Em que momento lapsos de memória podem indicar algo sério, como Alzheimer? Especialistas explicam


O esquecimento faz parte do comportamento normal do cérebro, mas quando isso afeta a funcionalidade da pessoa, como perder sistematicamente compromissos importantes, passa a ser preocupante

Por Leon Ferrari
Atualização:

“Sempre que vejo uma data aparecer na televisão, ou em qualquer outro lugar, automaticamente volto para aquele dia e lembro onde estava, o que estava fazendo, em que dia caiu e assim por diante. É incessante, incontrolável e totalmente exaustivo.” Essa foi uma mensagem que uma mulher de 34 anos enviou a pesquisadores da Universidade da Califórnia Irvine (UC Irvine), nos Estados Unidos.

Em estudo publicado na revista científica Neurocase, em 2006, os cientistas sugerem que ela tem o que é chamado de hipertimesia, uma síndrome marcada por uma memória autobiográfica altamente superior. Dos raros casos clínicos descritos até hoje, além das lembranças vívidas e improváveis para a maioria das pessoas, muitos compartilham entre si transtornos psíquicos e também prejuízos funcionais — como a capacidade de abstração. São tanto guardiões quanto prisioneiros de suas memórias, como descreverem os pesquisadores.

“Não é bom lembrar de absolutamente tudo. O processo de esquecimento leve, eventual, faz parte do desenvolvimento e do funcionamento normal do cérebro”, diz o neurologista Paulo Caramelli, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

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“Você precisa ter uma quantidade limitada de informação para poder agir. Se tenho um pool infinito de memórias, fica até difícil conseguir sair do campo da integração e formar uma resposta”, avalia a geriatra Claudia Kimie Suemoto, professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), que faz parte do Advisory Council da Alzheimer’s Association International Society to Advance Alzheimer’s Research and Treatment (ISTAART).

Mas, qual é o limite? Afinal, esquecer-se pode ser bastante desagradável e constrangedor. Segundo os especialistas, as principais pistas de que o esquecimento é sinal ou sintoma de que algo não vai bem é quando interfere no funcionamento normal e na autonomia da pessoa, como se esquecer sistematicamente de compromissos importantes. Outro indício: quem está ao seu redor repara que algo parece estranho.

Episódios de esquecimento merecem atenção redobrada quando interferem na rotina e na funcionalidade da pessoa Foto: highwaystarz/Adobe Stock
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Por que lembramos?

O registro de informações pelo cérebro é um processo bastante complexo e, embora autônomo, é influenciado pela atenção — algumas pessoas têm queixas de memória, quando, na verdade, sofrem de um problema para focar, de acordo com especialistas — e também pela carga emocional atrelada a uma determinada situação. De maneira geral, a memória existe para facilitar nossa vida e também pode ser vista como uma estratégia de sobrevivência.

“Recebemos informações do mundo através da visão, da audição e do contato. No cérebro, elas são processadas e integradas ao que já conhecemos. Sem memória, sempre teríamos que começar do zero, o que é pouco produtivo em termos de sobrevivência”, fala Claudia. Imagine ter que encostar no fogo todos os dias para se lembrar de que ele queima.

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Envelhecimento

Segundo os especialistas, com o passar do tempo é esperado que haja um decréscimo leve e sutil da memória, mas em uma intensidade que não afete a autonomia da pessoa. “Quando você olha para testes de memória, que utilizamos para diagnóstico clínico, a pontuação média de uma pessoa de 30 anos é diferente daquela de quem tem 70, 80 anos. Ela é um pouco inferior nos indivíduos mais idosos”, comenta Caramelli.

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É válido destacar que o envelhecimento é um processo extremamente heterogêneo. Logo, encontraremos pessoas na média, abaixo dela e até acima, como é o caso dos superidosos que, apesar da idade avançada, possuem a capacidade de memória de uma pessoa 20 a 30 anos mais jovem.

Segundo Claudia, de uma maneira geral, há um declínio usual da função cognitiva, um conceito guarda-chuva que engloba diversas atividades essenciais, entre elas a memória. “O pico da função cognitiva é na terceira década da vida, por volta de 25 a 30 anos. Isso coincide com o máximo de volume cerebral, número de neurônios e interconexões entre eles.” A partir daí, essa estrutura começa a decair.

Duas funções em específico tem uma queda importante e influenciam a capacidade de memória e a autoavaliação sobre ela. Primeiro, temos uma redução da atenção dividida. Em resumo, é o potencial de fazer duas ou mais atividades ao mesmo tempo e direcionar seu foco para elas sem perda de eficiência.

