Dengue: quais sinais indicam um quadro grave e a necessidade de ir ao hospital?


A dengue pode levar à morte, por isso, é preciso ficar atento aos sinais de alerta; hidratação adequada salva vidas

Por Leon Ferrari
Atualização:

Com casos de dengue em alta no Brasil, saber diferenciar um caso clássico de um grave é vital. Dados do próprio Ministério da Saúde indicam que os sinais de alarme ainda não são completamente conhecidos e compreendidos pelos brasileiros. A doença não tem um tratamento específico, porém, um protocolo de hidratação adequado impede agravamento do quadro e morte.

“A imensa maioria das pessoas que tiverem dengue não evolui para a forma grave”, afirma Rosana Richtmann, médica infectologista do Hospital Emílio Ribas e diretora do comitê de imunização da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI).

“A dengue causa um impacto enorme, porque muitas pessoas pegam ao mesmo tempo”, avalia o infectologista Julio Croda, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical e professor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul. Os óbitos ocorrem com menor frequência, mas o risco existe. Em 2023, tivemos mais de 1,5 milhão de casos prováveis de dengue e 1.053 pessoas morreram em decorrência da doença – o recorde anual desde os anos 2000. O acesso à informação e o acompanhamento do paciente são capazes de reduzir esse número.

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O principal sintoma que indica que uma pessoa está com dengue é uma febre alta e súbita. O quadro clássico, o mais comum, apresenta sintomas semelhantes a uma série de outras doenças, como leptospirose, hepatite, chikungunya (transmitida também pelo mosquito Aedes Aegypti) e até gripe.

Febre alta e súbita é o principal indicativo de dengue. Quando esse sintoma melhora, podem surgir os chamados sinais de alarme, indicando maior gravidade do caso.  Foto: Chanintorn.v/Adobe Stock

“É difícil fazer um diagnóstico rápido nessa fase (inicial da doença)”, pondera Celso Granato, professor livre-docente aposentado de infectologia do Departamento de Medicina da Escola Paulista de Medicina (EPM) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). O pulo do gato, às vezes, é observar que a dengue não apresenta sintomas respiratórios.

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A dengue é considerada uma doença bifásica. “Ela tem duas fases. Na inicial, em que a maioria das pessoas vai reclamar muito, vai ter muita dor, incapacitação. Porém, lá pelo quarto ou quinto dia, já há uma melhora expressiva. E, aí, podem aparecer os sinais de alarme”, alerta Rosana. Eles indicam que o paciente deve buscar uma unidade de saúde para receber o tratamento adequado.

De acordo com o Ministério da Saúde, esses sintomas mais sérios podem surgir depois do declínio da febre, entre o 3° e o 7° dia do início da doença. Especialistas ouvidos pela reportagem indicam que é preciso ficar atento ao quadro até duas semanas após a data de aparecimento da febre.

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Por que não se fala mais em dengue hemorrágica?

É válido lembrar que o termo dengue hemorrágica, que talvez ainda persista no imaginário do brasileiro sobre a doença, foi abandonado em 2009. Isso porque leva a uma falsa compreensão de que a gravidade da doença está associada apenas aos sangramentos. Entretanto, os especialistas apontam que nem todos os pacientes com quadro grave vão apresentá-los, embora, quando apareçam, são sim um importante sinal de alarme.

Além dos especialistas, a reportagem consultou publicações do Ministério da Saúde e da Organização Mundial da Saúde (OMS) para entender e traçar quais os sintomas mais prevalentes nas diferentes classificações de gravidade da dengue. Confira:

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Dengue clássica

A dengue clássica é a forma da doença que varia de um quadro assintomático até à apresentação de um leque de sintomas (listados abaixo), que causam um desconforto significativo ao paciente.

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  • Febre alta (39°C a 40°C): É uma febre repentina e abrupta.
  • Dor de cabeça
  • Prostração
  • Dores musculares e/ou articulares
  • Dor atrás dos olhos (retroorbital)
  • Manchas vermelhas: É o que os médicos, cientificamente, chamam de rash cutâneo ou eritema na pele. Visualmente, é, de fato, uma mancha vermelha que, às vezes, pode coçar.
  • Náuseas e vômitos: Aqui, é importante prestar atenção para ter certeza de que não se trata, na verdade, de um sinal de alerta de gravidade. É preciso observar, por exemplo, a frequência desses sintomas. Caso não possam ser controlados e sejam frequentes (o paciente, em geral, reclama que “nada para na barriga”), indicam que algo não vai bem. “Não consegue se hidratar? Já é um sinal para ir para o hospital”, afirma Rosana.

Dengue com sinais de alarme

Após a fase febril da doença, é preciso ficar de olho em sintomas que podem indicar um agravamento do caso. A atenção deve permanecer pelo menos até duas semanas após o início da febre.

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  • Dor na barriga intensa e contínua: Ela é diferente do que popularmente conhecemos por “dor de barriga”, que, em geral, trata-se de uma cólica. “É uma dor que vem, é aguda, e depois passa. Parece que tem alguma coisa torcendo. Torce e distorce”, descreve Rosana. Já na dengue com sinais de alarme, essa dor abdominal ocorre devido a um inchaço no fígado, e é contínua. “O fígado cresce e (como) em volta dele há uma cápsula, na hora que ele fica inchado, dói.”
  • Vômitos persistentes
  • Acúmulo de líquidos em cavidades corporais
  • Pressão baixa (hipotensão)
  • Pele pálida e fria
  • Inquietação/irritabilidade
  • Respiração rápida
  • Aumento do tamanho do fígado
  • Sangramento de mucosas: Esses sangramentos podem ser percebidos de diferentes maneiras: pode haver sangue nas gengivas na hora da escovação dos dentes, no nariz, na evacuação ou um fluxo menstrual mais intenso.
  • Aumento progressivo do hematócrito (porcentagem de volume dos glóbulos vermelhos no sangue): Isso só pode ser constatado por meio de exame de sangue. “Um hematócrito alto significa que você está desidratado, e o sangue está muito espesso”, explica Rosana.

Hemorragia

Dentro do espectro dos casos graves, dois quadros merecem atenção: a febre hemorrágica da dengue (FHD) e a síndrome do choque da dengue (SDC).

“O sangramento tem a ver com a falta de produção de fator de coagulação e com a diminuição da quantidade de plaquetas. Seja porque a gente não consegue coagular, porque o fígado não produz uma quantidade (adequada) de fator de coagulação, seja porque o número de plaquetas estão muito baixos”, diz Granato.

É por isso que, ao ser diagnosticado com dengue, a orientação é não tomar ácido acetilsalicílico ou qualquer anti-inflamatório não hormonal. Afinal, essas drogas facilitam o sangramento.

