De pai para filho: 7 em cada 10 casos de TDAH são hereditários; veja os sinais em adultos e crianças


Cada vez mais adultos têm descoberto o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade após o diagnóstico dos filhos; tratamento é essencial em qualquer etapa da vida

Por André Bernardo

Certo dia, Gabriel, um garoto sempre alegre e falante, chegou em casa, triste e calado. Ao ser indagado sobre o que tinha acontecido na escola, respondeu que foi chamado de “maluco” por um colega de turma. Na mesma hora, o pai pegou um dicionário e, ao lado do filho, saiu à procura do verbete. Entre outros sinônimos, descobriu dois que considera marcantes: “diferente” e “peculiar”. “Ser diferente é o que faz a sociedade evoluir e a torna mais democrática. Ou seja, mostrei ao Gabriel que ‘maluco’ não tinha apenas sentido negativo”, explica o escritor Eduardo Ferrari, de 55 anos. “Quanto à outra definição, ele a usa constantemente. Quando alguém pergunta como se define, meu filho responde: ‘Sou peculiar!’”.

Gabriel tinha apenas 5 anos quando começou a apresentar os primeiros traços de desatenção. À época, não conseguia contar de um a dez. Por sugestão da escola, os pais o levaram a uma fonoaudióloga que, na dúvida, indicou outros especialistas. Dois anos e dezenas de consultas depois, com psicólogos, psiquiatras e neurologistas, saiu o diagnóstico: transtorno de déficit de atenção e hiperatividade.

“Toda vez que o médico falava de alguma dificuldade do Gabriel, é como se ele falasse das minhas próprias dificuldades. Assim como ele, eu também, quando criança, tive problema de alfabetização. Também fui alfabetizado tardiamente”, relata Eduardo que não demorou para descobrir que, a exemplo do filho, também tem TDAH.

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O escritor Eduardo Ferrari, 55, descobriu ter TDAH depois que o filho, Gabriel, foi diagnosticado com o transtorno. Foto: Marcelo Chello

Casos como o de Eduardo, que descobriu ter TDAH depois do diagnóstico do filho, são “extremamente comuns”. Quem garante é o psiquiatra Luis Augusto Rohde, professor titular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e vice-presidente do Conselho Científico da Associação Brasileira de Déficit de Atenção (ABDA). Segundo a entidade, o Brasil tem hoje cerca de 2 milhões de adultos com o distúrbio.

Quando Rohde começa a detalhar os sintomas de TDAH em crianças, como deixar tarefas pela metade, agir antes de pensar ou não parar quieto por muito tempo, os pais costumam arregalar os olhos, incrédulos: “Nossa, você está descrevendo como eu era quando criança!”, “Peraí, doutor, eu também sou assim!” ou “Da próxima vez, vou marcar uma consulta para mim!”.

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O coeficiente de herdabilidade do TDAH, explica o médico, é dos mais altos: 0.75. No campo da saúde mental, só perde para o do Transtorno do Espectro Autista (TEA): 0.8. “Na fase adulta, os sintomas mais proeminentes são desatenção, procrastinação e impulsividade”, destaca. “Há poucos adultos hiperativos. É uma característica mais presente em crianças, principalmente nos meninos”.

Foi com certo alívio que o advogado Guilherme Anders, de 51 anos, descobriu que tem TDAH. Ano passado, sua filha, Emanuela, de 22, recebeu o diagnóstico. Ao conversar com ela sobre a condição, se identificou com alguns dos sintomas e procurou fazer uma avaliação com uma neuropsicóloga. Não deu outra.

“Ao longo do tempo, desenvolvi estratégias para driblar os desafios do TDAH. Em alguns momentos, gasto mais energia que outras pessoas para executar determinadas tarefas. Mesmo assim, não vejo prejuízos. Certas características podem trazer uma visão diferente das situações e contribuir criativamente para as soluções”, filosofa Guilherme.

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Adultos também precisam de tratamento

Na maioria das vezes, os pais, quando descobrem que os filhos têm o transtorno, costumam aderir ao tratamento, que consiste basicamente em remédio e psicoterapia. Mas, há exceções, alerta a psicóloga Márcia Verständig. “Alguns pais entendem que os filhos não precisam se tratar. ‘Se eu consegui superar as dificuldades’, raciocinam, ‘meus filhos também conseguirão’. Mas, sem tratamento, o TDAH pode trazer prejuízos. Quanto antes, melhor”, orienta a psicóloga, acrescentando que o transtorno pode ser dividido em três apresentações: déficit de atenção (quando os portadores são mais desatentos que impulsivos), hiperatividade (quando são mais impulsivos que desatentos) e combinado (tão impulsivos quanto desatentos).

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A lista de malefícios em crianças é extensa e abrange conflitos familiares, notas baixas e poucos amigos. Em adultos, a situação não é diferente. No caso de Eduardo, diagnosticado com mais de 45 anos, o TDAH causou, entre outros estragos, empregos perdidos e amizades desfeitas. Até um casamento de mais de 20 anos esteve por um fio.

“Quando eu soube que tinha TDAH, entendi um monte de coisas. A irritabilidade, por exemplo. É bastante comum em adultos com diagnóstico. Por essas e outras, sofri preconceito, fui hostilizado e até falaram mal de mim”, lamenta Eduardo, que recebeu também o diagnóstico de Transtorno Explosivo Intermitente (TEI), incluído no último Manual Diagnóstico e Estatístico de Distúrbios Mentais (DSM-5).