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Somado a isso, é esperado um decréscimo na velocidade de processamento. Ou seja, você encontra uma pessoa que conhece, não tão íntima e próxima, mas, se antes o nome viria à mente na hora, agora leva alguns minutos para que isso ocorra. “Essa diminuição da velocidade de recuperação da informação é uma coisa muito comum”, observa Claudia.

“Essas duas funções, que são as mais alteradas durante o processo de envelhecimento, já atrapalham a memória”, destaca Claudia.

A questão é que essas alterações não podem atrapalhar o funcionamento dessa pessoa. Esquecer-se do que almoçou no dia anterior, em geral, não é um problema. No entanto, não se lembrar de que um filho te visitou ontem ou que a neta se casou na semana passada são sinais de alerta. Afinal, são acontecimentos que envolvem carga emocional importante.

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“Geralmente, você não se esquece de informações que são relevantes para o seu dia a dia. Esquecer-se sistematicamente de compromissos importantes, de tomar medicação, que está cozinhando com uma panela no fogo, de um trajeto conhecido quando está de carro ou na rua… Isso já é uma situação diferente”, exemplifica Caramelli.

Segundo Claudia, uma perda de memória autobiográfica (seja recente ou tardia), é preocupante. Ou seja, não se lembrar de onde morou há dez anos ou em que escola estudou são situações que devem acender um sinal de alerta. “Porque são memórias muito enraizadas”, justifica a médica.

Além do Alzheimer

De acordo com o estudo Global Burden Diseases, publicado no The Lancet Public Health, a estimativa é de que a incidência de quadros demenciais — o Alzheimer é o principal deles — , triplique no mundo inteiro até 2050. Logo, não é incomum que uma pessoa com uma idade avançada ou algum familiar associe qualquer esquecimento ao Alzheimer.

No entanto, o esquecimento pode ser sinal e sintoma para uma grande variedade de problemas e situações que, às vezes, são reversíveis e temporárias. Os especialistas dão exemplos:

  • Medicações: Caramelli destaca que remédios que têm o que se chama efeito anticolinérgico podem influenciar negativamente na capacidade de guardar lembranças. “São medicações que reduzem a atividade de um neurotransmissor chamado acetilcolina, que é muito importante para a memória.” É o caso de algumas substâncias usadas para depressão, insônia e insuficiência renal.
  • Abuso de álcool: o problema pode ser agudo, como na síndrome de Wernicke — efeito do álcool associado à carência da vitamina B1 — ou se instalar com o uso crônico da substância, no que é chamada de demência alcoólica, de acordo com Caramelli.
  • Problemas de sono: desde insônia até apneia obstrutiva (paradas respiratórias que ocorrem, em geral, quando a pessoa dorme).
  • Menopausa: “Estudos mostram que existe uma redução discreta na capacidade de memória em mulheres em função da redução dos níveis do hormônio estrogênio”, fala Caramelli.
  • Covid longa: pesquisadores e médicos percebem um déficit cognitivo em pacientes pós-covid, em especial na atenção e na linguagem (capacidade de recuperar palavras que quer dizer), em geral, transitório. “Em uma pesquisa nossa, com pacientes que ficaram internados no Hospital das Clínicas, antes da disponibilidade de vacina, 31% teve déficit cognitivo, o que é bastante. Para 20% desses, a situação se resolveu nos primeiros três meses, desapareceu a queixa. Mas 11% ainda tinham sintoma depois de um ano”, conta Claudia. O estudo foi publicado na revista científica Alzheimer’s & Dementia.
  • Carência da vitamina B12
  • Depressão
  • Hipotireoidismo (problema na tireoide caracterizado pela queda na produção dos hormônios T3 e T4).
  • Insuficiência renal (rins perdem a capacidade de efetuar suas funções básicas).
  • Insuficiência hepática (deterioração da função do fígado).
  • Doença vascular cerebral (AVC): a chamada demência vascular é muito comum.
  • Neurossífilis: um problema secundária à sífilis, uma infecção sexualmente transmissível (IST).

A lista é longa. “Por isso, quando a pessoa perceber sintomas, é preciso procurar atendimento e fazer um conjunto de exames para detectar essas outras causas que não uma doença degenerativa, como Alzheimer”, diz Caramelli.

Demência?