Choque da dengue

O choque é um dos quadros mais temidos pelos médicos. Para entendê-lo, é preciso compreender o que a dengue faz no nosso corpo. “O vírus causa o que a gente chama de vasculite, uma inflamação dos vasos sanguíneos, principalmente dos vasos menorzinhos, os capilares. Aí, o sangue, em vez de ficar dentro do vaso sanguíneo, extravasa para fora da corrente sanguínea”, fala Rosana.

De acordo com Granato, esse extravasamento ocorre devido a um aumento no espaço entre as células (do endotélio). “Imagine assim: é como se as células do sistema vascular, das veias, ficassem com o aspecto de uma uva passa. Com isso, abre-se um espaço entre as células, por onde o sangue extravasa”, ensina o médico.

A depender do grau dessa infecção, há repercussões em diversos órgãos vitais. “O (sangue) que está dentro do vaso sanguíneo é tão insuficiente que você não consegue nem manter uma pressão para bombear o sangue para o corpo inteiro, e acaba tendo falência em órgãos como cérebro, rins, fígado. Falência geral”, explica Rosana.

É importante salientar que isso ocorre em uma minoria de pacientes. No entanto, todos os sinais de alerta, que listamos acima, indicam a iminência desse choque. Portanto, é possível evitar que o quadro chegue a esse ponto. Daí a necessidade de não negligenciar os sinais de alarme e buscar uma unidade de saúde para receber o tratamento adequado.

Tratamento: hidratação salva vidas

O início do quadro da dengue, como citamos, pode ser inespecífico, com sintomas que se confundem com os de outras doenças. Por isso, é importante contar com o acompanhamento de um profissional da saúde, que poderá informar sobre a suspeita de dengue ou requisitar exames de confirmação.

A dengue não tem um tratamento específico, mas a hidratação adequada salva vidas. Na dengue clássica, em que a pessoa consegue beber água normalmente, muito provavelmente será recomendado ingerir 60 ml por quilograma de peso, e 1/3 do total de líquido deve ser de uma mistura com sais de hidratação oral. No entanto, principalmente para crianças, a conta não é tão simples assim, o que requer acompanhamento próximo.

“É é importante que essa hidratação ocorra durante todo o período em que o paciente estiver com febre e até 24 a 48 horas após o fim dela”, orienta Croda.

A gravidade do quadro pode exigir a hospitalização, em quartos de enfermaria e até em terapia intensiva (UTI). Por lá, essa hidratação será vigorosa e endovenosa (na veia), além de o paciente permanecer em observação.

Grupos de risco

Qualquer pessoa pode evoluir mal e enfrentar a fase crítica da doença. No entanto, de acordo com os especialistas ouvidos pela reportagem, alguns grupos precisam ficar mais atentos, com maior suscetibilidade ao agravamento:

  • Crianças: A preocupação reside principalmente nas mais novas, com menos de 2 anos. Isso porque, nos primeiros anos de vida, convivem com uma “imaturidade” do sistema imunológico e, também, dificilmente têm a capacidade de comunicar com clareza os sintomas que podem ser sinais de alerta. Granato alerta ainda sobre a possibilidade de o bebê herdar anticorpos antidengue da mãe e que, quando infectado pela primeira vez, na verdade, é como se estivesse vivendo a doença pela segunda vez – situação que tende a ser mais perigosa.
  • Segunda infecção: A segunda vez com a infecção está associada a uma maior possibilidade de agravamento do quadro. “Calcula-se que uma pessoa que tem dengue pela primeira vez, independente de outros fatores, apresenta uma chance de 0,3% de ter uma forma grave. Isso vai aumentar 5, 6, às vezes até 10 vezes, se a pessoa tiver a dengue pela segunda vez”, afirma Granato. Isso porque “o sistema imunológico entende que aquele vírus é o mesmo, e não um sorotipo diferente. Dessa maneira, ele produz anticorpos para a infecção do passado”, explica Croda. Além de não serem efetivos, esses anticorpos “desatualizados” favorecem a replicação viral, internalização do vírus e, portanto, uma maior gravidade da doença,
  • Pessoas com comorbidades: A exemplo de hipertensos e diabéticos.
  • Gestantes: Nelas, o metabolismo, os hormônios e a resposta imune são diferentes. “É um grupo que merece muita atenção”, alerta Rosana.
  • Idosos (60 anos ou mais): De acordo com especialistas, nos extremos de idades – crianças muito pequenas e idosos –, têm sistemas imunológicos mais frágeis. Além disso, nessa fase da vida, é comum a pessoa conviver com comorbidades.

Cenário

Nas quatro primeiras semanas deste ano, o Brasil já somava 243.720 casos prováveis de dengue, um número 273% maior do que o acumulado no mesmo período do ano passado, conforme o último informe semanal do Ministério da Saúde. Desses, 1.804 foram classificados como dengue com sinais de alarme ou grave.

É importante salientar que, conforme especialistas, esse número, proveniente do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), pode apresentar subnotificação. Para entender isso, basta olhar para outro dado, que dificilmente está subnotificado: o de óbitos.

Conforme dados do Sinan, tabulados pelo Estadão, em 2023 ocorreram 1.053 mortes por dengue no País. Ao observarmos a classificação do caso, a grande maioria (64,2%) se trata de quadros graves, porém, 21,7% aparecem como dengue clássica. Isso pode indicar, avaliam especialistas, que esses pacientes talvez não tenham sido diagnosticados, acompanhados ou notificados de maneira correta no sistema.

“A maioria dos óbitos que estão associados à dengue clássica foi falha no sistema em notificar esses sinais de alerta que o paciente dever ter apresentado durante todo o processo (da doença)”, avalia Croda. “Por isso, muitos pacientes ainda morrem de dengue. Porque muitos não são diagnosticados, mas, principalmente, não são seguidos adequadamente até o final dos sintomas para observar esses sinais de alarme.”

O Estadão apresentou esses apontamentos ao Ministério da Saúde. A pasta afirmou que os casos de dengue, suspeitos ou confirmados, são de notificação compulsória e que a ficha do Sinan tem campos específicos para notificação. “Oferecemos constantemente capacitações de manejo clínico da dengue e de vigilância para aperfeiçoar a atuação dos profissionais de saúde quanto à identificação dos sinais de alarme ou de gravidade por dengue e a importância da notificação”, disse, em nota.

Na última coletiva da pasta sobre a dengue, que ocorreu em 25 de janeiro, haviam sido registrados 12 óbitos por dengue. Em 2023, no mesmo período, foram 26. As autoridades atribuíram a queda da letalidade ao preparo das equipes de saúde para manejar os casos. Desde novembro passado, o ministério já falava sobre a preocupação com a temporada da dengue em 2024 devido ao El Niño e à elevação de temperaturas pelo País, e, conforme informaram, estavam em contato com os Estados pedindo o reforço na preparação dos profissionais de saúde.

