O Brasil vive um cenário epidêmico da dengue. Em dois meses, já foram registrados mais de 1,2 milhão de casos. Ao mesmo tempo, estão em circulação outras doenças que podem ser confundidas com a dengue, como a gripe e a covid-19. Fazer um teste e ter um diagnóstico adequado é fundamental e pode salvar vidas.
De acordo com especialistas consultados pelo Estadão, em cada momento da doença há um determinado tipo de teste recomendado. O marco para tomar a decisão de qual utilizar tem a ver com o tempo dos sintomas.
Até o quinto dia do início dos sintomas, podem ser utilizados o teste rápido de antígeno (NS-1) e, menos frequente por causa do custo, o teste de biologia molecular (RT-PCR) – alguns laboratórios permitem a coleta de amostras até o sétimo dia no caso deste último. A partir do sexto dia, é indicado fazer um teste de sorologia.
O Estadão entrou em contato com o Ministério da Saúde para saber quais as orientações de testagem aos Estados e municípios, mas não obteve resposta. Em nota técnica de 2021, a pasta recomendava teste NS1 e PCR até o quinto dia, e sorológicos após esse marco – e, que em alguns casos, fosse refeito dentro de 10 ou 15 dias.
“O teste rápido é o teste ideal para quando o paciente está sintomático, logo no início da manifestação clínica. E um teste sorológico é adequado para quando você já passou daquela fase aguda, e está em progressão para a cura”, resume Flávio Fonseca, pesquisador do CTVacinas, um centro de pesquisas em biotecnologia, e professor do departamento de Microbiologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
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NS1, o teste rápido
O NS1 é um teste imunocromatográfico, que é capaz de identificar uma proteína do vírus secretada pela célula infectada (o antígeno viral). É a mesma lógica do teste rápido para a covid-19, mas, obviamente, com foco em uma proteína diferente. A coleta da amostra é feita por meio de uma punção – uma “picadinha” – no dedo. O resultado fica pronto entre 15 e 30 minutos.
Ele deve ser usado até o quinto dia do início dos sintomas. De acordo com Fonseca, o ideal é começar a aplicar o teste a partir do terceiro dia – isso não significa que não possa dar positivo antes, mas há mais chance de falso negativo.
Ele é um teste de alta especificidade (probabilidade de resultado negativo nos não-doentes), mas de moderada sensibilidade (probabilidade de resultado positivo nos doentes), segundo Fonseca.
Joziana Barçante, pesquisadora na área de doenças infecciosas e parasitárias, coordenadora do Núcleo de Pesquisa Biomédica e professora do Departamento de Medicina da Universidade Federal de Lavras (UFLA), adiciona outra ressalva sobre esse teste. “Você pode ter dengue até quatro vezes na vida. Na primeira vez que tem contato com o vírus, essa proteína NS1 se mantém em alta, então, até o quinto dia, ou seja, é bem detectável. Depois, começa a cair”, explica. “O problema é que quando você já teve dengue, mesmo que tenha sido assintomática, esse NS1 falha um pouco. Pode dar um falso negativo”, completa.
Esse é o teste que pode ser feito na farmácia. Os especialistas alertam para os riscos do automonitoramento. “A dengue evolui para um quadro grave muito rápido”, adverte Joziana.
Por isso, é preciso ficar atento aos sinais de alarme da doença. “Se o indivíduo fez um teste de farmácia e estava bem, baixou a febre, mas começou a ter outras alterações, como cansaço e dores muito fortes, tem que buscar imediatamente a unidade de saúde”, orienta a pesquisadora.
PCR
Pouco usado devido ao alto custo, o teste de biologia molecular (RT-PCR) é o mais sensível de todos, de acordo com Joziana. É capaz de diagnosticar a doença antes mesmo de o paciente apresentar sintomas, segundo ela. Além disso, entre os três exames disponíveis, é o único capaz de dizer por qual dos quatro sorotipos da dengue a pessoa foi infectada.
A amostra é de sangue – há possibilidade de usar outros tipos de tecido, mas são opções mais invasivas. A janela de coleta vai variar de laboratório para laboratório. Segundo Joziana, alguns aceitam até o sétimo dia do início dos sintomas.
Segundo Fonseca, ele só é utilizado em em casos de “elevada dúvida diagnóstica” ou em “pesquisa post mortem” (isto é, autópsia).
A limitação tem a ver com a carga viral, que é a quantidade de vírus presente no sangue. “Se você tem um paciente que tem uma carga viral muito baixa, pode ser que não pegue no início de infecção”, diz Joziana.
