Distúrbios alimentares crescem na puberdade e na menopausa. Há uma ligação hormonal?


Pesquisas mostram que distúrbios como bulimia e anorexia tendem a atingir o pico durante momentos críticos ou sensíveis do ciclo reprodutivo. Mas há mais causas

Por Kate Willsky
Atualização:

Na primavera da quinta série, eu passava as tardes brincando no bosque lamacento atrás da minha casa, voltando com folhas no cabelo e devorando alegremente qualquer lanchinho que minha mãe preparasse. Quando a sexta série começou naquele outono, canalizei minha energia para outro lugar. Tomei consciência das minhas roupas, meus cabelos e – acima de tudo – meu corpo. Comecei a evitar os lanches da minha mãe eoutros alimentos. No Dia de Ação de Graças, eu estava inacreditavelmente magra. No Natal, estava na UTI.

Sempre atribuí o início da minha anorexia ao estresse da transição do ensino fundamental para o ensino médio, combinado com uma personalidade predisposta à obsessão e à rigidez. Mas, recentemente, estava lendo um romance em que a protagonista dizia que os distúrbios alimentares nas mulheres tendem a aumentar na perimenopausa, assim como na adolescência. Uma lâmpada se acendeu: essas duas fases da vida são acompanhadas por uma enorme reviravolta hormonal. Será que os hormônios podem causar o desenvolvimento de distúrbios alimentares? A resposta, como depois descobri, é um sim bem comprovado.

Já é fato estabelecido que os próprios distúrbios alimentares causam alterações hormonais. A inanição prolongada da anorexia pode gerar baixos níveis de estrogênio e progesterona nas mulheres, muitas vezes acompanhados de amenorreia. A bulimia também pode causar disfunção menstrual e atrapalhar os níveis de hormônios sexuais. Outras consequências hormonais conhecidas dos transtornos alimentares são cortisol alto, resistência ao hormônio do crescimento e insulina baixa, entre outros.

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Progesterona pode levar ao comportamento de compulsão alimentar, enquanto o estrogênio tende a inibir a ingestão de alimentos Foto: Pixabay.com

Mas parece ser uma via de mão dupla. Embora os distúrbios alimentares certamente causem alterações hormonais, um crescente corpo de pesquisas sugere que elas podem, em alguns casos, desencadear distúrbios alimentares. “Temos boas evidências de que vários hormônios são relevantes para o risco e manutenção de transtornos alimentares”, disse Pamela Keel, pesquisadora e professora de psicologia na Universidade Estadual da Flórida.

A correlação é clara. A pesquisa mostra que os distúrbios alimentares tendem a atingir o pico durante os momentos “críticos ou sensíveis” da mudança do hormônio reprodutivo. Sabe-se que a puberdade é um período de risco significativo para o desenvolvimento de transtornos alimentares. Talvez seja um contraponto adequado, então, que as mulheres também fiquem mais vulneráveis a distúrbios alimentares na menopausa, quando a menstruação termina. As alterações hormonais da gravidez também podem ser um risco: a própria gravidez apresenta uma oportunidade para o aparecimento do transtorno de compulsão alimentar em algumas mulheres, enquanto as rápidas alterações hormonais pós-parto podem desencadear recaídas de outros transtornos alimentares.

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Muitas vezes, períodos de mudanças hormonais como puberdade, gravidez e menopausa são momentos de alto risco para o surgimento de transtornos alimentares

Katherine Hill, vice-presidente da Equip

“Muitas vezes, períodos de mudanças hormonais como puberdade, gravidez e menopausa são momentos de alto risco para o surgimento de transtornos alimentares”, disse Katherine Hill, vice-presidente de assuntos médicos da Equip, uma plataforma de telessaúde para tratamento de transtornos alimentares. Segundo Keel, por muito tempo se explicou esse fenômeno como uma resposta psicológica às mudanças corporais diante de uma sociedade que exalta a magreza acima de tudo. Agora, ela disse, “entendemos que os mesmos hormônios que contribuem para as mudanças no peso e na forma do corpo afetam a alimentação de forma mais direta e impactam o risco de transtornos alimentares”.

Hormônios não causam transtornos alimentares sozinhos

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É claro que os hormônios não podem causar distúrbio alimentar sozinhos. (“Se isso fosse verdade, então 100% das meninas desenvolveriam distúrbio alimentar na puberdade e 100% das mulheres teriam episódios de compulsão alimentar no final do ciclo menstrual”, diz Keel). Essas quadros surgem de uma complexa interação de fatores, como genética, psicologia e ambiente – mas os hormônios podem desempenhar um papel maior do que se pensava antes.