Com casos de dengue em alta no Brasil, saber diferenciar um caso clássico de um grave é vital. Dados do próprio Ministério da Saúde indicam que os sinais de alarme ainda não são completamente conhecidos e compreendidos pelos brasileiros. A doença não tem um tratamento específico, porém, um protocolo de hidratação adequado impede agravamento do quadro e morte.

“A imensa maioria das pessoas que tiverem dengue não evolui para a forma grave”, afirma Rosana Richtmann, médica infectologista do Hospital Emílio Ribas e diretora do comitê de imunização da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI).

“A dengue causa um impacto enorme, porque muitas pessoas pegam ao mesmo tempo”, avalia o infectologista Julio Croda, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical e professor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul. Os óbitos ocorrem com menor frequência, mas o risco existe. Em 2023, tivemos mais de 1,5 milhão de casos prováveis de dengue e 1.053 pessoas morreram em decorrência da doença – o recorde anual desde os anos 2000. O acesso à informação e o acompanhamento do paciente são capazes de reduzir esse número.

O principal sintoma que indica que uma pessoa está com dengue é uma febre alta e súbita. O quadro clássico, o mais comum, apresenta sintomas semelhantes a uma série de outras doenças, como leptospirose, hepatite, chikungunya (transmitida também pelo mosquito Aedes Aegypti) e até gripe.

Febre alta e súbita é o principal indicativo de dengue. Quando esse sintoma melhora, podem surgir os chamados sinais de alarme, indicando maior gravidade do caso.  Foto: Chanintorn.v/Adobe Stock

“É difícil fazer um diagnóstico rápido nessa fase (inicial da doença)”, pondera Celso Granato, professor livre-docente aposentado de infectologia do Departamento de Medicina da Escola Paulista de Medicina (EPM) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). O pulo do gato, às vezes, é observar que a dengue não apresenta sintomas respiratórios.

A dengue é considerada uma doença bifásica. “Ela tem duas fases. Na inicial, em que a maioria das pessoas vai reclamar muito, vai ter muita dor, incapacitação. Porém, lá pelo quarto ou quinto dia, já há uma melhora expressiva. E, aí, podem aparecer os sinais de alarme”, alerta Rosana. Eles indicam que o paciente deve buscar uma unidade de saúde para receber o tratamento adequado.

De acordo com o Ministério da Saúde, esses sintomas mais sérios podem surgir depois do declínio da febre, entre o 3° e o 7° dia do início da doença. Especialistas ouvidos pela reportagem indicam que é preciso ficar atento ao quadro até duas semanas após a data de aparecimento da febre.

Por que não se fala mais em dengue hemorrágica?

É válido lembrar que o termo dengue hemorrágica, que talvez ainda persista no imaginário do brasileiro sobre a doença, foi abandonado em 2009. Isso porque leva a uma falsa compreensão de que a gravidade da doença está associada apenas aos sangramentos. Entretanto, os especialistas apontam que nem todos os pacientes com quadro grave vão apresentá-los, embora, quando apareçam, são sim um importante sinal de alarme.

Além dos especialistas, a reportagem consultou publicações do Ministério da Saúde e da Organização Mundial da Saúde (OMS) para entender e traçar quais os sintomas mais prevalentes nas diferentes classificações de gravidade da dengue. Confira:

Dengue clássica

A dengue clássica é a forma da doença que varia de um quadro assintomático até à apresentação de um leque de sintomas (listados abaixo), que causam um desconforto significativo ao paciente.

  • Febre alta (39°C a 40°C): É uma febre repentina e abrupta.
  • Dor de cabeça
  • Prostração
  • Dores musculares e/ou articulares
  • Dor atrás dos olhos (retroorbital)
  • Manchas vermelhas: É o que os médicos, cientificamente, chamam de rash cutâneo ou eritema na pele. Visualmente, é, de fato, uma mancha vermelha que, às vezes, pode coçar.
  • Náuseas e vômitos: Aqui, é importante prestar atenção para ter certeza de que não se trata, na verdade, de um sinal de alerta de gravidade. É preciso observar, por exemplo, a frequência desses sintomas. Caso não possam ser controlados e sejam frequentes (o paciente, em geral, reclama que “nada para na barriga”), indicam que algo não vai bem. “Não consegue se hidratar? Já é um sinal para ir para o hospital”, afirma Rosana.

Dengue com sinais de alarme

Após a fase febril da doença, é preciso ficar de olho em sintomas que podem indicar um agravamento do caso. A atenção deve permanecer pelo menos até duas semanas após o início da febre.

  • Dor na barriga intensa e contínua: Ela é diferente do que popularmente conhecemos por “dor de barriga”, que, em geral, trata-se de uma cólica. “É uma dor que vem, é aguda, e depois passa. Parece que tem alguma coisa torcendo. Torce e distorce”, descreve Rosana. Já na dengue com sinais de alarme, essa dor abdominal ocorre devido a um inchaço no fígado, e é contínua. “O fígado cresce e (como) em volta dele há uma cápsula, na hora que ele fica inchado, dói.”
  • Vômitos persistentes
  • Acúmulo de líquidos em cavidades corporais
  • Pressão baixa (hipotensão)
  • Pele pálida e fria
  • Inquietação/irritabilidade
  • Respiração rápida
  • Aumento do tamanho do fígado
  • Sangramento de mucosas: Esses sangramentos podem ser percebidos de diferentes maneiras: pode haver sangue nas gengivas na hora da escovação dos dentes, no nariz, na evacuação ou um fluxo menstrual mais intenso.
  • Aumento progressivo do hematócrito (porcentagem de volume dos glóbulos vermelhos no sangue): Isso só pode ser constatado por meio de exame de sangue. “Um hematócrito alto significa que você está desidratado, e o sangue está muito espesso”, explica Rosana.

Hemorragia

Dentro do espectro dos casos graves, dois quadros merecem atenção: a febre hemorrágica da dengue (FHD) e a síndrome do choque da dengue (SDC).

“O sangramento tem a ver com a falta de produção de fator de coagulação e com a diminuição da quantidade de plaquetas. Seja porque a gente não consegue coagular, porque o fígado não produz uma quantidade (adequada) de fator de coagulação, seja porque o número de plaquetas estão muito baixos”, diz Granato.

É por isso que, ao ser diagnosticado com dengue, a orientação é não tomar ácido acetilsalicílico ou qualquer anti-inflamatório não hormonal. Afinal, essas drogas facilitam o sangramento.