Demência é o termo amplo usado para se referir a uma série de doenças que destroem as células nervosas e danificam o cérebro, geralmente levando ao declínio da função cognitiva, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). O Alzheimer é o tipo de demência mais comum, representando de 50% a 70% dos casos. O diagnóstico é complexo, majoritariamente clínico e, em geral, motivado por uma queixa – do paciente ou de quem convive com ele.

A partir da reclamação, é feita uma sequência de avaliações para determinar do que se trata e eliminar possíveis causas reversíveis. O indivíduo passa por uma entrevista (os especialistas chamam de anamnese), testes neuropsicológicos — podem levar de dois a três dias — e exames de sangue e imagem.

Caso haja dúvida, outros exames mais recentes que investigam o acúmulo de proteínas associadas à demência, em especial o Alzheimer, podem ser solicitados, como uma biópsia do líquor e o PET amiloide. A doença de Alzheimer “se instala” quando o processamento de certas proteínas do sistema nervoso central começa a dar errado. Surgem fragmentos de proteínas mal cortadas e tóxicas dentro dos neurônios e nos espaços que existem entre eles, formando placas (lesões). Como nosso corpo falha em eliminá-las, elas se acumulam no cérebro.

Entre o esquecimento usual do envelhecimento e a demência há dois quadros intermediários que merecem atenção:

  • Declínio subjetivo: aqui, há uma queixa do paciente ou de familiares, mas os exames não encontram qualquer alteração – às vezes, inclusive, o paciente tem até uma capacidade de memória acima da média. “Nesses casos, você tranquiliza a pessoa. Mas o médico vai querer ver o paciente novamente entre seis meses ou um ano, pois pode ser o sinal inicial de algo”, fala Caramelli.
  • Déficit cognitivo leve: nesse caso, há queixa e os testes indicam desempenho abaixo da média esperada para a idade e escolaridade. No entanto, não há uma perda da funcionalidade e autonomia do paciente (caso houvesse, estaríamos falando de demência). O monitoramento também será necessário.

Prevenção

Embora uma queda na capacidade de memória seja esperada, isso não significa que não possamos nos preparar ao longo da vida para que ela seja a menor possível.

Nesse sentido, os hábitos protetores são especialmente importantes até o pico da função cognitiva, quando temos mais “substrato” — neuroplasticidade — para construir uma reserva. Mas isso não significa que deixem de fazer efeito depois dos 30 anos.

Para os médicos, três pontos são essenciais:

  • Atividade física: a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) é de fazer ao menos 150 minutos de exercícios moderados ou 75 minutos em nível vigoroso durante a semana. “Idealmente, mesclando atividade aeróbica com musculação”, diz Caramelli.
  • Alimentação saudável: as principais orientações são evitar os produtos ultraprocessados, reduzir o sal e se inspirar/seguir a dieta mediterrânea, considerada uma das mais saudáveis do mundo (e que pode ser adaptada com base em ingredientes nacionais).
  • Estimulação cognitiva: inclui desde aprender uma nova língua ou instrumento, fazer palavras-cruzadas ou utilizar aplicativos com desafios cognitivos. Atividades em grupo e com um objetivo atrelado, como voluntariado, podem ser especialmente benéficas.

“Ter uma boa função cognitiva é um projeto de vida”, resume Claudia.

“Sempre que vejo uma data aparecer na televisão, ou em qualquer outro lugar, automaticamente volto para aquele dia e lembro onde estava, o que estava fazendo, em que dia caiu e assim por diante. É incessante, incontrolável e totalmente exaustivo.” Essa foi uma mensagem que uma mulher de 34 anos enviou a pesquisadores da Universidade da Califórnia Irvine (UC Irvine), nos Estados Unidos.

Em estudo publicado na revista científica Neurocase, em 2006, os cientistas sugerem que ela tem o que é chamado de hipertimesia, uma síndrome marcada por uma memória autobiográfica altamente superior. Dos raros casos clínicos descritos até hoje, além das lembranças vívidas e improváveis para a maioria das pessoas, muitos compartilham entre si transtornos psíquicos e também prejuízos funcionais — como a capacidade de abstração. São tanto guardiões quanto prisioneiros de suas memórias, como descreverem os pesquisadores.

“Não é bom lembrar de absolutamente tudo. O processo de esquecimento leve, eventual, faz parte do desenvolvimento e do funcionamento normal do cérebro”, diz o neurologista Paulo Caramelli, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

“Você precisa ter uma quantidade limitada de informação para poder agir. Se tenho um pool infinito de memórias, fica até difícil conseguir sair do campo da integração e formar uma resposta”, avalia a geriatra Claudia Kimie Suemoto, professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), que faz parte do Advisory Council da Alzheimer’s Association International Society to Advance Alzheimer’s Research and Treatment (ISTAART).

