Dor: quando os opioides, como o fentanil, podem ser necessários? Quais os cuidados ao usar?


Opioides são medicações importantes e não devem ser demonizadas; no entanto, a dependência é um efeito colateral possível e, por isso, é preciso ser cauteloso no uso

Por Leon Ferrari

Só de ouvir a palavra “opioide”, o paciente pode ficar assustado. Afinal, essa classe de medicamentos é personagem principal de uma epidemia de overdoses sem precedentes nos Estados Unidos. No entanto, médicos destacam que eles são fármacos muito importantes, que podem salvar vidas e trazer enorme alívio para quem sofre com dores de moderadas a intensas – quando usados adequadamente e com uma clara indicação. A adicção é algo que precisa, sim, ficar no horizonte de quem toma e de quem prescreve. Inclusive, existe uma série de protocolos que ajuda a evitar o problema.

O que são os opioides

Os opiodes são medicações potentes para tratar dor (analgésicos) — eles também têm propriedades sedativas. O uso remonta a civilizações antigas que recorriam à planta papoula — hoje, a maioria dos opioides utilizados são semissintéticos e sintéticos. Segundo médicos, eles são importantes e devem ser prescritos em casos de dor de escala elevada, como em pacientes com câncer — a principal indicação é nos cuidados paliativos — e em processos cirúrgicos (podem ser necessários tanto antes quanto depois da cirurgia).

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Existem opioides mais fortes e mais fracos, de morfina a fentanil. Este último é o mais potente entre os opioides: supera em 100 vezes a morfina, e em 50 vezes a heroína, por exemplo. Ele é mais utilizado em pacientes internados em hospital e submetidos a processos cirúrgicos. Além desses, outros nomes comuns são tramadol, metadona e codeína.

Os opioides se apresentam em várias formulações, de injetáveis a adesivos. A administração via oral, por comprimidos, é mais comum e o recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) no tratamento da dor. Entre os efeitos colaterais estão: sonolência, náuseas, vômito, constipação e respiração lenta.

Medicamentos opioides, como o fentanil, têm funções importantes para alguns pacientes. Mas uso deve respeitar uma série de critérios Foto: Giovanni Cancemi/Adobe Stock
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Como agem

Em diferentes formulações, os opioides, de maneira geral, atuam da mesma maneira para aliviar a dor. Por isso, para entender como essas substâncias funcionam, é preciso compreender o processo da dor.

Um estímulo doloroso, que pode ocorrer nas periferias do corpo ou ser interno, será transformado em um estímulo nervoso. “Pelo neurônio, vem uma descarga elétrica. Isso vai pra dentro da sua medula espinhal, que fica na coluna. Daí, vai para os centros de dores do seu encéfalo”, diz Felipe Thyrso, presidente da Sociedade de Anestesiologia do Estado de São Paulo (Saesp) e coordenador da residência em anestesiologia da Santa Casa de Santos. Ali, vai ocorrer a percepção dessa dor.

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“Nessas vias, você tem várias conexões elétricas entre os neurônios. E essas conexões podem ser moduladas. Eu posso diminuir a força com que esse estímulo está chegando. Dentro dessas conexões, tenho alguns receptores que fazem essa modulação”, descreve Thyrso. No caso dos opioides, o alvo são os receptores opioides, que estão espalhados por todo o sistema nervoso central, que compreende a medula e o encéfalo.

Claudia Palmeira, anestesiologista da Equipe de Controle de Dor do Hospital das Clínicas da USP, que também atua no ambulatório que trata abuso e dependência de opioides, lembra que as áreas do processamento da informação dolorosa se comunicam com áreas de memória e afeto. “Ou seja, a nossa experiência prévia com a dor conta. Descrever a dor é muito subjetivo.”

Aqui, é preciso diferenciar a dor aguda da crônica. A primeira se trata de um mecanismo de proteção, como quando você prende o dedo na janela ou coloca a mão numa panela quente. Agora, quando essa sensação desagradável permanece por mais de três meses, é considerada crônica, de acordo com Claudia. “O processamento da informação dolorosa se torna disfuncional.”

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A prescrição

Ao Estadão, o Ministério da Saúde informou que a indicação do uso de opioides é controlada. “São prescritos pelos médicos apenas para tratamentos específicos, como câncer e dores crônicas, e não como medicamentos de rotina.”

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Nem todas as dores crônicas têm indicação de uso de opioide, de acordo com Claudia. São exemplos a neuropática, que ocorre quando há lesão de nervos do sistema nervoso central e/ou periférico — pacientes que passam por amputações e diabéticos podem sofrer com ela —, e as dores da fibromialgia (síndrome na qual o paciente relata dor no corpo todo, em especial na musculatura).

“A dor crônica não tem cura, mas tem controle. Esses pacientes precisam ser avaliados por médico com formação adequada em dor”, fala Claudia.

Antes de prescrever esses remédios, os médicos têm como aplicar modelos para avaliar o risco de um paciente desenvolver adicção. De acordo com uma revisão brasileira, publicada na revista científica Brazilian Journal of Development, entre os fatores de risco para dependência, estão: juventude; dor crônica após acidente de carro; múltiplas regiões dolorosas; antecedente de uso de drogas ilícitas; doenças psiquiátrica; uso de medicamento psicotrópico; dependência de tabaco; uso de uma dose maior; uso por maior tempo; e consumo de álcool.

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Isso não significa que, caso haja risco, o profissional não fará a prescrição, mas isso permite traçar estratégias para monitorar melhor o paciente. “Dou a menor dose possível, marco consultas frequentes, conto os remédios junto com o paciente e peço autorização do paciente para ter alguém em sua casa que o ajude a controlar a dose”, exemplifica coordenador do Ambulatório de Opioides do Instituto Perdizes do Hospital das Clínicas da USP (HCFMUSP), André Malbergier.