Como desconfiar do TDAH

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Para descobrir se o paciente tem TDAH, o pediatra, psiquiatra ou neurologista aplica um questionário, elaborado pela Associação Americana de Psiquiatria (APA, em inglês), com 18 sintomas, nove de desatenção e nove de hiperatividade e impulsividade. Se a criança ou adolescente apresenta, no mínimo, 12 deles, seis de desatenção e seis de hiperatividade e impulsividade, e o adulto, dez, sendo cinco de cada, liga o sinal amarelo.

Se esses sintomas estão presentes antes dos 12 anos, causam problemas em dois ambientes diferentes (casa e escola, por exemplo) e trazem prejuízos à vida pessoal, familiar, acadêmica e profissional, acende o alerta vermelho. Ainda não inventaram exame laboratorial ou de imagem que ajude a detectar o distúrbio que, segundo estimativas, atinge 5% da população infanto-juvenil e 2,5% da adulta.

Mas, atenção: não é porque o filho (ou a filha) tem TDAH que o pai (ou a mãe) será obrigado a ter. É o que explica o psiquiatra Elton Yoji Kanomata, do Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE), em São Paulo. “Nem toda pessoa desatenta, por exemplo, tem diagnóstico de TDAH. Em alguns casos, essa desatenção pode ser resultado de uma situação rotineira ou estressante. Em outros, pode ser sintoma dos mais variados transtornos, como ansiedade ou depressão. É preciso tomar cuidado para não banalizar o diagnóstico. Diagnósticos excessivos podem levar a tratamentos desnecessários”, adverte o médico.

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Gabriel virou protagonista de uma trilogia escrita pelo próprio pai sobre TDAH.  Foto: Marcelo Chello

E os adultos que não têm filhos? Como saber se têm TDAH e não foram diagnosticados na infância? Bem, neste caso, é bom seguir algumas pistas. Distraídos, agitados e irritadiços, todos nós, em algum momento de nossas vidas, podemos ser. O que distingue o sujeito avoado, que vive com a cabeça nas nuvens ou no mundo da lua, daquele com transtorno é o prejuízo. Uma coisa é você esquecer de realizar uma tarefa importante porque está exausto, mas se lembrar dela na manhã seguinte. Outra, completamente diferente, é nunca terminar de fazer o que começou. E, por essa razão, perder prazos, pagar multas e levar broncas.

A exemplo de Eduardo e Guilherme, o empresário Ricardo Andrez, de 51 anos, também só descobriu o distúrbio depois do diagnóstico da filha, Beatriz, de 11 anos. Logo no início de sua vida escolar, quando começaram a surgir as primeiras dificuldades, a orientadora sugeriu o apoio de uma psicopedagoga. De especialista em especialistas, a família chegou ao veredicto em 2021.

“Não tinha conhecimento de que o TDAH poderia ser uma condição hereditária”, admite Ricardo. “Aprendemos a ‘contornar’ as armadilhas. Como eu costumo me esquecer de algumas tarefas, faço uso de post-its e os deixo em lugares visíveis para me lembrar. Levamos uma vida completamente normal, sem limitações ou qualquer tipo de problema”, orgulha-se.

Quanto ao Gabriel, o menino do início da reportagem, ele virou protagonista de uma trilogia escrita pelo próprio pai e ilustrada por Paulo Stocker: Elétrico (2019), Distraído (2020) e Falante (2021), todos da Literare Books. Hoje, aos 15 anos, lê e escreve bem, é criativo, responsável e talentoso, e demonstra forte aptidão pelo desenho.

“Não queria fazer um livro técnico ou didático. Queria combater o preconceito. Mostrar que o TDAH não é um mito. Há quem pense que não existe, mas já foi comprovado cientificamente que sim. Quanto ao Gabriel, ele se orgulha muito de ter inspirado as histórias. É como se ele também tivesse escrito os livros”, brinca.

Certo dia, Gabriel, um garoto sempre alegre e falante, chegou em casa, triste e calado. Ao ser indagado sobre o que tinha acontecido na escola, respondeu que foi chamado de “maluco” por um colega de turma. Na mesma hora, o pai pegou um dicionário e, ao lado do filho, saiu à procura do verbete. Entre outros sinônimos, descobriu dois que considera marcantes: “diferente” e “peculiar”. “Ser diferente é o que faz a sociedade evoluir e a torna mais democrática. Ou seja, mostrei ao Gabriel que ‘maluco’ não tinha apenas sentido negativo”, explica o escritor Eduardo Ferrari, de 55 anos. “Quanto à outra definição, ele a usa constantemente. Quando alguém pergunta como se define, meu filho responde: ‘Sou peculiar!’”.

Gabriel tinha apenas 5 anos quando começou a apresentar os primeiros traços de desatenção. À época, não conseguia contar de um a dez. Por sugestão da escola, os pais o levaram a uma fonoaudióloga que, na dúvida, indicou outros especialistas. Dois anos e dezenas de consultas depois, com psicólogos, psiquiatras e neurologistas, saiu o diagnóstico: transtorno de déficit de atenção e hiperatividade.

“Toda vez que o médico falava de alguma dificuldade do Gabriel, é como se ele falasse das minhas próprias dificuldades. Assim como ele, eu também, quando criança, tive problema de alfabetização. Também fui alfabetizado tardiamente”, relata Eduardo que não demorou para descobrir que, a exemplo do filho, também tem TDAH.

O escritor Eduardo Ferrari, 55, descobriu ter TDAH depois que o filho, Gabriel, foi diagnosticado com o transtorno. Foto: Marcelo Chello

Casos como o de Eduardo, que descobriu ter TDAH depois do diagnóstico do filho, são “extremamente comuns”. Quem garante é o psiquiatra Luis Augusto Rohde, professor titular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e vice-presidente do Conselho Científico da Associação Brasileira de Déficit de Atenção (ABDA). Segundo a entidade, o Brasil tem hoje cerca de 2 milhões de adultos com o distúrbio.