Mas, qual é o limite? Afinal, esquecer-se pode ser bastante desagradável e constrangedor. Segundo os especialistas, as principais pistas de que o esquecimento é sinal ou sintoma de que algo não vai bem é quando interfere no funcionamento normal e na autonomia da pessoa, como se esquecer sistematicamente de compromissos importantes. Outro indício: quem está ao seu redor repara que algo parece estranho.

Episódios de esquecimento merecem atenção redobrada quando interferem na rotina e na funcionalidade da pessoa Foto: highwaystarz/Adobe Stock

Por que lembramos?

O registro de informações pelo cérebro é um processo bastante complexo e, embora autônomo, é influenciado pela atenção — algumas pessoas têm queixas de memória, quando, na verdade, sofrem de um problema para focar, de acordo com especialistas — e também pela carga emocional atrelada a uma determinada situação. De maneira geral, a memória existe para facilitar nossa vida e também pode ser vista como uma estratégia de sobrevivência.

“Recebemos informações do mundo através da visão, da audição e do contato. No cérebro, elas são processadas e integradas ao que já conhecemos. Sem memória, sempre teríamos que começar do zero, o que é pouco produtivo em termos de sobrevivência”, fala Claudia. Imagine ter que encostar no fogo todos os dias para se lembrar de que ele queima.

Envelhecimento

Segundo os especialistas, com o passar do tempo é esperado que haja um decréscimo leve e sutil da memória, mas em uma intensidade que não afete a autonomia da pessoa. “Quando você olha para testes de memória, que utilizamos para diagnóstico clínico, a pontuação média de uma pessoa de 30 anos é diferente daquela de quem tem 70, 80 anos. Ela é um pouco inferior nos indivíduos mais idosos”, comenta Caramelli.

É válido destacar que o envelhecimento é um processo extremamente heterogêneo. Logo, encontraremos pessoas na média, abaixo dela e até acima, como é o caso dos superidosos que, apesar da idade avançada, possuem a capacidade de memória de uma pessoa 20 a 30 anos mais jovem.

Segundo Claudia, de uma maneira geral, há um declínio usual da função cognitiva, um conceito guarda-chuva que engloba diversas atividades essenciais, entre elas a memória. “O pico da função cognitiva é na terceira década da vida, por volta de 25 a 30 anos. Isso coincide com o máximo de volume cerebral, número de neurônios e interconexões entre eles.” A partir daí, essa estrutura começa a decair.

Duas funções em específico tem uma queda importante e influenciam a capacidade de memória e a autoavaliação sobre ela. Primeiro, temos uma redução da atenção dividida. Em resumo, é o potencial de fazer duas ou mais atividades ao mesmo tempo e direcionar seu foco para elas sem perda de eficiência.

Somado a isso, é esperado um decréscimo na velocidade de processamento. Ou seja, você encontra uma pessoa que conhece, não tão íntima e próxima, mas, se antes o nome viria à mente na hora, agora leva alguns minutos para que isso ocorra. “Essa diminuição da velocidade de recuperação da informação é uma coisa muito comum”, observa Claudia.

“Essas duas funções, que são as mais alteradas durante o processo de envelhecimento, já atrapalham a memória”, destaca Claudia.

A questão é que essas alterações não podem atrapalhar o funcionamento dessa pessoa. Esquecer-se do que almoçou no dia anterior, em geral, não é um problema. No entanto, não se lembrar de que um filho te visitou ontem ou que a neta se casou na semana passada são sinais de alerta. Afinal, são acontecimentos que envolvem carga emocional importante.

“Geralmente, você não se esquece de informações que são relevantes para o seu dia a dia. Esquecer-se sistematicamente de compromissos importantes, de tomar medicação, que está cozinhando com uma panela no fogo, de um trajeto conhecido quando está de carro ou na rua… Isso já é uma situação diferente”, exemplifica Caramelli.

Segundo Claudia, uma perda de memória autobiográfica (seja recente ou tardia), é preocupante. Ou seja, não se lembrar de onde morou há dez anos ou em que escola estudou são situações que devem acender um sinal de alerta. “Porque são memórias muito enraizadas”, justifica a médica.