As prescrições indevidas ou exageradas, associadas a um marketing agressivo de empresas farmacêuticas e um erro na bula na década de 1990, são apontadas como um dos principais fatores para a epidemia de opioides que se desenhou nos Estados Unidos, e que já teve ao menos quatro grandes ondas.

“A prescrição de um remédio como esse se baseia em uma escala de dor. Você não dá um tiro de canhão para matar uma formiga”, destaca Thyrso. É uma escala que vai de um a 10, relatada pelo paciente.

Ainda assim, muito se baseia no relato da dor pelo paciente. É por isso que, segundo Claudia, o médico precisa também mergulhar no lado subjetivo desse desconforto. “Outros aspectos podem estar por trás dessa descrição de dor intensa, como questões emocionais.”

Tolerância

Entre os efeitos do uso crônico de um opioide está a tolerância. Para alcançar o mesmo resultado, doses maiores podem ser exigidas. Isso pode ajudar a explicar o caminho até um transtorno por uso de opioides (OUD, na sigla em inglês).

Os receptores opioides, alvos que ajudam essas substâncias a modularem a dor, também estão e atuam em outras áreas, como no chamado “circuito de recompensa”, segundo Malbergier.

“Dentro do seu cérebro, algumas substâncias produzem outras, que chamamos de neurotransmissores. Eles vão te dar algumas sensações. Para você alcançar aquela sensação de novo, vai precisar de mais neurotransmissores dentro do seu cérebro. Você acaba produzindo regiões no seu cérebro que nunca ficam satisfeitas com a quantidade de neurotransmissores que foram liberados durante o uso da substância”, explica Thyrso.

Os médicos também têm protocolos para cessar o uso desses remédios pelos pacientes. Em alguns casos, pode ser necessário fazer a rotação com opioides mais fracos, algo que popularmente chamado de desmame.

Overdose

Um efeito colateral dos opioides, incomum à maioria das outras drogas, e que ajuda a explicar essa overdose “silenciosa”, é que eles agem no centro respiratório. De forma simples, a pessoa esquece de respirar, mesmo estando consciente.

“Ele para de respirar e faz uma hipóxia, ou seja, falta oxigênio no cérebro. E pode faltar oxigênio no coração também, e o paciente tem arritmias e parada cardíaca por causa da toxicidade na ventilação”, fala Thyrso.

É assim que, infelizmente, milhares de norte-americanos têm morrido. O país passa pela quarta onda de overdoses de opioides, marcada principalmente pelo comércio ilegal do fentanil. Embora, em 2023, o número de mortes por overdose por lá tenha caído pela primeira vez em cinco anos, ainda está acima dos 100 mil.

Para ter ideia da dimensão da crise, em 2022, foram 107 mil óbitos, dos quais 75% envolveram um opioide, segundo o CDC. No país, a fim de mitigar o problema, houve um esforço de disponibilizar uma droga que pode salvar vidas, a naloxona — um antagonista dos opioides, que pode reverter rapidamente a respiração de uma pessoa —, não só para socorristas e agentes de segurança pública, mas até em escolas e bibliotecas.

Mas, aqui, é preciso destacar que essas pessoas muito provavelmente estão fazendo um uso abusivo dos opioides. Ou seja, em doses maiores do que recomendadas pelos médicos ou simplesmente sem qualquer indicação.

A mensagem geral é de que os opioides são medicações importantes e não devem ser demonizadas. No entanto, é preciso ser muito cuidadoso no uso e relatar ao médico quaisquer efeitos colaterais.

Só de ouvir a palavra “opioide”, o paciente pode ficar assustado. Afinal, essa classe de medicamentos é personagem principal de uma epidemia de overdoses sem precedentes nos Estados Unidos. No entanto, médicos destacam que eles são fármacos muito importantes, que podem salvar vidas e trazer enorme alívio para quem sofre com dores de moderadas a intensas – quando usados adequadamente e com uma clara indicação. A adicção é algo que precisa, sim, ficar no horizonte de quem toma e de quem prescreve. Inclusive, existe uma série de protocolos que ajuda a evitar o problema.

O que são os opioides

Os opiodes são medicações potentes para tratar dor (analgésicos) — eles também têm propriedades sedativas. O uso remonta a civilizações antigas que recorriam à planta papoula — hoje, a maioria dos opioides utilizados são semissintéticos e sintéticos. Segundo médicos, eles são importantes e devem ser prescritos em casos de dor de escala elevada, como em pacientes com câncer — a principal indicação é nos cuidados paliativos — e em processos cirúrgicos (podem ser necessários tanto antes quanto depois da cirurgia).

Existem opioides mais fortes e mais fracos, de morfina a fentanil. Este último é o mais potente entre os opioides: supera em 100 vezes a morfina, e em 50 vezes a heroína, por exemplo. Ele é mais utilizado em pacientes internados em hospital e submetidos a processos cirúrgicos. Além desses, outros nomes comuns são tramadol, metadona e codeína.

Os opioides se apresentam em várias formulações, de injetáveis a adesivos. A administração via oral, por comprimidos, é mais comum e o recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) no tratamento da dor. Entre os efeitos colaterais estão: sonolência, náuseas, vômito, constipação e respiração lenta.

Medicamentos opioides, como o fentanil, têm funções importantes para alguns pacientes. Mas uso deve respeitar uma série de critérios Foto: Giovanni Cancemi/Adobe Stock

Como agem

Em diferentes formulações, os opioides, de maneira geral, atuam da mesma maneira para aliviar a dor. Por isso, para entender como essas substâncias funcionam, é preciso compreender o processo da dor.

