armazenamento de energia. Ou seja, ótimo para equipamentos cada vez menores com demandas crescentes por eletricidade. Como o número de traquitanas eletrônicas só faz crescer e há pressão enorme pela adoção de energia limpa, a demanda por esse metal deve aumentar cada vez mais.
Sinal de que esse é um negócio promissor é a notícia recente de que Bill Gates irá investir US$ 20 milhões numa startup de mineração do lítio, a Lilac Solutions. Suas maiores reservas estão em lagos de salmoura na Bolívia, Chile e Argentina, sendo preciso bombear milhares de litros de água, deixá-los evaporar e então retirar o lítio, num processo caro e danoso ao ambiente. Gates quer soluções mais sustentáveis e baratas. Além disso, deseja desenvolver tecnologias de reciclagem, pois já se fala em escassez e esgotamento das fontes.
Nem tudo o que é minerado vai para baterias, contudo. Há vários usos para ele, com cerca de 5% da produção mundial indo para a indústria farmacêutica. E aqui, finalmente, entramos no tema médico da coluna. O carbonato de lítio é um dos medicamentos mais eficazes para o tratamento do transtorno afetivo bipolar.
Esse quadro é caracterizado classicamente por fases depressivas – nas quais os pacientes perdem a alegria, a energia e o interesse –, alternadas com fases eufóricas – em que o oposto acontece, havendo excesso de energia, agitação e perda de controle dos próprios atos. Há, claro, uma variação ampla de gravidade entre as pessoas, mas a melhor forma de evitar esses extremos é utilizar medicamentos estabilizadores do humor, dentre os quais o lítio.
Tal ação foi descoberta por acaso: o psiquiatra australiano John Cade usava-o só para diluir uma solução que injetava em cobaias quando notou que os ratos se acalmavam. Após ingerir ele mesmo a substância, garantindo sua segurança, resolveu testá-la em pacientes com transtorno bipolar na fase de agitação, atestando a eficácia. Assim, embora seja dos mais antigos, até hoje está entre os mais eficazes estabilizadores do humor. Toda essa história não explica, contudo, a grave situação que estamos atravessando hoje no Brasil.
Como têm notado todos os psiquiatras do País, os estoques de tal medicamento acabaram. A Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) publicou nota técnica de esclarecimento, além de notificar o ministro da saúde e o Conselho Federal de Medicina sobre a magnitude do problema. Dados da literatura médica mostram que a interrupção repentina desse tratamento leva a recaída de 80% a 90% dos pacientes, e 70% deles em três a quatro meses.
Mas se não é a disputa por mercado com as bateria, o que está por trás de mais esse desastre iminente no País? Não se sabe. A ABP pediu oficialmente informações à Anvisa para esclarecer a situação.
Aguardo uma resposta, porque não sei se a culpa é da indústria – que quer produtos mais lucrativos –, se é do governo – que não monitorou a situação – ou do mundo – que está mais interessado em baterias. Só sei que a culpa não é do paciente, que no fim é quem acabará pagando a conta. Precisamos brigar por eles para que isso não aconteça.