Os hormônios reprodutivos têm sido a maior área de foco, com pesquisas sugerindo que o estrogênio, a progesterona e a testosterona afetam tanto a ingestão alimentar normal quanto a anormal.

Modelos animais também amparam a ideia de que esses hormônios podem ativar comportamentos de transtorno alimentar. “Há evidências crescentes de que os hormônios gonadais podem contribuir para o desenvolvimento de transtornos alimentares e ter um papel importante na perpetuação de transtornos alimentares”, disse Margherita Mascolo, diretora médica da Alsana, fornecedora de tratamento para transtornos alimentares.

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“Em um nível mais amplo, a pesquisa descobriu que a progesterona, que é secretada após a ovulação, pode levar ao comportamento de compulsão alimentar, enquanto o estrogênio tende a inibir a ingestão de alimentos”. Sabendo disso, não posso deixar de me perguntar se minha recaída na faculdade estava ligada ao anticoncepcional com estrogênio que eu tinha acabado de começar a tomar.

A puberdade fornece uma lente para entender como os hormônios sexuais podem influenciar os transtornos alimentares. Sabemos que algumas pessoas são geneticamente mais suscetíveis a desenvolver transtorno alimentar, mas as alterações hormonais que ocorrem durante a puberdade podem influenciar a predisposição. “Pesquisas com gêmeos indicam que os genes que aumentam o risco de distúrbios alimentares podem ser ativados em meninas durante a puberdade por hormônios ovarianos”, disse Keel. “Os hormônios desencadeiam a expressão da possibilidade genética de uma pessoa desenvolver transtorno alimentar, que pode ser alta ou baixa.”

Testosterona pode proteger de distúrbios alimentares

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Um estudo mostrou que a hereditariedade dos transtornos alimentares em meninas era de 0% antes da puberdade, mas mais de 50% depois. Os meninos do estudo não mostraram diferença significativa, sugerindo que os hormônios sexuais femininos são os responsáveis. (Na verdade, outras pesquisas descobriram que a testosterona pode proteger contra distúrbios alimentares, talvez ajudando a explicar por que menos meninos desenvolvem distúrbios alimentares).

Uma interação semelhante entre hormônios e predisposição genética ocorre durante o ciclo menstrual da mulher. De acordo com um estudo, os hormônios ovarianos agem como um “condutor mestre”, ligando e desligando o risco genético de compulsão alimentar; a influência dos genes e a taxa de compulsão alimentar aumentam à medida que a progesterona sobe após a ovulação.

Nada disso é de conhecimento comum. “Em geral, os médicos recebem cerca de uma hora de educação sobre distúrbios alimentares na faculdade de medicina”, disse Hill. “Assim, a menos que um médico seja particularmente experiente em distúrbios alimentares, a maioria pode não pensar em alertar os pacientes a respeito em momentos de alto risco ao longo da vida, como puberdade, gravidez ou menopausa”.

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Mesmo que o pico de início seja durante a puberdade, os distúrbios alimentares afetam as mulheres durante toda a vida

Margherita Mascolo, diretora médica

Em um mundo ideal, disse Hill, a triagem de distúrbios alimentares seria rotina, especialmente naquelas pessoas que estão passando por grandes transições hormonais. De fato, diz Mascolo, “mesmo que o pico de início seja durante a puberdade, os distúrbios alimentares afetam as mulheres durante toda a vida”. Mas por causa das lacunas na educação médica e dos estereótipos generalizados sobre quem os distúrbios alimentares afetam – ou seja, mulheres jovens, magras e brancas – muitos distúrbios alimentares em mulheres mais velhas ficam sem diagnóstico.

Ainda há muitas incógnitas, e os pesquisadores fazem questão de apontar que são necessários mais estudos para entender a relação causal entre hormônios e distúrbios alimentares. Mas o que sabemos até agora ressalta, mais uma vez, o fato de que os transtornos alimentares não são mera vaidade, e não estão só na cabeça: a fisiologia também contribui.

Então, será que a puberdade despertou minha anorexia na sexta série? As pílulas anticoncepcionais contribuíram para minha recaída? Não há resposta definitiva, infelizmente. No final das contas, a etiologia dos transtornos alimentares continua irritantemente complexa. Minha personalidade, meu ambiente, sociedade: todas essas coisas com certeza colaboraram. Mas os hormônios são tremendamente poderosos, e mesmo que mais pesquisas sejam necessárias, eu me sinto confiante para concluir que eles desempenharam um papel tão importante na história da minha anorexia quanto aqueles artigos de revistas me instruindo sobre como conseguir coxas finas.

 TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Na primavera da quinta série, eu passava as tardes brincando no bosque lamacento atrás da minha casa, voltando com folhas no cabelo e devorando alegremente qualquer lanchinho que minha mãe preparasse. Quando a sexta série começou naquele outono, canalizei minha energia para outro lugar. Tomei consciência das minhas roupas, meus cabelos e – acima de tudo – meu corpo. Comecei a evitar os lanches da minha mãe eoutros alimentos. No Dia de Ação de Graças, eu estava inacreditavelmente magra. No Natal, estava na UTI.

Sempre atribuí o início da minha anorexia ao estresse da transição do ensino fundamental para o ensino médio, combinado com uma personalidade predisposta à obsessão e à rigidez. Mas, recentemente, estava lendo um romance em que a protagonista dizia que os distúrbios alimentares nas mulheres tendem a aumentar na perimenopausa, assim como na adolescência. Uma lâmpada se acendeu: essas duas fases da vida são acompanhadas por uma enorme reviravolta hormonal. Será que os hormônios podem causar o desenvolvimento de distúrbios alimentares? A resposta, como depois descobri, é um sim bem comprovado.

Já é fato estabelecido que os próprios distúrbios alimentares causam alterações hormonais. A inanição prolongada da anorexia pode gerar baixos níveis de estrogênio e progesterona nas mulheres, muitas vezes acompanhados de amenorreia. A bulimia também pode causar disfunção menstrual e atrapalhar os níveis de hormônios sexuais. Outras consequências hormonais conhecidas dos transtornos alimentares são cortisol alto, resistência ao hormônio do crescimento e insulina baixa, entre outros.

Progesterona pode levar ao comportamento de compulsão alimentar, enquanto o estrogênio tende a inibir a ingestão de alimentos Foto: Pixabay.com

Mas parece ser uma via de mão dupla. Embora os distúrbios alimentares certamente causem alterações hormonais, um crescente corpo de pesquisas sugere que elas podem, em alguns casos, desencadear distúrbios alimentares. “Temos boas evidências de que vários hormônios são relevantes para o risco e manutenção de transtornos alimentares”, disse Pamela Keel, pesquisadora e professora de psicologia na Universidade Estadual da Flórida.

A correlação é clara. A pesquisa mostra que os distúrbios alimentares tendem a atingir o pico durante os momentos “críticos ou sensíveis” da mudança do hormônio reprodutivo. Sabe-se que a puberdade é um período de risco significativo para o desenvolvimento de transtornos alimentares. Talvez seja um contraponto adequado, então, que as mulheres também fiquem mais vulneráveis a distúrbios alimentares na menopausa, quando a menstruação termina. As alterações hormonais da gravidez também podem ser um risco: a própria gravidez apresenta uma oportunidade para o aparecimento do transtorno de compulsão alimentar em algumas mulheres, enquanto as rápidas alterações hormonais pós-parto podem desencadear recaídas de outros transtornos alimentares.

Muitas vezes, períodos de mudanças hormonais como puberdade, gravidez e menopausa são momentos de alto risco para o surgimento de transtornos alimentares

Katherine Hill, vice-presidente da Equip

“Muitas vezes, períodos de mudanças hormonais como puberdade, gravidez e menopausa são momentos de alto risco para o surgimento de transtornos alimentares”, disse Katherine Hill, vice-presidente de assuntos médicos da Equip, uma plataforma de telessaúde para tratamento de transtornos alimentares. Segundo Keel, por muito tempo se explicou esse fenômeno como uma resposta psicológica às mudanças corporais diante de uma sociedade que exalta a magreza acima de tudo. Agora, ela disse, “entendemos que os mesmos hormônios que contribuem para as mudanças no peso e na forma do corpo afetam a alimentação de forma mais direta e impactam o risco de transtornos alimentares”.

Hormônios não causam transtornos alimentares sozinhos

É claro que os hormônios não podem causar distúrbio alimentar sozinhos. (“Se isso fosse verdade, então 100% das meninas desenvolveriam distúrbio alimentar na puberdade e 100% das mulheres teriam episódios de compulsão alimentar no final do ciclo menstrual”, diz Keel). Essas quadros surgem de uma complexa interação de fatores, como genética, psicologia e ambiente – mas os hormônios podem desempenhar um papel maior do que se pensava antes.