Além do Alzheimer

De acordo com o estudo Global Burden Diseases, publicado no The Lancet Public Health, a estimativa é de que a incidência de quadros demenciais — o Alzheimer é o principal deles — , triplique no mundo inteiro até 2050. Logo, não é incomum que uma pessoa com uma idade avançada ou algum familiar associe qualquer esquecimento ao Alzheimer.

No entanto, o esquecimento pode ser sinal e sintoma para uma grande variedade de problemas e situações que, às vezes, são reversíveis e temporárias. Os especialistas dão exemplos:

  • Medicações: Caramelli destaca que remédios que têm o que se chama efeito anticolinérgico podem influenciar negativamente na capacidade de guardar lembranças. “São medicações que reduzem a atividade de um neurotransmissor chamado acetilcolina, que é muito importante para a memória.” É o caso de algumas substâncias usadas para depressão, insônia e insuficiência renal.
  • Abuso de álcool: o problema pode ser agudo, como na síndrome de Wernicke — efeito do álcool associado à carência da vitamina B1 — ou se instalar com o uso crônico da substância, no que é chamada de demência alcoólica, de acordo com Caramelli.
  • Problemas de sono: desde insônia até apneia obstrutiva (paradas respiratórias que ocorrem, em geral, quando a pessoa dorme).
  • Menopausa: “Estudos mostram que existe uma redução discreta na capacidade de memória em mulheres em função da redução dos níveis do hormônio estrogênio”, fala Caramelli.
  • Covid longa: pesquisadores e médicos percebem um déficit cognitivo em pacientes pós-covid, em especial na atenção e na linguagem (capacidade de recuperar palavras que quer dizer), em geral, transitório. “Em uma pesquisa nossa, com pacientes que ficaram internados no Hospital das Clínicas, antes da disponibilidade de vacina, 31% teve déficit cognitivo, o que é bastante. Para 20% desses, a situação se resolveu nos primeiros três meses, desapareceu a queixa. Mas 11% ainda tinham sintoma depois de um ano”, conta Claudia. O estudo foi publicado na revista científica Alzheimer’s & Dementia.
  • Carência da vitamina B12
  • Depressão
  • Hipotireoidismo (problema na tireoide caracterizado pela queda na produção dos hormônios T3 e T4).
  • Insuficiência renal (rins perdem a capacidade de efetuar suas funções básicas).
  • Insuficiência hepática (deterioração da função do fígado).
  • Doença vascular cerebral (AVC): a chamada demência vascular é muito comum.
  • Neurossífilis: um problema secundária à sífilis, uma infecção sexualmente transmissível (IST).

A lista é longa. “Por isso, quando a pessoa perceber sintomas, é preciso procurar atendimento e fazer um conjunto de exames para detectar essas outras causas que não uma doença degenerativa, como Alzheimer”, diz Caramelli.

Demência?

Demência é o termo amplo usado para se referir a uma série de doenças que destroem as células nervosas e danificam o cérebro, geralmente levando ao declínio da função cognitiva, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). O Alzheimer é o tipo de demência mais comum, representando de 50% a 70% dos casos. O diagnóstico é complexo, majoritariamente clínico e, em geral, motivado por uma queixa – do paciente ou de quem convive com ele.

A partir da reclamação, é feita uma sequência de avaliações para determinar do que se trata e eliminar possíveis causas reversíveis. O indivíduo passa por uma entrevista (os especialistas chamam de anamnese), testes neuropsicológicos — podem levar de dois a três dias — e exames de sangue e imagem.

Caso haja dúvida, outros exames mais recentes que investigam o acúmulo de proteínas associadas à demência, em especial o Alzheimer, podem ser solicitados, como uma biópsia do líquor e o PET amiloide. A doença de Alzheimer “se instala” quando o processamento de certas proteínas do sistema nervoso central começa a dar errado. Surgem fragmentos de proteínas mal cortadas e tóxicas dentro dos neurônios e nos espaços que existem entre eles, formando placas (lesões). Como nosso corpo falha em eliminá-las, elas se acumulam no cérebro.

Entre o esquecimento usual do envelhecimento e a demência há dois quadros intermediários que merecem atenção:

  • Declínio subjetivo: aqui, há uma queixa do paciente ou de familiares, mas os exames não encontram qualquer alteração – às vezes, inclusive, o paciente tem até uma capacidade de memória acima da média. “Nesses casos, você tranquiliza a pessoa. Mas o médico vai querer ver o paciente novamente entre seis meses ou um ano, pois pode ser o sinal inicial de algo”, fala Caramelli.
  • Déficit cognitivo leve: nesse caso, há queixa e os testes indicam desempenho abaixo da média esperada para a idade e escolaridade. No entanto, não há uma perda da funcionalidade e autonomia do paciente (caso houvesse, estaríamos falando de demência). O monitoramento também será necessário.