Um estímulo doloroso, que pode ocorrer nas periferias do corpo ou ser interno, será transformado em um estímulo nervoso. “Pelo neurônio, vem uma descarga elétrica. Isso vai pra dentro da sua medula espinhal, que fica na coluna. Daí, vai para os centros de dores do seu encéfalo”, diz Felipe Thyrso, presidente da Sociedade de Anestesiologia do Estado de São Paulo (Saesp) e coordenador da residência em anestesiologia da Santa Casa de Santos. Ali, vai ocorrer a percepção dessa dor.

“Nessas vias, você tem várias conexões elétricas entre os neurônios. E essas conexões podem ser moduladas. Eu posso diminuir a força com que esse estímulo está chegando. Dentro dessas conexões, tenho alguns receptores que fazem essa modulação”, descreve Thyrso. No caso dos opioides, o alvo são os receptores opioides, que estão espalhados por todo o sistema nervoso central, que compreende a medula e o encéfalo.

Claudia Palmeira, anestesiologista da Equipe de Controle de Dor do Hospital das Clínicas da USP, que também atua no ambulatório que trata abuso e dependência de opioides, lembra que as áreas do processamento da informação dolorosa se comunicam com áreas de memória e afeto. “Ou seja, a nossa experiência prévia com a dor conta. Descrever a dor é muito subjetivo.”

Aqui, é preciso diferenciar a dor aguda da crônica. A primeira se trata de um mecanismo de proteção, como quando você prende o dedo na janela ou coloca a mão numa panela quente. Agora, quando essa sensação desagradável permanece por mais de três meses, é considerada crônica, de acordo com Claudia. “O processamento da informação dolorosa se torna disfuncional.”

A prescrição

Ao Estadão, o Ministério da Saúde informou que a indicação do uso de opioides é controlada. “São prescritos pelos médicos apenas para tratamentos específicos, como câncer e dores crônicas, e não como medicamentos de rotina.”

Nem todas as dores crônicas têm indicação de uso de opioide, de acordo com Claudia. São exemplos a neuropática, que ocorre quando há lesão de nervos do sistema nervoso central e/ou periférico — pacientes que passam por amputações e diabéticos podem sofrer com ela —, e as dores da fibromialgia (síndrome na qual o paciente relata dor no corpo todo, em especial na musculatura).

“A dor crônica não tem cura, mas tem controle. Esses pacientes precisam ser avaliados por médico com formação adequada em dor”, fala Claudia.

Antes de prescrever esses remédios, os médicos têm como aplicar modelos para avaliar o risco de um paciente desenvolver adicção. De acordo com uma revisão brasileira, publicada na revista científica Brazilian Journal of Development, entre os fatores de risco para dependência, estão: juventude; dor crônica após acidente de carro; múltiplas regiões dolorosas; antecedente de uso de drogas ilícitas; doenças psiquiátrica; uso de medicamento psicotrópico; dependência de tabaco; uso de uma dose maior; uso por maior tempo; e consumo de álcool.

Isso não significa que, caso haja risco, o profissional não fará a prescrição, mas isso permite traçar estratégias para monitorar melhor o paciente. “Dou a menor dose possível, marco consultas frequentes, conto os remédios junto com o paciente e peço autorização do paciente para ter alguém em sua casa que o ajude a controlar a dose”, exemplifica coordenador do Ambulatório de Opioides do Instituto Perdizes do Hospital das Clínicas da USP (HCFMUSP), André Malbergier.

As prescrições indevidas ou exageradas, associadas a um marketing agressivo de empresas farmacêuticas e um erro na bula na década de 1990, são apontadas como um dos principais fatores para a epidemia de opioides que se desenhou nos Estados Unidos, e que já teve ao menos quatro grandes ondas.

“A prescrição de um remédio como esse se baseia em uma escala de dor. Você não dá um tiro de canhão para matar uma formiga”, destaca Thyrso. É uma escala que vai de um a 10, relatada pelo paciente.

Ainda assim, muito se baseia no relato da dor pelo paciente. É por isso que, segundo Claudia, o médico precisa também mergulhar no lado subjetivo desse desconforto. “Outros aspectos podem estar por trás dessa descrição de dor intensa, como questões emocionais.”

Tolerância

Entre os efeitos do uso crônico de um opioide está a tolerância. Para alcançar o mesmo resultado, doses maiores podem ser exigidas. Isso pode ajudar a explicar o caminho até um transtorno por uso de opioides (OUD, na sigla em inglês).

Os receptores opioides, alvos que ajudam essas substâncias a modularem a dor, também estão e atuam em outras áreas, como no chamado “circuito de recompensa”, segundo Malbergier.

“Dentro do seu cérebro, algumas substâncias produzem outras, que chamamos de neurotransmissores. Eles vão te dar algumas sensações. Para você alcançar aquela sensação de novo, vai precisar de mais neurotransmissores dentro do seu cérebro. Você acaba produzindo regiões no seu cérebro que nunca ficam satisfeitas com a quantidade de neurotransmissores que foram liberados durante o uso da substância”, explica Thyrso.

Os médicos também têm protocolos para cessar o uso desses remédios pelos pacientes. Em alguns casos, pode ser necessário fazer a rotação com opioides mais fracos, algo que popularmente chamado de desmame.

Overdose

Um efeito colateral dos opioides, incomum à maioria das outras drogas, e que ajuda a explicar essa overdose “silenciosa”, é que eles agem no centro respiratório. De forma simples, a pessoa esquece de respirar, mesmo estando consciente.