Quando Rohde começa a detalhar os sintomas de TDAH em crianças, como deixar tarefas pela metade, agir antes de pensar ou não parar quieto por muito tempo, os pais costumam arregalar os olhos, incrédulos: “Nossa, você está descrevendo como eu era quando criança!”, “Peraí, doutor, eu também sou assim!” ou “Da próxima vez, vou marcar uma consulta para mim!”.

O coeficiente de herdabilidade do TDAH, explica o médico, é dos mais altos: 0.75. No campo da saúde mental, só perde para o do Transtorno do Espectro Autista (TEA): 0.8. “Na fase adulta, os sintomas mais proeminentes são desatenção, procrastinação e impulsividade”, destaca. “Há poucos adultos hiperativos. É uma característica mais presente em crianças, principalmente nos meninos”.

Foi com certo alívio que o advogado Guilherme Anders, de 51 anos, descobriu que tem TDAH. Ano passado, sua filha, Emanuela, de 22, recebeu o diagnóstico. Ao conversar com ela sobre a condição, se identificou com alguns dos sintomas e procurou fazer uma avaliação com uma neuropsicóloga. Não deu outra.

“Ao longo do tempo, desenvolvi estratégias para driblar os desafios do TDAH. Em alguns momentos, gasto mais energia que outras pessoas para executar determinadas tarefas. Mesmo assim, não vejo prejuízos. Certas características podem trazer uma visão diferente das situações e contribuir criativamente para as soluções”, filosofa Guilherme.

Adultos também precisam de tratamento

Na maioria das vezes, os pais, quando descobrem que os filhos têm o transtorno, costumam aderir ao tratamento, que consiste basicamente em remédio e psicoterapia. Mas, há exceções, alerta a psicóloga Márcia Verständig. “Alguns pais entendem que os filhos não precisam se tratar. ‘Se eu consegui superar as dificuldades’, raciocinam, ‘meus filhos também conseguirão’. Mas, sem tratamento, o TDAH pode trazer prejuízos. Quanto antes, melhor”, orienta a psicóloga, acrescentando que o transtorno pode ser dividido em três apresentações: déficit de atenção (quando os portadores são mais desatentos que impulsivos), hiperatividade (quando são mais impulsivos que desatentos) e combinado (tão impulsivos quanto desatentos).

A lista de malefícios em crianças é extensa e abrange conflitos familiares, notas baixas e poucos amigos. Em adultos, a situação não é diferente. No caso de Eduardo, diagnosticado com mais de 45 anos, o TDAH causou, entre outros estragos, empregos perdidos e amizades desfeitas. Até um casamento de mais de 20 anos esteve por um fio.

“Quando eu soube que tinha TDAH, entendi um monte de coisas. A irritabilidade, por exemplo. É bastante comum em adultos com diagnóstico. Por essas e outras, sofri preconceito, fui hostilizado e até falaram mal de mim”, lamenta Eduardo, que recebeu também o diagnóstico de Transtorno Explosivo Intermitente (TEI), incluído no último Manual Diagnóstico e Estatístico de Distúrbios Mentais (DSM-5).

Como desconfiar do TDAH

Para descobrir se o paciente tem TDAH, o pediatra, psiquiatra ou neurologista aplica um questionário, elaborado pela Associação Americana de Psiquiatria (APA, em inglês), com 18 sintomas, nove de desatenção e nove de hiperatividade e impulsividade. Se a criança ou adolescente apresenta, no mínimo, 12 deles, seis de desatenção e seis de hiperatividade e impulsividade, e o adulto, dez, sendo cinco de cada, liga o sinal amarelo.

Se esses sintomas estão presentes antes dos 12 anos, causam problemas em dois ambientes diferentes (casa e escola, por exemplo) e trazem prejuízos à vida pessoal, familiar, acadêmica e profissional, acende o alerta vermelho. Ainda não inventaram exame laboratorial ou de imagem que ajude a detectar o distúrbio que, segundo estimativas, atinge 5% da população infanto-juvenil e 2,5% da adulta.

Mas, atenção: não é porque o filho (ou a filha) tem TDAH que o pai (ou a mãe) será obrigado a ter. É o que explica o psiquiatra Elton Yoji Kanomata, do Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE), em São Paulo. “Nem toda pessoa desatenta, por exemplo, tem diagnóstico de TDAH. Em alguns casos, essa desatenção pode ser resultado de uma situação rotineira ou estressante. Em outros, pode ser sintoma dos mais variados transtornos, como ansiedade ou depressão. É preciso tomar cuidado para não banalizar o diagnóstico. Diagnósticos excessivos podem levar a tratamentos desnecessários”, adverte o médico.

Gabriel virou protagonista de uma trilogia escrita pelo próprio pai sobre TDAH.  Foto: Marcelo Chello

E os adultos que não têm filhos? Como saber se têm TDAH e não foram diagnosticados na infância? Bem, neste caso, é bom seguir algumas pistas. Distraídos, agitados e irritadiços, todos nós, em algum momento de nossas vidas, podemos ser. O que distingue o sujeito avoado, que vive com a cabeça nas nuvens ou no mundo da lua, daquele com transtorno é o prejuízo. Uma coisa é você esquecer de realizar uma tarefa importante porque está exausto, mas se lembrar dela na manhã seguinte. Outra, completamente diferente, é nunca terminar de fazer o que começou. E, por essa razão, perder prazos, pagar multas e levar broncas.