Prevenção

Embora uma queda na capacidade de memória seja esperada, isso não significa que não possamos nos preparar ao longo da vida para que ela seja a menor possível.

Nesse sentido, os hábitos protetores são especialmente importantes até o pico da função cognitiva, quando temos mais “substrato” — neuroplasticidade — para construir uma reserva. Mas isso não significa que deixem de fazer efeito depois dos 30 anos.

Para os médicos, três pontos são essenciais:

  • Atividade física: a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) é de fazer ao menos 150 minutos de exercícios moderados ou 75 minutos em nível vigoroso durante a semana. “Idealmente, mesclando atividade aeróbica com musculação”, diz Caramelli.
  • Alimentação saudável: as principais orientações são evitar os produtos ultraprocessados, reduzir o sal e se inspirar/seguir a dieta mediterrânea, considerada uma das mais saudáveis do mundo (e que pode ser adaptada com base em ingredientes nacionais).
  • Estimulação cognitiva: inclui desde aprender uma nova língua ou instrumento, fazer palavras-cruzadas ou utilizar aplicativos com desafios cognitivos. Atividades em grupo e com um objetivo atrelado, como voluntariado, podem ser especialmente benéficas.

“Ter uma boa função cognitiva é um projeto de vida”, resume Claudia.

“Sempre que vejo uma data aparecer na televisão, ou em qualquer outro lugar, automaticamente volto para aquele dia e lembro onde estava, o que estava fazendo, em que dia caiu e assim por diante. É incessante, incontrolável e totalmente exaustivo.” Essa foi uma mensagem que uma mulher de 34 anos enviou a pesquisadores da Universidade da Califórnia Irvine (UC Irvine), nos Estados Unidos.

Em estudo publicado na revista científica Neurocase, em 2006, os cientistas sugerem que ela tem o que é chamado de hipertimesia, uma síndrome marcada por uma memória autobiográfica altamente superior. Dos raros casos clínicos descritos até hoje, além das lembranças vívidas e improváveis para a maioria das pessoas, muitos compartilham entre si transtornos psíquicos e também prejuízos funcionais — como a capacidade de abstração. São tanto guardiões quanto prisioneiros de suas memórias, como descreverem os pesquisadores.

“Não é bom lembrar de absolutamente tudo. O processo de esquecimento leve, eventual, faz parte do desenvolvimento e do funcionamento normal do cérebro”, diz o neurologista Paulo Caramelli, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

“Você precisa ter uma quantidade limitada de informação para poder agir. Se tenho um pool infinito de memórias, fica até difícil conseguir sair do campo da integração e formar uma resposta”, avalia a geriatra Claudia Kimie Suemoto, professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), que faz parte do Advisory Council da Alzheimer’s Association International Society to Advance Alzheimer’s Research and Treatment (ISTAART).

Mas, qual é o limite? Afinal, esquecer-se pode ser bastante desagradável e constrangedor. Segundo os especialistas, as principais pistas de que o esquecimento é sinal ou sintoma de que algo não vai bem é quando interfere no funcionamento normal e na autonomia da pessoa, como se esquecer sistematicamente de compromissos importantes. Outro indício: quem está ao seu redor repara que algo parece estranho.

Episódios de esquecimento merecem atenção redobrada quando interferem na rotina e na funcionalidade da pessoa Foto: highwaystarz/Adobe Stock

Por que lembramos?

O registro de informações pelo cérebro é um processo bastante complexo e, embora autônomo, é influenciado pela atenção — algumas pessoas têm queixas de memória, quando, na verdade, sofrem de um problema para focar, de acordo com especialistas — e também pela carga emocional atrelada a uma determinada situação. De maneira geral, a memória existe para facilitar nossa vida e também pode ser vista como uma estratégia de sobrevivência.

“Recebemos informações do mundo através da visão, da audição e do contato. No cérebro, elas são processadas e integradas ao que já conhecemos. Sem memória, sempre teríamos que começar do zero, o que é pouco produtivo em termos de sobrevivência”, fala Claudia. Imagine ter que encostar no fogo todos os dias para se lembrar de que ele queima.

