Dengue: Não adianta vacinar se esquecermos de eliminar criadouros do mosquito, alerta pesquisador


Ricardo Lourenço de Oliveira é pesquisador do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) e um dos principais estudiosos sobre mosquitos de importância sanitária no Brasil

Por Leon Ferrari
Foto: Josué Damacena/IOC/Fiocruz
Entrevista comRicardo Lourenço de OliveiraPesquisador do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) e autor do livro 'Principais mosquitos de importância sanitária no Brasil'

Não é de hoje que o Aedes Aegypti causa transtornos. Originário da África, ele inclusive carrega o apelido de “odioso do Egito”. Provavelmente, espalhou-se pelo mundo com os comércios transatlânticos e, de lá para cá, tornou-se uma das espécies exóticas invasoras mais famosas e também preocupantes em países de clima tropical. Afinal, é o vetor urbano de doenças como dengue, zika, chikungunya e febre amarela.

A previsão menos otimista é de que, neste ano, o Brasil tenha 4,2 milhões de casos de dengue – o dobro do que foi registrado em 2023, quando o número de casos já foi desafiador. É algo nunca visto antes. Segundo Ricardo Lourenço de Oliveira, pesquisador do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) e um dos principais estudiosos do mundo sobre os mosquitos de importância sanitária no Brasil, a dimensão da crise tem tudo a ver com o mosquito listrado de poucos centímetros.

“Quanto mais mosquitos têm voando em uma dada área, maior a chance de acontecer um encontro com uma pessoa infectada”, diz, em entrevista ao Estadão. Por consequência, mais insetos sobrevivem ao período de incubação do vírus em seu próprio corpo, e mais chance, então, de encontrarem alguém não infectado para picar.

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Ricardo Lourenço de Oliveira é um dos principais estudiosos do mundo sobre os mosquitos de importância sanitária no Brasil Foto: Josué Damacena/IOC/Fiocruz

Após décadas de pesquisa, finalmente uma vacina contra a dengue que pode ser aplicada amplamente na população foi aprovada. Ela chegou ao mercado e foi incorporada ao Sistema Único de Saúde (SUS), mas, por ora, poucas doses estão disponíveis. Lourenço de Oliveira destaca que, mesmo quando a vacinação avançar, não podemos esquecer de eliminar o mosquito vetor.

A própria história de como o mosquito virou essa grande ameaça à saúde pública no mundo inteiro justifica a preocupação do pesquisador. “Não tem vacina para todos os arbovírus (ou seja, os vírus transmitidos por artrópodes, como o mosquito). Se não tiver epidemia de dengue, vai ter epidemia de chikungunya, zika ou febre amarela urbana. Ou vai surgir um vírus que vai sair da floresta e vai vir para um ambiente urbano. Tudo é possível”, alerta o pesquisador, um dos autores do livro “Principais mosquitos de importância sanitária no Brasil”.

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Confira os principais trechos da entrevista:

Quem é o Aedes aegypti? Como ele chegou no Brasil?

É um mosquito africano que se espalhou pelo mundo sobretudo através dos comércios transatlânticos. Chegou na região do Pacífico e na Ásia mais tarde, mas o nosso continente, na costa oeste, exportou o mosquito muito mais precocemente.

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É um mosquito que, originalmente, era selvagem, mas se adaptou ao ambiente humano, chamado antrópico, onde ele passa a se alimentar principalmente do sangue humano e a usar os depósitos de água que o homem deixa disponível como local de criação.

É um mosquito diurno, que tem atividades durante o dia. Mas tem picos de atividade, seja de cópula ou de alimentação sanguínea, nos crepúsculos matutino e vespertino.

Por que o Aedes aegypti se deu tão bem no Brasil? Ele triunfou mais aqui do que em outros países?

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Não vejo isso dessa forma. Nos países onde ele invadiu e que o clima era temperado, teve mais dificuldade de se manter. Ele consegue fazer um aumento de população somente no verão e na primavera. No caso da Argentina, do Uruguai, da Flórida, nos Estados Unidos, e em alguns países do Mediterrâneo, ele tem uma dificuldade de se manter durante o ano todo, por causa do clima frio e muito seco em algumas épocas.

Em países tropicais do mundo, na América, inclusive no Caribe, o mosquito é muito frequente. Não diria que tem mais sucesso no Brasil do que em outros países que têm clima, hábitos e questões de infraestrutura e saneamento básico parecidos com os do Brasil.

Como foi esse processo de transformação de selvagem para adaptado ao ambiente urbano?

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Com muitos animais foi assim. O rato, a barata, outros mosquitos, a lagartixa. Vários bichos começam a ter uma competição maior num ambiente silvestre e algumas populações, com uma plasticidade genética maior, conseguem se adaptar e vão experimentando um ambiente diferente, vão selecionando subpopulações que, depois, se adaptam e proliferam num nicho que estava desocupado.

Na África, as larvas do Aedes Aegypti se criavam originalmente em escavações em rocha. Quando os humanos começam a fazer potes de cerâmica e barro, além de usar pedras ou coisas de pedra para guardar água, o inseto foi se adaptando àquele ambiente. Para ele, foi muito vantajoso, porque escapou da competição com outros mosquitos pelo ambiente para criação das larvas e também para alimentação sanguínea.

Na África, ainda existem populações que eles chamam de Aedes Aegypti formosos, uma forma mais escura do que o que está espalhado pelo mundo, e que vive em ambientes silvestres. Mas vive muito a transição entre o silvestre e o ambiente rural.

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Há muitos estudos genéticos que mostram como esse mosquito foi se adaptando com os marcadores genéticos que foram avançando, como o da resistência a inseticidas. No Brasil, vemos muitas áreas, como as cidades do Nordeste e algumas cidades do litoral do Sudeste, que têm uma taxa de resistência a inseticidas alta, e que as populações originais (de mosquitos) não tinham.

Quando ele era selvagem já carregava esses arbovírus, como o da dengue?

Esses arbovírus, em geral, só foram descobertos no século passado. No passado longínquo, o Aedes Aegypti deve ter tido contato com esses os vírus (que causam dengue, febre amarela, chikunguna e zika), mas não foi ele quem arrancou esses vírus da floresta e trouxe para o ambiente urbano. Provavelmente, não foi ele quem trouxe dengue, chikunguna, zika e febre amarela para o nosso continente.

Devem ter sido humanos infectados que vieram em barcos – e, agora, em aviões. O mosquito não consegue atravessar o oceano voando nem com o vento. Pode ser que no navio negreiro tinha transmissão, por causa dos toneis de água lá dentro. Bem no início do século passado já teve epidemia de dengue aqui.

Sabemos qual é o tamanho da população de Aedes Aegypti no Brasil? Isso tem a ver com número de infecções por arbovírus?

Não temos ideia do tamanho da população. O que se faz é um levantamento a partir dos criadouros, a partir do encontro ou da frequência do encontro de formas imaturas (do mosquito). Mas identificar uma forma imatura no criadouro não significa que ela vai chegar à forma adulta. Tem o ovo, quatro estágios larvais, a pulpa e o adulto. Se você encontra um criadouro, com uma larva de segundo estágio, você (já) bota lá ‘na casa tal, um criadouro’, ‘na casa tal, dois criadouros’, ‘naquele quarteirão, dez criadouros’. Poxa, a população ali está alta, mas não se sabe exatamente quanto. Não temos ideia da população, o que temos são vários índices que são calculados e que dão uma ideia da infestação naquela região, naquele bairro ou naquele quarteirão.