A exemplo de Eduardo e Guilherme, o empresário Ricardo Andrez, de 51 anos, também só descobriu o distúrbio depois do diagnóstico da filha, Beatriz, de 11 anos. Logo no início de sua vida escolar, quando começaram a surgir as primeiras dificuldades, a orientadora sugeriu o apoio de uma psicopedagoga. De especialista em especialistas, a família chegou ao veredicto em 2021.

“Não tinha conhecimento de que o TDAH poderia ser uma condição hereditária”, admite Ricardo. “Aprendemos a ‘contornar’ as armadilhas. Como eu costumo me esquecer de algumas tarefas, faço uso de post-its e os deixo em lugares visíveis para me lembrar. Levamos uma vida completamente normal, sem limitações ou qualquer tipo de problema”, orgulha-se.

Quanto ao Gabriel, o menino do início da reportagem, ele virou protagonista de uma trilogia escrita pelo próprio pai e ilustrada por Paulo Stocker: Elétrico (2019), Distraído (2020) e Falante (2021), todos da Literare Books. Hoje, aos 15 anos, lê e escreve bem, é criativo, responsável e talentoso, e demonstra forte aptidão pelo desenho.

“Não queria fazer um livro técnico ou didático. Queria combater o preconceito. Mostrar que o TDAH não é um mito. Há quem pense que não existe, mas já foi comprovado cientificamente que sim. Quanto ao Gabriel, ele se orgulha muito de ter inspirado as histórias. É como se ele também tivesse escrito os livros”, brinca.

Certo dia, Gabriel, um garoto sempre alegre e falante, chegou em casa, triste e calado. Ao ser indagado sobre o que tinha acontecido na escola, respondeu que foi chamado de “maluco” por um colega de turma. Na mesma hora, o pai pegou um dicionário e, ao lado do filho, saiu à procura do verbete. Entre outros sinônimos, descobriu dois que considera marcantes: “diferente” e “peculiar”. “Ser diferente é o que faz a sociedade evoluir e a torna mais democrática. Ou seja, mostrei ao Gabriel que ‘maluco’ não tinha apenas sentido negativo”, explica o escritor Eduardo Ferrari, de 55 anos. “Quanto à outra definição, ele a usa constantemente. Quando alguém pergunta como se define, meu filho responde: ‘Sou peculiar!’”.

Gabriel tinha apenas 5 anos quando começou a apresentar os primeiros traços de desatenção. À época, não conseguia contar de um a dez. Por sugestão da escola, os pais o levaram a uma fonoaudióloga que, na dúvida, indicou outros especialistas. Dois anos e dezenas de consultas depois, com psicólogos, psiquiatras e neurologistas, saiu o diagnóstico: transtorno de déficit de atenção e hiperatividade.

“Toda vez que o médico falava de alguma dificuldade do Gabriel, é como se ele falasse das minhas próprias dificuldades. Assim como ele, eu também, quando criança, tive problema de alfabetização. Também fui alfabetizado tardiamente”, relata Eduardo que não demorou para descobrir que, a exemplo do filho, também tem TDAH.

O escritor Eduardo Ferrari, 55, descobriu ter TDAH depois que o filho, Gabriel, foi diagnosticado com o transtorno. Foto: Marcelo Chello

Casos como o de Eduardo, que descobriu ter TDAH depois do diagnóstico do filho, são “extremamente comuns”. Quem garante é o psiquiatra Luis Augusto Rohde, professor titular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e vice-presidente do Conselho Científico da Associação Brasileira de Déficit de Atenção (ABDA). Segundo a entidade, o Brasil tem hoje cerca de 2 milhões de adultos com o distúrbio.

Quando Rohde começa a detalhar os sintomas de TDAH em crianças, como deixar tarefas pela metade, agir antes de pensar ou não parar quieto por muito tempo, os pais costumam arregalar os olhos, incrédulos: “Nossa, você está descrevendo como eu era quando criança!”, “Peraí, doutor, eu também sou assim!” ou “Da próxima vez, vou marcar uma consulta para mim!”.

O coeficiente de herdabilidade do TDAH, explica o médico, é dos mais altos: 0.75. No campo da saúde mental, só perde para o do Transtorno do Espectro Autista (TEA): 0.8. “Na fase adulta, os sintomas mais proeminentes são desatenção, procrastinação e impulsividade”, destaca. “Há poucos adultos hiperativos. É uma característica mais presente em crianças, principalmente nos meninos”.

Foi com certo alívio que o advogado Guilherme Anders, de 51 anos, descobriu que tem TDAH. Ano passado, sua filha, Emanuela, de 22, recebeu o diagnóstico. Ao conversar com ela sobre a condição, se identificou com alguns dos sintomas e procurou fazer uma avaliação com uma neuropsicóloga. Não deu outra.

“Ao longo do tempo, desenvolvi estratégias para driblar os desafios do TDAH. Em alguns momentos, gasto mais energia que outras pessoas para executar determinadas tarefas. Mesmo assim, não vejo prejuízos. Certas características podem trazer uma visão diferente das situações e contribuir criativamente para as soluções”, filosofa Guilherme.

Adultos também precisam de tratamento

Na maioria das vezes, os pais, quando descobrem que os filhos têm o transtorno, costumam aderir ao tratamento, que consiste basicamente em remédio e psicoterapia. Mas, há exceções, alerta a psicóloga Márcia Verständig. “Alguns pais entendem que os filhos não precisam se tratar. ‘Se eu consegui superar as dificuldades’, raciocinam, ‘meus filhos também conseguirão’. Mas, sem tratamento, o TDAH pode trazer prejuízos. Quanto antes, melhor”, orienta a psicóloga, acrescentando que o transtorno pode ser dividido em três apresentações: déficit de atenção (quando os portadores são mais desatentos que impulsivos), hiperatividade (quando são mais impulsivos que desatentos) e combinado (tão impulsivos quanto desatentos).

