O Brasil possui aproximadamente 20 milhões de pessoas com diabetes. Nesse grupo, estão pacientes com os tipos 1 ou 2 da doença, mulheres que desenvolveram diabetes gestacional e também pacientes com um tipo mais incomum do quadro, o diabetes duplo.
No diabetes tipo 1, o corpo não produz insulina. Sem o hormônio, as moléculas de glicose não são totalmente quebradas e, ao invés de entrarem nas células, ficam circulando pelo sangue. A doença é percebida geralmente na infância e acomete de 5% a 10% dos brasileiros, conforme o Ministério da Saúde.
O segundo tipo, por sua vez, acontece mais em adultos e idosos e costuma ser reflexo da obesidade. A produção de insulina continua normal — o que muda é o aproveitamento do hormônio, que deixa de ser eficaz. Trata-se do tipo mais comum da doença, responsável por cerca de 90% dos casos.
Um “terceiro” tipo é o diabetes duplo, conforme explica a endocrinologista Jaqueline Araújo, coordenadora do Departamento de Diabetes Tipo 1 em Crianças e Adolescentes da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD). Nesses casos, há tanto a deficiência de insulina quanto a resistência ao hormônio.
O que é diabetes duplo?
O termo foi cunhado no início da década de 1990. Segundo a médica, a condição ocorre quando a pessoa nasce com o tipo 1 da doença e, ao longo da vida, desenvolve o tipo 2.
Os pacientes que não produzem insulina (tipo 1) precisam usar o hormônio sintético e, por conta da ação da substância, costumam ser mais magros. Porém a pessoa pode engordar, consumindo alimentos ultraprocessados, por exemplo, e desenvolver obesidade.
“Por conta da obesidade, o paciente desenvolve uma resistência à ação da insulina na célula. Ou seja, além de não fabricar, ele ainda desenvolve uma resistência ao hormônio”, explica Jaqueline.
Quais são as causas?
Apesar de o diagnóstico de diabetes tipo 1 normalmente acontecer na infância, ele também pode ocorrer na vida adulta. “Trata-se de uma condição autoimune que já nasce com a gente”, inicia a médica.
“Algumas pessoas podem perceber depois, manifestando os sintomas mais velhas, mas não foi algo adquirido: o diabetes tipo 1 sempre esteve ali”, salienta. Assim, alguns pacientes podem receber primeiro o diagnóstico do tipo 2 e só depois descobrir que o tipo 1 também já estava presente.
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Jaqueline explica que a dificuldade na produção de insulina acontece pela destruição das células beta do pâncreas, responsáveis por sintetizar o hormônio, e que os cientistas ainda não conseguiram entender por que o corpo realiza esse ataque.
Sabe-se que, nos dois tipos, a genética é um fator importante, mas para aqueles que desenvolvem resistência ao hormônio (tipo 2), o sedentarismo e a má alimentação também são bastante influentes.
“O próprio uso da insulina, importantíssima para o tipo 1, pode causar essa resistência, caso não seja acompanhado de perto por um médico que avalie o ganho de peso e outros aspectos”, diz.
Como é feito o diagnóstico?
A endocrinologista reforça a importância do diagnóstico de diabetes o quanto antes.
Em relação ao tipo 1, ela aponta que os principais sinais nas crianças são baixo peso, produção elevada de urina e muita sede. “No bebê, em que é mais difícil identificar esses sintomas, uma dica é perceber se há feridas que não cicatrizam, como a assadura da pele em contato com a fralda que não melhora com a pomada”, acrescenta.
Existem exames genéticos capazes de detectar a presença do tipo 1, mas, conforme a médica, eles são caros e pouco eficazes em relação ao tratamento. Para ela, como a doença pode se manifestar em qualquer época, saber da condição antes dos sintomas poderia criar uma ansiedade em torno da criança.
A endocrinologista conta que, nos Estados Unidos, há um medicamento capaz de postergar o desenvolvimento do diabetes tipo 1, mas ele não é vendido no Brasil. “É bom destacar que ele também não cura, só atrasa os sintomas, e é caro para importar”, pontua.
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O diagnóstico do segundo tipo é mais simples e ocorre a partir de exames de sangue de rotina. O médico avalia os níveis de glicose no sangue e verifica se há necessidade de tratar a condição alterando a dieta, usando medicamentos ou aplicando insulina.
No caso de diabetes duplo, os critérios podem ser observados clinicamente. Além do ganho de peso incomum em pessoas que usam insulina, a médica descreve uma maior dosagem do hormônio a cada consulta. “O médico percebe, quando prescreve uma dose muito maior de insulina do que fazia antes, que ela já não está agindo bem no paciente”, resume.
Outro ponto comum são pacientes com acantose hídrica, condição que deixa o pescoço mais escuro e alerta para uma resistência insulínica. Como não há como evitar o tipo 1, adotar uma dieta saudável e praticar exercícios físicos regularmente são as principais formas de prevenção do diabetes tipo 2 e, consequentemente, do diabetes duplo.
Riscos aumentam
O endocrinologista Fernando Valente, diretor da SBD, destaca que ter o diabetes duplo é mais perigoso do que ter os outros tipos individualmente.
As pessoas com diabetes tipo 1 enfrentam a falta de insulina e oscilações de glicose, o que eleva o risco de complicações em médio e longo prazo, como problemas nos olhos, nos rins e nos nervos, além de favorecer infarto e acidente vascular cerebral (AVC).
Já o paciente com diabetes tipo 2 tende a ter um risco cardíaco ainda mais pronunciado, pois apresenta triglicérides alto e baixos níveis de HDL (o colesterol “bom”).
Quando as condições se somam, os riscos se intensificam. Por exemplo, a resistência à insulina contribui para complicações microvasculares – afetando os pequenos vasos sanguíneos –, o que agrava as chances de problemas nos olhos, rins e nervos. São situações que aumentam mais ainda o risco de cegueira, doença renal e amputação, em relação a quem tem exclusivamente o diabetes tipo 1.
Tratamento
Como visto, o diabetes duplo envolve tanto a deficiência na produção da insulina (causada pelo componente autoimune do diabetes tipo 1) quando a resistência à ação do hormônio (ligada ao diabetes tipo 2). Por isso, o seu tratamento demanda esforços para encontrar um ponto de equilíbrio.
Valente explica que, para tal, primeiramente é indispensável fornecer insulina para compensar a baixa reserva natural causada pelo diabetes tipo 1. Contudo, é necessário evitar altas dosagens para não piorar a condição de excesso de peso.
“Nesses casos, a gente dá a insulina, mas acaba tendo que dar muitas doses, caso não seja tratada a resistência ao hormônio. Com esse excesso, a pessoa sente medo de ter hipoglicemia [queda de açúcar no sangue, com sintomas como vertigem e tremores] e acaba comendo mais e engordando. É um ciclo vicioso”, explica.
Assim, associado ao uso da insulina, recomenda-se uma mudança no estilo de vida. “O tratamento precisa de uma abordagem diretamente ligada ao tratamento da obesidade, porque é cuidando dela que vamos tratar a resistência à insulina”, destaca o endocrinologista.
Para isso, deve ser adotada uma alimentação saudável, rica em frutas, legumes e verduras e pobre em produtos ultraprocessados. A prática de exercícios físicos também é fundamental, pois aumenta a sensibilidade do corpo à insulina. Por fim, é preciso garantir boas noites de sono.