Os hormônios reprodutivos têm sido a maior área de foco, com pesquisas sugerindo que o estrogênio, a progesterona e a testosterona afetam tanto a ingestão alimentar normal quanto a anormal.

Modelos animais também amparam a ideia de que esses hormônios podem ativar comportamentos de transtorno alimentar. “Há evidências crescentes de que os hormônios gonadais podem contribuir para o desenvolvimento de transtornos alimentares e ter um papel importante na perpetuação de transtornos alimentares”, disse Margherita Mascolo, diretora médica da Alsana, fornecedora de tratamento para transtornos alimentares.

“Em um nível mais amplo, a pesquisa descobriu que a progesterona, que é secretada após a ovulação, pode levar ao comportamento de compulsão alimentar, enquanto o estrogênio tende a inibir a ingestão de alimentos”. Sabendo disso, não posso deixar de me perguntar se minha recaída na faculdade estava ligada ao anticoncepcional com estrogênio que eu tinha acabado de começar a tomar.

A puberdade fornece uma lente para entender como os hormônios sexuais podem influenciar os transtornos alimentares. Sabemos que algumas pessoas são geneticamente mais suscetíveis a desenvolver transtorno alimentar, mas as alterações hormonais que ocorrem durante a puberdade podem influenciar a predisposição. “Pesquisas com gêmeos indicam que os genes que aumentam o risco de distúrbios alimentares podem ser ativados em meninas durante a puberdade por hormônios ovarianos”, disse Keel. “Os hormônios desencadeiam a expressão da possibilidade genética de uma pessoa desenvolver transtorno alimentar, que pode ser alta ou baixa.”

Testosterona pode proteger de distúrbios alimentares

Um estudo mostrou que a hereditariedade dos transtornos alimentares em meninas era de 0% antes da puberdade, mas mais de 50% depois. Os meninos do estudo não mostraram diferença significativa, sugerindo que os hormônios sexuais femininos são os responsáveis. (Na verdade, outras pesquisas descobriram que a testosterona pode proteger contra distúrbios alimentares, talvez ajudando a explicar por que menos meninos desenvolvem distúrbios alimentares).

Uma interação semelhante entre hormônios e predisposição genética ocorre durante o ciclo menstrual da mulher. De acordo com um estudo, os hormônios ovarianos agem como um “condutor mestre”, ligando e desligando o risco genético de compulsão alimentar; a influência dos genes e a taxa de compulsão alimentar aumentam à medida que a progesterona sobe após a ovulação.

Nada disso é de conhecimento comum. “Em geral, os médicos recebem cerca de uma hora de educação sobre distúrbios alimentares na faculdade de medicina”, disse Hill. “Assim, a menos que um médico seja particularmente experiente em distúrbios alimentares, a maioria pode não pensar em alertar os pacientes a respeito em momentos de alto risco ao longo da vida, como puberdade, gravidez ou menopausa”.

Mesmo que o pico de início seja durante a puberdade, os distúrbios alimentares afetam as mulheres durante toda a vida

Margherita Mascolo, diretora médica

Em um mundo ideal, disse Hill, a triagem de distúrbios alimentares seria rotina, especialmente naquelas pessoas que estão passando por grandes transições hormonais. De fato, diz Mascolo, “mesmo que o pico de início seja durante a puberdade, os distúrbios alimentares afetam as mulheres durante toda a vida”. Mas por causa das lacunas na educação médica e dos estereótipos generalizados sobre quem os distúrbios alimentares afetam – ou seja, mulheres jovens, magras e brancas – muitos distúrbios alimentares em mulheres mais velhas ficam sem diagnóstico.

Ainda há muitas incógnitas, e os pesquisadores fazem questão de apontar que são necessários mais estudos para entender a relação causal entre hormônios e distúrbios alimentares. Mas o que sabemos até agora ressalta, mais uma vez, o fato de que os transtornos alimentares não são mera vaidade, e não estão só na cabeça: a fisiologia também contribui.

Então, será que a puberdade despertou minha anorexia na sexta série? As pílulas anticoncepcionais contribuíram para minha recaída? Não há resposta definitiva, infelizmente. No final das contas, a etiologia dos transtornos alimentares continua irritantemente complexa. Minha personalidade, meu ambiente, sociedade: todas essas coisas com certeza colaboraram. Mas os hormônios são tremendamente poderosos, e mesmo que mais pesquisas sejam necessárias, eu me sinto confiante para concluir que eles desempenharam um papel tão importante na história da minha anorexia quanto aqueles artigos de revistas me instruindo sobre como conseguir coxas finas.

 TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Na primavera da quinta série, eu passava as tardes brincando no bosque lamacento atrás da minha casa, voltando com folhas no cabelo e devorando alegremente qualquer lanchinho que minha mãe preparasse. Quando a sexta série começou naquele outono, canalizei minha energia para outro lugar. Tomei consciência das minhas roupas, meus cabelos e – acima de tudo – meu corpo. Comecei a evitar os lanches da minha mãe eoutros alimentos. No Dia de Ação de Graças, eu estava inacreditavelmente magra. No Natal, estava na UTI.

Sempre atribuí o início da minha anorexia ao estresse da transição do ensino fundamental para o ensino médio, combinado com uma personalidade predisposta à obsessão e à rigidez. Mas, recentemente, estava lendo um romance em que a protagonista dizia que os distúrbios alimentares nas mulheres tendem a aumentar na perimenopausa, assim como na adolescência. Uma lâmpada se acendeu: essas duas fases da vida são acompanhadas por uma enorme reviravolta hormonal. Será que os hormônios podem causar o desenvolvimento de distúrbios alimentares? A resposta, como depois descobri, é um sim bem comprovado.

Já é fato estabelecido que os próprios distúrbios alimentares causam alterações hormonais. A inanição prolongada da anorexia pode gerar baixos níveis de estrogênio e progesterona nas mulheres, muitas vezes acompanhados de amenorreia. A bulimia também pode causar disfunção menstrual e atrapalhar os níveis de hormônios sexuais. Outras consequências hormonais conhecidas dos transtornos alimentares são cortisol alto, resistência ao hormônio do crescimento e insulina baixa, entre outros.

Progesterona pode levar ao comportamento de compulsão alimentar, enquanto o estrogênio tende a inibir a ingestão de alimentos Foto: Pixabay.com

Mas parece ser uma via de mão dupla. Embora os distúrbios alimentares certamente causem alterações hormonais, um crescente corpo de pesquisas sugere que elas podem, em alguns casos, desencadear distúrbios alimentares. “Temos boas evidências de que vários hormônios são relevantes para o risco e manutenção de transtornos alimentares”, disse Pamela Keel, pesquisadora e professora de psicologia na Universidade Estadual da Flórida.

A correlação é clara. A pesquisa mostra que os distúrbios alimentares tendem a atingir o pico durante os momentos “críticos ou sensíveis” da mudança do hormônio reprodutivo. Sabe-se que a puberdade é um período de risco significativo para o desenvolvimento de transtornos alimentares. Talvez seja um contraponto adequado, então, que as mulheres também fiquem mais vulneráveis a distúrbios alimentares na menopausa, quando a menstruação termina. As alterações hormonais da gravidez também podem ser um risco: a própria gravidez apresenta uma oportunidade para o aparecimento do transtorno de compulsão alimentar em algumas mulheres, enquanto as rápidas alterações hormonais pós-parto podem desencadear recaídas de outros transtornos alimentares.

Muitas vezes, períodos de mudanças hormonais como puberdade, gravidez e menopausa são momentos de alto risco para o surgimento de transtornos alimentares

Katherine Hill, vice-presidente da Equip

“Muitas vezes, períodos de mudanças hormonais como puberdade, gravidez e menopausa são momentos de alto risco para o surgimento de transtornos alimentares”, disse Katherine Hill, vice-presidente de assuntos médicos da Equip, uma plataforma de telessaúde para tratamento de transtornos alimentares. Segundo Keel, por muito tempo se explicou esse fenômeno como uma resposta psicológica às mudanças corporais diante de uma sociedade que exalta a magreza acima de tudo. Agora, ela disse, “entendemos que os mesmos hormônios que contribuem para as mudanças no peso e na forma do corpo afetam a alimentação de forma mais direta e impactam o risco de transtornos alimentares”.

Hormônios não causam transtornos alimentares sozinhos

É claro que os hormônios não podem causar distúrbio alimentar sozinhos. (“Se isso fosse verdade, então 100% das meninas desenvolveriam distúrbio alimentar na puberdade e 100% das mulheres teriam episódios de compulsão alimentar no final do ciclo menstrual”, diz Keel). Essas quadros surgem de uma complexa interação de fatores, como genética, psicologia e ambiente – mas os hormônios podem desempenhar um papel maior do que se pensava antes.