A lista de malefícios em crianças é extensa e abrange conflitos familiares, notas baixas e poucos amigos. Em adultos, a situação não é diferente. No caso de Eduardo, diagnosticado com mais de 45 anos, o TDAH causou, entre outros estragos, empregos perdidos e amizades desfeitas. Até um casamento de mais de 20 anos esteve por um fio.

“Quando eu soube que tinha TDAH, entendi um monte de coisas. A irritabilidade, por exemplo. É bastante comum em adultos com diagnóstico. Por essas e outras, sofri preconceito, fui hostilizado e até falaram mal de mim”, lamenta Eduardo, que recebeu também o diagnóstico de Transtorno Explosivo Intermitente (TEI), incluído no último Manual Diagnóstico e Estatístico de Distúrbios Mentais (DSM-5).

Como desconfiar do TDAH

Para descobrir se o paciente tem TDAH, o pediatra, psiquiatra ou neurologista aplica um questionário, elaborado pela Associação Americana de Psiquiatria (APA, em inglês), com 18 sintomas, nove de desatenção e nove de hiperatividade e impulsividade. Se a criança ou adolescente apresenta, no mínimo, 12 deles, seis de desatenção e seis de hiperatividade e impulsividade, e o adulto, dez, sendo cinco de cada, liga o sinal amarelo.

Se esses sintomas estão presentes antes dos 12 anos, causam problemas em dois ambientes diferentes (casa e escola, por exemplo) e trazem prejuízos à vida pessoal, familiar, acadêmica e profissional, acende o alerta vermelho. Ainda não inventaram exame laboratorial ou de imagem que ajude a detectar o distúrbio que, segundo estimativas, atinge 5% da população infanto-juvenil e 2,5% da adulta.

Mas, atenção: não é porque o filho (ou a filha) tem TDAH que o pai (ou a mãe) será obrigado a ter. É o que explica o psiquiatra Elton Yoji Kanomata, do Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE), em São Paulo. “Nem toda pessoa desatenta, por exemplo, tem diagnóstico de TDAH. Em alguns casos, essa desatenção pode ser resultado de uma situação rotineira ou estressante. Em outros, pode ser sintoma dos mais variados transtornos, como ansiedade ou depressão. É preciso tomar cuidado para não banalizar o diagnóstico. Diagnósticos excessivos podem levar a tratamentos desnecessários”, adverte o médico.

Gabriel virou protagonista de uma trilogia escrita pelo próprio pai sobre TDAH.  Foto: Marcelo Chello

E os adultos que não têm filhos? Como saber se têm TDAH e não foram diagnosticados na infância? Bem, neste caso, é bom seguir algumas pistas. Distraídos, agitados e irritadiços, todos nós, em algum momento de nossas vidas, podemos ser. O que distingue o sujeito avoado, que vive com a cabeça nas nuvens ou no mundo da lua, daquele com transtorno é o prejuízo. Uma coisa é você esquecer de realizar uma tarefa importante porque está exausto, mas se lembrar dela na manhã seguinte. Outra, completamente diferente, é nunca terminar de fazer o que começou. E, por essa razão, perder prazos, pagar multas e levar broncas.

A exemplo de Eduardo e Guilherme, o empresário Ricardo Andrez, de 51 anos, também só descobriu o distúrbio depois do diagnóstico da filha, Beatriz, de 11 anos. Logo no início de sua vida escolar, quando começaram a surgir as primeiras dificuldades, a orientadora sugeriu o apoio de uma psicopedagoga. De especialista em especialistas, a família chegou ao veredicto em 2021.

“Não tinha conhecimento de que o TDAH poderia ser uma condição hereditária”, admite Ricardo. “Aprendemos a ‘contornar’ as armadilhas. Como eu costumo me esquecer de algumas tarefas, faço uso de post-its e os deixo em lugares visíveis para me lembrar. Levamos uma vida completamente normal, sem limitações ou qualquer tipo de problema”, orgulha-se.

Quanto ao Gabriel, o menino do início da reportagem, ele virou protagonista de uma trilogia escrita pelo próprio pai e ilustrada por Paulo Stocker: Elétrico (2019), Distraído (2020) e Falante (2021), todos da Literare Books. Hoje, aos 15 anos, lê e escreve bem, é criativo, responsável e talentoso, e demonstra forte aptidão pelo desenho.

“Não queria fazer um livro técnico ou didático. Queria combater o preconceito. Mostrar que o TDAH não é um mito. Há quem pense que não existe, mas já foi comprovado cientificamente que sim. Quanto ao Gabriel, ele se orgulha muito de ter inspirado as histórias. É como se ele também tivesse escrito os livros”, brinca.

Certo dia, Gabriel, um garoto sempre alegre e falante, chegou em casa, triste e calado. Ao ser indagado sobre o que tinha acontecido na escola, respondeu que foi chamado de “maluco” por um colega de turma. Na mesma hora, o pai pegou um dicionário e, ao lado do filho, saiu à procura do verbete. Entre outros sinônimos, descobriu dois que considera marcantes: “diferente” e “peculiar”. “Ser diferente é o que faz a sociedade evoluir e a torna mais democrática. Ou seja, mostrei ao Gabriel que ‘maluco’ não tinha apenas sentido negativo”, explica o escritor Eduardo Ferrari, de 55 anos. “Quanto à outra definição, ele a usa constantemente. Quando alguém pergunta como se define, meu filho responde: ‘Sou peculiar!’”.

Gabriel tinha apenas 5 anos quando começou a apresentar os primeiros traços de desatenção. À época, não conseguia contar de um a dez. Por sugestão da escola, os pais o levaram a uma fonoaudióloga que, na dúvida, indicou outros especialistas. Dois anos e dezenas de consultas depois, com psicólogos, psiquiatras e neurologistas, saiu o diagnóstico: transtorno de déficit de atenção e hiperatividade.