“Ele para de respirar e faz uma hipóxia, ou seja, falta oxigênio no cérebro. E pode faltar oxigênio no coração também, e o paciente tem arritmias e parada cardíaca por causa da toxicidade na ventilação”, fala Thyrso.

É assim que, infelizmente, milhares de norte-americanos têm morrido. O país passa pela quarta onda de overdoses de opioides, marcada principalmente pelo comércio ilegal do fentanil. Embora, em 2023, o número de mortes por overdose por lá tenha caído pela primeira vez em cinco anos, ainda está acima dos 100 mil.

Para ter ideia da dimensão da crise, em 2022, foram 107 mil óbitos, dos quais 75% envolveram um opioide, segundo o CDC. No país, a fim de mitigar o problema, houve um esforço de disponibilizar uma droga que pode salvar vidas, a naloxona — um antagonista dos opioides, que pode reverter rapidamente a respiração de uma pessoa —, não só para socorristas e agentes de segurança pública, mas até em escolas e bibliotecas.

Mas, aqui, é preciso destacar que essas pessoas muito provavelmente estão fazendo um uso abusivo dos opioides. Ou seja, em doses maiores do que recomendadas pelos médicos ou simplesmente sem qualquer indicação.

A mensagem geral é de que os opioides são medicações importantes e não devem ser demonizadas. No entanto, é preciso ser muito cuidadoso no uso e relatar ao médico quaisquer efeitos colaterais.

Só de ouvir a palavra “opioide”, o paciente pode ficar assustado. Afinal, essa classe de medicamentos é personagem principal de uma epidemia de overdoses sem precedentes nos Estados Unidos. No entanto, médicos destacam que eles são fármacos muito importantes, que podem salvar vidas e trazer enorme alívio para quem sofre com dores de moderadas a intensas – quando usados adequadamente e com uma clara indicação. A adicção é algo que precisa, sim, ficar no horizonte de quem toma e de quem prescreve. Inclusive, existe uma série de protocolos que ajuda a evitar o problema.

O que são os opioides

Os opiodes são medicações potentes para tratar dor (analgésicos) — eles também têm propriedades sedativas. O uso remonta a civilizações antigas que recorriam à planta papoula — hoje, a maioria dos opioides utilizados são semissintéticos e sintéticos. Segundo médicos, eles são importantes e devem ser prescritos em casos de dor de escala elevada, como em pacientes com câncer — a principal indicação é nos cuidados paliativos — e em processos cirúrgicos (podem ser necessários tanto antes quanto depois da cirurgia).

Existem opioides mais fortes e mais fracos, de morfina a fentanil. Este último é o mais potente entre os opioides: supera em 100 vezes a morfina, e em 50 vezes a heroína, por exemplo. Ele é mais utilizado em pacientes internados em hospital e submetidos a processos cirúrgicos. Além desses, outros nomes comuns são tramadol, metadona e codeína.

Os opioides se apresentam em várias formulações, de injetáveis a adesivos. A administração via oral, por comprimidos, é mais comum e o recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) no tratamento da dor. Entre os efeitos colaterais estão: sonolência, náuseas, vômito, constipação e respiração lenta.

Medicamentos opioides, como o fentanil, têm funções importantes para alguns pacientes. Mas uso deve respeitar uma série de critérios Foto: Giovanni Cancemi/Adobe Stock

Como agem

Em diferentes formulações, os opioides, de maneira geral, atuam da mesma maneira para aliviar a dor. Por isso, para entender como essas substâncias funcionam, é preciso compreender o processo da dor.

Um estímulo doloroso, que pode ocorrer nas periferias do corpo ou ser interno, será transformado em um estímulo nervoso. “Pelo neurônio, vem uma descarga elétrica. Isso vai pra dentro da sua medula espinhal, que fica na coluna. Daí, vai para os centros de dores do seu encéfalo”, diz Felipe Thyrso, presidente da Sociedade de Anestesiologia do Estado de São Paulo (Saesp) e coordenador da residência em anestesiologia da Santa Casa de Santos. Ali, vai ocorrer a percepção dessa dor.

“Nessas vias, você tem várias conexões elétricas entre os neurônios. E essas conexões podem ser moduladas. Eu posso diminuir a força com que esse estímulo está chegando. Dentro dessas conexões, tenho alguns receptores que fazem essa modulação”, descreve Thyrso. No caso dos opioides, o alvo são os receptores opioides, que estão espalhados por todo o sistema nervoso central, que compreende a medula e o encéfalo.

Claudia Palmeira, anestesiologista da Equipe de Controle de Dor do Hospital das Clínicas da USP, que também atua no ambulatório que trata abuso e dependência de opioides, lembra que as áreas do processamento da informação dolorosa se comunicam com áreas de memória e afeto. “Ou seja, a nossa experiência prévia com a dor conta. Descrever a dor é muito subjetivo.”

Aqui, é preciso diferenciar a dor aguda da crônica. A primeira se trata de um mecanismo de proteção, como quando você prende o dedo na janela ou coloca a mão numa panela quente. Agora, quando essa sensação desagradável permanece por mais de três meses, é considerada crônica, de acordo com Claudia. “O processamento da informação dolorosa se torna disfuncional.”

A prescrição

Ao Estadão, o Ministério da Saúde informou que a indicação do uso de opioides é controlada. “São prescritos pelos médicos apenas para tratamentos específicos, como câncer e dores crônicas, e não como medicamentos de rotina.”

Nem todas as dores crônicas têm indicação de uso de opioide, de acordo com Claudia. São exemplos a neuropática, que ocorre quando há lesão de nervos do sistema nervoso central e/ou periférico — pacientes que passam por amputações e diabéticos podem sofrer com ela —, e as dores da fibromialgia (síndrome na qual o paciente relata dor no corpo todo, em especial na musculatura).