O tamanho da população influencia demais (no número de infecções) por vários motivos. Quanto mais mosquitos têm voando em uma dada área, maior a chance de ter um encontro com uma pessoa infectada. Então, a probabilidade de o Aedes Aegypti adquirir a infecção sobe.

Nem todo Aedes aegypti vai se infectar e nem todos que picarem uma pessoa infectada terão replicação do vírus até chegar na glândula salivar. O mosquito tem barreiras de defesa no organismo dele, que são também, em parte, determinadas geneticamente (há uma barreira no estômago, outra na cavidade geral e outra na glândula salivar).

A jornada do vírus até de fato chegar à saliva demora, no mínimo, sete dias. Durante esse período, o mosquito vai desovar umas duas vezes, e cada desova não é simples: é cansativo e ele se expõe aos predadores, à chuva, ao inseticida, enfim, à muita coisa, e pode morrer. Por isso, se a população é baixa, a gente tem uma redução rápida na transmissão (da dengue).

Tem outro detalhe que é a transmissão vertical do vírus. Parte dos ovos de uma fêmea que está infectada e grávida já sai infectada com o vírus. Isso vai fazer com que não seja necessário ter um humano infectado naquele local para começar de novo uma transmissão. Então, se a população do mosquito é grande, maior a chance de a fêmea infectada transmitir e também de liberar ovos na natureza que já estão com o vírus.

Por isso, a comunidade tem um papel enorme de não deixar água parada, tampar ralos e vedar as caixas d’água e cisternas. Não é cobrir, porque o mosquito acha um buraquinho para passar. Tem que vedar. Reduzir a população do mosquito ao máximo é o ponto principal para para interromper a transmissão. Fazemos isso, principalmente, com a eliminação dos criadouros.

Reduzir a população do mosquito Aedes aegypti ao máximo é o ponto principal para interromper a transmissão de dengue

Ricardo Lourenço de Oliveira, pesquisador e um dos principais estudiosos do mundo sobre os mosquitos de importância sanitária no Brasil

Por que é difícil controlar o mosquito? É verdade que as medidas clássicas de controle, como uso de inseticidas e campanhas de conscientização sobre eliminação de criadouros, são importantes, mas pouco eficazes?

As medidas não são pouco eficazes. A eficácia depende da implementação das medidas de forma eficiente. As pessoas relaxam. Como acham que aquilo não mata, deixa o mosquito pra lá, não fica olhando, acha que é culpa do vizinho, e o serviço (de controle de endemias) às vezes tem muito menos pessoal para trabalhar em algumas épocas do ano.

Os inseticidas são uma ferramenta, mas a principal coisa é eliminar o foco, porque o inseticida não vai achar todo mosquito e criadouro. E há outras iniciativas, como mosquitos que são geneticamente modificados, que carregam a bactéria Wolbachia (ela bloqueia a transmissão de arboviroroses). Mas todo método tem que ser obrigatoriamente associado ao combate dos criadouros. Um método sozinho não adianta.

Há alguma relação entre as mudanças climáticas e tamanho da população do mosquito e na dispersão dela? O que já sabemos?

Parece que algumas áreas não tinham Aedes aegypti e estão tendo por causa de momentos de temperaturas elevadas ou períodos de temperaturas maiores durante o ano.

Não tenho como dizer que é uma coisa de causa e efeito ainda, mas há indicações de que esse aquecimento, ou seja, mais dias de calor, com temperaturas médias mais altas, está fazendo com que ele (o mosquito) consiga ocupar áreas que não tinha ocupado no passado.

Agora temos uma indicação de vacina contra a dengue que pode ser aplicada mais amplamente na população. Ainda há poucas doses, mas, no futuro, vai adiantar termos uma população amplamente vacinada, mas sem controlar o mosquito adequadamente?

Não. Porque não tem vacina para todos os arbovírus. Se não tiver epidemia de dengue, vai ter epidemia de chikungunya, zika ou febre amarela urbana. Ou vai surgir um vírus que vai sair da floresta e vai vir para um ambiente urbano. Tudo é possível.

Não podemos pensar só na dengue. Tem que pensar nos outros vírus que esse mosquito é capaz de transmitir que conhecemos no ambiente urbano e outros que podem emergir de repente. Não podemos descuidar do tamanho da população, ou seja, a infestação domiciliar do Aedes Aegypti.

É possível eliminarmos a população do Aedes Aegypti no Brasil? E, pensando no equilíbrio dos ecossistemas, é prudente?

No caso do nosso continente, não tem problema nenhum eliminar o Aedes Aegypti, porque ele não fazia parte da nossa fauna local e é um mosquito invasor. E, que eu saiba, ele não serve para polinizar nenhuma planta ou serve de alimento pra algum animal.

Já foi possível erradicar o Aedes Aegypti no Brasil uma vez. Possível é, mas é muito difícil. É pouco provável, mas não impossível.

Não é de hoje que o Aedes Aegypti causa transtornos. Originário da África, ele inclusive carrega o apelido de “odioso do Egito”. Provavelmente, espalhou-se pelo mundo com os comércios transatlânticos e, de lá para cá, tornou-se uma das espécies exóticas invasoras mais famosas e também preocupantes em países de clima tropical. Afinal, é o vetor urbano de doenças como dengue, zika, chikungunya e febre amarela.

A previsão menos otimista é de que, neste ano, o Brasil tenha 4,2 milhões de casos de dengue – o dobro do que foi registrado em 2023, quando o número de casos já foi desafiador. É algo nunca visto antes. Segundo Ricardo Lourenço de Oliveira, pesquisador do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) e um dos principais estudiosos do mundo sobre os mosquitos de importância sanitária no Brasil, a dimensão da crise tem tudo a ver com o mosquito listrado de poucos centímetros.

“Quanto mais mosquitos têm voando em uma dada área, maior a chance de acontecer um encontro com uma pessoa infectada”, diz, em entrevista ao Estadão. Por consequência, mais insetos sobrevivem ao período de incubação do vírus em seu próprio corpo, e mais chance, então, de encontrarem alguém não infectado para picar.

Ricardo Lourenço de Oliveira é um dos principais estudiosos do mundo sobre os mosquitos de importância sanitária no Brasil Foto: Josué Damacena/IOC/Fiocruz

Após décadas de pesquisa, finalmente uma vacina contra a dengue que pode ser aplicada amplamente na população foi aprovada. Ela chegou ao mercado e foi incorporada ao Sistema Único de Saúde (SUS), mas, por ora, poucas doses estão disponíveis. Lourenço de Oliveira destaca que, mesmo quando a vacinação avançar, não podemos esquecer de eliminar o mosquito vetor.

A própria história de como o mosquito virou essa grande ameaça à saúde pública no mundo inteiro justifica a preocupação do pesquisador. “Não tem vacina para todos os arbovírus (ou seja, os vírus transmitidos por artrópodes, como o mosquito). Se não tiver epidemia de dengue, vai ter epidemia de chikungunya, zika ou febre amarela urbana. Ou vai surgir um vírus que vai sair da floresta e vai vir para um ambiente urbano. Tudo é possível”, alerta o pesquisador, um dos autores do livro “Principais mosquitos de importância sanitária no Brasil”.

Confira os principais trechos da entrevista:

Quem é o Aedes aegypti? Como ele chegou no Brasil?

É um mosquito africano que se espalhou pelo mundo sobretudo através dos comércios transatlânticos. Chegou na região do Pacífico e na Ásia mais tarde, mas o nosso continente, na costa oeste, exportou o mosquito muito mais precocemente.