“Toda vez que o médico falava de alguma dificuldade do Gabriel, é como se ele falasse das minhas próprias dificuldades. Assim como ele, eu também, quando criança, tive problema de alfabetização. Também fui alfabetizado tardiamente”, relata Eduardo que não demorou para descobrir que, a exemplo do filho, também tem TDAH.

O escritor Eduardo Ferrari, 55, descobriu ter TDAH depois que o filho, Gabriel, foi diagnosticado com o transtorno. Foto: Marcelo Chello

Casos como o de Eduardo, que descobriu ter TDAH depois do diagnóstico do filho, são “extremamente comuns”. Quem garante é o psiquiatra Luis Augusto Rohde, professor titular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e vice-presidente do Conselho Científico da Associação Brasileira de Déficit de Atenção (ABDA). Segundo a entidade, o Brasil tem hoje cerca de 2 milhões de adultos com o distúrbio.

Quando Rohde começa a detalhar os sintomas de TDAH em crianças, como deixar tarefas pela metade, agir antes de pensar ou não parar quieto por muito tempo, os pais costumam arregalar os olhos, incrédulos: “Nossa, você está descrevendo como eu era quando criança!”, “Peraí, doutor, eu também sou assim!” ou “Da próxima vez, vou marcar uma consulta para mim!”.

O coeficiente de herdabilidade do TDAH, explica o médico, é dos mais altos: 0.75. No campo da saúde mental, só perde para o do Transtorno do Espectro Autista (TEA): 0.8. “Na fase adulta, os sintomas mais proeminentes são desatenção, procrastinação e impulsividade”, destaca. “Há poucos adultos hiperativos. É uma característica mais presente em crianças, principalmente nos meninos”.

Foi com certo alívio que o advogado Guilherme Anders, de 51 anos, descobriu que tem TDAH. Ano passado, sua filha, Emanuela, de 22, recebeu o diagnóstico. Ao conversar com ela sobre a condição, se identificou com alguns dos sintomas e procurou fazer uma avaliação com uma neuropsicóloga. Não deu outra.

“Ao longo do tempo, desenvolvi estratégias para driblar os desafios do TDAH. Em alguns momentos, gasto mais energia que outras pessoas para executar determinadas tarefas. Mesmo assim, não vejo prejuízos. Certas características podem trazer uma visão diferente das situações e contribuir criativamente para as soluções”, filosofa Guilherme.

Adultos também precisam de tratamento

Na maioria das vezes, os pais, quando descobrem que os filhos têm o transtorno, costumam aderir ao tratamento, que consiste basicamente em remédio e psicoterapia. Mas, há exceções, alerta a psicóloga Márcia Verständig. “Alguns pais entendem que os filhos não precisam se tratar. ‘Se eu consegui superar as dificuldades’, raciocinam, ‘meus filhos também conseguirão’. Mas, sem tratamento, o TDAH pode trazer prejuízos. Quanto antes, melhor”, orienta a psicóloga, acrescentando que o transtorno pode ser dividido em três apresentações: déficit de atenção (quando os portadores são mais desatentos que impulsivos), hiperatividade (quando são mais impulsivos que desatentos) e combinado (tão impulsivos quanto desatentos).

A lista de malefícios em crianças é extensa e abrange conflitos familiares, notas baixas e poucos amigos. Em adultos, a situação não é diferente. No caso de Eduardo, diagnosticado com mais de 45 anos, o TDAH causou, entre outros estragos, empregos perdidos e amizades desfeitas. Até um casamento de mais de 20 anos esteve por um fio.

“Quando eu soube que tinha TDAH, entendi um monte de coisas. A irritabilidade, por exemplo. É bastante comum em adultos com diagnóstico. Por essas e outras, sofri preconceito, fui hostilizado e até falaram mal de mim”, lamenta Eduardo, que recebeu também o diagnóstico de Transtorno Explosivo Intermitente (TEI), incluído no último Manual Diagnóstico e Estatístico de Distúrbios Mentais (DSM-5).

Como desconfiar do TDAH

Para descobrir se o paciente tem TDAH, o pediatra, psiquiatra ou neurologista aplica um questionário, elaborado pela Associação Americana de Psiquiatria (APA, em inglês), com 18 sintomas, nove de desatenção e nove de hiperatividade e impulsividade. Se a criança ou adolescente apresenta, no mínimo, 12 deles, seis de desatenção e seis de hiperatividade e impulsividade, e o adulto, dez, sendo cinco de cada, liga o sinal amarelo.

Se esses sintomas estão presentes antes dos 12 anos, causam problemas em dois ambientes diferentes (casa e escola, por exemplo) e trazem prejuízos à vida pessoal, familiar, acadêmica e profissional, acende o alerta vermelho. Ainda não inventaram exame laboratorial ou de imagem que ajude a detectar o distúrbio que, segundo estimativas, atinge 5% da população infanto-juvenil e 2,5% da adulta.

Mas, atenção: não é porque o filho (ou a filha) tem TDAH que o pai (ou a mãe) será obrigado a ter. É o que explica o psiquiatra Elton Yoji Kanomata, do Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE), em São Paulo. “Nem toda pessoa desatenta, por exemplo, tem diagnóstico de TDAH. Em alguns casos, essa desatenção pode ser resultado de uma situação rotineira ou estressante. Em outros, pode ser sintoma dos mais variados transtornos, como ansiedade ou depressão. É preciso tomar cuidado para não banalizar o diagnóstico. Diagnósticos excessivos podem levar a tratamentos desnecessários”, adverte o médico.