“A dor crônica não tem cura, mas tem controle. Esses pacientes precisam ser avaliados por médico com formação adequada em dor”, fala Claudia.

Antes de prescrever esses remédios, os médicos têm como aplicar modelos para avaliar o risco de um paciente desenvolver adicção. De acordo com uma revisão brasileira, publicada na revista científica Brazilian Journal of Development, entre os fatores de risco para dependência, estão: juventude; dor crônica após acidente de carro; múltiplas regiões dolorosas; antecedente de uso de drogas ilícitas; doenças psiquiátrica; uso de medicamento psicotrópico; dependência de tabaco; uso de uma dose maior; uso por maior tempo; e consumo de álcool.

Isso não significa que, caso haja risco, o profissional não fará a prescrição, mas isso permite traçar estratégias para monitorar melhor o paciente. “Dou a menor dose possível, marco consultas frequentes, conto os remédios junto com o paciente e peço autorização do paciente para ter alguém em sua casa que o ajude a controlar a dose”, exemplifica coordenador do Ambulatório de Opioides do Instituto Perdizes do Hospital das Clínicas da USP (HCFMUSP), André Malbergier.

As prescrições indevidas ou exageradas, associadas a um marketing agressivo de empresas farmacêuticas e um erro na bula na década de 1990, são apontadas como um dos principais fatores para a epidemia de opioides que se desenhou nos Estados Unidos, e que já teve ao menos quatro grandes ondas.

“A prescrição de um remédio como esse se baseia em uma escala de dor. Você não dá um tiro de canhão para matar uma formiga”, destaca Thyrso. É uma escala que vai de um a 10, relatada pelo paciente.

Ainda assim, muito se baseia no relato da dor pelo paciente. É por isso que, segundo Claudia, o médico precisa também mergulhar no lado subjetivo desse desconforto. “Outros aspectos podem estar por trás dessa descrição de dor intensa, como questões emocionais.”

Tolerância

Entre os efeitos do uso crônico de um opioide está a tolerância. Para alcançar o mesmo resultado, doses maiores podem ser exigidas. Isso pode ajudar a explicar o caminho até um transtorno por uso de opioides (OUD, na sigla em inglês).

Os receptores opioides, alvos que ajudam essas substâncias a modularem a dor, também estão e atuam em outras áreas, como no chamado “circuito de recompensa”, segundo Malbergier.

“Dentro do seu cérebro, algumas substâncias produzem outras, que chamamos de neurotransmissores. Eles vão te dar algumas sensações. Para você alcançar aquela sensação de novo, vai precisar de mais neurotransmissores dentro do seu cérebro. Você acaba produzindo regiões no seu cérebro que nunca ficam satisfeitas com a quantidade de neurotransmissores que foram liberados durante o uso da substância”, explica Thyrso.

Os médicos também têm protocolos para cessar o uso desses remédios pelos pacientes. Em alguns casos, pode ser necessário fazer a rotação com opioides mais fracos, algo que popularmente chamado de desmame.

Overdose

Um efeito colateral dos opioides, incomum à maioria das outras drogas, e que ajuda a explicar essa overdose “silenciosa”, é que eles agem no centro respiratório. De forma simples, a pessoa esquece de respirar, mesmo estando consciente.

“Ele para de respirar e faz uma hipóxia, ou seja, falta oxigênio no cérebro. E pode faltar oxigênio no coração também, e o paciente tem arritmias e parada cardíaca por causa da toxicidade na ventilação”, fala Thyrso.

É assim que, infelizmente, milhares de norte-americanos têm morrido. O país passa pela quarta onda de overdoses de opioides, marcada principalmente pelo comércio ilegal do fentanil. Embora, em 2023, o número de mortes por overdose por lá tenha caído pela primeira vez em cinco anos, ainda está acima dos 100 mil.

Para ter ideia da dimensão da crise, em 2022, foram 107 mil óbitos, dos quais 75% envolveram um opioide, segundo o CDC. No país, a fim de mitigar o problema, houve um esforço de disponibilizar uma droga que pode salvar vidas, a naloxona — um antagonista dos opioides, que pode reverter rapidamente a respiração de uma pessoa —, não só para socorristas e agentes de segurança pública, mas até em escolas e bibliotecas.

Mas, aqui, é preciso destacar que essas pessoas muito provavelmente estão fazendo um uso abusivo dos opioides. Ou seja, em doses maiores do que recomendadas pelos médicos ou simplesmente sem qualquer indicação.

A mensagem geral é de que os opioides são medicações importantes e não devem ser demonizadas. No entanto, é preciso ser muito cuidadoso no uso e relatar ao médico quaisquer efeitos colaterais.

Só de ouvir a palavra “opioide”, o paciente pode ficar assustado. Afinal, essa classe de medicamentos é personagem principal de uma epidemia de overdoses sem precedentes nos Estados Unidos. No entanto, médicos destacam que eles são fármacos muito importantes, que podem salvar vidas e trazer enorme alívio para quem sofre com dores de moderadas a intensas – quando usados adequadamente e com uma clara indicação. A adicção é algo que precisa, sim, ficar no horizonte de quem toma e de quem prescreve. Inclusive, existe uma série de protocolos que ajuda a evitar o problema.

O que são os opioides

Os opiodes são medicações potentes para tratar dor (analgésicos) — eles também têm propriedades sedativas. O uso remonta a civilizações antigas que recorriam à planta papoula — hoje, a maioria dos opioides utilizados são semissintéticos e sintéticos. Segundo médicos, eles são importantes e devem ser prescritos em casos de dor de escala elevada, como em pacientes com câncer — a principal indicação é nos cuidados paliativos — e em processos cirúrgicos (podem ser necessários tanto antes quanto depois da cirurgia).

