Psiquiatria e sociedade

Opinião|Quem mexeu no meu remédio? Descontinuação de medicamentos preocupa psiquiatras


Medicamentos eficazes e importantes para condições psiquiátricas vivem sendo ameaçados de suspensão

Por Daniel Martins de Barros

Os psiquiatras andam ansiosos. No país com maior taxa de ansiedade no mundo não era de se esperar que esses profissionais ficassem de fora das estatísticas só porque tratam desse problema. Tratar uma doença não nos vacina contra ela.

O que vem tirando o sossego dos psiquiatras nos últimos dias é uma movimentação da indústria farmacêutica que vez por outra agita as águas do nosso bulário. A mais recente foi o aviso da companhia GSK de que submeteu à Anvisa um comunicado de “descontinuação temporária da fabricação do Parnate”, um medicamento antidepressivo de grande importância na prática psiquiátrica.

Descontinuação da produção de certos medicamentos gera apreensão entre psiquiatras Foto: Manuel Adorf/Adobe Stock
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Não por ser uma droga muito prescrita – não tenho os números oficiais, mas a maioria dos médicos deve prescrevê-la para uns poucos pacientes. Sua relevância maior vem do fato de que em casos graves, que não responderam a quaisquer outros remédios, ela costuma ser eficaz. Daí o frio na barriga dos colegas: se meus pacientes piorarem, a que poderei recorrer? E pior: no caso dos doentes que só melhoraram com Parnate, o que fazer quando não houver mais esse recurso?

Os fóruns de discussão entraram em polvorosa. Um abaixo-assinado dirigido à GSK foi organizado. A Associação Brasileira de Psiquiatria entrou no diálogo. A mobilização parece ter surtido efeito e, até onde tenho notícia, a empresa garantiu que a produção seria retomada.

Pouco antes da pandemia, um susto parecido ocorreu com o lítio, estabilizador do humor essencial para muitos pacientes com transtorno bipolar – ocasião em que escrevi aqui o artigo “Cadê o lítio?”. A ansiedade se torna maior porque tais movimentos são recorrentes, e remédios eficazes e importantes, mas cujas patentes expiraram e já não são tão lucrativos, vivem sendo ameaçados de suspensão ou definitivamente suspensos.

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Em artigo publicado no Brazilian Journal of Psychiatry em 2020, os psiquiatras Antonio E. Nardi, Antonio G. Silva e Valentim Gentil apontaram os riscos desse fenômeno. Segundo eles, além da tranilcipramina (nome genérico do Parnate), drogas como maprotilina e imipramina (antidepressivos potentes), pimozida (importante em tiques e na Síndrome de Tourette), e o próprio lítio, em algum momento, “estiveram ausentes das farmácias, temporariamente ou para nunca mais voltar”. Isso para ficar em só alguns exemplos.

Ainda que cada uma dessas drogas fosse usada por relativamente poucos pacientes, se somarmos a lista inteira de drogas ameaçadas o número de pacientes prejudicados é imenso.

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Não sei se a questão é apenas econômica. Mas, se quem estiver por trás desse prejuízo aos pacientes for de fato a tal mão invisível do mercado, a sociedade precisa deixar claro que, em alguns lugares, não aceita que metam a mão.

Os psiquiatras andam ansiosos. No país com maior taxa de ansiedade no mundo não era de se esperar que esses profissionais ficassem de fora das estatísticas só porque tratam desse problema. Tratar uma doença não nos vacina contra ela.

O que vem tirando o sossego dos psiquiatras nos últimos dias é uma movimentação da indústria farmacêutica que vez por outra agita as águas do nosso bulário. A mais recente foi o aviso da companhia GSK de que submeteu à Anvisa um comunicado de “descontinuação temporária da fabricação do Parnate”, um medicamento antidepressivo de grande importância na prática psiquiátrica.

Descontinuação da produção de certos medicamentos gera apreensão entre psiquiatras Foto: Manuel Adorf/Adobe Stock

Não por ser uma droga muito prescrita – não tenho os números oficiais, mas a maioria dos médicos deve prescrevê-la para uns poucos pacientes. Sua relevância maior vem do fato de que em casos graves, que não responderam a quaisquer outros remédios, ela costuma ser eficaz. Daí o frio na barriga dos colegas: se meus pacientes piorarem, a que poderei recorrer? E pior: no caso dos doentes que só melhoraram com Parnate, o que fazer quando não houver mais esse recurso?

Os fóruns de discussão entraram em polvorosa. Um abaixo-assinado dirigido à GSK foi organizado. A Associação Brasileira de Psiquiatria entrou no diálogo. A mobilização parece ter surtido efeito e, até onde tenho notícia, a empresa garantiu que a produção seria retomada.

