Psiquiatria e sociedade

Opinião|Embarcar em um relacionamento é garantia de sofrimento?


No melhor dos casos, um dos dois amargará a morte do outro após uma vida inteira de união; mas não é isso que devemos levar em conta

Por Daniel Martins de Barros

Em um de seus números de stand-up, o comediante Louis C. K. diz ter dificuldade de recomeçar um relacionamento após dez anos casado. Ele fala sobre sua infância, sobre o cão que teve quando pequeno e descreve com ironia o trauma que foi acompanhar a eutanásia do animal de estimação por conta de um tumor – a frieza do veterinário, a tristeza da despedida, um pesadelo com o cachorro ressuscitando. No final, conclui: “É por isso que tenho dificuldade com encontros hoje em dia”.

Sua tese – recheada de cinismo – é de que quando você se apega, está condenado a sofrer. Entrar num relacionamento trará tristeza, seja com um sumiço depois de alguns encontros, o fim do namoro ou a viuvez: no melhor dos casos, se tudo der absolutamente certo, um dos dois amargará a morte do outro após uma vida inteira juntos.

É difícil discordar dele se mantivermos o foco apenas no final da história, na ausência que fatalmente imporá sua presença. Mas, com o risco de estragar a piada, a verdade é que relações não são feitas de finais.

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Há muitas razões para embarcarmos em um relacionamento, ainda que ele não dure para sempre Foto: Vadim Pastuh/Adobe Stock

As recompensas de diversos tipos e em diversos níveis que colhemos ao longo do tempo são justificativas mais do que suficientes – para a maioria das pessoas – para embarcarmos em relacionamentos, mesmo sabendo que nada é para sempre.

Ou nada era para sempre. Leio no Estadão que aplicativos americanos já permitem que conversemos com os mortos como se estivessem vivos. A partir de entrevistas colhidas antes do falecimento de alguém, empresas vêm oferecendo o serviço de conectar mortos e vivos com ajuda de inteligência artificial. Uma espécie de teleconferência com o além. A reportagem mostra que, embora haja quem fique desconfortável com a experiência, muitos se sentem consolados pelo contato com familiares que não estão mais por aqui.

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Para além do estranhamento da situação, creio que haja um risco real em tais tecnologias: o de atrapalhar o processo de luto. Um estudo de ressonância magnética feito com viúvas mostrou que aquelas cujos cérebros ativavam seus centros de recompensa diante da lembrança dos maridos eram as que mais apresentavam luto complicado, marcado por sofrimento muito mais intenso e duradouro, angústia e saudade excessiva, além de pensamentos constantes sobre o falecido. Receber mais aconchego de quem já havia morrido tornava mais difícil aceitar a perda.

Imagino que essa tecnologia tenha bons usos: ajudar quem não pôde se despedir de alguém, falecido subitamente ou desaparecido numa tragédia, por exemplo. Mas manter alguém vivo após a sua morte para nosso conforto talvez seja mais prejudicial do que benéfico.

Em um de seus números de stand-up, o comediante Louis C. K. diz ter dificuldade de recomeçar um relacionamento após dez anos casado. Ele fala sobre sua infância, sobre o cão que teve quando pequeno e descreve com ironia o trauma que foi acompanhar a eutanásia do animal de estimação por conta de um tumor – a frieza do veterinário, a tristeza da despedida, um pesadelo com o cachorro ressuscitando. No final, conclui: “É por isso que tenho dificuldade com encontros hoje em dia”.

Sua tese – recheada de cinismo – é de que quando você se apega, está condenado a sofrer. Entrar num relacionamento trará tristeza, seja com um sumiço depois de alguns encontros, o fim do namoro ou a viuvez: no melhor dos casos, se tudo der absolutamente certo, um dos dois amargará a morte do outro após uma vida inteira juntos.

É difícil discordar dele se mantivermos o foco apenas no final da história, na ausência que fatalmente imporá sua presença. Mas, com o risco de estragar a piada, a verdade é que relações não são feitas de finais.

Há muitas razões para embarcarmos em um relacionamento, ainda que ele não dure para sempre Foto: Vadim Pastuh/Adobe Stock

As recompensas de diversos tipos e em diversos níveis que colhemos ao longo do tempo são justificativas mais do que suficientes – para a maioria das pessoas – para embarcarmos em relacionamentos, mesmo sabendo que nada é para sempre.