Existem opioides mais fortes e mais fracos, de morfina a fentanil. Este último é o mais potente entre os opioides: supera em 100 vezes a morfina, e em 50 vezes a heroína, por exemplo. Ele é mais utilizado em pacientes internados em hospital e submetidos a processos cirúrgicos. Além desses, outros nomes comuns são tramadol, metadona e codeína.

Os opioides se apresentam em várias formulações, de injetáveis a adesivos. A administração via oral, por comprimidos, é mais comum e o recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) no tratamento da dor. Entre os efeitos colaterais estão: sonolência, náuseas, vômito, constipação e respiração lenta.

Medicamentos opioides, como o fentanil, têm funções importantes para alguns pacientes. Mas uso deve respeitar uma série de critérios Foto: Giovanni Cancemi/Adobe Stock

Como agem

Em diferentes formulações, os opioides, de maneira geral, atuam da mesma maneira para aliviar a dor. Por isso, para entender como essas substâncias funcionam, é preciso compreender o processo da dor.

Um estímulo doloroso, que pode ocorrer nas periferias do corpo ou ser interno, será transformado em um estímulo nervoso. “Pelo neurônio, vem uma descarga elétrica. Isso vai pra dentro da sua medula espinhal, que fica na coluna. Daí, vai para os centros de dores do seu encéfalo”, diz Felipe Thyrso, presidente da Sociedade de Anestesiologia do Estado de São Paulo (Saesp) e coordenador da residência em anestesiologia da Santa Casa de Santos. Ali, vai ocorrer a percepção dessa dor.

“Nessas vias, você tem várias conexões elétricas entre os neurônios. E essas conexões podem ser moduladas. Eu posso diminuir a força com que esse estímulo está chegando. Dentro dessas conexões, tenho alguns receptores que fazem essa modulação”, descreve Thyrso. No caso dos opioides, o alvo são os receptores opioides, que estão espalhados por todo o sistema nervoso central, que compreende a medula e o encéfalo.

Claudia Palmeira, anestesiologista da Equipe de Controle de Dor do Hospital das Clínicas da USP, que também atua no ambulatório que trata abuso e dependência de opioides, lembra que as áreas do processamento da informação dolorosa se comunicam com áreas de memória e afeto. “Ou seja, a nossa experiência prévia com a dor conta. Descrever a dor é muito subjetivo.”

Aqui, é preciso diferenciar a dor aguda da crônica. A primeira se trata de um mecanismo de proteção, como quando você prende o dedo na janela ou coloca a mão numa panela quente. Agora, quando essa sensação desagradável permanece por mais de três meses, é considerada crônica, de acordo com Claudia. “O processamento da informação dolorosa se torna disfuncional.”

A prescrição

Ao Estadão, o Ministério da Saúde informou que a indicação do uso de opioides é controlada. “São prescritos pelos médicos apenas para tratamentos específicos, como câncer e dores crônicas, e não como medicamentos de rotina.”

Nem todas as dores crônicas têm indicação de uso de opioide, de acordo com Claudia. São exemplos a neuropática, que ocorre quando há lesão de nervos do sistema nervoso central e/ou periférico — pacientes que passam por amputações e diabéticos podem sofrer com ela —, e as dores da fibromialgia (síndrome na qual o paciente relata dor no corpo todo, em especial na musculatura).

“A dor crônica não tem cura, mas tem controle. Esses pacientes precisam ser avaliados por médico com formação adequada em dor”, fala Claudia.

Antes de prescrever esses remédios, os médicos têm como aplicar modelos para avaliar o risco de um paciente desenvolver adicção. De acordo com uma revisão brasileira, publicada na revista científica Brazilian Journal of Development, entre os fatores de risco para dependência, estão: juventude; dor crônica após acidente de carro; múltiplas regiões dolorosas; antecedente de uso de drogas ilícitas; doenças psiquiátrica; uso de medicamento psicotrópico; dependência de tabaco; uso de uma dose maior; uso por maior tempo; e consumo de álcool.

Isso não significa que, caso haja risco, o profissional não fará a prescrição, mas isso permite traçar estratégias para monitorar melhor o paciente. “Dou a menor dose possível, marco consultas frequentes, conto os remédios junto com o paciente e peço autorização do paciente para ter alguém em sua casa que o ajude a controlar a dose”, exemplifica coordenador do Ambulatório de Opioides do Instituto Perdizes do Hospital das Clínicas da USP (HCFMUSP), André Malbergier.

As prescrições indevidas ou exageradas, associadas a um marketing agressivo de empresas farmacêuticas e um erro na bula na década de 1990, são apontadas como um dos principais fatores para a epidemia de opioides que se desenhou nos Estados Unidos, e que já teve ao menos quatro grandes ondas.

“A prescrição de um remédio como esse se baseia em uma escala de dor. Você não dá um tiro de canhão para matar uma formiga”, destaca Thyrso. É uma escala que vai de um a 10, relatada pelo paciente.

Ainda assim, muito se baseia no relato da dor pelo paciente. É por isso que, segundo Claudia, o médico precisa também mergulhar no lado subjetivo desse desconforto. “Outros aspectos podem estar por trás dessa descrição de dor intensa, como questões emocionais.”

Tolerância

Entre os efeitos do uso crônico de um opioide está a tolerância. Para alcançar o mesmo resultado, doses maiores podem ser exigidas. Isso pode ajudar a explicar o caminho até um transtorno por uso de opioides (OUD, na sigla em inglês).

Os receptores opioides, alvos que ajudam essas substâncias a modularem a dor, também estão e atuam em outras áreas, como no chamado “circuito de recompensa”, segundo Malbergier.