É um mosquito que, originalmente, era selvagem, mas se adaptou ao ambiente humano, chamado antrópico, onde ele passa a se alimentar principalmente do sangue humano e a usar os depósitos de água que o homem deixa disponível como local de criação.

É um mosquito diurno, que tem atividades durante o dia. Mas tem picos de atividade, seja de cópula ou de alimentação sanguínea, nos crepúsculos matutino e vespertino.

Por que o Aedes aegypti se deu tão bem no Brasil? Ele triunfou mais aqui do que em outros países?

Não vejo isso dessa forma. Nos países onde ele invadiu e que o clima era temperado, teve mais dificuldade de se manter. Ele consegue fazer um aumento de população somente no verão e na primavera. No caso da Argentina, do Uruguai, da Flórida, nos Estados Unidos, e em alguns países do Mediterrâneo, ele tem uma dificuldade de se manter durante o ano todo, por causa do clima frio e muito seco em algumas épocas.

Em países tropicais do mundo, na América, inclusive no Caribe, o mosquito é muito frequente. Não diria que tem mais sucesso no Brasil do que em outros países que têm clima, hábitos e questões de infraestrutura e saneamento básico parecidos com os do Brasil.

Como foi esse processo de transformação de selvagem para adaptado ao ambiente urbano?

Com muitos animais foi assim. O rato, a barata, outros mosquitos, a lagartixa. Vários bichos começam a ter uma competição maior num ambiente silvestre e algumas populações, com uma plasticidade genética maior, conseguem se adaptar e vão experimentando um ambiente diferente, vão selecionando subpopulações que, depois, se adaptam e proliferam num nicho que estava desocupado.

Na África, as larvas do Aedes Aegypti se criavam originalmente em escavações em rocha. Quando os humanos começam a fazer potes de cerâmica e barro, além de usar pedras ou coisas de pedra para guardar água, o inseto foi se adaptando àquele ambiente. Para ele, foi muito vantajoso, porque escapou da competição com outros mosquitos pelo ambiente para criação das larvas e também para alimentação sanguínea.

Na África, ainda existem populações que eles chamam de Aedes Aegypti formosos, uma forma mais escura do que o que está espalhado pelo mundo, e que vive em ambientes silvestres. Mas vive muito a transição entre o silvestre e o ambiente rural.

Há muitos estudos genéticos que mostram como esse mosquito foi se adaptando com os marcadores genéticos que foram avançando, como o da resistência a inseticidas. No Brasil, vemos muitas áreas, como as cidades do Nordeste e algumas cidades do litoral do Sudeste, que têm uma taxa de resistência a inseticidas alta, e que as populações originais (de mosquitos) não tinham.

Quando ele era selvagem já carregava esses arbovírus, como o da dengue?

Esses arbovírus, em geral, só foram descobertos no século passado. No passado longínquo, o Aedes Aegypti deve ter tido contato com esses os vírus (que causam dengue, febre amarela, chikunguna e zika), mas não foi ele quem arrancou esses vírus da floresta e trouxe para o ambiente urbano. Provavelmente, não foi ele quem trouxe dengue, chikunguna, zika e febre amarela para o nosso continente.

Devem ter sido humanos infectados que vieram em barcos – e, agora, em aviões. O mosquito não consegue atravessar o oceano voando nem com o vento. Pode ser que no navio negreiro tinha transmissão, por causa dos toneis de água lá dentro. Bem no início do século passado já teve epidemia de dengue aqui.

Sabemos qual é o tamanho da população de Aedes Aegypti no Brasil? Isso tem a ver com número de infecções por arbovírus?

Não temos ideia do tamanho da população. O que se faz é um levantamento a partir dos criadouros, a partir do encontro ou da frequência do encontro de formas imaturas (do mosquito). Mas identificar uma forma imatura no criadouro não significa que ela vai chegar à forma adulta. Tem o ovo, quatro estágios larvais, a pulpa e o adulto. Se você encontra um criadouro, com uma larva de segundo estágio, você (já) bota lá ‘na casa tal, um criadouro’, ‘na casa tal, dois criadouros’, ‘naquele quarteirão, dez criadouros’. Poxa, a população ali está alta, mas não se sabe exatamente quanto. Não temos ideia da população, o que temos são vários índices que são calculados e que dão uma ideia da infestação naquela região, naquele bairro ou naquele quarteirão.

O tamanho da população influencia demais (no número de infecções) por vários motivos. Quanto mais mosquitos têm voando em uma dada área, maior a chance de ter um encontro com uma pessoa infectada. Então, a probabilidade de o Aedes Aegypti adquirir a infecção sobe.

Nem todo Aedes aegypti vai se infectar e nem todos que picarem uma pessoa infectada terão replicação do vírus até chegar na glândula salivar. O mosquito tem barreiras de defesa no organismo dele, que são também, em parte, determinadas geneticamente (há uma barreira no estômago, outra na cavidade geral e outra na glândula salivar).

A jornada do vírus até de fato chegar à saliva demora, no mínimo, sete dias. Durante esse período, o mosquito vai desovar umas duas vezes, e cada desova não é simples: é cansativo e ele se expõe aos predadores, à chuva, ao inseticida, enfim, à muita coisa, e pode morrer. Por isso, se a população é baixa, a gente tem uma redução rápida na transmissão (da dengue).

Tem outro detalhe que é a transmissão vertical do vírus. Parte dos ovos de uma fêmea que está infectada e grávida já sai infectada com o vírus. Isso vai fazer com que não seja necessário ter um humano infectado naquele local para começar de novo uma transmissão. Então, se a população do mosquito é grande, maior a chance de a fêmea infectada transmitir e também de liberar ovos na natureza que já estão com o vírus.

Por isso, a comunidade tem um papel enorme de não deixar água parada, tampar ralos e vedar as caixas d’água e cisternas. Não é cobrir, porque o mosquito acha um buraquinho para passar. Tem que vedar. Reduzir a população do mosquito ao máximo é o ponto principal para para interromper a transmissão. Fazemos isso, principalmente, com a eliminação dos criadouros.

Reduzir a população do mosquito Aedes aegypti ao máximo é o ponto principal para interromper a transmissão de dengue

Ricardo Lourenço de Oliveira, pesquisador e um dos principais estudiosos do mundo sobre os mosquitos de importância sanitária no Brasil

Por que é difícil controlar o mosquito? É verdade que as medidas clássicas de controle, como uso de inseticidas e campanhas de conscientização sobre eliminação de criadouros, são importantes, mas pouco eficazes?

As medidas não são pouco eficazes. A eficácia depende da implementação das medidas de forma eficiente. As pessoas relaxam. Como acham que aquilo não mata, deixa o mosquito pra lá, não fica olhando, acha que é culpa do vizinho, e o serviço (de controle de endemias) às vezes tem muito menos pessoal para trabalhar em algumas épocas do ano.

Os inseticidas são uma ferramenta, mas a principal coisa é eliminar o foco, porque o inseticida não vai achar todo mosquito e criadouro. E há outras iniciativas, como mosquitos que são geneticamente modificados, que carregam a bactéria Wolbachia (ela bloqueia a transmissão de arboviroroses). Mas todo método tem que ser obrigatoriamente associado ao combate dos criadouros. Um método sozinho não adianta.

Há alguma relação entre as mudanças climáticas e tamanho da população do mosquito e na dispersão dela? O que já sabemos?