Os hormônios reprodutivos têm sido a maior área de foco, com pesquisas sugerindo que o estrogênio, a progesterona e a testosterona afetam tanto a ingestão alimentar normal quanto a anormal.

Modelos animais também amparam a ideia de que esses hormônios podem ativar comportamentos de transtorno alimentar. “Há evidências crescentes de que os hormônios gonadais podem contribuir para o desenvolvimento de transtornos alimentares e ter um papel importante na perpetuação de transtornos alimentares”, disse Margherita Mascolo, diretora médica da Alsana, fornecedora de tratamento para transtornos alimentares.

“Em um nível mais amplo, a pesquisa descobriu que a progesterona, que é secretada após a ovulação, pode levar ao comportamento de compulsão alimentar, enquanto o estrogênio tende a inibir a ingestão de alimentos”. Sabendo disso, não posso deixar de me perguntar se minha recaída na faculdade estava ligada ao anticoncepcional com estrogênio que eu tinha acabado de começar a tomar.

A puberdade fornece uma lente para entender como os hormônios sexuais podem influenciar os transtornos alimentares. Sabemos que algumas pessoas são geneticamente mais suscetíveis a desenvolver transtorno alimentar, mas as alterações hormonais que ocorrem durante a puberdade podem influenciar a predisposição. “Pesquisas com gêmeos indicam que os genes que aumentam o risco de distúrbios alimentares podem ser ativados em meninas durante a puberdade por hormônios ovarianos”, disse Keel. “Os hormônios desencadeiam a expressão da possibilidade genética de uma pessoa desenvolver transtorno alimentar, que pode ser alta ou baixa.”

Testosterona pode proteger de distúrbios alimentares

Um estudo mostrou que a hereditariedade dos transtornos alimentares em meninas era de 0% antes da puberdade, mas mais de 50% depois. Os meninos do estudo não mostraram diferença significativa, sugerindo que os hormônios sexuais femininos são os responsáveis. (Na verdade, outras pesquisas descobriram que a testosterona pode proteger contra distúrbios alimentares, talvez ajudando a explicar por que menos meninos desenvolvem distúrbios alimentares).

Uma interação semelhante entre hormônios e predisposição genética ocorre durante o ciclo menstrual da mulher. De acordo com um estudo, os hormônios ovarianos agem como um “condutor mestre”, ligando e desligando o risco genético de compulsão alimentar; a influência dos genes e a taxa de compulsão alimentar aumentam à medida que a progesterona sobe após a ovulação.

Nada disso é de conhecimento comum. “Em geral, os médicos recebem cerca de uma hora de educação sobre distúrbios alimentares na faculdade de medicina”, disse Hill. “Assim, a menos que um médico seja particularmente experiente em distúrbios alimentares, a maioria pode não pensar em alertar os pacientes a respeito em momentos de alto risco ao longo da vida, como puberdade, gravidez ou menopausa”.

Mesmo que o pico de início seja durante a puberdade, os distúrbios alimentares afetam as mulheres durante toda a vida

Margherita Mascolo, diretora médica

Em um mundo ideal, disse Hill, a triagem de distúrbios alimentares seria rotina, especialmente naquelas pessoas que estão passando por grandes transições hormonais. De fato, diz Mascolo, “mesmo que o pico de início seja durante a puberdade, os distúrbios alimentares afetam as mulheres durante toda a vida”. Mas por causa das lacunas na educação médica e dos estereótipos generalizados sobre quem os distúrbios alimentares afetam – ou seja, mulheres jovens, magras e brancas – muitos distúrbios alimentares em mulheres mais velhas ficam sem diagnóstico.

Ainda há muitas incógnitas, e os pesquisadores fazem questão de apontar que são necessários mais estudos para entender a relação causal entre hormônios e distúrbios alimentares. Mas o que sabemos até agora ressalta, mais uma vez, o fato de que os transtornos alimentares não são mera vaidade, e não estão só na cabeça: a fisiologia também contribui.

Então, será que a puberdade despertou minha anorexia na sexta série? As pílulas anticoncepcionais contribuíram para minha recaída? Não há resposta definitiva, infelizmente. No final das contas, a etiologia dos transtornos alimentares continua irritantemente complexa. Minha personalidade, meu ambiente, sociedade: todas essas coisas com certeza colaboraram. Mas os hormônios são tremendamente poderosos, e mesmo que mais pesquisas sejam necessárias, eu me sinto confiante para concluir que eles desempenharam um papel tão importante na história da minha anorexia quanto aqueles artigos de revistas me instruindo sobre como conseguir coxas finas.

 TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Na primavera da quinta série, eu passava as tardes brincando no bosque lamacento atrás da minha casa, voltando com folhas no cabelo e devorando alegremente qualquer lanchinho que minha mãe preparasse. Quando a sexta série começou naquele outono, canalizei minha energia para outro lugar. Tomei consciência das minhas roupas, meus cabelos e – acima de tudo – meu corpo. Comecei a evitar os lanches da minha mãe eoutros alimentos. No Dia de Ação de Graças, eu estava inacreditavelmente magra. No Natal, estava na UTI.

Sempre atribuí o início da minha anorexia ao estresse da transição do ensino fundamental para o ensino médio, combinado com uma personalidade predisposta à obsessão e à rigidez. Mas, recentemente, estava lendo um romance em que a protagonista dizia que os distúrbios alimentares nas mulheres tendem a aumentar na perimenopausa, assim como na adolescência. Uma lâmpada se acendeu: essas duas fases da vida são acompanhadas por uma enorme reviravolta hormonal. Será que os hormônios podem causar o desenvolvimento de distúrbios alimentares? A resposta, como depois descobri, é um sim bem comprovado.

Já é fato estabelecido que os próprios distúrbios alimentares causam alterações hormonais. A inanição prolongada da anorexia pode gerar baixos níveis de estrogênio e progesterona nas mulheres, muitas vezes acompanhados de amenorreia. A bulimia também pode causar disfunção menstrual e atrapalhar os níveis de hormônios sexuais. Outras consequências hormonais conhecidas dos transtornos alimentares são cortisol alto, resistência ao hormônio do crescimento e insulina baixa, entre outros.

Progesterona pode levar ao comportamento de compulsão alimentar, enquanto o estrogênio tende a inibir a ingestão de alimentos Foto: Pixabay.com

Mas parece ser uma via de mão dupla. Embora os distúrbios alimentares certamente causem alterações hormonais, um crescente corpo de pesquisas sugere que elas podem, em alguns casos, desencadear distúrbios alimentares. “Temos boas evidências de que vários hormônios são relevantes para o risco e manutenção de transtornos alimentares”, disse Pamela Keel, pesquisadora e professora de psicologia na Universidade Estadual da Flórida.

A correlação é clara. A pesquisa mostra que os distúrbios alimentares tendem a atingir o pico durante os momentos “críticos ou sensíveis” da mudança do hormônio reprodutivo. Sabe-se que a puberdade é um período de risco significativo para o desenvolvimento de transtornos alimentares. Talvez seja um contraponto adequado, então, que as mulheres também fiquem mais vulneráveis a distúrbios alimentares na menopausa, quando a menstruação termina. As alterações hormonais da gravidez também podem ser um risco: a própria gravidez apresenta uma oportunidade para o aparecimento do transtorno de compulsão alimentar em algumas mulheres, enquanto as rápidas alterações hormonais pós-parto podem desencadear recaídas de outros transtornos alimentares.

Muitas vezes, períodos de mudanças hormonais como puberdade, gravidez e menopausa são momentos de alto risco para o surgimento de transtornos alimentares

Katherine Hill, vice-presidente da Equip

“Muitas vezes, períodos de mudanças hormonais como puberdade, gravidez e menopausa são momentos de alto risco para o surgimento de transtornos alimentares”, disse Katherine Hill, vice-presidente de assuntos médicos da Equip, uma plataforma de telessaúde para tratamento de transtornos alimentares. Segundo Keel, por muito tempo se explicou esse fenômeno como uma resposta psicológica às mudanças corporais diante de uma sociedade que exalta a magreza acima de tudo. Agora, ela disse, “entendemos que os mesmos hormônios que contribuem para as mudanças no peso e na forma do corpo afetam a alimentação de forma mais direta e impactam o risco de transtornos alimentares”.

Hormônios não causam transtornos alimentares sozinhos

É claro que os hormônios não podem causar distúrbio alimentar sozinhos. (“Se isso fosse verdade, então 100% das meninas desenvolveriam distúrbio alimentar na puberdade e 100% das mulheres teriam episódios de compulsão alimentar no final do ciclo menstrual”, diz Keel). Essas quadros surgem de uma complexa interação de fatores, como genética, psicologia e ambiente – mas os hormônios podem desempenhar um papel maior do que se pensava antes.

Os hormônios reprodutivos têm sido a maior área de foco, com pesquisas sugerindo que o estrogênio, a progesterona e a testosterona afetam tanto a ingestão alimentar normal quanto a anormal.

