Psiquiatria e sociedade

Opinião|Ninguém deveria se sentir à vontade para julgar o corpo do outro


Cobranças por padrões estéticos inalcançáveis seguem em alta – pelo menos uma parcela das pessoas já percebeu que isso é reprovável

Por Daniel Martins de Barros

Uma das esculturas mais famosas da humanidade é a mulher de Willendorf, aquela estátua pequena representando uma mulher corpulenta, esculpida perto de 25 mil anos atrás, inicialmente chamada de Vênus. Essa denominação hoje é contestada, não só por ser anacrônica, mas porque possivelmente a peça não tinha a intenção de retratar uma deusa do amor.

Suas medidas exageradas, contudo, ainda hoje podem ser interpretadas como símbolo de pujança, fertilidade e até de riqueza e status, já que foi criada numa sociedade caçadora-coletora – em que a alimentação podia ser tudo, menos abundante.

Aceitar padrões estéticos de magreza inevitavelmente leva à insatisfação corporal e uma relação negativa com a comida Foto: kapinon
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A favor dessa interpretação temos o exemplo de outras sociedades de base agrária na qual a opulência era tida em alta conta. É famoso o relato da psiquiatra Anne Becker sobre sua viagem no início da década de 1980 para as Ilhas Fiji, por exemplo. Segundo ela, a comida era central na vida das pessoas; e as refeições lautas, encorajadas. Quando não há garantia da próxima colheita, a tônica é desfrutar ao máximo da atual. A corpulência era ali vista como sinal de prosperidade, culturalmente aceita – e até encorajada.

Becker viu tudo isso mudar com a introdução da televisão. Foi só após meados dos anos 1990 que as transmissões se tornaram regulares na região. Apenas três anos depois ela fez um levantamento e descobriu que 11,3% das meninas já haviam ao menos uma vez provocado vômito para emagrecer, comportamento antes virtualmente ausente na ilha. Em 2007, o número subiria para 45%. O que foi detectado como o início da preocupação com o peso e os primeiros sinais de comer transtornado evoluiu para maior prevalência de transtornos alimentares.

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Se ainda existisse alguma dúvida de que os padrões culturais influenciam – negativamente – na relação das pessoas com a comida, desde então não há mais como negar essa realidade. Aceitar padrões estéticos de magreza inevitavelmente leva a mais insatisfação corporal, mais relações negativas com a comida – estimulando comportamentos disfuncionais para controle de peso – e desembocando em número crescente de pessoas doentes.

É lamentável, diante desse conhecimento que temos hoje em dia, ver pessoas ainda criticando o peso ou a forma do corpo de outras por não se ajustarem a um padrão inatingível para a maioria – como aconteceu na edição atual do Big Brother Brasil, o BBB. Por outro lado, foi bom ver o público reagindo negativamente a tal atitude. Os padrões culturais de beleza podem ainda não ter mudado completamente, mas os padrões do que é aceitável com relação a críticas ao corpo alheio parecem não ser mais os mesmos. Já é um começo.

Uma das esculturas mais famosas da humanidade é a mulher de Willendorf, aquela estátua pequena representando uma mulher corpulenta, esculpida perto de 25 mil anos atrás, inicialmente chamada de Vênus. Essa denominação hoje é contestada, não só por ser anacrônica, mas porque possivelmente a peça não tinha a intenção de retratar uma deusa do amor.

Suas medidas exageradas, contudo, ainda hoje podem ser interpretadas como símbolo de pujança, fertilidade e até de riqueza e status, já que foi criada numa sociedade caçadora-coletora – em que a alimentação podia ser tudo, menos abundante.

Aceitar padrões estéticos de magreza inevitavelmente leva à insatisfação corporal e uma relação negativa com a comida Foto: kapinon

A favor dessa interpretação temos o exemplo de outras sociedades de base agrária na qual a opulência era tida em alta conta. É famoso o relato da psiquiatra Anne Becker sobre sua viagem no início da década de 1980 para as Ilhas Fiji, por exemplo. Segundo ela, a comida era central na vida das pessoas; e as refeições lautas, encorajadas. Quando não há garantia da próxima colheita, a tônica é desfrutar ao máximo da atual. A corpulência era ali vista como sinal de prosperidade, culturalmente aceita – e até encorajada.