Choque da dengue

O choque é um dos quadros mais temidos pelos médicos. Para entendê-lo, é preciso compreender o que a dengue faz no nosso corpo. “O vírus causa o que a gente chama de vasculite, uma inflamação dos vasos sanguíneos, principalmente dos vasos menorzinhos, os capilares. Aí, o sangue, em vez de ficar dentro do vaso sanguíneo, extravasa para fora da corrente sanguínea”, fala Rosana.

De acordo com Granato, esse extravasamento ocorre devido a um aumento no espaço entre as células (do endotélio). “Imagine assim: é como se as células do sistema vascular, das veias, ficassem com o aspecto de uma uva passa. Com isso, abre-se um espaço entre as células, por onde o sangue extravasa”, ensina o médico.

A depender do grau dessa infecção, há repercussões em diversos órgãos vitais. “O (sangue) que está dentro do vaso sanguíneo é tão insuficiente que você não consegue nem manter uma pressão para bombear o sangue para o corpo inteiro, e acaba tendo falência em órgãos como cérebro, rins, fígado. Falência geral”, explica Rosana.

É importante salientar que isso ocorre em uma minoria de pacientes. No entanto, todos os sinais de alerta, que listamos acima, indicam a iminência desse choque. Portanto, é possível evitar que o quadro chegue a esse ponto. Daí a necessidade de não negligenciar os sinais de alarme e buscar uma unidade de saúde para receber o tratamento adequado.

Tratamento: hidratação salva vidas

O início do quadro da dengue, como citamos, pode ser inespecífico, com sintomas que se confundem com os de outras doenças. Por isso, é importante contar com o acompanhamento de um profissional da saúde, que poderá informar sobre a suspeita de dengue ou requisitar exames de confirmação.

A dengue não tem um tratamento específico, mas a hidratação adequada salva vidas. Na dengue clássica, em que a pessoa consegue beber água normalmente, muito provavelmente será recomendado ingerir 60 ml por quilograma de peso, e 1/3 do total de líquido deve ser de uma mistura com sais de hidratação oral. No entanto, principalmente para crianças, a conta não é tão simples assim, o que requer acompanhamento próximo.

“É é importante que essa hidratação ocorra durante todo o período em que o paciente estiver com febre e até 24 a 48 horas após o fim dela”, orienta Croda.

A gravidade do quadro pode exigir a hospitalização, em quartos de enfermaria e até em terapia intensiva (UTI). Por lá, essa hidratação será vigorosa e endovenosa (na veia), além de o paciente permanecer em observação.

Grupos de risco

Qualquer pessoa pode evoluir mal e enfrentar a fase crítica da doença. No entanto, de acordo com os especialistas ouvidos pela reportagem, alguns grupos precisam ficar mais atentos, com maior suscetibilidade ao agravamento:

  • Crianças: A preocupação reside principalmente nas mais novas, com menos de 2 anos. Isso porque, nos primeiros anos de vida, convivem com uma “imaturidade” do sistema imunológico e, também, dificilmente têm a capacidade de comunicar com clareza os sintomas que podem ser sinais de alerta. Granato alerta ainda sobre a possibilidade de o bebê herdar anticorpos antidengue da mãe e que, quando infectado pela primeira vez, na verdade, é como se estivesse vivendo a doença pela segunda vez – situação que tende a ser mais perigosa.
  • Segunda infecção: A segunda vez com a infecção está associada a uma maior possibilidade de agravamento do quadro. “Calcula-se que uma pessoa que tem dengue pela primeira vez, independente de outros fatores, apresenta uma chance de 0,3% de ter uma forma grave. Isso vai aumentar 5, 6, às vezes até 10 vezes, se a pessoa tiver a dengue pela segunda vez”, afirma Granato. Isso porque “o sistema imunológico entende que aquele vírus é o mesmo, e não um sorotipo diferente. Dessa maneira, ele produz anticorpos para a infecção do passado”, explica Croda. Além de não serem efetivos, esses anticorpos “desatualizados” favorecem a replicação viral, internalização do vírus e, portanto, uma maior gravidade da doença,
  • Pessoas com comorbidades: A exemplo de hipertensos e diabéticos.
  • Gestantes: Nelas, o metabolismo, os hormônios e a resposta imune são diferentes. “É um grupo que merece muita atenção”, alerta Rosana.
  • Idosos (60 anos ou mais): De acordo com especialistas, nos extremos de idades – crianças muito pequenas e idosos –, têm sistemas imunológicos mais frágeis. Além disso, nessa fase da vida, é comum a pessoa conviver com comorbidades.

Cenário

Nas quatro primeiras semanas deste ano, o Brasil já somava 243.720 casos prováveis de dengue, um número 273% maior do que o acumulado no mesmo período do ano passado, conforme o último informe semanal do Ministério da Saúde. Desses, 1.804 foram classificados como dengue com sinais de alarme ou grave.

É importante salientar que, conforme especialistas, esse número, proveniente do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), pode apresentar subnotificação. Para entender isso, basta olhar para outro dado, que dificilmente está subnotificado: o de óbitos.

Conforme dados do Sinan, tabulados pelo Estadão, em 2023 ocorreram 1.053 mortes por dengue no País. Ao observarmos a classificação do caso, a grande maioria (64,2%) se trata de quadros graves, porém, 21,7% aparecem como dengue clássica. Isso pode indicar, avaliam especialistas, que esses pacientes talvez não tenham sido diagnosticados, acompanhados ou notificados de maneira correta no sistema.

“A maioria dos óbitos que estão associados à dengue clássica foi falha no sistema em notificar esses sinais de alerta que o paciente dever ter apresentado durante todo o processo (da doença)”, avalia Croda. “Por isso, muitos pacientes ainda morrem de dengue. Porque muitos não são diagnosticados, mas, principalmente, não são seguidos adequadamente até o final dos sintomas para observar esses sinais de alarme.”

O Estadão apresentou esses apontamentos ao Ministério da Saúde. A pasta afirmou que os casos de dengue, suspeitos ou confirmados, são de notificação compulsória e que a ficha do Sinan tem campos específicos para notificação. “Oferecemos constantemente capacitações de manejo clínico da dengue e de vigilância para aperfeiçoar a atuação dos profissionais de saúde quanto à identificação dos sinais de alarme ou de gravidade por dengue e a importância da notificação”, disse, em nota.

Na última coletiva da pasta sobre a dengue, que ocorreu em 25 de janeiro, haviam sido registrados 12 óbitos por dengue. Em 2023, no mesmo período, foram 26. As autoridades atribuíram a queda da letalidade ao preparo das equipes de saúde para manejar os casos. Desde novembro passado, o ministério já falava sobre a preocupação com a temporada da dengue em 2024 devido ao El Niño e à elevação de temperaturas pelo País, e, conforme informaram, estavam em contato com os Estados pedindo o reforço na preparação dos profissionais de saúde.