Modelos animais também amparam a ideia de que esses hormônios podem ativar comportamentos de transtorno alimentar. “Há evidências crescentes de que os hormônios gonadais podem contribuir para o desenvolvimento de transtornos alimentares e ter um papel importante na perpetuação de transtornos alimentares”, disse Margherita Mascolo, diretora médica da Alsana, fornecedora de tratamento para transtornos alimentares.

“Em um nível mais amplo, a pesquisa descobriu que a progesterona, que é secretada após a ovulação, pode levar ao comportamento de compulsão alimentar, enquanto o estrogênio tende a inibir a ingestão de alimentos”. Sabendo disso, não posso deixar de me perguntar se minha recaída na faculdade estava ligada ao anticoncepcional com estrogênio que eu tinha acabado de começar a tomar.

A puberdade fornece uma lente para entender como os hormônios sexuais podem influenciar os transtornos alimentares. Sabemos que algumas pessoas são geneticamente mais suscetíveis a desenvolver transtorno alimentar, mas as alterações hormonais que ocorrem durante a puberdade podem influenciar a predisposição. “Pesquisas com gêmeos indicam que os genes que aumentam o risco de distúrbios alimentares podem ser ativados em meninas durante a puberdade por hormônios ovarianos”, disse Keel. “Os hormônios desencadeiam a expressão da possibilidade genética de uma pessoa desenvolver transtorno alimentar, que pode ser alta ou baixa.”

Testosterona pode proteger de distúrbios alimentares

Um estudo mostrou que a hereditariedade dos transtornos alimentares em meninas era de 0% antes da puberdade, mas mais de 50% depois. Os meninos do estudo não mostraram diferença significativa, sugerindo que os hormônios sexuais femininos são os responsáveis. (Na verdade, outras pesquisas descobriram que a testosterona pode proteger contra distúrbios alimentares, talvez ajudando a explicar por que menos meninos desenvolvem distúrbios alimentares).

Uma interação semelhante entre hormônios e predisposição genética ocorre durante o ciclo menstrual da mulher. De acordo com um estudo, os hormônios ovarianos agem como um “condutor mestre”, ligando e desligando o risco genético de compulsão alimentar; a influência dos genes e a taxa de compulsão alimentar aumentam à medida que a progesterona sobe após a ovulação.

Nada disso é de conhecimento comum. “Em geral, os médicos recebem cerca de uma hora de educação sobre distúrbios alimentares na faculdade de medicina”, disse Hill. “Assim, a menos que um médico seja particularmente experiente em distúrbios alimentares, a maioria pode não pensar em alertar os pacientes a respeito em momentos de alto risco ao longo da vida, como puberdade, gravidez ou menopausa”.

Mesmo que o pico de início seja durante a puberdade, os distúrbios alimentares afetam as mulheres durante toda a vida

Margherita Mascolo, diretora médica

Em um mundo ideal, disse Hill, a triagem de distúrbios alimentares seria rotina, especialmente naquelas pessoas que estão passando por grandes transições hormonais. De fato, diz Mascolo, “mesmo que o pico de início seja durante a puberdade, os distúrbios alimentares afetam as mulheres durante toda a vida”. Mas por causa das lacunas na educação médica e dos estereótipos generalizados sobre quem os distúrbios alimentares afetam – ou seja, mulheres jovens, magras e brancas – muitos distúrbios alimentares em mulheres mais velhas ficam sem diagnóstico.

Ainda há muitas incógnitas, e os pesquisadores fazem questão de apontar que são necessários mais estudos para entender a relação causal entre hormônios e distúrbios alimentares. Mas o que sabemos até agora ressalta, mais uma vez, o fato de que os transtornos alimentares não são mera vaidade, e não estão só na cabeça: a fisiologia também contribui.

Então, será que a puberdade despertou minha anorexia na sexta série? As pílulas anticoncepcionais contribuíram para minha recaída? Não há resposta definitiva, infelizmente. No final das contas, a etiologia dos transtornos alimentares continua irritantemente complexa. Minha personalidade, meu ambiente, sociedade: todas essas coisas com certeza colaboraram. Mas os hormônios são tremendamente poderosos, e mesmo que mais pesquisas sejam necessárias, eu me sinto confiante para concluir que eles desempenharam um papel tão importante na história da minha anorexia quanto aqueles artigos de revistas me instruindo sobre como conseguir coxas finas.

 TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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