Parece que algumas áreas não tinham Aedes aegypti e estão tendo por causa de momentos de temperaturas elevadas ou períodos de temperaturas maiores durante o ano.

Não tenho como dizer que é uma coisa de causa e efeito ainda, mas há indicações de que esse aquecimento, ou seja, mais dias de calor, com temperaturas médias mais altas, está fazendo com que ele (o mosquito) consiga ocupar áreas que não tinha ocupado no passado.

Agora temos uma indicação de vacina contra a dengue que pode ser aplicada mais amplamente na população. Ainda há poucas doses, mas, no futuro, vai adiantar termos uma população amplamente vacinada, mas sem controlar o mosquito adequadamente?

Não. Porque não tem vacina para todos os arbovírus. Se não tiver epidemia de dengue, vai ter epidemia de chikungunya, zika ou febre amarela urbana. Ou vai surgir um vírus que vai sair da floresta e vai vir para um ambiente urbano. Tudo é possível.

Não podemos pensar só na dengue. Tem que pensar nos outros vírus que esse mosquito é capaz de transmitir que conhecemos no ambiente urbano e outros que podem emergir de repente. Não podemos descuidar do tamanho da população, ou seja, a infestação domiciliar do Aedes Aegypti.

É possível eliminarmos a população do Aedes Aegypti no Brasil? E, pensando no equilíbrio dos ecossistemas, é prudente?

No caso do nosso continente, não tem problema nenhum eliminar o Aedes Aegypti, porque ele não fazia parte da nossa fauna local e é um mosquito invasor. E, que eu saiba, ele não serve para polinizar nenhuma planta ou serve de alimento pra algum animal.

Já foi possível erradicar o Aedes Aegypti no Brasil uma vez. Possível é, mas é muito difícil. É pouco provável, mas não impossível.

Não é de hoje que o Aedes Aegypti causa transtornos. Originário da África, ele inclusive carrega o apelido de “odioso do Egito”. Provavelmente, espalhou-se pelo mundo com os comércios transatlânticos e, de lá para cá, tornou-se uma das espécies exóticas invasoras mais famosas e também preocupantes em países de clima tropical. Afinal, é o vetor urbano de doenças como dengue, zika, chikungunya e febre amarela.

A previsão menos otimista é de que, neste ano, o Brasil tenha 4,2 milhões de casos de dengue – o dobro do que foi registrado em 2023, quando o número de casos já foi desafiador. É algo nunca visto antes. Segundo Ricardo Lourenço de Oliveira, pesquisador do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) e um dos principais estudiosos do mundo sobre os mosquitos de importância sanitária no Brasil, a dimensão da crise tem tudo a ver com o mosquito listrado de poucos centímetros.

“Quanto mais mosquitos têm voando em uma dada área, maior a chance de acontecer um encontro com uma pessoa infectada”, diz, em entrevista ao Estadão. Por consequência, mais insetos sobrevivem ao período de incubação do vírus em seu próprio corpo, e mais chance, então, de encontrarem alguém não infectado para picar.

Ricardo Lourenço de Oliveira é um dos principais estudiosos do mundo sobre os mosquitos de importância sanitária no Brasil Foto: Josué Damacena/IOC/Fiocruz

Após décadas de pesquisa, finalmente uma vacina contra a dengue que pode ser aplicada amplamente na população foi aprovada. Ela chegou ao mercado e foi incorporada ao Sistema Único de Saúde (SUS), mas, por ora, poucas doses estão disponíveis. Lourenço de Oliveira destaca que, mesmo quando a vacinação avançar, não podemos esquecer de eliminar o mosquito vetor.

A própria história de como o mosquito virou essa grande ameaça à saúde pública no mundo inteiro justifica a preocupação do pesquisador. “Não tem vacina para todos os arbovírus (ou seja, os vírus transmitidos por artrópodes, como o mosquito). Se não tiver epidemia de dengue, vai ter epidemia de chikungunya, zika ou febre amarela urbana. Ou vai surgir um vírus que vai sair da floresta e vai vir para um ambiente urbano. Tudo é possível”, alerta o pesquisador, um dos autores do livro “Principais mosquitos de importância sanitária no Brasil”.

Confira os principais trechos da entrevista:

Quem é o Aedes aegypti? Como ele chegou no Brasil?

É um mosquito africano que se espalhou pelo mundo sobretudo através dos comércios transatlânticos. Chegou na região do Pacífico e na Ásia mais tarde, mas o nosso continente, na costa oeste, exportou o mosquito muito mais precocemente.

É um mosquito que, originalmente, era selvagem, mas se adaptou ao ambiente humano, chamado antrópico, onde ele passa a se alimentar principalmente do sangue humano e a usar os depósitos de água que o homem deixa disponível como local de criação.

É um mosquito diurno, que tem atividades durante o dia. Mas tem picos de atividade, seja de cópula ou de alimentação sanguínea, nos crepúsculos matutino e vespertino.

Por que o Aedes aegypti se deu tão bem no Brasil? Ele triunfou mais aqui do que em outros países?

Não vejo isso dessa forma. Nos países onde ele invadiu e que o clima era temperado, teve mais dificuldade de se manter. Ele consegue fazer um aumento de população somente no verão e na primavera. No caso da Argentina, do Uruguai, da Flórida, nos Estados Unidos, e em alguns países do Mediterrâneo, ele tem uma dificuldade de se manter durante o ano todo, por causa do clima frio e muito seco em algumas épocas.

Em países tropicais do mundo, na América, inclusive no Caribe, o mosquito é muito frequente. Não diria que tem mais sucesso no Brasil do que em outros países que têm clima, hábitos e questões de infraestrutura e saneamento básico parecidos com os do Brasil.

Como foi esse processo de transformação de selvagem para adaptado ao ambiente urbano?

Com muitos animais foi assim. O rato, a barata, outros mosquitos, a lagartixa. Vários bichos começam a ter uma competição maior num ambiente silvestre e algumas populações, com uma plasticidade genética maior, conseguem se adaptar e vão experimentando um ambiente diferente, vão selecionando subpopulações que, depois, se adaptam e proliferam num nicho que estava desocupado.

Na África, as larvas do Aedes Aegypti se criavam originalmente em escavações em rocha. Quando os humanos começam a fazer potes de cerâmica e barro, além de usar pedras ou coisas de pedra para guardar água, o inseto foi se adaptando àquele ambiente. Para ele, foi muito vantajoso, porque escapou da competição com outros mosquitos pelo ambiente para criação das larvas e também para alimentação sanguínea.

Na África, ainda existem populações que eles chamam de Aedes Aegypti formosos, uma forma mais escura do que o que está espalhado pelo mundo, e que vive em ambientes silvestres. Mas vive muito a transição entre o silvestre e o ambiente rural.

Há muitos estudos genéticos que mostram como esse mosquito foi se adaptando com os marcadores genéticos que foram avançando, como o da resistência a inseticidas. No Brasil, vemos muitas áreas, como as cidades do Nordeste e algumas cidades do litoral do Sudeste, que têm uma taxa de resistência a inseticidas alta, e que as populações originais (de mosquitos) não tinham.

Quando ele era selvagem já carregava esses arbovírus, como o da dengue?

Esses arbovírus, em geral, só foram descobertos no século passado. No passado longínquo, o Aedes Aegypti deve ter tido contato com esses os vírus (que causam dengue, febre amarela, chikunguna e zika), mas não foi ele quem arrancou esses vírus da floresta e trouxe para o ambiente urbano. Provavelmente, não foi ele quem trouxe dengue, chikunguna, zika e febre amarela para o nosso continente.