Com casos de dengue em alta no Brasil, saber diferenciar um caso clássico de um grave é vital. Dados do próprio Ministério da Saúde indicam que os sinais de alarme ainda não são completamente conhecidos e compreendidos pelos brasileiros. A doença não tem um tratamento específico, porém, um protocolo de hidratação adequado impede agravamento do quadro e morte.

“A imensa maioria das pessoas que tiverem dengue não evolui para a forma grave”, afirma Rosana Richtmann, médica infectologista do Hospital Emílio Ribas e diretora do comitê de imunização da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI).

“A dengue causa um impacto enorme, porque muitas pessoas pegam ao mesmo tempo”, avalia o infectologista Julio Croda, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical e professor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul. Os óbitos ocorrem com menor frequência, mas o risco existe. Em 2023, tivemos mais de 1,5 milhão de casos prováveis de dengue e 1.053 pessoas morreram em decorrência da doença – o recorde anual desde os anos 2000. O acesso à informação e o acompanhamento do paciente são capazes de reduzir esse número.

O principal sintoma que indica que uma pessoa está com dengue é uma febre alta e súbita. O quadro clássico, o mais comum, apresenta sintomas semelhantes a uma série de outras doenças, como leptospirose, hepatite, chikungunya (transmitida também pelo mosquito Aedes Aegypti) e até gripe.

Febre alta e súbita é o principal indicativo de dengue. Quando esse sintoma melhora, podem surgir os chamados sinais de alarme, indicando maior gravidade do caso.  Foto: Chanintorn.v/Adobe Stock

“É difícil fazer um diagnóstico rápido nessa fase (inicial da doença)”, pondera Celso Granato, professor livre-docente aposentado de infectologia do Departamento de Medicina da Escola Paulista de Medicina (EPM) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). O pulo do gato, às vezes, é observar que a dengue não apresenta sintomas respiratórios.

A dengue é considerada uma doença bifásica. “Ela tem duas fases. Na inicial, em que a maioria das pessoas vai reclamar muito, vai ter muita dor, incapacitação. Porém, lá pelo quarto ou quinto dia, já há uma melhora expressiva. E, aí, podem aparecer os sinais de alarme”, alerta Rosana. Eles indicam que o paciente deve buscar uma unidade de saúde para receber o tratamento adequado.

De acordo com o Ministério da Saúde, esses sintomas mais sérios podem surgir depois do declínio da febre, entre o 3° e o 7° dia do início da doença. Especialistas ouvidos pela reportagem indicam que é preciso ficar atento ao quadro até duas semanas após a data de aparecimento da febre.

Por que não se fala mais em dengue hemorrágica?

É válido lembrar que o termo dengue hemorrágica, que talvez ainda persista no imaginário do brasileiro sobre a doença, foi abandonado em 2009. Isso porque leva a uma falsa compreensão de que a gravidade da doença está associada apenas aos sangramentos. Entretanto, os especialistas apontam que nem todos os pacientes com quadro grave vão apresentá-los, embora, quando apareçam, são sim um importante sinal de alarme.

Além dos especialistas, a reportagem consultou publicações do Ministério da Saúde e da Organização Mundial da Saúde (OMS) para entender e traçar quais os sintomas mais prevalentes nas diferentes classificações de gravidade da dengue. Confira:

Dengue clássica

A dengue clássica é a forma da doença que varia de um quadro assintomático até à apresentação de um leque de sintomas (listados abaixo), que causam um desconforto significativo ao paciente.

  • Febre alta (39°C a 40°C): É uma febre repentina e abrupta.
  • Dor de cabeça
  • Prostração
  • Dores musculares e/ou articulares
  • Dor atrás dos olhos (retroorbital)
  • Manchas vermelhas: É o que os médicos, cientificamente, chamam de rash cutâneo ou eritema na pele. Visualmente, é, de fato, uma mancha vermelha que, às vezes, pode coçar.
  • Náuseas e vômitos: Aqui, é importante prestar atenção para ter certeza de que não se trata, na verdade, de um sinal de alerta de gravidade. É preciso observar, por exemplo, a frequência desses sintomas. Caso não possam ser controlados e sejam frequentes (o paciente, em geral, reclama que “nada para na barriga”), indicam que algo não vai bem. “Não consegue se hidratar? Já é um sinal para ir para o hospital”, afirma Rosana.

Dengue com sinais de alarme

Após a fase febril da doença, é preciso ficar de olho em sintomas que podem indicar um agravamento do caso. A atenção deve permanecer pelo menos até duas semanas após o início da febre.

  • Dor na barriga intensa e contínua: Ela é diferente do que popularmente conhecemos por “dor de barriga”, que, em geral, trata-se de uma cólica. “É uma dor que vem, é aguda, e depois passa. Parece que tem alguma coisa torcendo. Torce e distorce”, descreve Rosana. Já na dengue com sinais de alarme, essa dor abdominal ocorre devido a um inchaço no fígado, e é contínua. “O fígado cresce e (como) em volta dele há uma cápsula, na hora que ele fica inchado, dói.”
  • Vômitos persistentes
  • Acúmulo de líquidos em cavidades corporais
  • Pressão baixa (hipotensão)
  • Pele pálida e fria
  • Inquietação/irritabilidade
  • Respiração rápida
  • Aumento do tamanho do fígado
  • Sangramento de mucosas: Esses sangramentos podem ser percebidos de diferentes maneiras: pode haver sangue nas gengivas na hora da escovação dos dentes, no nariz, na evacuação ou um fluxo menstrual mais intenso.
  • Aumento progressivo do hematócrito (porcentagem de volume dos glóbulos vermelhos no sangue): Isso só pode ser constatado por meio de exame de sangue. “Um hematócrito alto significa que você está desidratado, e o sangue está muito espesso”, explica Rosana.

Hemorragia

Dentro do espectro dos casos graves, dois quadros merecem atenção: a febre hemorrágica da dengue (FHD) e a síndrome do choque da dengue (SDC).

“O sangramento tem a ver com a falta de produção de fator de coagulação e com a diminuição da quantidade de plaquetas. Seja porque a gente não consegue coagular, porque o fígado não produz uma quantidade (adequada) de fator de coagulação, seja porque o número de plaquetas estão muito baixos”, diz Granato.

É por isso que, ao ser diagnosticado com dengue, a orientação é não tomar ácido acetilsalicílico ou qualquer anti-inflamatório não hormonal. Afinal, essas drogas facilitam o sangramento.

