Em termos gerais, “autocontrole” se refere ao comportamento de escolher entre duas opções conflituosas, sendo que uma geralmente traz uma recompensa imediata (por exemplo, comer um doce no meio da tarde ou ficar assistindo série até tarde), enquanto a outra é caracterizada por uma recompensa tardia (por exemplo, comer um lanche leve ou treinar).
As duas opções são importantes, mas geram conflitos entre o querer e o dever. Diante dessas escolhas, uma pessoa com bom autocontrole é aquela que tende a optar pela recompensa tardia. Ou seja, passa pelo desconforto de dizer “não” para si própria no momento presente em prol de uma recompensa futura.
Tendo isso em mente, os influenciadores fitness adoram mostrar como eles são autocontrolados, pois fazem as melhores escolhas para manter o corpo “em dia” e dão dicas de como você também pode seguir esse caminho.
Mas será que eles realmente estão exercendo o autocontrole?
Sem entrar no mérito do quanto eles de fato fazem o que pregam, posso lhes assegurar que muitos não exercem tanto autocontrole quanto imaginam. Isso porque a pessoa só precisa exercer autocontrole se ela estiver dividida entre duas escolhas, se houver um conflito interno para a decisão.
Usando um exemplo pessoal: se tiver que escolher entre ver TV ou jogar tênis, não precisarei exercer qualquer autocontrole, pois amo jogar tênis. Porém, se tiver que escolher entre ver TV ou fazer musculação, a coisa muda totalmente.
Porém, cada pessoa é diferente: consequentemente, o gatilho que dispara os mecanismos de busca de recompensa e a antecipação do comer são diferentes. Logo, a necessidade que cada pessoa tem de exercer o autocontrole também pode ser diferente.
Enquanto para alguns esse gatilho pode ser a comida, para outros pode ser a bebida, a compra, o cigarro, as apostas e assim por diante. Você talvez não tenha que exercer sua força de vontade para não tomar uma bebida ao chegar do trabalho pois você sequer gosta. Para outros, todo dia pode haver um conflito interno.
Tal gatilho é influenciado por diversos fatores: ambientais, psicológicos, fisiológicos e genéticos. Sim, até a genética influencia no comportamento de autocontrole. Um estudo científico do tipo meta-análise (um tipo mais robusto de revisão) com pares de gêmeos mono e dizigóticos verificou uma estimativa de herdabilidade de 60%! Ou seja, a influência genética exerce enorme influência na capacidade da pessoa ter autocontrole.
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Como sempre enfatizo, genética não é necessariamente uma sentença, mas obviamente significa que pessoas que acreditam ter maior dificuldade em exercer o autocontrole precisam se organizar muito bem para conseguir mudar.
Burrhus Frederic Skinner (1904-1990), psicólogo behaviorista, refere que uma das principais ferramentas de autocontrole é não se colocar na situação conflituosa da escolha.
Ou seja, voltando ao meu exemplo da musculação: para não me colocar na situação de conflito, traço várias estratégias: treinar com companhia (seja um personal, amigo…), não ir do trabalho para casa antes do treino (ao entrar em casa, a chance de sair para treinar diminui muito).
Quanto mais perto da recompensa imediata, mais difícil de escolher a tardia: deixar de tomar um sorvete que está na sua frente é muito diferente de negar um que você não tem em casa e teria que sair para comprar ou pedir delivery.
Os influenciadores que vociferam nas redes sociais sobre autocontrole normalmente amam a rotina que têm. Muitos contam com uma equipe à disposição: treinadores, cozinheiros ou parcerias com empresas de comida “fitness” (seja lá o que isso significa), tudo pronto para que eles nem precisem exercer o autocontrole. Lembre-se: se aquela opção não gera conflito, a pessoa não está exercendo o autocontrole.
Outro ponto importante que algumas teorias de autocontrole tentam entender são os fatores que podem diminuir a capacidade da pessoa de emitir comportamentos autocontrolados, e esses estudos destacam como cruciais: sono reparador, manejo adequado do estresse e, atenção à ironia, restrição calórica.
A pessoa em restrição calórica tem um gatilho, ou um instinto, para comer aumentado. Fica mais impulsiva, reativa e, ao ver uma comida que gosta, precisa escolher entre a mais apetitosa, hiperpalatável, versus a que deveria consumir de acordo com a dieta – uma briga que muitas vezes será injusta. Esse é um dos motivos pelos quais dietas de fome não funcionam.
Autocontrole é um tema complexo e voltarei a ele em outras oportunidades, mas por ora, que tal reorganizar sua vida para tentar evitar ao máximo as situações conflituosas baseadas em uma escolha?