BRASÍLIA - A reunião do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, com governadores na manhã desta terça-feira, 8, teve momentos de tensão. O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), cobrou uma posição de Pazuello sobre a compra da Coronavac, vacina para covid-19 que está sendo desenvolvida pela farmacêutica chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantã, ligado ao governo paulista (ouça abaixo o áudio da reunião e a transcrição dos trechos).
Em resposta, Pazuello afirmou que não descarta a compra, mas que o negócio só será fechado após o registro do produto pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e se houver demanda. Ele disse que o preço do produto também será considerado. O ministro estima que a Anvisa deve levar até 60 dias para a análise dos imunizantes.
"(Astrazeneca) Está concluindo a fase 3 (de pesquisa). Algumas etapas da fase 3 foram concluídas. Estão fechando processo para aí sim submeter essa fase 3 para a Anvisa. Para registro. Isso é Astrazeneca. Qual a previsão de isso ser encaminhado para a Anvisa? Pelos nossos contatos, até o final de dezembro. E a Anvisa, dentro da sua responsabilidade para avalizar registro dessas vacinas, ela vai precisar de um tempo para cumprir essa missão. Esse tempo, pelo que nos foi até agora colocado, gira próximo a 60 dias. Podendo ser menos, um pouco. Se tudo estiver redondo. Se houver documentação incompleta, para o relógio. (inaudível)... se isso acontecer só vamos ter registro efetivo da Astrazeneca no final de fevereiro. Mesmo que tenham chegados as 15 milhões de doses em janeiro. A Anvisa ela será, dentro dos seus critérios técnicos, irá fazer mais rápido possível. Mas temos de enaltercer muito a nossa agência reguladora", disse Pazuello aos governadores, segundo áudio da reunião obtido pela reportagem.
No encontro, feito por meio de videoconferência, Doria afirmou que o governo cobra o registro da Coronavac, mas fez investimentos de mais de R$ 1,2 bilhão no imunizante desenvolvido pela Universidade Oxford com o laboratório AstraZeneca, além de cerca de R$ 800 milhões para ingressar no consórcio Covax Facility. Tanto a vacina de Oxford como os imunizantes que integram o consórcio não têm registro na Anvisa.
"Por que excluir a Coronavac já que o procedimento junto à Anvisa é igual ao da Covax e AstraZeneca?", questionou Doria. Ele disse que, em outubro, Pazuello prometeu a compra de 46 milhões de doses da Coronavac, mas teve de recuar após ser desautorizado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido). "Infelizmente o presidente desautorizou o senhor, foi deselegante. Em menos de 24h, impediu que a sua palavra fosse impedida perante os governadores", disse Doria em outro momento da reunião.
Pazuello respondeu que o investimento na Covax Facility é para o desenvolvimento de vacinas. As doses só serão compradas, por meio do consórcio, após o registro na Anvisa, segundo Pazuello.
Ele ainda rebateu Doria, afirmando que a Coronavac não é do governo paulista, mas do Butantã. "Se houver demanda, preço, vamos comprar", disse Pazuello na reunião.
Pazuello tem omitido a Coronavac quando fala de doses já garantidas no SUS para 2021. A postura do ministro reflete pressão de Bolsonaro, que é adversário político de Doria.
O ministro e Doria já haviam discutido mais cedo, na mesma reunião, quando Pazuello pediu que Doria respeitasse a ordem de fala e esperasse a manifestação de outros governadores.
O governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), também lembrou que Pazuello prometeu, em outubro, a compra de 46 milhões de doses da Coronavac. No dia seguinte, porém, Bolsonaro desautorizou o ministro e fez a Saúde recuar e negar a compra. "Se a Coronavac for aprovada, a compra será mantida?", questionou Dino. Na resposta, Pazuello repetiu ao governador que a compra depende do registro, preço e demanda.
Mais tarde, em pronunciamento feito no Palácio do Planalto, Pazuello disse que cabe à pasta, e não aos Estados, planejar a vacinação contra a covid-19 no Brasil. Apesar de ter cobrado união, o ministro não citou no pronunciamento os acordos do governo paulista para entrega da Coronavac.