Pouco antes da pandemia, um susto parecido ocorreu com o lítio, estabilizador do humor essencial para muitos pacientes com transtorno bipolar – ocasião em que escrevi aqui o artigo “Cadê o lítio?”. A ansiedade se torna maior porque tais movimentos são recorrentes, e remédios eficazes e importantes, mas cujas patentes expiraram e já não são tão lucrativos, vivem sendo ameaçados de suspensão ou definitivamente suspensos.

Em artigo publicado no Brazilian Journal of Psychiatry em 2020, os psiquiatras Antonio E. Nardi, Antonio G. Silva e Valentim Gentil apontaram os riscos desse fenômeno. Segundo eles, além da tranilcipramina (nome genérico do Parnate), drogas como maprotilina e imipramina (antidepressivos potentes), pimozida (importante em tiques e na Síndrome de Tourette), e o próprio lítio, em algum momento, “estiveram ausentes das farmácias, temporariamente ou para nunca mais voltar”. Isso para ficar em só alguns exemplos.

Ainda que cada uma dessas drogas fosse usada por relativamente poucos pacientes, se somarmos a lista inteira de drogas ameaçadas o número de pacientes prejudicados é imenso.

Não sei se a questão é apenas econômica. Mas, se quem estiver por trás desse prejuízo aos pacientes for de fato a tal mão invisível do mercado, a sociedade precisa deixar claro que, em alguns lugares, não aceita que metam a mão.

Os psiquiatras andam ansiosos. No país com maior taxa de ansiedade no mundo não era de se esperar que esses profissionais ficassem de fora das estatísticas só porque tratam desse problema. Tratar uma doença não nos vacina contra ela.

O que vem tirando o sossego dos psiquiatras nos últimos dias é uma movimentação da indústria farmacêutica que vez por outra agita as águas do nosso bulário. A mais recente foi o aviso da companhia GSK de que submeteu à Anvisa um comunicado de “descontinuação temporária da fabricação do Parnate”, um medicamento antidepressivo de grande importância na prática psiquiátrica.

Descontinuação da produção de certos medicamentos gera apreensão entre psiquiatras Foto: Manuel Adorf/Adobe Stock

Não por ser uma droga muito prescrita – não tenho os números oficiais, mas a maioria dos médicos deve prescrevê-la para uns poucos pacientes. Sua relevância maior vem do fato de que em casos graves, que não responderam a quaisquer outros remédios, ela costuma ser eficaz. Daí o frio na barriga dos colegas: se meus pacientes piorarem, a que poderei recorrer? E pior: no caso dos doentes que só melhoraram com Parnate, o que fazer quando não houver mais esse recurso?

Os fóruns de discussão entraram em polvorosa. Um abaixo-assinado dirigido à GSK foi organizado. A Associação Brasileira de Psiquiatria entrou no diálogo. A mobilização parece ter surtido efeito e, até onde tenho notícia, a empresa garantiu que a produção seria retomada.

Pouco antes da pandemia, um susto parecido ocorreu com o lítio, estabilizador do humor essencial para muitos pacientes com transtorno bipolar – ocasião em que escrevi aqui o artigo “Cadê o lítio?”. A ansiedade se torna maior porque tais movimentos são recorrentes, e remédios eficazes e importantes, mas cujas patentes expiraram e já não são tão lucrativos, vivem sendo ameaçados de suspensão ou definitivamente suspensos.

Em artigo publicado no Brazilian Journal of Psychiatry em 2020, os psiquiatras Antonio E. Nardi, Antonio G. Silva e Valentim Gentil apontaram os riscos desse fenômeno. Segundo eles, além da tranilcipramina (nome genérico do Parnate), drogas como maprotilina e imipramina (antidepressivos potentes), pimozida (importante em tiques e na Síndrome de Tourette), e o próprio lítio, em algum momento, “estiveram ausentes das farmácias, temporariamente ou para nunca mais voltar”. Isso para ficar em só alguns exemplos.

Ainda que cada uma dessas drogas fosse usada por relativamente poucos pacientes, se somarmos a lista inteira de drogas ameaçadas o número de pacientes prejudicados é imenso.

Não sei se a questão é apenas econômica. Mas, se quem estiver por trás desse prejuízo aos pacientes for de fato a tal mão invisível do mercado, a sociedade precisa deixar claro que, em alguns lugares, não aceita que metam a mão.

Opinião por Daniel Martins de Barros

Professor colaborador do Dep. de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. Autor do livro 'Rir é Preciso'

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