Envelhecimento

Segundo os especialistas, com o passar do tempo é esperado que haja um decréscimo leve e sutil da memória, mas em uma intensidade que não afete a autonomia da pessoa. “Quando você olha para testes de memória, que utilizamos para diagnóstico clínico, a pontuação média de uma pessoa de 30 anos é diferente daquela de quem tem 70, 80 anos. Ela é um pouco inferior nos indivíduos mais idosos”, comenta Caramelli.

É válido destacar que o envelhecimento é um processo extremamente heterogêneo. Logo, encontraremos pessoas na média, abaixo dela e até acima, como é o caso dos superidosos que, apesar da idade avançada, possuem a capacidade de memória de uma pessoa 20 a 30 anos mais jovem.

Segundo Claudia, de uma maneira geral, há um declínio usual da função cognitiva, um conceito guarda-chuva que engloba diversas atividades essenciais, entre elas a memória. “O pico da função cognitiva é na terceira década da vida, por volta de 25 a 30 anos. Isso coincide com o máximo de volume cerebral, número de neurônios e interconexões entre eles.” A partir daí, essa estrutura começa a decair.

Duas funções em específico tem uma queda importante e influenciam a capacidade de memória e a autoavaliação sobre ela. Primeiro, temos uma redução da atenção dividida. Em resumo, é o potencial de fazer duas ou mais atividades ao mesmo tempo e direcionar seu foco para elas sem perda de eficiência.

Somado a isso, é esperado um decréscimo na velocidade de processamento. Ou seja, você encontra uma pessoa que conhece, não tão íntima e próxima, mas, se antes o nome viria à mente na hora, agora leva alguns minutos para que isso ocorra. “Essa diminuição da velocidade de recuperação da informação é uma coisa muito comum”, observa Claudia.

“Essas duas funções, que são as mais alteradas durante o processo de envelhecimento, já atrapalham a memória”, destaca Claudia.

A questão é que essas alterações não podem atrapalhar o funcionamento dessa pessoa. Esquecer-se do que almoçou no dia anterior, em geral, não é um problema. No entanto, não se lembrar de que um filho te visitou ontem ou que a neta se casou na semana passada são sinais de alerta. Afinal, são acontecimentos que envolvem carga emocional importante.

“Geralmente, você não se esquece de informações que são relevantes para o seu dia a dia. Esquecer-se sistematicamente de compromissos importantes, de tomar medicação, que está cozinhando com uma panela no fogo, de um trajeto conhecido quando está de carro ou na rua… Isso já é uma situação diferente”, exemplifica Caramelli.

Segundo Claudia, uma perda de memória autobiográfica (seja recente ou tardia), é preocupante. Ou seja, não se lembrar de onde morou há dez anos ou em que escola estudou são situações que devem acender um sinal de alerta. “Porque são memórias muito enraizadas”, justifica a médica.

Além do Alzheimer

De acordo com o estudo Global Burden Diseases, publicado no The Lancet Public Health, a estimativa é de que a incidência de quadros demenciais — o Alzheimer é o principal deles — , triplique no mundo inteiro até 2050. Logo, não é incomum que uma pessoa com uma idade avançada ou algum familiar associe qualquer esquecimento ao Alzheimer.

No entanto, o esquecimento pode ser sinal e sintoma para uma grande variedade de problemas e situações que, às vezes, são reversíveis e temporárias. Os especialistas dão exemplos:

  • Medicações: Caramelli destaca que remédios que têm o que se chama efeito anticolinérgico podem influenciar negativamente na capacidade de guardar lembranças. “São medicações que reduzem a atividade de um neurotransmissor chamado acetilcolina, que é muito importante para a memória.” É o caso de algumas substâncias usadas para depressão, insônia e insuficiência renal.
  • Abuso de álcool: o problema pode ser agudo, como na síndrome de Wernicke — efeito do álcool associado à carência da vitamina B1 — ou se instalar com o uso crônico da substância, no que é chamada de demência alcoólica, de acordo com Caramelli.
  • Problemas de sono: desde insônia até apneia obstrutiva (paradas respiratórias que ocorrem, em geral, quando a pessoa dorme).
  • Menopausa: “Estudos mostram que existe uma redução discreta na capacidade de memória em mulheres em função da redução dos níveis do hormônio estrogênio”, fala Caramelli.
  • Covid longa: pesquisadores e médicos percebem um déficit cognitivo em pacientes pós-covid, em especial na atenção e na linguagem (capacidade de recuperar palavras que quer dizer), em geral, transitório. “Em uma pesquisa nossa, com pacientes que ficaram internados no Hospital das Clínicas, antes da disponibilidade de vacina, 31% teve déficit cognitivo, o que é bastante. Para 20% desses, a situação se resolveu nos primeiros três meses, desapareceu a queixa. Mas 11% ainda tinham sintoma depois de um ano”, conta Claudia. O estudo foi publicado na revista científica Alzheimer’s & Dementia.
  • Carência da vitamina B12
  • Depressão
  • Hipotireoidismo (problema na tireoide caracterizado pela queda na produção dos hormônios T3 e T4).
  • Insuficiência renal (rins perdem a capacidade de efetuar suas funções básicas).
  • Insuficiência hepática (deterioração da função do fígado).
  • Doença vascular cerebral (AVC): a chamada demência vascular é muito comum.
  • Neurossífilis: um problema secundária à sífilis, uma infecção sexualmente transmissível (IST).