Gabriel virou protagonista de uma trilogia escrita pelo próprio pai sobre TDAH.  Foto: Marcelo Chello

E os adultos que não têm filhos? Como saber se têm TDAH e não foram diagnosticados na infância? Bem, neste caso, é bom seguir algumas pistas. Distraídos, agitados e irritadiços, todos nós, em algum momento de nossas vidas, podemos ser. O que distingue o sujeito avoado, que vive com a cabeça nas nuvens ou no mundo da lua, daquele com transtorno é o prejuízo. Uma coisa é você esquecer de realizar uma tarefa importante porque está exausto, mas se lembrar dela na manhã seguinte. Outra, completamente diferente, é nunca terminar de fazer o que começou. E, por essa razão, perder prazos, pagar multas e levar broncas.

A exemplo de Eduardo e Guilherme, o empresário Ricardo Andrez, de 51 anos, também só descobriu o distúrbio depois do diagnóstico da filha, Beatriz, de 11 anos. Logo no início de sua vida escolar, quando começaram a surgir as primeiras dificuldades, a orientadora sugeriu o apoio de uma psicopedagoga. De especialista em especialistas, a família chegou ao veredicto em 2021.

“Não tinha conhecimento de que o TDAH poderia ser uma condição hereditária”, admite Ricardo. “Aprendemos a ‘contornar’ as armadilhas. Como eu costumo me esquecer de algumas tarefas, faço uso de post-its e os deixo em lugares visíveis para me lembrar. Levamos uma vida completamente normal, sem limitações ou qualquer tipo de problema”, orgulha-se.

Quanto ao Gabriel, o menino do início da reportagem, ele virou protagonista de uma trilogia escrita pelo próprio pai e ilustrada por Paulo Stocker: Elétrico (2019), Distraído (2020) e Falante (2021), todos da Literare Books. Hoje, aos 15 anos, lê e escreve bem, é criativo, responsável e talentoso, e demonstra forte aptidão pelo desenho.

“Não queria fazer um livro técnico ou didático. Queria combater o preconceito. Mostrar que o TDAH não é um mito. Há quem pense que não existe, mas já foi comprovado cientificamente que sim. Quanto ao Gabriel, ele se orgulha muito de ter inspirado as histórias. É como se ele também tivesse escrito os livros”, brinca.

Certo dia, Gabriel, um garoto sempre alegre e falante, chegou em casa, triste e calado. Ao ser indagado sobre o que tinha acontecido na escola, respondeu que foi chamado de “maluco” por um colega de turma. Na mesma hora, o pai pegou um dicionário e, ao lado do filho, saiu à procura do verbete. Entre outros sinônimos, descobriu dois que considera marcantes: “diferente” e “peculiar”. “Ser diferente é o que faz a sociedade evoluir e a torna mais democrática. Ou seja, mostrei ao Gabriel que ‘maluco’ não tinha apenas sentido negativo”, explica o escritor Eduardo Ferrari, de 55 anos. “Quanto à outra definição, ele a usa constantemente. Quando alguém pergunta como se define, meu filho responde: ‘Sou peculiar!’”.

Gabriel tinha apenas 5 anos quando começou a apresentar os primeiros traços de desatenção. À época, não conseguia contar de um a dez. Por sugestão da escola, os pais o levaram a uma fonoaudióloga que, na dúvida, indicou outros especialistas. Dois anos e dezenas de consultas depois, com psicólogos, psiquiatras e neurologistas, saiu o diagnóstico: transtorno de déficit de atenção e hiperatividade.

“Toda vez que o médico falava de alguma dificuldade do Gabriel, é como se ele falasse das minhas próprias dificuldades. Assim como ele, eu também, quando criança, tive problema de alfabetização. Também fui alfabetizado tardiamente”, relata Eduardo que não demorou para descobrir que, a exemplo do filho, também tem TDAH.

O escritor Eduardo Ferrari, 55, descobriu ter TDAH depois que o filho, Gabriel, foi diagnosticado com o transtorno. Foto: Marcelo Chello

Casos como o de Eduardo, que descobriu ter TDAH depois do diagnóstico do filho, são “extremamente comuns”. Quem garante é o psiquiatra Luis Augusto Rohde, professor titular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e vice-presidente do Conselho Científico da Associação Brasileira de Déficit de Atenção (ABDA). Segundo a entidade, o Brasil tem hoje cerca de 2 milhões de adultos com o distúrbio.

Quando Rohde começa a detalhar os sintomas de TDAH em crianças, como deixar tarefas pela metade, agir antes de pensar ou não parar quieto por muito tempo, os pais costumam arregalar os olhos, incrédulos: “Nossa, você está descrevendo como eu era quando criança!”, “Peraí, doutor, eu também sou assim!” ou “Da próxima vez, vou marcar uma consulta para mim!”.

O coeficiente de herdabilidade do TDAH, explica o médico, é dos mais altos: 0.75. No campo da saúde mental, só perde para o do Transtorno do Espectro Autista (TEA): 0.8. “Na fase adulta, os sintomas mais proeminentes são desatenção, procrastinação e impulsividade”, destaca. “Há poucos adultos hiperativos. É uma característica mais presente em crianças, principalmente nos meninos”.

Foi com certo alívio que o advogado Guilherme Anders, de 51 anos, descobriu que tem TDAH. Ano passado, sua filha, Emanuela, de 22, recebeu o diagnóstico. Ao conversar com ela sobre a condição, se identificou com alguns dos sintomas e procurou fazer uma avaliação com uma neuropsicóloga. Não deu outra.