Devem ter sido humanos infectados que vieram em barcos – e, agora, em aviões. O mosquito não consegue atravessar o oceano voando nem com o vento. Pode ser que no navio negreiro tinha transmissão, por causa dos toneis de água lá dentro. Bem no início do século passado já teve epidemia de dengue aqui.

Sabemos qual é o tamanho da população de Aedes Aegypti no Brasil? Isso tem a ver com número de infecções por arbovírus?

Não temos ideia do tamanho da população. O que se faz é um levantamento a partir dos criadouros, a partir do encontro ou da frequência do encontro de formas imaturas (do mosquito). Mas identificar uma forma imatura no criadouro não significa que ela vai chegar à forma adulta. Tem o ovo, quatro estágios larvais, a pulpa e o adulto. Se você encontra um criadouro, com uma larva de segundo estágio, você (já) bota lá ‘na casa tal, um criadouro’, ‘na casa tal, dois criadouros’, ‘naquele quarteirão, dez criadouros’. Poxa, a população ali está alta, mas não se sabe exatamente quanto. Não temos ideia da população, o que temos são vários índices que são calculados e que dão uma ideia da infestação naquela região, naquele bairro ou naquele quarteirão.

O tamanho da população influencia demais (no número de infecções) por vários motivos. Quanto mais mosquitos têm voando em uma dada área, maior a chance de ter um encontro com uma pessoa infectada. Então, a probabilidade de o Aedes Aegypti adquirir a infecção sobe.

Nem todo Aedes aegypti vai se infectar e nem todos que picarem uma pessoa infectada terão replicação do vírus até chegar na glândula salivar. O mosquito tem barreiras de defesa no organismo dele, que são também, em parte, determinadas geneticamente (há uma barreira no estômago, outra na cavidade geral e outra na glândula salivar).

A jornada do vírus até de fato chegar à saliva demora, no mínimo, sete dias. Durante esse período, o mosquito vai desovar umas duas vezes, e cada desova não é simples: é cansativo e ele se expõe aos predadores, à chuva, ao inseticida, enfim, à muita coisa, e pode morrer. Por isso, se a população é baixa, a gente tem uma redução rápida na transmissão (da dengue).

Tem outro detalhe que é a transmissão vertical do vírus. Parte dos ovos de uma fêmea que está infectada e grávida já sai infectada com o vírus. Isso vai fazer com que não seja necessário ter um humano infectado naquele local para começar de novo uma transmissão. Então, se a população do mosquito é grande, maior a chance de a fêmea infectada transmitir e também de liberar ovos na natureza que já estão com o vírus.

Por isso, a comunidade tem um papel enorme de não deixar água parada, tampar ralos e vedar as caixas d’água e cisternas. Não é cobrir, porque o mosquito acha um buraquinho para passar. Tem que vedar. Reduzir a população do mosquito ao máximo é o ponto principal para para interromper a transmissão. Fazemos isso, principalmente, com a eliminação dos criadouros.

Reduzir a população do mosquito Aedes aegypti ao máximo é o ponto principal para interromper a transmissão de dengue

Ricardo Lourenço de Oliveira, pesquisador e um dos principais estudiosos do mundo sobre os mosquitos de importância sanitária no Brasil

Por que é difícil controlar o mosquito? É verdade que as medidas clássicas de controle, como uso de inseticidas e campanhas de conscientização sobre eliminação de criadouros, são importantes, mas pouco eficazes?

As medidas não são pouco eficazes. A eficácia depende da implementação das medidas de forma eficiente. As pessoas relaxam. Como acham que aquilo não mata, deixa o mosquito pra lá, não fica olhando, acha que é culpa do vizinho, e o serviço (de controle de endemias) às vezes tem muito menos pessoal para trabalhar em algumas épocas do ano.

Os inseticidas são uma ferramenta, mas a principal coisa é eliminar o foco, porque o inseticida não vai achar todo mosquito e criadouro. E há outras iniciativas, como mosquitos que são geneticamente modificados, que carregam a bactéria Wolbachia (ela bloqueia a transmissão de arboviroroses). Mas todo método tem que ser obrigatoriamente associado ao combate dos criadouros. Um método sozinho não adianta.

Há alguma relação entre as mudanças climáticas e tamanho da população do mosquito e na dispersão dela? O que já sabemos?

Parece que algumas áreas não tinham Aedes aegypti e estão tendo por causa de momentos de temperaturas elevadas ou períodos de temperaturas maiores durante o ano.

Não tenho como dizer que é uma coisa de causa e efeito ainda, mas há indicações de que esse aquecimento, ou seja, mais dias de calor, com temperaturas médias mais altas, está fazendo com que ele (o mosquito) consiga ocupar áreas que não tinha ocupado no passado.

Agora temos uma indicação de vacina contra a dengue que pode ser aplicada mais amplamente na população. Ainda há poucas doses, mas, no futuro, vai adiantar termos uma população amplamente vacinada, mas sem controlar o mosquito adequadamente?

Não. Porque não tem vacina para todos os arbovírus. Se não tiver epidemia de dengue, vai ter epidemia de chikungunya, zika ou febre amarela urbana. Ou vai surgir um vírus que vai sair da floresta e vai vir para um ambiente urbano. Tudo é possível.

Não podemos pensar só na dengue. Tem que pensar nos outros vírus que esse mosquito é capaz de transmitir que conhecemos no ambiente urbano e outros que podem emergir de repente. Não podemos descuidar do tamanho da população, ou seja, a infestação domiciliar do Aedes Aegypti.

É possível eliminarmos a população do Aedes Aegypti no Brasil? E, pensando no equilíbrio dos ecossistemas, é prudente?

No caso do nosso continente, não tem problema nenhum eliminar o Aedes Aegypti, porque ele não fazia parte da nossa fauna local e é um mosquito invasor. E, que eu saiba, ele não serve para polinizar nenhuma planta ou serve de alimento pra algum animal.

Já foi possível erradicar o Aedes Aegypti no Brasil uma vez. Possível é, mas é muito difícil. É pouco provável, mas não impossível.

Não é de hoje que o Aedes Aegypti causa transtornos. Originário da África, ele inclusive carrega o apelido de “odioso do Egito”. Provavelmente, espalhou-se pelo mundo com os comércios transatlânticos e, de lá para cá, tornou-se uma das espécies exóticas invasoras mais famosas e também preocupantes em países de clima tropical. Afinal, é o vetor urbano de doenças como dengue, zika, chikungunya e febre amarela.

A previsão menos otimista é de que, neste ano, o Brasil tenha 4,2 milhões de casos de dengue – o dobro do que foi registrado em 2023, quando o número de casos já foi desafiador. É algo nunca visto antes. Segundo Ricardo Lourenço de Oliveira, pesquisador do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) e um dos principais estudiosos do mundo sobre os mosquitos de importância sanitária no Brasil, a dimensão da crise tem tudo a ver com o mosquito listrado de poucos centímetros.

“Quanto mais mosquitos têm voando em uma dada área, maior a chance de acontecer um encontro com uma pessoa infectada”, diz, em entrevista ao Estadão. Por consequência, mais insetos sobrevivem ao período de incubação do vírus em seu próprio corpo, e mais chance, então, de encontrarem alguém não infectado para picar.