“Dentro do seu cérebro, algumas substâncias produzem outras, que chamamos de neurotransmissores. Eles vão te dar algumas sensações. Para você alcançar aquela sensação de novo, vai precisar de mais neurotransmissores dentro do seu cérebro. Você acaba produzindo regiões no seu cérebro que nunca ficam satisfeitas com a quantidade de neurotransmissores que foram liberados durante o uso da substância”, explica Thyrso.

Os médicos também têm protocolos para cessar o uso desses remédios pelos pacientes. Em alguns casos, pode ser necessário fazer a rotação com opioides mais fracos, algo que popularmente chamado de desmame.

Overdose

Um efeito colateral dos opioides, incomum à maioria das outras drogas, e que ajuda a explicar essa overdose “silenciosa”, é que eles agem no centro respiratório. De forma simples, a pessoa esquece de respirar, mesmo estando consciente.

“Ele para de respirar e faz uma hipóxia, ou seja, falta oxigênio no cérebro. E pode faltar oxigênio no coração também, e o paciente tem arritmias e parada cardíaca por causa da toxicidade na ventilação”, fala Thyrso.

É assim que, infelizmente, milhares de norte-americanos têm morrido. O país passa pela quarta onda de overdoses de opioides, marcada principalmente pelo comércio ilegal do fentanil. Embora, em 2023, o número de mortes por overdose por lá tenha caído pela primeira vez em cinco anos, ainda está acima dos 100 mil.

Para ter ideia da dimensão da crise, em 2022, foram 107 mil óbitos, dos quais 75% envolveram um opioide, segundo o CDC. No país, a fim de mitigar o problema, houve um esforço de disponibilizar uma droga que pode salvar vidas, a naloxona — um antagonista dos opioides, que pode reverter rapidamente a respiração de uma pessoa —, não só para socorristas e agentes de segurança pública, mas até em escolas e bibliotecas.

Mas, aqui, é preciso destacar que essas pessoas muito provavelmente estão fazendo um uso abusivo dos opioides. Ou seja, em doses maiores do que recomendadas pelos médicos ou simplesmente sem qualquer indicação.

A mensagem geral é de que os opioides são medicações importantes e não devem ser demonizadas. No entanto, é preciso ser muito cuidadoso no uso e relatar ao médico quaisquer efeitos colaterais.

Só de ouvir a palavra “opioide”, o paciente pode ficar assustado. Afinal, essa classe de medicamentos é personagem principal de uma epidemia de overdoses sem precedentes nos Estados Unidos. No entanto, médicos destacam que eles são fármacos muito importantes, que podem salvar vidas e trazer enorme alívio para quem sofre com dores de moderadas a intensas – quando usados adequadamente e com uma clara indicação. A adicção é algo que precisa, sim, ficar no horizonte de quem toma e de quem prescreve. Inclusive, existe uma série de protocolos que ajuda a evitar o problema.

O que são os opioides

Os opiodes são medicações potentes para tratar dor (analgésicos) — eles também têm propriedades sedativas. O uso remonta a civilizações antigas que recorriam à planta papoula — hoje, a maioria dos opioides utilizados são semissintéticos e sintéticos. Segundo médicos, eles são importantes e devem ser prescritos em casos de dor de escala elevada, como em pacientes com câncer — a principal indicação é nos cuidados paliativos — e em processos cirúrgicos (podem ser necessários tanto antes quanto depois da cirurgia).

Existem opioides mais fortes e mais fracos, de morfina a fentanil. Este último é o mais potente entre os opioides: supera em 100 vezes a morfina, e em 50 vezes a heroína, por exemplo. Ele é mais utilizado em pacientes internados em hospital e submetidos a processos cirúrgicos. Além desses, outros nomes comuns são tramadol, metadona e codeína.

Os opioides se apresentam em várias formulações, de injetáveis a adesivos. A administração via oral, por comprimidos, é mais comum e o recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) no tratamento da dor. Entre os efeitos colaterais estão: sonolência, náuseas, vômito, constipação e respiração lenta.

Medicamentos opioides, como o fentanil, têm funções importantes para alguns pacientes. Mas uso deve respeitar uma série de critérios Foto: Giovanni Cancemi/Adobe Stock

Como agem

Em diferentes formulações, os opioides, de maneira geral, atuam da mesma maneira para aliviar a dor. Por isso, para entender como essas substâncias funcionam, é preciso compreender o processo da dor.

Um estímulo doloroso, que pode ocorrer nas periferias do corpo ou ser interno, será transformado em um estímulo nervoso. “Pelo neurônio, vem uma descarga elétrica. Isso vai pra dentro da sua medula espinhal, que fica na coluna. Daí, vai para os centros de dores do seu encéfalo”, diz Felipe Thyrso, presidente da Sociedade de Anestesiologia do Estado de São Paulo (Saesp) e coordenador da residência em anestesiologia da Santa Casa de Santos. Ali, vai ocorrer a percepção dessa dor.

“Nessas vias, você tem várias conexões elétricas entre os neurônios. E essas conexões podem ser moduladas. Eu posso diminuir a força com que esse estímulo está chegando. Dentro dessas conexões, tenho alguns receptores que fazem essa modulação”, descreve Thyrso. No caso dos opioides, o alvo são os receptores opioides, que estão espalhados por todo o sistema nervoso central, que compreende a medula e o encéfalo.

Claudia Palmeira, anestesiologista da Equipe de Controle de Dor do Hospital das Clínicas da USP, que também atua no ambulatório que trata abuso e dependência de opioides, lembra que as áreas do processamento da informação dolorosa se comunicam com áreas de memória e afeto. “Ou seja, a nossa experiência prévia com a dor conta. Descrever a dor é muito subjetivo.”