Choque da dengue

O choque é um dos quadros mais temidos pelos médicos. Para entendê-lo, é preciso compreender o que a dengue faz no nosso corpo. “O vírus causa o que a gente chama de vasculite, uma inflamação dos vasos sanguíneos, principalmente dos vasos menorzinhos, os capilares. Aí, o sangue, em vez de ficar dentro do vaso sanguíneo, extravasa para fora da corrente sanguínea”, fala Rosana.

De acordo com Granato, esse extravasamento ocorre devido a um aumento no espaço entre as células (do endotélio). “Imagine assim: é como se as células do sistema vascular, das veias, ficassem com o aspecto de uma uva passa. Com isso, abre-se um espaço entre as células, por onde o sangue extravasa”, ensina o médico.

A depender do grau dessa infecção, há repercussões em diversos órgãos vitais. “O (sangue) que está dentro do vaso sanguíneo é tão insuficiente que você não consegue nem manter uma pressão para bombear o sangue para o corpo inteiro, e acaba tendo falência em órgãos como cérebro, rins, fígado. Falência geral”, explica Rosana.

É importante salientar que isso ocorre em uma minoria de pacientes. No entanto, todos os sinais de alerta, que listamos acima, indicam a iminência desse choque. Portanto, é possível evitar que o quadro chegue a esse ponto. Daí a necessidade de não negligenciar os sinais de alarme e buscar uma unidade de saúde para receber o tratamento adequado.

Tratamento: hidratação salva vidas

O início do quadro da dengue, como citamos, pode ser inespecífico, com sintomas que se confundem com os de outras doenças. Por isso, é importante contar com o acompanhamento de um profissional da saúde, que poderá informar sobre a suspeita de dengue ou requisitar exames de confirmação.

A dengue não tem um tratamento específico, mas a hidratação adequada salva vidas. Na dengue clássica, em que a pessoa consegue beber água normalmente, muito provavelmente será recomendado ingerir 60 ml por quilograma de peso, e 1/3 do total de líquido deve ser de uma mistura com sais de hidratação oral. No entanto, principalmente para crianças, a conta não é tão simples assim, o que requer acompanhamento próximo.

“É é importante que essa hidratação ocorra durante todo o período em que o paciente estiver com febre e até 24 a 48 horas após o fim dela”, orienta Croda.

A gravidade do quadro pode exigir a hospitalização, em quartos de enfermaria e até em terapia intensiva (UTI). Por lá, essa hidratação será vigorosa e endovenosa (na veia), além de o paciente permanecer em observação.

Grupos de risco

Qualquer pessoa pode evoluir mal e enfrentar a fase crítica da doença. No entanto, de acordo com os especialistas ouvidos pela reportagem, alguns grupos precisam ficar mais atentos, com maior suscetibilidade ao agravamento:

  • Crianças: A preocupação reside principalmente nas mais novas, com menos de 2 anos. Isso porque, nos primeiros anos de vida, convivem com uma “imaturidade” do sistema imunológico e, também, dificilmente têm a capacidade de comunicar com clareza os sintomas que podem ser sinais de alerta. Granato alerta ainda sobre a possibilidade de o bebê herdar anticorpos antidengue da mãe e que, quando infectado pela primeira vez, na verdade, é como se estivesse vivendo a doença pela segunda vez – situação que tende a ser mais perigosa.
  • Segunda infecção: A segunda vez com a infecção está associada a uma maior possibilidade de agravamento do quadro. “Calcula-se que uma pessoa que tem dengue pela primeira vez, independente de outros fatores, apresenta uma chance de 0,3% de ter uma forma grave. Isso vai aumentar 5, 6, às vezes até 10 vezes, se a pessoa tiver a dengue pela segunda vez”, afirma Granato. Isso porque “o sistema imunológico entende que aquele vírus é o mesmo, e não um sorotipo diferente. Dessa maneira, ele produz anticorpos para a infecção do passado”, explica Croda. Além de não serem efetivos, esses anticorpos “desatualizados” favorecem a replicação viral, internalização do vírus e, portanto, uma maior gravidade da doença,
  • Pessoas com comorbidades: A exemplo de hipertensos e diabéticos.
  • Gestantes: Nelas, o metabolismo, os hormônios e a resposta imune são diferentes. “É um grupo que merece muita atenção”, alerta Rosana.
  • Idosos (60 anos ou mais): De acordo com especialistas, nos extremos de idades – crianças muito pequenas e idosos –, têm sistemas imunológicos mais frágeis. Além disso, nessa fase da vida, é comum a pessoa conviver com comorbidades.

Cenário

Nas quatro primeiras semanas deste ano, o Brasil já somava 243.720 casos prováveis de dengue, um número 273% maior do que o acumulado no mesmo período do ano passado, conforme o último informe semanal do Ministério da Saúde. Desses, 1.804 foram classificados como dengue com sinais de alarme ou grave.

É importante salientar que, conforme especialistas, esse número, proveniente do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), pode apresentar subnotificação. Para entender isso, basta olhar para outro dado, que dificilmente está subnotificado: o de óbitos.

Conforme dados do Sinan, tabulados pelo Estadão, em 2023 ocorreram 1.053 mortes por dengue no País. Ao observarmos a classificação do caso, a grande maioria (64,2%) se trata de quadros graves, porém, 21,7% aparecem como dengue clássica. Isso pode indicar, avaliam especialistas, que esses pacientes talvez não tenham sido diagnosticados, acompanhados ou notificados de maneira correta no sistema.

“A maioria dos óbitos que estão associados à dengue clássica foi falha no sistema em notificar esses sinais de alerta que o paciente dever ter apresentado durante todo o processo (da doença)”, avalia Croda. “Por isso, muitos pacientes ainda morrem de dengue. Porque muitos não são diagnosticados, mas, principalmente, não são seguidos adequadamente até o final dos sintomas para observar esses sinais de alarme.”

O Estadão apresentou esses apontamentos ao Ministério da Saúde. A pasta afirmou que os casos de dengue, suspeitos ou confirmados, são de notificação compulsória e que a ficha do Sinan tem campos específicos para notificação. “Oferecemos constantemente capacitações de manejo clínico da dengue e de vigilância para aperfeiçoar a atuação dos profissionais de saúde quanto à identificação dos sinais de alarme ou de gravidade por dengue e a importância da notificação”, disse, em nota.

Na última coletiva da pasta sobre a dengue, que ocorreu em 25 de janeiro, haviam sido registrados 12 óbitos por dengue. Em 2023, no mesmo período, foram 26. As autoridades atribuíram a queda da letalidade ao preparo das equipes de saúde para manejar os casos. Desde novembro passado, o ministério já falava sobre a preocupação com a temporada da dengue em 2024 devido ao El Niño e à elevação de temperaturas pelo País, e, conforme informaram, estavam em contato com os Estados pedindo o reforço na preparação dos profissionais de saúde.