Ricardo Lourenço de Oliveira é um dos principais estudiosos do mundo sobre os mosquitos de importância sanitária no Brasil Foto: Josué Damacena/IOC/Fiocruz

Após décadas de pesquisa, finalmente uma vacina contra a dengue que pode ser aplicada amplamente na população foi aprovada. Ela chegou ao mercado e foi incorporada ao Sistema Único de Saúde (SUS), mas, por ora, poucas doses estão disponíveis. Lourenço de Oliveira destaca que, mesmo quando a vacinação avançar, não podemos esquecer de eliminar o mosquito vetor.

A própria história de como o mosquito virou essa grande ameaça à saúde pública no mundo inteiro justifica a preocupação do pesquisador. “Não tem vacina para todos os arbovírus (ou seja, os vírus transmitidos por artrópodes, como o mosquito). Se não tiver epidemia de dengue, vai ter epidemia de chikungunya, zika ou febre amarela urbana. Ou vai surgir um vírus que vai sair da floresta e vai vir para um ambiente urbano. Tudo é possível”, alerta o pesquisador, um dos autores do livro “Principais mosquitos de importância sanitária no Brasil”.

Confira os principais trechos da entrevista:

Quem é o Aedes aegypti? Como ele chegou no Brasil?

É um mosquito africano que se espalhou pelo mundo sobretudo através dos comércios transatlânticos. Chegou na região do Pacífico e na Ásia mais tarde, mas o nosso continente, na costa oeste, exportou o mosquito muito mais precocemente.

É um mosquito que, originalmente, era selvagem, mas se adaptou ao ambiente humano, chamado antrópico, onde ele passa a se alimentar principalmente do sangue humano e a usar os depósitos de água que o homem deixa disponível como local de criação.

É um mosquito diurno, que tem atividades durante o dia. Mas tem picos de atividade, seja de cópula ou de alimentação sanguínea, nos crepúsculos matutino e vespertino.

Por que o Aedes aegypti se deu tão bem no Brasil? Ele triunfou mais aqui do que em outros países?

Não vejo isso dessa forma. Nos países onde ele invadiu e que o clima era temperado, teve mais dificuldade de se manter. Ele consegue fazer um aumento de população somente no verão e na primavera. No caso da Argentina, do Uruguai, da Flórida, nos Estados Unidos, e em alguns países do Mediterrâneo, ele tem uma dificuldade de se manter durante o ano todo, por causa do clima frio e muito seco em algumas épocas.

Em países tropicais do mundo, na América, inclusive no Caribe, o mosquito é muito frequente. Não diria que tem mais sucesso no Brasil do que em outros países que têm clima, hábitos e questões de infraestrutura e saneamento básico parecidos com os do Brasil.

Como foi esse processo de transformação de selvagem para adaptado ao ambiente urbano?

Com muitos animais foi assim. O rato, a barata, outros mosquitos, a lagartixa. Vários bichos começam a ter uma competição maior num ambiente silvestre e algumas populações, com uma plasticidade genética maior, conseguem se adaptar e vão experimentando um ambiente diferente, vão selecionando subpopulações que, depois, se adaptam e proliferam num nicho que estava desocupado.

Na África, as larvas do Aedes Aegypti se criavam originalmente em escavações em rocha. Quando os humanos começam a fazer potes de cerâmica e barro, além de usar pedras ou coisas de pedra para guardar água, o inseto foi se adaptando àquele ambiente. Para ele, foi muito vantajoso, porque escapou da competição com outros mosquitos pelo ambiente para criação das larvas e também para alimentação sanguínea.

Na África, ainda existem populações que eles chamam de Aedes Aegypti formosos, uma forma mais escura do que o que está espalhado pelo mundo, e que vive em ambientes silvestres. Mas vive muito a transição entre o silvestre e o ambiente rural.

Há muitos estudos genéticos que mostram como esse mosquito foi se adaptando com os marcadores genéticos que foram avançando, como o da resistência a inseticidas. No Brasil, vemos muitas áreas, como as cidades do Nordeste e algumas cidades do litoral do Sudeste, que têm uma taxa de resistência a inseticidas alta, e que as populações originais (de mosquitos) não tinham.

Quando ele era selvagem já carregava esses arbovírus, como o da dengue?

Esses arbovírus, em geral, só foram descobertos no século passado. No passado longínquo, o Aedes Aegypti deve ter tido contato com esses os vírus (que causam dengue, febre amarela, chikunguna e zika), mas não foi ele quem arrancou esses vírus da floresta e trouxe para o ambiente urbano. Provavelmente, não foi ele quem trouxe dengue, chikunguna, zika e febre amarela para o nosso continente.

Devem ter sido humanos infectados que vieram em barcos – e, agora, em aviões. O mosquito não consegue atravessar o oceano voando nem com o vento. Pode ser que no navio negreiro tinha transmissão, por causa dos toneis de água lá dentro. Bem no início do século passado já teve epidemia de dengue aqui.

Sabemos qual é o tamanho da população de Aedes Aegypti no Brasil? Isso tem a ver com número de infecções por arbovírus?

Não temos ideia do tamanho da população. O que se faz é um levantamento a partir dos criadouros, a partir do encontro ou da frequência do encontro de formas imaturas (do mosquito). Mas identificar uma forma imatura no criadouro não significa que ela vai chegar à forma adulta. Tem o ovo, quatro estágios larvais, a pulpa e o adulto. Se você encontra um criadouro, com uma larva de segundo estágio, você (já) bota lá ‘na casa tal, um criadouro’, ‘na casa tal, dois criadouros’, ‘naquele quarteirão, dez criadouros’. Poxa, a população ali está alta, mas não se sabe exatamente quanto. Não temos ideia da população, o que temos são vários índices que são calculados e que dão uma ideia da infestação naquela região, naquele bairro ou naquele quarteirão.

O tamanho da população influencia demais (no número de infecções) por vários motivos. Quanto mais mosquitos têm voando em uma dada área, maior a chance de ter um encontro com uma pessoa infectada. Então, a probabilidade de o Aedes Aegypti adquirir a infecção sobe.

Nem todo Aedes aegypti vai se infectar e nem todos que picarem uma pessoa infectada terão replicação do vírus até chegar na glândula salivar. O mosquito tem barreiras de defesa no organismo dele, que são também, em parte, determinadas geneticamente (há uma barreira no estômago, outra na cavidade geral e outra na glândula salivar).

A jornada do vírus até de fato chegar à saliva demora, no mínimo, sete dias. Durante esse período, o mosquito vai desovar umas duas vezes, e cada desova não é simples: é cansativo e ele se expõe aos predadores, à chuva, ao inseticida, enfim, à muita coisa, e pode morrer. Por isso, se a população é baixa, a gente tem uma redução rápida na transmissão (da dengue).

Tem outro detalhe que é a transmissão vertical do vírus. Parte dos ovos de uma fêmea que está infectada e grávida já sai infectada com o vírus. Isso vai fazer com que não seja necessário ter um humano infectado naquele local para começar de novo uma transmissão. Então, se a população do mosquito é grande, maior a chance de a fêmea infectada transmitir e também de liberar ovos na natureza que já estão com o vírus.

Por isso, a comunidade tem um papel enorme de não deixar água parada, tampar ralos e vedar as caixas d’água e cisternas. Não é cobrir, porque o mosquito acha um buraquinho para passar. Tem que vedar. Reduzir a população do mosquito ao máximo é o ponto principal para para interromper a transmissão. Fazemos isso, principalmente, com a eliminação dos criadouros.