Becker viu tudo isso mudar com a introdução da televisão. Foi só após meados dos anos 1990 que as transmissões se tornaram regulares na região. Apenas três anos depois ela fez um levantamento e descobriu que 11,3% das meninas já haviam ao menos uma vez provocado vômito para emagrecer, comportamento antes virtualmente ausente na ilha. Em 2007, o número subiria para 45%. O que foi detectado como o início da preocupação com o peso e os primeiros sinais de comer transtornado evoluiu para maior prevalência de transtornos alimentares.

Se ainda existisse alguma dúvida de que os padrões culturais influenciam – negativamente – na relação das pessoas com a comida, desde então não há mais como negar essa realidade. Aceitar padrões estéticos de magreza inevitavelmente leva a mais insatisfação corporal, mais relações negativas com a comida – estimulando comportamentos disfuncionais para controle de peso – e desembocando em número crescente de pessoas doentes.

É lamentável, diante desse conhecimento que temos hoje em dia, ver pessoas ainda criticando o peso ou a forma do corpo de outras por não se ajustarem a um padrão inatingível para a maioria – como aconteceu na edição atual do Big Brother Brasil, o BBB. Por outro lado, foi bom ver o público reagindo negativamente a tal atitude. Os padrões culturais de beleza podem ainda não ter mudado completamente, mas os padrões do que é aceitável com relação a críticas ao corpo alheio parecem não ser mais os mesmos. Já é um começo.

Uma das esculturas mais famosas da humanidade é a mulher de Willendorf, aquela estátua pequena representando uma mulher corpulenta, esculpida perto de 25 mil anos atrás, inicialmente chamada de Vênus. Essa denominação hoje é contestada, não só por ser anacrônica, mas porque possivelmente a peça não tinha a intenção de retratar uma deusa do amor.

Suas medidas exageradas, contudo, ainda hoje podem ser interpretadas como símbolo de pujança, fertilidade e até de riqueza e status, já que foi criada numa sociedade caçadora-coletora – em que a alimentação podia ser tudo, menos abundante.

Aceitar padrões estéticos de magreza inevitavelmente leva à insatisfação corporal e uma relação negativa com a comida Foto: kapinon

A favor dessa interpretação temos o exemplo de outras sociedades de base agrária na qual a opulência era tida em alta conta. É famoso o relato da psiquiatra Anne Becker sobre sua viagem no início da década de 1980 para as Ilhas Fiji, por exemplo. Segundo ela, a comida era central na vida das pessoas; e as refeições lautas, encorajadas. Quando não há garantia da próxima colheita, a tônica é desfrutar ao máximo da atual. A corpulência era ali vista como sinal de prosperidade, culturalmente aceita – e até encorajada.

Becker viu tudo isso mudar com a introdução da televisão. Foi só após meados dos anos 1990 que as transmissões se tornaram regulares na região. Apenas três anos depois ela fez um levantamento e descobriu que 11,3% das meninas já haviam ao menos uma vez provocado vômito para emagrecer, comportamento antes virtualmente ausente na ilha. Em 2007, o número subiria para 45%. O que foi detectado como o início da preocupação com o peso e os primeiros sinais de comer transtornado evoluiu para maior prevalência de transtornos alimentares.

Se ainda existisse alguma dúvida de que os padrões culturais influenciam – negativamente – na relação das pessoas com a comida, desde então não há mais como negar essa realidade. Aceitar padrões estéticos de magreza inevitavelmente leva a mais insatisfação corporal, mais relações negativas com a comida – estimulando comportamentos disfuncionais para controle de peso – e desembocando em número crescente de pessoas doentes.

É lamentável, diante desse conhecimento que temos hoje em dia, ver pessoas ainda criticando o peso ou a forma do corpo de outras por não se ajustarem a um padrão inatingível para a maioria – como aconteceu na edição atual do Big Brother Brasil, o BBB. Por outro lado, foi bom ver o público reagindo negativamente a tal atitude. Os padrões culturais de beleza podem ainda não ter mudado completamente, mas os padrões do que é aceitável com relação a críticas ao corpo alheio parecem não ser mais os mesmos. Já é um começo.

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Opinião por Daniel Martins de Barros

Professor colaborador do Dep. de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. Autor do livro 'Rir é Preciso'

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