Pouco conhecida, a epidermólise bolhosa é uma doença genética que provoca a formação de bolhas na pele quando a pessoa sofre atritos mínimos. Estima-se que cerca de 500 mil pessoas em todo o mundo tenham a doença.
Aqui no Brasil, a psicóloga Tauani Vieira é uma delas. “É como se não tivesse essa ‘colinha’ que mantém a epiderme aderida na derme, então qualquer trauma faz com que minha pele se rompa”, explica.
Muito mais do que a dor física que a doença a fez sofrer, Tauani teve de enfrentar uma dor psicológica e emocional ao se descobrir diferente dos outros. “Eu já fiquei muito revoltada e cheguei a me perguntar por que eu sou assim. Cadê os outros iguais a mim? Achava que eu era a única pessoa no mundo desse jeito e me sentia esquisita”, conta.
“Por 21 anos eu me escondi, em todos os lugares, para poupar os outros e para me poupar da reação deles, que às vezes era de curiosidade, outras de medo, e muitas de nojo”, desabafa Tauani.
Diagnosticada ainda no nascimento com epidermólise bolhosa, ela sempre teve de conviver com olhares estranhos buscando respostas no seu corpo. “Eu tenho muitas lesões abertas que geram bolhas e tenho de proteger esses lugares com curativos antiaderentes, pois a cola do band-aid romperia a minha pele”, diz.
A condição, que não tem cura e não é transmissível, é conhecida como doença da borboleta, uma vez que a fragilidade da pele do paciente se assemelha com a da asa do inseto.
Normalmente, as feridas aparecem com repetição em lugares de apoio, como ombros por carregar mochilas e bolsas, cotovelo, braços e joelhos. Outros lugares, somente quando ocorre um atrito.
Porém, no caso de Tauani, que tem um dos tipos mais severos de epidermólise bolhosa, a distrófica recessiva, os atritos no mesmo local podem resultar na perda das unhas e na distrofia dos pés e das mãos. “Eu nasci com os dedinhos separados, mas, ao longo da infância, com os machucados nas mãos e entre os dedos, a cicatrização os juntou”, conta ela, que aos 5 anos já estava com a mão toda fechada.
INDEPENDÊNCIA
O processo de aprender a se virar sozinha foi solitário e difícil, mas aos poucos ela aprendeu a escrever com as duas mãos, a dirigir e a segurar objetos. Foi justamente essa desenvoltura que a fez receber atenção no TikTok. “Eu comecei despretensiosamente, publicando vídeos das maquiagens que eu fazia em mim mesma e foi um sucesso.”
Hoje, são centenas de vídeos publicados na plataforma, com Tauani sendo apenas quem ela é: uma jovem que faz dancinhas, makes e outras tendências da internet. E, entre um vídeo e outro, ela aproveita para falar sobre a doença e sua convivência com ela.
@tauanivieiraa tô muito feliz com o resultado dessa maquiagem, aaaaaa #makeup #fyp #foryou ♬ Break My Heart - Dua Lipa
“Tem um intuito educativo, mas eu não quero falar 24 horas sobre isso. Quero mostrar a minha vida como uma pessoa qualquer e não ter a obrigação de falar sobre isso o tempo todo, mas sim na hora em que me sinto à vontade.” O motivo vem da exaustão de anos e anos sendo vista unicamente como uma pessoa com deficiência – algo que foi ainda mais marcante na adolescência. “Foi ali que começou o bullying na escola, onde eu comecei a ver as minhas amigas sendo desejadas e namorando e eu sendo sempre só a amiga.”
TRANSFORMAÇÃO
A terapia e o apoio da família a ajudaram no processo de autoconhecimento, mas tudo mudou radicalmente em 2016, quando começou a cursar psicologia na Universidade Federal do Paraná.
Tauani Vieira, Psicóloga
“Deparei-me com pessoas completamente diferentes, que me olhavam como a pessoa Tauani, que tinha um monte de características, gostos e histórias.” A partir de então, Tauani passou a ter contato com outros tipos de deficiência e se descobriu naquele novo mundo.
“Eu senti uma paz muito grande de entender que o problema não estava em mim, algo do qual me culpei a vida inteira, mas sim em como a sociedade nos trata”, afirma. “Entendi que não poderia me conformar e os outros teriam de se acostumar comigo sendo diferente.”
As feridas, que também têm relação com o estado emocional de Tauani, ficaram controladas. Mas para além disso, as feridas internas – muito mais do que os curativos externos – foram estancadas.
“Acho que eu nunca me imaginaria nesse lugar de estar bem comigo mesma e com o meu corpo, de estar me permitindo viver relações, amizades e outra coisas intensas. Eu sinto muito orgulho de mim. Eu olho e penso: ‘Que mulher’.”