Aqui, é preciso diferenciar a dor aguda da crônica. A primeira se trata de um mecanismo de proteção, como quando você prende o dedo na janela ou coloca a mão numa panela quente. Agora, quando essa sensação desagradável permanece por mais de três meses, é considerada crônica, de acordo com Claudia. “O processamento da informação dolorosa se torna disfuncional.”

A prescrição

Ao Estadão, o Ministério da Saúde informou que a indicação do uso de opioides é controlada. “São prescritos pelos médicos apenas para tratamentos específicos, como câncer e dores crônicas, e não como medicamentos de rotina.”

Nem todas as dores crônicas têm indicação de uso de opioide, de acordo com Claudia. São exemplos a neuropática, que ocorre quando há lesão de nervos do sistema nervoso central e/ou periférico — pacientes que passam por amputações e diabéticos podem sofrer com ela —, e as dores da fibromialgia (síndrome na qual o paciente relata dor no corpo todo, em especial na musculatura).

“A dor crônica não tem cura, mas tem controle. Esses pacientes precisam ser avaliados por médico com formação adequada em dor”, fala Claudia.

Antes de prescrever esses remédios, os médicos têm como aplicar modelos para avaliar o risco de um paciente desenvolver adicção. De acordo com uma revisão brasileira, publicada na revista científica Brazilian Journal of Development, entre os fatores de risco para dependência, estão: juventude; dor crônica após acidente de carro; múltiplas regiões dolorosas; antecedente de uso de drogas ilícitas; doenças psiquiátrica; uso de medicamento psicotrópico; dependência de tabaco; uso de uma dose maior; uso por maior tempo; e consumo de álcool.

Isso não significa que, caso haja risco, o profissional não fará a prescrição, mas isso permite traçar estratégias para monitorar melhor o paciente. “Dou a menor dose possível, marco consultas frequentes, conto os remédios junto com o paciente e peço autorização do paciente para ter alguém em sua casa que o ajude a controlar a dose”, exemplifica coordenador do Ambulatório de Opioides do Instituto Perdizes do Hospital das Clínicas da USP (HCFMUSP), André Malbergier.

As prescrições indevidas ou exageradas, associadas a um marketing agressivo de empresas farmacêuticas e um erro na bula na década de 1990, são apontadas como um dos principais fatores para a epidemia de opioides que se desenhou nos Estados Unidos, e que já teve ao menos quatro grandes ondas.

“A prescrição de um remédio como esse se baseia em uma escala de dor. Você não dá um tiro de canhão para matar uma formiga”, destaca Thyrso. É uma escala que vai de um a 10, relatada pelo paciente.

Ainda assim, muito se baseia no relato da dor pelo paciente. É por isso que, segundo Claudia, o médico precisa também mergulhar no lado subjetivo desse desconforto. “Outros aspectos podem estar por trás dessa descrição de dor intensa, como questões emocionais.”

Tolerância

Entre os efeitos do uso crônico de um opioide está a tolerância. Para alcançar o mesmo resultado, doses maiores podem ser exigidas. Isso pode ajudar a explicar o caminho até um transtorno por uso de opioides (OUD, na sigla em inglês).

Os receptores opioides, alvos que ajudam essas substâncias a modularem a dor, também estão e atuam em outras áreas, como no chamado “circuito de recompensa”, segundo Malbergier.

“Dentro do seu cérebro, algumas substâncias produzem outras, que chamamos de neurotransmissores. Eles vão te dar algumas sensações. Para você alcançar aquela sensação de novo, vai precisar de mais neurotransmissores dentro do seu cérebro. Você acaba produzindo regiões no seu cérebro que nunca ficam satisfeitas com a quantidade de neurotransmissores que foram liberados durante o uso da substância”, explica Thyrso.

Os médicos também têm protocolos para cessar o uso desses remédios pelos pacientes. Em alguns casos, pode ser necessário fazer a rotação com opioides mais fracos, algo que popularmente chamado de desmame.

Overdose

Um efeito colateral dos opioides, incomum à maioria das outras drogas, e que ajuda a explicar essa overdose “silenciosa”, é que eles agem no centro respiratório. De forma simples, a pessoa esquece de respirar, mesmo estando consciente.

“Ele para de respirar e faz uma hipóxia, ou seja, falta oxigênio no cérebro. E pode faltar oxigênio no coração também, e o paciente tem arritmias e parada cardíaca por causa da toxicidade na ventilação”, fala Thyrso.

É assim que, infelizmente, milhares de norte-americanos têm morrido. O país passa pela quarta onda de overdoses de opioides, marcada principalmente pelo comércio ilegal do fentanil. Embora, em 2023, o número de mortes por overdose por lá tenha caído pela primeira vez em cinco anos, ainda está acima dos 100 mil.

Para ter ideia da dimensão da crise, em 2022, foram 107 mil óbitos, dos quais 75% envolveram um opioide, segundo o CDC. No país, a fim de mitigar o problema, houve um esforço de disponibilizar uma droga que pode salvar vidas, a naloxona — um antagonista dos opioides, que pode reverter rapidamente a respiração de uma pessoa —, não só para socorristas e agentes de segurança pública, mas até em escolas e bibliotecas.

Mas, aqui, é preciso destacar que essas pessoas muito provavelmente estão fazendo um uso abusivo dos opioides. Ou seja, em doses maiores do que recomendadas pelos médicos ou simplesmente sem qualquer indicação.

A mensagem geral é de que os opioides são medicações importantes e não devem ser demonizadas. No entanto, é preciso ser muito cuidadoso no uso e relatar ao médico quaisquer efeitos colaterais.

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