Reduzir a população do mosquito Aedes aegypti ao máximo é o ponto principal para interromper a transmissão de dengue

Ricardo Lourenço de Oliveira, pesquisador e um dos principais estudiosos do mundo sobre os mosquitos de importância sanitária no Brasil

Por que é difícil controlar o mosquito? É verdade que as medidas clássicas de controle, como uso de inseticidas e campanhas de conscientização sobre eliminação de criadouros, são importantes, mas pouco eficazes?

As medidas não são pouco eficazes. A eficácia depende da implementação das medidas de forma eficiente. As pessoas relaxam. Como acham que aquilo não mata, deixa o mosquito pra lá, não fica olhando, acha que é culpa do vizinho, e o serviço (de controle de endemias) às vezes tem muito menos pessoal para trabalhar em algumas épocas do ano.

Os inseticidas são uma ferramenta, mas a principal coisa é eliminar o foco, porque o inseticida não vai achar todo mosquito e criadouro. E há outras iniciativas, como mosquitos que são geneticamente modificados, que carregam a bactéria Wolbachia (ela bloqueia a transmissão de arboviroroses). Mas todo método tem que ser obrigatoriamente associado ao combate dos criadouros. Um método sozinho não adianta.

Há alguma relação entre as mudanças climáticas e tamanho da população do mosquito e na dispersão dela? O que já sabemos?

Parece que algumas áreas não tinham Aedes aegypti e estão tendo por causa de momentos de temperaturas elevadas ou períodos de temperaturas maiores durante o ano.

Não tenho como dizer que é uma coisa de causa e efeito ainda, mas há indicações de que esse aquecimento, ou seja, mais dias de calor, com temperaturas médias mais altas, está fazendo com que ele (o mosquito) consiga ocupar áreas que não tinha ocupado no passado.

Agora temos uma indicação de vacina contra a dengue que pode ser aplicada mais amplamente na população. Ainda há poucas doses, mas, no futuro, vai adiantar termos uma população amplamente vacinada, mas sem controlar o mosquito adequadamente?

Não. Porque não tem vacina para todos os arbovírus. Se não tiver epidemia de dengue, vai ter epidemia de chikungunya, zika ou febre amarela urbana. Ou vai surgir um vírus que vai sair da floresta e vai vir para um ambiente urbano. Tudo é possível.

Não podemos pensar só na dengue. Tem que pensar nos outros vírus que esse mosquito é capaz de transmitir que conhecemos no ambiente urbano e outros que podem emergir de repente. Não podemos descuidar do tamanho da população, ou seja, a infestação domiciliar do Aedes Aegypti.

É possível eliminarmos a população do Aedes Aegypti no Brasil? E, pensando no equilíbrio dos ecossistemas, é prudente?

No caso do nosso continente, não tem problema nenhum eliminar o Aedes Aegypti, porque ele não fazia parte da nossa fauna local e é um mosquito invasor. E, que eu saiba, ele não serve para polinizar nenhuma planta ou serve de alimento pra algum animal.

Já foi possível erradicar o Aedes Aegypti no Brasil uma vez. Possível é, mas é muito difícil. É pouco provável, mas não impossível.

Não é de hoje que o Aedes Aegypti causa transtornos. Originário da África, ele inclusive carrega o apelido de “odioso do Egito”. Provavelmente, espalhou-se pelo mundo com os comércios transatlânticos e, de lá para cá, tornou-se uma das espécies exóticas invasoras mais famosas e também preocupantes em países de clima tropical. Afinal, é o vetor urbano de doenças como dengue, zika, chikungunya e febre amarela.

A previsão menos otimista é de que, neste ano, o Brasil tenha 4,2 milhões de casos de dengue – o dobro do que foi registrado em 2023, quando o número de casos já foi desafiador. É algo nunca visto antes. Segundo Ricardo Lourenço de Oliveira, pesquisador do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) e um dos principais estudiosos do mundo sobre os mosquitos de importância sanitária no Brasil, a dimensão da crise tem tudo a ver com o mosquito listrado de poucos centímetros.

“Quanto mais mosquitos têm voando em uma dada área, maior a chance de acontecer um encontro com uma pessoa infectada”, diz, em entrevista ao Estadão. Por consequência, mais insetos sobrevivem ao período de incubação do vírus em seu próprio corpo, e mais chance, então, de encontrarem alguém não infectado para picar.

Ricardo Lourenço de Oliveira é um dos principais estudiosos do mundo sobre os mosquitos de importância sanitária no Brasil Foto: Josué Damacena/IOC/Fiocruz

Após décadas de pesquisa, finalmente uma vacina contra a dengue que pode ser aplicada amplamente na população foi aprovada. Ela chegou ao mercado e foi incorporada ao Sistema Único de Saúde (SUS), mas, por ora, poucas doses estão disponíveis. Lourenço de Oliveira destaca que, mesmo quando a vacinação avançar, não podemos esquecer de eliminar o mosquito vetor.

A própria história de como o mosquito virou essa grande ameaça à saúde pública no mundo inteiro justifica a preocupação do pesquisador. “Não tem vacina para todos os arbovírus (ou seja, os vírus transmitidos por artrópodes, como o mosquito). Se não tiver epidemia de dengue, vai ter epidemia de chikungunya, zika ou febre amarela urbana. Ou vai surgir um vírus que vai sair da floresta e vai vir para um ambiente urbano. Tudo é possível”, alerta o pesquisador, um dos autores do livro “Principais mosquitos de importância sanitária no Brasil”.

Confira os principais trechos da entrevista:

Quem é o Aedes aegypti? Como ele chegou no Brasil?

É um mosquito africano que se espalhou pelo mundo sobretudo através dos comércios transatlânticos. Chegou na região do Pacífico e na Ásia mais tarde, mas o nosso continente, na costa oeste, exportou o mosquito muito mais precocemente.

É um mosquito que, originalmente, era selvagem, mas se adaptou ao ambiente humano, chamado antrópico, onde ele passa a se alimentar principalmente do sangue humano e a usar os depósitos de água que o homem deixa disponível como local de criação.

É um mosquito diurno, que tem atividades durante o dia. Mas tem picos de atividade, seja de cópula ou de alimentação sanguínea, nos crepúsculos matutino e vespertino.

Por que o Aedes aegypti se deu tão bem no Brasil? Ele triunfou mais aqui do que em outros países?

Não vejo isso dessa forma. Nos países onde ele invadiu e que o clima era temperado, teve mais dificuldade de se manter. Ele consegue fazer um aumento de população somente no verão e na primavera. No caso da Argentina, do Uruguai, da Flórida, nos Estados Unidos, e em alguns países do Mediterrâneo, ele tem uma dificuldade de se manter durante o ano todo, por causa do clima frio e muito seco em algumas épocas.

Em países tropicais do mundo, na América, inclusive no Caribe, o mosquito é muito frequente. Não diria que tem mais sucesso no Brasil do que em outros países que têm clima, hábitos e questões de infraestrutura e saneamento básico parecidos com os do Brasil.

Como foi esse processo de transformação de selvagem para adaptado ao ambiente urbano?

Com muitos animais foi assim. O rato, a barata, outros mosquitos, a lagartixa. Vários bichos começam a ter uma competição maior num ambiente silvestre e algumas populações, com uma plasticidade genética maior, conseguem se adaptar e vão experimentando um ambiente diferente, vão selecionando subpopulações que, depois, se adaptam e proliferam num nicho que estava desocupado.

Na África, as larvas do Aedes Aegypti se criavam originalmente em escavações em rocha. Quando os humanos começam a fazer potes de cerâmica e barro, além de usar pedras ou coisas de pedra para guardar água, o inseto foi se adaptando àquele ambiente. Para ele, foi muito vantajoso, porque escapou da competição com outros mosquitos pelo ambiente para criação das larvas e também para alimentação sanguínea.