O que disseram Doria e Pazuello na reunião:
Em reunião, Doria cobra o ministro da Saúde sobre a compra da vacina produzida pelo laboratório chinês Sinovac em parceria com o Instituto Butantã:
JOÃO DORIA: Ministro, eu sempre lhe tratei de forma educada, de forma gentil e de forma fluída, o senhor é testemunha disso. Para a vacina Covax Facility (consórcio internacional coordenado pela OMS), o governo federal lançou um investimento de R$ 2,5 bilhões dos quais o seu ministério já destinou e pagou R$ 830 milhões. As vacinas do consórcio, o senhor inclusive enumerou e nomeou todas elas, não foram aprovadas pela Anvisa. O Ministério da Saúde também, junto à AstraZeneca, anunciou um investimento de R$ 1,284 bilhão e já fez o pagamento de R$ 1,284 pela vacina da AstraZeneca que, igualmente, ainda não foi aprovada pela Anvisa. A vacina do Coronavac não teve nenhum investimento do governo federal. A vacina também não foi aprovada pela Anvisa. O que difere, ministro, a condição e a sua gestão como ministro da Saúde de privilegiar duas vacinas em detrimento de outra vacina? É uma razão de ordem ideológica? É uma razão de ordem política? Ou é uma razão de falta de interesse de disponibilizar mais vacinas? Sendo que o total, o senhor mesmo fez essa observação na sua introdução, temos 300 milhões de doses de vacinas para serem recebidas a partir de fevereiro do próximo ano e vamos precisar de mais de 400 milhões. Se é fato que temos as vacinas, por que não iniciar parte da vacinação dos brasileiros? E volto a perguntar: por que excluir a vacina Coronavac já que o procedimento junto à Anvisa é exatamente igual o consórcio Covax e a AstraZeneca? Essas são as perguntas, ministro.
O ministro da Saúde então rebate governador e diz que 0s recursos são para desenvolver pesquisas:
PAZUELLO: Obrigado governador. É um prazer continuar conversando de forma educada e direta como sempre fizemos. Eu só precisava atender a suas demandas paralelas que estavam acontencendo, mas vou bater ponto a ponto. Número 1: com relação à Covax, ela não é uma compra. Nós não compramos R$ 2,5 bilhões de vacinas. Nós aderimos ao desenvolvimento de nove vacinas e demos R$ 800 milhões, conforme o senhor colocou. E o restante dos recursos, que é a compra dos 40 milhões de vacinas, está reservado para comprar a primeira vacina que tiver registrada em condições de compra por aqui. Então, diferente de como o senhor colocou, nós não compramos vacina Covax Facility. Nós entramos num consórcio e só pagamos a parte do desenvolvimento da vacina.
DORIA: Mas pagaram. Pagaram R$ 830 milhões.
PAZUELLO: Sim. Para o desenvolvimento das vacinas. Como um todo. No amplo espectro da GAVI (uma das entidades que organizam a Covax Facility), que é internacional, para que todos os países do mundo tenham as mesmas condições de comprar. É uma posição de governo, não é uma posição do Ministério da Saúde. Não compramos vacina alguma e não pagamos nenhum centavo de vacina.
O governador de São Paulo afirma que Pazuello se comprometeu a comprar Coronavac, mas depois foi desautorizado. Pazuello diz que compra depende de demanda e preço.
DORIA: Pagou R$ 830 milhões para o consórcio Covax, sem a vacina. O seu ministério pagou a AstraZeneca R$ 1,281 bilhão, sem a vacina. E a Coronavac, que é a vacina do Butantã, que já temos aqui parcela considerável e que o senhor, na última reunião, com 24 governadores, anunciou que compraria 46 milhões... infelizmente o presidente da República desautorizou o senhor, foi deselegante com o senhor e, em menos de 24 horas, impediu que a sua palavra fosse mantida perante os governadores. Seu ministério vai comprar a vacina Coronavac sendo aprovada pela Anvisa? Sim ou não?
PAZUELLO: Já respondi isso. Já respondi a todos os governadores quanto à vacina do Butantã, que não é do Estado de São Paulo, tá governador, é do Butantã. Não sei por que o sr. fala tanto como se fosse do Estado. É do Butantã. O Butantã é o nosso fabricante de vacina do nosso país. É respeitado por isso. O Butantã, quando concluir seu trabalho e tiver vacina registrada, avaliaremos a demanda. Se houver demanda, e houver preço, vamos comprar. Volto a colocar para o senhor que o MOU (memorando de entendimento), ele não é vinculante. Volto a colocar pro senhor que o registro é obrigatório. E havendo demanda, havendo preço e havendo (trecho inaudível) correto, todas as vacinas, todas as posições serão alvo de nossa compra.