Ou nada era para sempre. Leio no Estadão que aplicativos americanos já permitem que conversemos com os mortos como se estivessem vivos. A partir de entrevistas colhidas antes do falecimento de alguém, empresas vêm oferecendo o serviço de conectar mortos e vivos com ajuda de inteligência artificial. Uma espécie de teleconferência com o além. A reportagem mostra que, embora haja quem fique desconfortável com a experiência, muitos se sentem consolados pelo contato com familiares que não estão mais por aqui.

Para além do estranhamento da situação, creio que haja um risco real em tais tecnologias: o de atrapalhar o processo de luto. Um estudo de ressonância magnética feito com viúvas mostrou que aquelas cujos cérebros ativavam seus centros de recompensa diante da lembrança dos maridos eram as que mais apresentavam luto complicado, marcado por sofrimento muito mais intenso e duradouro, angústia e saudade excessiva, além de pensamentos constantes sobre o falecido. Receber mais aconchego de quem já havia morrido tornava mais difícil aceitar a perda.

Imagino que essa tecnologia tenha bons usos: ajudar quem não pôde se despedir de alguém, falecido subitamente ou desaparecido numa tragédia, por exemplo. Mas manter alguém vivo após a sua morte para nosso conforto talvez seja mais prejudicial do que benéfico.

Em um de seus números de stand-up, o comediante Louis C. K. diz ter dificuldade de recomeçar um relacionamento após dez anos casado. Ele fala sobre sua infância, sobre o cão que teve quando pequeno e descreve com ironia o trauma que foi acompanhar a eutanásia do animal de estimação por conta de um tumor – a frieza do veterinário, a tristeza da despedida, um pesadelo com o cachorro ressuscitando. No final, conclui: “É por isso que tenho dificuldade com encontros hoje em dia”.

Sua tese – recheada de cinismo – é de que quando você se apega, está condenado a sofrer. Entrar num relacionamento trará tristeza, seja com um sumiço depois de alguns encontros, o fim do namoro ou a viuvez: no melhor dos casos, se tudo der absolutamente certo, um dos dois amargará a morte do outro após uma vida inteira juntos.

É difícil discordar dele se mantivermos o foco apenas no final da história, na ausência que fatalmente imporá sua presença. Mas, com o risco de estragar a piada, a verdade é que relações não são feitas de finais.

Há muitas razões para embarcarmos em um relacionamento, ainda que ele não dure para sempre Foto: Vadim Pastuh/Adobe Stock

As recompensas de diversos tipos e em diversos níveis que colhemos ao longo do tempo são justificativas mais do que suficientes – para a maioria das pessoas – para embarcarmos em relacionamentos, mesmo sabendo que nada é para sempre.

Ou nada era para sempre. Leio no Estadão que aplicativos americanos já permitem que conversemos com os mortos como se estivessem vivos. A partir de entrevistas colhidas antes do falecimento de alguém, empresas vêm oferecendo o serviço de conectar mortos e vivos com ajuda de inteligência artificial. Uma espécie de teleconferência com o além. A reportagem mostra que, embora haja quem fique desconfortável com a experiência, muitos se sentem consolados pelo contato com familiares que não estão mais por aqui.

Para além do estranhamento da situação, creio que haja um risco real em tais tecnologias: o de atrapalhar o processo de luto. Um estudo de ressonância magnética feito com viúvas mostrou que aquelas cujos cérebros ativavam seus centros de recompensa diante da lembrança dos maridos eram as que mais apresentavam luto complicado, marcado por sofrimento muito mais intenso e duradouro, angústia e saudade excessiva, além de pensamentos constantes sobre o falecido. Receber mais aconchego de quem já havia morrido tornava mais difícil aceitar a perda.

Imagino que essa tecnologia tenha bons usos: ajudar quem não pôde se despedir de alguém, falecido subitamente ou desaparecido numa tragédia, por exemplo. Mas manter alguém vivo após a sua morte para nosso conforto talvez seja mais prejudicial do que benéfico.

Opinião por Daniel Martins de Barros

Professor colaborador do Dep. de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. Autor do livro 'Rir é Preciso'

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