Com casos de dengue em alta no Brasil, saber diferenciar um caso clássico de um grave é vital. Dados do próprio Ministério da Saúde indicam que os sinais de alarme ainda não são completamente conhecidos e compreendidos pelos brasileiros. A doença não tem um tratamento específico, porém, um protocolo de hidratação adequado impede agravamento do quadro e morte.

“A imensa maioria das pessoas que tiverem dengue não evolui para a forma grave”, afirma Rosana Richtmann, médica infectologista do Hospital Emílio Ribas e diretora do comitê de imunização da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI).

“A dengue causa um impacto enorme, porque muitas pessoas pegam ao mesmo tempo”, avalia o infectologista Julio Croda, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical e professor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul. Os óbitos ocorrem com menor frequência, mas o risco existe. Em 2023, tivemos mais de 1,5 milhão de casos prováveis de dengue e 1.053 pessoas morreram em decorrência da doença – o recorde anual desde os anos 2000. O acesso à informação e o acompanhamento do paciente são capazes de reduzir esse número.

O principal sintoma que indica que uma pessoa está com dengue é uma febre alta e súbita. O quadro clássico, o mais comum, apresenta sintomas semelhantes a uma série de outras doenças, como leptospirose, hepatite, chikungunya (transmitida também pelo mosquito Aedes Aegypti) e até gripe.

Febre alta e súbita é o principal indicativo de dengue. Quando esse sintoma melhora, podem surgir os chamados sinais de alarme, indicando maior gravidade do caso.  Foto: Chanintorn.v/Adobe Stock

“É difícil fazer um diagnóstico rápido nessa fase (inicial da doença)”, pondera Celso Granato, professor livre-docente aposentado de infectologia do Departamento de Medicina da Escola Paulista de Medicina (EPM) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). O pulo do gato, às vezes, é observar que a dengue não apresenta sintomas respiratórios.

A dengue é considerada uma doença bifásica. “Ela tem duas fases. Na inicial, em que a maioria das pessoas vai reclamar muito, vai ter muita dor, incapacitação. Porém, lá pelo quarto ou quinto dia, já há uma melhora expressiva. E, aí, podem aparecer os sinais de alarme”, alerta Rosana. Eles indicam que o paciente deve buscar uma unidade de saúde para receber o tratamento adequado.

De acordo com o Ministério da Saúde, esses sintomas mais sérios podem surgir depois do declínio da febre, entre o 3° e o 7° dia do início da doença. Especialistas ouvidos pela reportagem indicam que é preciso ficar atento ao quadro até duas semanas após a data de aparecimento da febre.

Por que não se fala mais em dengue hemorrágica?

É válido lembrar que o termo dengue hemorrágica, que talvez ainda persista no imaginário do brasileiro sobre a doença, foi abandonado em 2009. Isso porque leva a uma falsa compreensão de que a gravidade da doença está associada apenas aos sangramentos. Entretanto, os especialistas apontam que nem todos os pacientes com quadro grave vão apresentá-los, embora, quando apareçam, são sim um importante sinal de alarme.

Além dos especialistas, a reportagem consultou publicações do Ministério da Saúde e da Organização Mundial da Saúde (OMS) para entender e traçar quais os sintomas mais prevalentes nas diferentes classificações de gravidade da dengue. Confira:

Dengue clássica

A dengue clássica é a forma da doença que varia de um quadro assintomático até à apresentação de um leque de sintomas (listados abaixo), que causam um desconforto significativo ao paciente.

  • Febre alta (39°C a 40°C): É uma febre repentina e abrupta.
  • Dor de cabeça
  • Prostração
  • Dores musculares e/ou articulares
  • Dor atrás dos olhos (retroorbital)
  • Manchas vermelhas: É o que os médicos, cientificamente, chamam de rash cutâneo ou eritema na pele. Visualmente, é, de fato, uma mancha vermelha que, às vezes, pode coçar.
  • Náuseas e vômitos: Aqui, é importante prestar atenção para ter certeza de que não se trata, na verdade, de um sinal de alerta de gravidade. É preciso observar, por exemplo, a frequência desses sintomas. Caso não possam ser controlados e sejam frequentes (o paciente, em geral, reclama que “nada para na barriga”), indicam que algo não vai bem. “Não consegue se hidratar? Já é um sinal para ir para o hospital”, afirma Rosana.

Dengue com sinais de alarme

Após a fase febril da doença, é preciso ficar de olho em sintomas que podem indicar um agravamento do caso. A atenção deve permanecer pelo menos até duas semanas após o início da febre.

  • Dor na barriga intensa e contínua: Ela é diferente do que popularmente conhecemos por “dor de barriga”, que, em geral, trata-se de uma cólica. “É uma dor que vem, é aguda, e depois passa. Parece que tem alguma coisa torcendo. Torce e distorce”, descreve Rosana. Já na dengue com sinais de alarme, essa dor abdominal ocorre devido a um inchaço no fígado, e é contínua. “O fígado cresce e (como) em volta dele há uma cápsula, na hora que ele fica inchado, dói.”
  • Vômitos persistentes
  • Acúmulo de líquidos em cavidades corporais
  • Pressão baixa (hipotensão)
  • Pele pálida e fria
  • Inquietação/irritabilidade
  • Respiração rápida
  • Aumento do tamanho do fígado
  • Sangramento de mucosas: Esses sangramentos podem ser percebidos de diferentes maneiras: pode haver sangue nas gengivas na hora da escovação dos dentes, no nariz, na evacuação ou um fluxo menstrual mais intenso.
  • Aumento progressivo do hematócrito (porcentagem de volume dos glóbulos vermelhos no sangue): Isso só pode ser constatado por meio de exame de sangue. “Um hematócrito alto significa que você está desidratado, e o sangue está muito espesso”, explica Rosana.

Hemorragia

Dentro do espectro dos casos graves, dois quadros merecem atenção: a febre hemorrágica da dengue (FHD) e a síndrome do choque da dengue (SDC).

“O sangramento tem a ver com a falta de produção de fator de coagulação e com a diminuição da quantidade de plaquetas. Seja porque a gente não consegue coagular, porque o fígado não produz uma quantidade (adequada) de fator de coagulação, seja porque o número de plaquetas estão muito baixos”, diz Granato.

É por isso que, ao ser diagnosticado com dengue, a orientação é não tomar ácido acetilsalicílico ou qualquer anti-inflamatório não hormonal. Afinal, essas drogas facilitam o sangramento.