Na avaliação dela, autoridades de saúde deveriam ampliar a oferta deste tipo de teste, afinal, ele ajuda a ter uma ideia melhor de qual sorotipo circula em cada região e, com base nisso, pode dar apoio a medidas de políticas de saúde pública.
Sorologia
O teste sorológico passa a ser a melhor opção a partir do sexto dia após o início dos sintomas. Ele é de alta sensibilidade e especificidade. A amostra é coletada por punção venosa (coleta de sangue). Segundo Fonseca, o ideal é aplicar esse teste a partir do décimo dia.
É um teste feito em laboratório, onde há um aparelho que detecta a positividade por geração de cor em uma reação química. Ele leva ao menos 24 horas para ficar pronto.
Ele detecta a presença de anticorpos gerados contra a doença, o IgM e IgG. Mas esse teste pode ficar positivo por muito tempo. Uma análise técnica ajuda a diferenciar uma infecção recente e uma passada. “O IgM é o primeiro a surgir. É o nosso anticorpo de emergência. Ele fica positivo por um tempo, de dois a três meses. Ele é substituído por uma segunda classe de anticorpos chamada IGG. Essa, sim, permanece positiva por muitos anos.”
Quando o indivíduo faz esse teste muito próximo a essa janela imunológica, do quinto e sexto dia, o resultado pode ser negativo, embora a pessoa esteja infectada. O ideal seria refazer o teste. “Teria que repetir para confirmar dentro de 10 a 15 dias”, orienta o especialista.
Vigilância epidemiológica e genômica
Segundo os especialistas, todas as pessoas com suspeita de dengue precisam ser testadas. Do ponto de vista individual, isso é importante porque temos uma série de outros vírus circulando no momento – como chikungunya, influenza (causador da gripe) e coronavírus.
A dengue, logo no início dos sintomas, pode ser inespecífica. Quem está com essa doença não deve usar determinados medicamentos, em especial anti-inflamatórios não hormonais, capazes de promover sangramento, um sintoma de alerta para um caso grave.
Além disso, a reinfecção por dengue está associada a uma maior chance de evoluir para um caso grave. Esse paciente deve, portanto, ter um monitoramento diferente.
Do ponto de vista epidemiológico, a confirmação do caso permite entender o real estado da transmissão dessa doença infecciosa, o que é chamado de vigilância epidemiológica. “Saber o número de casos que a gente tem em cada ciclo epidemiológico é fundamental para que o os gestores de saúde consigam fazer planejamento, porque dengue é uma doença cíclica”, explica Joziana.
Ao lado dela, é também fundamental a vigilância genômica. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), trata-se do “processo de monitoramento constante de patógenos e análise de suas semelhanças e diferenças genéticas”. “Ajuda investigadores, epidemiologistas e funcionários de saúde pública a monitorizar a evolução de agentes de doenças infecciosas, alertar sobre a propagação de agentes patogênicos e desenvolver contramedidas, como vacinas.”
Na pandemia da covid-19, esse tipo de iniciativa foi essencial para detectar quando novas variantes surgiam. Desde esse momento, inclusive, especialistas destacavam como o País sequencia pouco as amostras. O Estadão mostrou, em 2022, que apenas 0,35% dos casos de covid confirmados no Brasil foram sequenciados em laboratório.
Para a dengue, os especialistas ouvidos pelo Estadão também reforçam que o País sequencia pouco. Para ter ideia, neste ano, só há informações sobre o sorotipo causador de 2,38% dos casos prováveis. Isso, é claro, também passa por um problema de testagem: nem todos os casos são investigados e, alguns, podem ser outras doenças.
Historicamente, conforme dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), tabulados pelo Estadão, o ano com mais sorotipagem em termos porcentuais foi 2023 – mesmo assim, a taxa foi de 2,34%. O Ministério não respondeu ao pedido de posicionamento.
Os laboratórios centrais de saúde pública (Lacen), que lidam com esse processo, têm se modernizado, mas ainda não é suficiente, destaca Fonseca. “A quantidade de genomas sequenciados é pequeno levando em consideração o tamanho da epidemia que a gente vive”, avalia.
Um dos motivos para justificar por que essa informação é importante retoma a discussão da reinfecção. É preciso saber, por exemplo, quando a prevalência muda e um tipo supera o outro ou quando um tipo retorna a uma localidade após anos – como ocorreu com o DENV-3 no ano passado. Dados assim indicam que há maior risco de uma pessoa ter a doença novamente e, por consequência, uma maior probabilidade de o caso se tornar grave.
“A vigilância genômica ainda é uma ferramenta importante, mas negligenciada”, resume Joziana.