Na África, ainda existem populações que eles chamam de Aedes Aegypti formosos, uma forma mais escura do que o que está espalhado pelo mundo, e que vive em ambientes silvestres. Mas vive muito a transição entre o silvestre e o ambiente rural.

Há muitos estudos genéticos que mostram como esse mosquito foi se adaptando com os marcadores genéticos que foram avançando, como o da resistência a inseticidas. No Brasil, vemos muitas áreas, como as cidades do Nordeste e algumas cidades do litoral do Sudeste, que têm uma taxa de resistência a inseticidas alta, e que as populações originais (de mosquitos) não tinham.

Quando ele era selvagem já carregava esses arbovírus, como o da dengue?

Esses arbovírus, em geral, só foram descobertos no século passado. No passado longínquo, o Aedes Aegypti deve ter tido contato com esses os vírus (que causam dengue, febre amarela, chikunguna e zika), mas não foi ele quem arrancou esses vírus da floresta e trouxe para o ambiente urbano. Provavelmente, não foi ele quem trouxe dengue, chikunguna, zika e febre amarela para o nosso continente.

Devem ter sido humanos infectados que vieram em barcos – e, agora, em aviões. O mosquito não consegue atravessar o oceano voando nem com o vento. Pode ser que no navio negreiro tinha transmissão, por causa dos toneis de água lá dentro. Bem no início do século passado já teve epidemia de dengue aqui.

Sabemos qual é o tamanho da população de Aedes Aegypti no Brasil? Isso tem a ver com número de infecções por arbovírus?

Não temos ideia do tamanho da população. O que se faz é um levantamento a partir dos criadouros, a partir do encontro ou da frequência do encontro de formas imaturas (do mosquito). Mas identificar uma forma imatura no criadouro não significa que ela vai chegar à forma adulta. Tem o ovo, quatro estágios larvais, a pulpa e o adulto. Se você encontra um criadouro, com uma larva de segundo estágio, você (já) bota lá ‘na casa tal, um criadouro’, ‘na casa tal, dois criadouros’, ‘naquele quarteirão, dez criadouros’. Poxa, a população ali está alta, mas não se sabe exatamente quanto. Não temos ideia da população, o que temos são vários índices que são calculados e que dão uma ideia da infestação naquela região, naquele bairro ou naquele quarteirão.

O tamanho da população influencia demais (no número de infecções) por vários motivos. Quanto mais mosquitos têm voando em uma dada área, maior a chance de ter um encontro com uma pessoa infectada. Então, a probabilidade de o Aedes Aegypti adquirir a infecção sobe.

Nem todo Aedes aegypti vai se infectar e nem todos que picarem uma pessoa infectada terão replicação do vírus até chegar na glândula salivar. O mosquito tem barreiras de defesa no organismo dele, que são também, em parte, determinadas geneticamente (há uma barreira no estômago, outra na cavidade geral e outra na glândula salivar).

A jornada do vírus até de fato chegar à saliva demora, no mínimo, sete dias. Durante esse período, o mosquito vai desovar umas duas vezes, e cada desova não é simples: é cansativo e ele se expõe aos predadores, à chuva, ao inseticida, enfim, à muita coisa, e pode morrer. Por isso, se a população é baixa, a gente tem uma redução rápida na transmissão (da dengue).

Tem outro detalhe que é a transmissão vertical do vírus. Parte dos ovos de uma fêmea que está infectada e grávida já sai infectada com o vírus. Isso vai fazer com que não seja necessário ter um humano infectado naquele local para começar de novo uma transmissão. Então, se a população do mosquito é grande, maior a chance de a fêmea infectada transmitir e também de liberar ovos na natureza que já estão com o vírus.

Por isso, a comunidade tem um papel enorme de não deixar água parada, tampar ralos e vedar as caixas d’água e cisternas. Não é cobrir, porque o mosquito acha um buraquinho para passar. Tem que vedar. Reduzir a população do mosquito ao máximo é o ponto principal para para interromper a transmissão. Fazemos isso, principalmente, com a eliminação dos criadouros.

Reduzir a população do mosquito Aedes aegypti ao máximo é o ponto principal para interromper a transmissão de dengue

Ricardo Lourenço de Oliveira, pesquisador e um dos principais estudiosos do mundo sobre os mosquitos de importância sanitária no Brasil

Por que é difícil controlar o mosquito? É verdade que as medidas clássicas de controle, como uso de inseticidas e campanhas de conscientização sobre eliminação de criadouros, são importantes, mas pouco eficazes?

As medidas não são pouco eficazes. A eficácia depende da implementação das medidas de forma eficiente. As pessoas relaxam. Como acham que aquilo não mata, deixa o mosquito pra lá, não fica olhando, acha que é culpa do vizinho, e o serviço (de controle de endemias) às vezes tem muito menos pessoal para trabalhar em algumas épocas do ano.

Os inseticidas são uma ferramenta, mas a principal coisa é eliminar o foco, porque o inseticida não vai achar todo mosquito e criadouro. E há outras iniciativas, como mosquitos que são geneticamente modificados, que carregam a bactéria Wolbachia (ela bloqueia a transmissão de arboviroroses). Mas todo método tem que ser obrigatoriamente associado ao combate dos criadouros. Um método sozinho não adianta.

Há alguma relação entre as mudanças climáticas e tamanho da população do mosquito e na dispersão dela? O que já sabemos?

Parece que algumas áreas não tinham Aedes aegypti e estão tendo por causa de momentos de temperaturas elevadas ou períodos de temperaturas maiores durante o ano.

Não tenho como dizer que é uma coisa de causa e efeito ainda, mas há indicações de que esse aquecimento, ou seja, mais dias de calor, com temperaturas médias mais altas, está fazendo com que ele (o mosquito) consiga ocupar áreas que não tinha ocupado no passado.

Agora temos uma indicação de vacina contra a dengue que pode ser aplicada mais amplamente na população. Ainda há poucas doses, mas, no futuro, vai adiantar termos uma população amplamente vacinada, mas sem controlar o mosquito adequadamente?

Não. Porque não tem vacina para todos os arbovírus. Se não tiver epidemia de dengue, vai ter epidemia de chikungunya, zika ou febre amarela urbana. Ou vai surgir um vírus que vai sair da floresta e vai vir para um ambiente urbano. Tudo é possível.

Não podemos pensar só na dengue. Tem que pensar nos outros vírus que esse mosquito é capaz de transmitir que conhecemos no ambiente urbano e outros que podem emergir de repente. Não podemos descuidar do tamanho da população, ou seja, a infestação domiciliar do Aedes Aegypti.

É possível eliminarmos a população do Aedes Aegypti no Brasil? E, pensando no equilíbrio dos ecossistemas, é prudente?

No caso do nosso continente, não tem problema nenhum eliminar o Aedes Aegypti, porque ele não fazia parte da nossa fauna local e é um mosquito invasor. E, que eu saiba, ele não serve para polinizar nenhuma planta ou serve de alimento pra algum animal.

Já foi possível erradicar o Aedes Aegypti no Brasil uma vez. Possível é, mas é muito difícil. É pouco provável, mas não impossível.

Entrevista por Leon Ferrari

Repórter de Saúde e Bem-Estar. É formado pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Menção honrosa do 40º Prêmio Direitos Humanos de Jornalismo.

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