“Ao longo do tempo, desenvolvi estratégias para driblar os desafios do TDAH. Em alguns momentos, gasto mais energia que outras pessoas para executar determinadas tarefas. Mesmo assim, não vejo prejuízos. Certas características podem trazer uma visão diferente das situações e contribuir criativamente para as soluções”, filosofa Guilherme.

Adultos também precisam de tratamento

Na maioria das vezes, os pais, quando descobrem que os filhos têm o transtorno, costumam aderir ao tratamento, que consiste basicamente em remédio e psicoterapia. Mas, há exceções, alerta a psicóloga Márcia Verständig. “Alguns pais entendem que os filhos não precisam se tratar. ‘Se eu consegui superar as dificuldades’, raciocinam, ‘meus filhos também conseguirão’. Mas, sem tratamento, o TDAH pode trazer prejuízos. Quanto antes, melhor”, orienta a psicóloga, acrescentando que o transtorno pode ser dividido em três apresentações: déficit de atenção (quando os portadores são mais desatentos que impulsivos), hiperatividade (quando são mais impulsivos que desatentos) e combinado (tão impulsivos quanto desatentos).

A lista de malefícios em crianças é extensa e abrange conflitos familiares, notas baixas e poucos amigos. Em adultos, a situação não é diferente. No caso de Eduardo, diagnosticado com mais de 45 anos, o TDAH causou, entre outros estragos, empregos perdidos e amizades desfeitas. Até um casamento de mais de 20 anos esteve por um fio.

“Quando eu soube que tinha TDAH, entendi um monte de coisas. A irritabilidade, por exemplo. É bastante comum em adultos com diagnóstico. Por essas e outras, sofri preconceito, fui hostilizado e até falaram mal de mim”, lamenta Eduardo, que recebeu também o diagnóstico de Transtorno Explosivo Intermitente (TEI), incluído no último Manual Diagnóstico e Estatístico de Distúrbios Mentais (DSM-5).

Como desconfiar do TDAH

Para descobrir se o paciente tem TDAH, o pediatra, psiquiatra ou neurologista aplica um questionário, elaborado pela Associação Americana de Psiquiatria (APA, em inglês), com 18 sintomas, nove de desatenção e nove de hiperatividade e impulsividade. Se a criança ou adolescente apresenta, no mínimo, 12 deles, seis de desatenção e seis de hiperatividade e impulsividade, e o adulto, dez, sendo cinco de cada, liga o sinal amarelo.

Se esses sintomas estão presentes antes dos 12 anos, causam problemas em dois ambientes diferentes (casa e escola, por exemplo) e trazem prejuízos à vida pessoal, familiar, acadêmica e profissional, acende o alerta vermelho. Ainda não inventaram exame laboratorial ou de imagem que ajude a detectar o distúrbio que, segundo estimativas, atinge 5% da população infanto-juvenil e 2,5% da adulta.

Mas, atenção: não é porque o filho (ou a filha) tem TDAH que o pai (ou a mãe) será obrigado a ter. É o que explica o psiquiatra Elton Yoji Kanomata, do Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE), em São Paulo. “Nem toda pessoa desatenta, por exemplo, tem diagnóstico de TDAH. Em alguns casos, essa desatenção pode ser resultado de uma situação rotineira ou estressante. Em outros, pode ser sintoma dos mais variados transtornos, como ansiedade ou depressão. É preciso tomar cuidado para não banalizar o diagnóstico. Diagnósticos excessivos podem levar a tratamentos desnecessários”, adverte o médico.

Gabriel virou protagonista de uma trilogia escrita pelo próprio pai sobre TDAH.  Foto: Marcelo Chello

E os adultos que não têm filhos? Como saber se têm TDAH e não foram diagnosticados na infância? Bem, neste caso, é bom seguir algumas pistas. Distraídos, agitados e irritadiços, todos nós, em algum momento de nossas vidas, podemos ser. O que distingue o sujeito avoado, que vive com a cabeça nas nuvens ou no mundo da lua, daquele com transtorno é o prejuízo. Uma coisa é você esquecer de realizar uma tarefa importante porque está exausto, mas se lembrar dela na manhã seguinte. Outra, completamente diferente, é nunca terminar de fazer o que começou. E, por essa razão, perder prazos, pagar multas e levar broncas.

A exemplo de Eduardo e Guilherme, o empresário Ricardo Andrez, de 51 anos, também só descobriu o distúrbio depois do diagnóstico da filha, Beatriz, de 11 anos. Logo no início de sua vida escolar, quando começaram a surgir as primeiras dificuldades, a orientadora sugeriu o apoio de uma psicopedagoga. De especialista em especialistas, a família chegou ao veredicto em 2021.

“Não tinha conhecimento de que o TDAH poderia ser uma condição hereditária”, admite Ricardo. “Aprendemos a ‘contornar’ as armadilhas. Como eu costumo me esquecer de algumas tarefas, faço uso de post-its e os deixo em lugares visíveis para me lembrar. Levamos uma vida completamente normal, sem limitações ou qualquer tipo de problema”, orgulha-se.

Quanto ao Gabriel, o menino do início da reportagem, ele virou protagonista de uma trilogia escrita pelo próprio pai e ilustrada por Paulo Stocker: Elétrico (2019), Distraído (2020) e Falante (2021), todos da Literare Books. Hoje, aos 15 anos, lê e escreve bem, é criativo, responsável e talentoso, e demonstra forte aptidão pelo desenho.

“Não queria fazer um livro técnico ou didático. Queria combater o preconceito. Mostrar que o TDAH não é um mito. Há quem pense que não existe, mas já foi comprovado cientificamente que sim. Quanto ao Gabriel, ele se orgulha muito de ter inspirado as histórias. É como se ele também tivesse escrito os livros”, brinca.

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