Qual seu plano para o Natal? Vai reunir a família toda em uma grande celebração? Ou talvez faça algo mais intimista, apenas com os familiares mais próximos. Há quem prefira se encontrar na noite do dia 24, no almoço do dia 25 ou mesmo com antecedência, em uma data que seja mais fácil para encaixar as agendas de todos os convidados. Pode ser, no entanto, que esse encontro seja quase automático, que se repita apenas pela tradição. Talvez seja o momento de perguntar: qual o verdadeiro propósito dessa reunião? O que queremos com ela?
“Os anfitriões comuns se concentram em fazer tudo dar certo: a comida, as flores e a mesa posta. Mas deixam as interações à mercê, ao acaso”, afirma a pesquisadora Priya Parker, especialista em resolução de conflitos e autora do livro A Arte dos Encontros (Ed. Objetiva, R$ 79,90). “Assumindo que o propósito é óbvio, avançamos depressa para a forma. O que não só leva a reuniões enfadonhas e repetitivas, como também deixa escapar a oportunidade de abraçar nossas necessidades. A sua reunião deveria ser específica para você.”
Na casa dos Bonometti o Natal sempre foi coisa séria. A reunião começava na manhã do dia 24, com preparações de comida, como carne assada, passava pela missa, e terminava na madrugada do dia 25 com a festa em família. “Um clima muito gostoso”, conta a confeiteira Luciana Bonometti, de 33 anos. Este ano, a festa foi antecipada, em 27 de novembro, para reunir a família toda, como não faziam desde antes da pandemia. Embora o encontro não tenha sido na véspera de Natal por causa da logística familiar, teve direito a todas as tradições natalinas, incluindo quitutes e afetos – algo que, para Luciana, foi essencial.
“O período de isolamento foi muito difícil para mim porque ninguém me viu grávida da Laura (que hoje já tem 1 ano e dez meses) e isso é uma coisa que me emociona até hoje. É um momento que você quer que as pessoas façam parte, você quer dividir e não pode”, desabafa. “Por isso esse ano foi tão especial. Meu tio do Recife conheceu minha filha, meu outro filho aproveitou com os primos, algo que é super importante para criar essas memórias de Natal, né? Reviver esses momentos e estar perto das pessoas que eu amo é muito especial.”
Para ela, o verdadeiro objetivo do Natal é compartilhar histórias da família. “Nós honramos nossa história até aqui, valorizamos nossos descendentes da Itália e deixamos isso vivo para as próximas gerações”, diz.
A falta do contato físico durante a pandemia – que ainda não acabou e inspira cuidados – serviu para refletir sobre a importância dos encontros e as tradições que temos com aqueles que amamos. Para muitas famílias, a troca entre as gerações pode ser uma oportunidade para compartilhar as histórias da família, curiosidades, sabedoria, novas ideias novas. Essa experiência, além de gerar intimidade, causa bem-estar físico, social e psicológico.
Não confunda objetivo com expectativa
Estabelecer um objetivo para um encontro pode ser muito benéfico. Seja na hora de decidir quem convidar ou mesmo a duração da reunião. No entanto, é preciso não confundir objetivo com expectativa. “Com objetivo em mente você tem uma meta real, você pode alinhar isso com a realidade e com os próprios convidados”, explica a psicanalista Maristela Marques.
Uma boa opção é criar regras que ajudem os convidados a entender suas metas. Por exemplo, quer um encontro para desabafar com as amigas? Que tal deixar claro no convite que os agregados não são bem-vindos? Ou se deseja ter uma noite romântica, a regra pode ser: o primeiro a falar sobre problemas bebe um shot.
Eventos como casamento, festas de fim de ano ou aniversários não permitem regras desse tipo, mas autorizam limites. Afinal, muitas vezes, existem sentimentos de desconforto nas relações, especialmente no fim do ano quando há um balanço das conquistas. “Encontros com pessoas que não vemos há tempos são delicados. Pode ser que o outro esteja em um relacionamento muito feliz e eu esteja desempregada, por exemplo, e a comparação vai gerar autocobrança e vai mexer com a minha autoestima”, diz.
O melhor a fazer é se preparar para isso conscientemente. “Se você está triste porque perdeu o emprego, mas sua amiga acabou de ganhar uma promoção, vá sabendo disso. E lembre dos afetos, das histórias, de tudo que você compartilhou com a pessoa para que o encontro tenha significado. Para que você ofereça o seu melhor.”
Pensar no momento presente ajuda a construir boas memórias
A família Vernier faz esse alinhamento com a realidade com a perda do avô, no final de 2020. “Antes da morte dele, a família inteira sempre se reunia na praia durante as festas de fim de ano e isso fez a gente perceber o quanto é importante celebrar o agora”, conta a psicóloga Aline Vernier, de 44 anos.
Para ela, hoje é a avó, Laurecy, de 92 anos, que mantém a família unida. “Eu não sei se quando ela não estiver mais aqui a gente vai conseguir manter esse encontro, porque é um movimento de várias pessoas. Então é um momento de celebrar que ela está aqui conosco e está vendo a continuidade da família”, diz.
Aline observa, tanto em seu trabalho como psicóloga quanto em sua vida pessoal, que pensar no momento presente pode ajudar as pessoas a construir boas memórias. “Em vez de se lamentar por que não conquistamos, o que perdemos e até brigas do passado, estar presente agora pode ajudar a achar mais sentido naquele momento, naquele encontro.”
A estudante de Medicina Juliana Carvalho, de 28 anos, também pensa dessa forma. Depois de seis anos cursando a faculdade com colegas que se tornaram grandes amigos e também durante o internato (estágio prático de medicina, anterior à residência médica), eles decidiram celebrar a conclusão dessa etapa.
“A ideia é nos reunir, comer, fazer uma retrospectiva do ano e conversar sobre o que esperamos e almejamos para o próximo. E esse ano será ainda mais especial porque não sabemos como estaremos em 2023, com agendas de residência, plantão e tudo mais. Então será o último em que todos, com certeza, terão uma agenda que possibilite que aconteça”, conta ela.
O encontro, realizado desde 2016, será compartilhado pela primeira vez com os agregados. Mas continua tendo as tradições que sempre carregou como “tema de vestimenta” e comidas tradicionais. “Um amigo é famoso pela torta de abobrinha com ricota. Já eu sempre levo minha torta de maçã com canela”, conta. “Acho que o mais especial é que a gente criou a tradição. Não foi algo que todo mundo já faz com a família, sabe? A gente decidiu, juntos, se reunir e ter esse momento gostoso para poder sentar, fofocar, comer e celebrar o Natal, a união, a amizade. Algo que no dia a dia fica difícil.”