Choque da dengue

O choque é um dos quadros mais temidos pelos médicos. Para entendê-lo, é preciso compreender o que a dengue faz no nosso corpo. “O vírus causa o que a gente chama de vasculite, uma inflamação dos vasos sanguíneos, principalmente dos vasos menorzinhos, os capilares. Aí, o sangue, em vez de ficar dentro do vaso sanguíneo, extravasa para fora da corrente sanguínea”, fala Rosana.

De acordo com Granato, esse extravasamento ocorre devido a um aumento no espaço entre as células (do endotélio). “Imagine assim: é como se as células do sistema vascular, das veias, ficassem com o aspecto de uma uva passa. Com isso, abre-se um espaço entre as células, por onde o sangue extravasa”, ensina o médico.

A depender do grau dessa infecção, há repercussões em diversos órgãos vitais. “O (sangue) que está dentro do vaso sanguíneo é tão insuficiente que você não consegue nem manter uma pressão para bombear o sangue para o corpo inteiro, e acaba tendo falência em órgãos como cérebro, rins, fígado. Falência geral”, explica Rosana.

É importante salientar que isso ocorre em uma minoria de pacientes. No entanto, todos os sinais de alerta, que listamos acima, indicam a iminência desse choque. Portanto, é possível evitar que o quadro chegue a esse ponto. Daí a necessidade de não negligenciar os sinais de alarme e buscar uma unidade de saúde para receber o tratamento adequado.

Tratamento: hidratação salva vidas

O início do quadro da dengue, como citamos, pode ser inespecífico, com sintomas que se confundem com os de outras doenças. Por isso, é importante contar com o acompanhamento de um profissional da saúde, que poderá informar sobre a suspeita de dengue ou requisitar exames de confirmação.

A dengue não tem um tratamento específico, mas a hidratação adequada salva vidas. Na dengue clássica, em que a pessoa consegue beber água normalmente, muito provavelmente será recomendado ingerir 60 ml por quilograma de peso, e 1/3 do total de líquido deve ser de uma mistura com sais de hidratação oral. No entanto, principalmente para crianças, a conta não é tão simples assim, o que requer acompanhamento próximo.

“É é importante que essa hidratação ocorra durante todo o período em que o paciente estiver com febre e até 24 a 48 horas após o fim dela”, orienta Croda.

A gravidade do quadro pode exigir a hospitalização, em quartos de enfermaria e até em terapia intensiva (UTI). Por lá, essa hidratação será vigorosa e endovenosa (na veia), além de o paciente permanecer em observação.

Grupos de risco

Qualquer pessoa pode evoluir mal e enfrentar a fase crítica da doença. No entanto, de acordo com os especialistas ouvidos pela reportagem, alguns grupos precisam ficar mais atentos, com maior suscetibilidade ao agravamento:

  • Crianças: A preocupação reside principalmente nas mais novas, com menos de 2 anos. Isso porque, nos primeiros anos de vida, convivem com uma “imaturidade” do sistema imunológico e, também, dificilmente têm a capacidade de comunicar com clareza os sintomas que podem ser sinais de alerta. Granato alerta ainda sobre a possibilidade de o bebê herdar anticorpos antidengue da mãe e que, quando infectado pela primeira vez, na verdade, é como se estivesse vivendo a doença pela segunda vez – situação que tende a ser mais perigosa.
  • Segunda infecção: A segunda vez com a infecção está associada a uma maior possibilidade de agravamento do quadro. “Calcula-se que uma pessoa que tem dengue pela primeira vez, independente de outros fatores, apresenta uma chance de 0,3% de ter uma forma grave. Isso vai aumentar 5, 6, às vezes até 10 vezes, se a pessoa tiver a dengue pela segunda vez”, afirma Granato. Isso porque “o sistema imunológico entende que aquele vírus é o mesmo, e não um sorotipo diferente. Dessa maneira, ele produz anticorpos para a infecção do passado”, explica Croda. Além de não serem efetivos, esses anticorpos “desatualizados” favorecem a replicação viral, internalização do vírus e, portanto, uma maior gravidade da doença,
  • Pessoas com comorbidades: A exemplo de hipertensos e diabéticos.
  • Gestantes: Nelas, o metabolismo, os hormônios e a resposta imune são diferentes. “É um grupo que merece muita atenção”, alerta Rosana.
  • Idosos (60 anos ou mais): De acordo com especialistas, nos extremos de idades – crianças muito pequenas e idosos –, têm sistemas imunológicos mais frágeis. Além disso, nessa fase da vida, é comum a pessoa conviver com comorbidades.

Cenário

Nas quatro primeiras semanas deste ano, o Brasil já somava 243.720 casos prováveis de dengue, um número 273% maior do que o acumulado no mesmo período do ano passado, conforme o último informe semanal do Ministério da Saúde. Desses, 1.804 foram classificados como dengue com sinais de alarme ou grave.

É importante salientar que, conforme especialistas, esse número, proveniente do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), pode apresentar subnotificação. Para entender isso, basta olhar para outro dado, que dificilmente está subnotificado: o de óbitos.

Conforme dados do Sinan, tabulados pelo Estadão, em 2023 ocorreram 1.053 mortes por dengue no País. Ao observarmos a classificação do caso, a grande maioria (64,2%) se trata de quadros graves, porém, 21,7% aparecem como dengue clássica. Isso pode indicar, avaliam especialistas, que esses pacientes talvez não tenham sido diagnosticados, acompanhados ou notificados de maneira correta no sistema.

“A maioria dos óbitos que estão associados à dengue clássica foi falha no sistema em notificar esses sinais de alerta que o paciente dever ter apresentado durante todo o processo (da doença)”, avalia Croda. “Por isso, muitos pacientes ainda morrem de dengue. Porque muitos não são diagnosticados, mas, principalmente, não são seguidos adequadamente até o final dos sintomas para observar esses sinais de alarme.”

O Estadão apresentou esses apontamentos ao Ministério da Saúde. A pasta afirmou que os casos de dengue, suspeitos ou confirmados, são de notificação compulsória e que a ficha do Sinan tem campos específicos para notificação. “Oferecemos constantemente capacitações de manejo clínico da dengue e de vigilância para aperfeiçoar a atuação dos profissionais de saúde quanto à identificação dos sinais de alarme ou de gravidade por dengue e a importância da notificação”, disse, em nota.

Na última coletiva da pasta sobre a dengue, que ocorreu em 25 de janeiro, haviam sido registrados 12 óbitos por dengue. Em 2023, no mesmo período, foram 26. As autoridades atribuíram a queda da letalidade ao preparo das equipes de saúde para manejar os casos. Desde novembro passado, o ministério já falava sobre a preocupação com a temporada da dengue em 2024 devido ao El Niño e à elevação de temperaturas pelo País, e, conforme informaram, estavam em contato com os Estados pedindo o reforço na preparação dos profissionais de saúde.

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