A lista é longa. “Por isso, quando a pessoa perceber sintomas, é preciso procurar atendimento e fazer um conjunto de exames para detectar essas outras causas que não uma doença degenerativa, como Alzheimer”, diz Caramelli.

Demência?

Demência é o termo amplo usado para se referir a uma série de doenças que destroem as células nervosas e danificam o cérebro, geralmente levando ao declínio da função cognitiva, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). O Alzheimer é o tipo de demência mais comum, representando de 50% a 70% dos casos. O diagnóstico é complexo, majoritariamente clínico e, em geral, motivado por uma queixa – do paciente ou de quem convive com ele.

A partir da reclamação, é feita uma sequência de avaliações para determinar do que se trata e eliminar possíveis causas reversíveis. O indivíduo passa por uma entrevista (os especialistas chamam de anamnese), testes neuropsicológicos — podem levar de dois a três dias — e exames de sangue e imagem.

Caso haja dúvida, outros exames mais recentes que investigam o acúmulo de proteínas associadas à demência, em especial o Alzheimer, podem ser solicitados, como uma biópsia do líquor e o PET amiloide. A doença de Alzheimer “se instala” quando o processamento de certas proteínas do sistema nervoso central começa a dar errado. Surgem fragmentos de proteínas mal cortadas e tóxicas dentro dos neurônios e nos espaços que existem entre eles, formando placas (lesões). Como nosso corpo falha em eliminá-las, elas se acumulam no cérebro.

Entre o esquecimento usual do envelhecimento e a demência há dois quadros intermediários que merecem atenção:

  • Declínio subjetivo: aqui, há uma queixa do paciente ou de familiares, mas os exames não encontram qualquer alteração – às vezes, inclusive, o paciente tem até uma capacidade de memória acima da média. “Nesses casos, você tranquiliza a pessoa. Mas o médico vai querer ver o paciente novamente entre seis meses ou um ano, pois pode ser o sinal inicial de algo”, fala Caramelli.
  • Déficit cognitivo leve: nesse caso, há queixa e os testes indicam desempenho abaixo da média esperada para a idade e escolaridade. No entanto, não há uma perda da funcionalidade e autonomia do paciente (caso houvesse, estaríamos falando de demência). O monitoramento também será necessário.

Prevenção

Embora uma queda na capacidade de memória seja esperada, isso não significa que não possamos nos preparar ao longo da vida para que ela seja a menor possível.

Nesse sentido, os hábitos protetores são especialmente importantes até o pico da função cognitiva, quando temos mais “substrato” — neuroplasticidade — para construir uma reserva. Mas isso não significa que deixem de fazer efeito depois dos 30 anos.

Para os médicos, três pontos são essenciais:

  • Atividade física: a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) é de fazer ao menos 150 minutos de exercícios moderados ou 75 minutos em nível vigoroso durante a semana. “Idealmente, mesclando atividade aeróbica com musculação”, diz Caramelli.
  • Alimentação saudável: as principais orientações são evitar os produtos ultraprocessados, reduzir o sal e se inspirar/seguir a dieta mediterrânea, considerada uma das mais saudáveis do mundo (e que pode ser adaptada com base em ingredientes nacionais).
  • Estimulação cognitiva: inclui desde aprender uma nova língua ou instrumento, fazer palavras-cruzadas ou utilizar aplicativos com desafios cognitivos. Atividades em grupo e com um objetivo atrelado, como voluntariado, podem ser especialmente benéficas.

“Ter uma boa função cognitiva é um projeto de vida”, resume Claudia.

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