Mais de 40 países já aprovaram vacinar crianças contra covid, mas Brasil adia aplicação para janeiro


Maior parte usa imunizante da Pfizer na faixa etária de 5 a 11 anos; Anvisa autorizou uso do produto, mas governo federal decidiu realizar consulta e audiência públicas

Por Roberta Jansen

Estados Unidos e boa parte dos países da Europa Ocidental estão entre as 42 nações que já aprovaram a vacinação de crianças de 5 a 11 anos para prevenir a covid-19. No Brasil, embora a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) já tenha autorizado o uso do imunizante da Pfizer nessa faixa etária, a decisão sobre a imunização das crianças foi adiada para janeiro. O governo federal alega a necessidade de realizar previamente consulta e audiência públicas – inéditas nesse tipo de decisão – antes de começar a vacinar.

Para especialistas, essa é uma iniciativa desnecessária, uma vez que a vacina já foi testada e autorizada por órgãos técnicos. Eles alertam que o atraso na imunização pode ter consequências nocivas tanto do ponto de vista da saúde individual dos pequenos quanto da proteção coletiva de toda a população contra o vírus.

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O presidente Jair Bolsonaro tem atacado a medida. Ele afirma que os números de mortes no grupo mais jovem da população são baixos e não justificam a vacinação. O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, fez o mesmo.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) e as principais agências sanitárias do mundo, como a europeia e a americana, bem como as maiores instituições de ensino e pesquisa e a grande maioria das sociedades médicas, porém, recomendam a vacinação das crianças.

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Nota técnica da Fiocruz sustenta que a imunização dos grupo de 5 a 11 anos “vai colaborar com a mitigação das formas graves e óbitos nesta faixa etária, será importante para a retomada das atividades escolares presenciais e reduzirá a transmissão do vírus na sociedade”. Por isso, conclui, é estratégia crucial para o combate da pandemia.

Além da consulta para ouvir a opinião de leigos, o governo brasileiro anunciou que, no caso de a imunização acontecer, pretende exigir a apresentação de prescrição médica e da autorização formal dos pais. Autoridades de saúde estaduais e municipais já afirmaram que não pretendem cumprir essas exigências. A avaliação é que dificultariam, sobretudo, o acesso dos mais pobres ao imunizante. O próprio Bolsonaro contribuiu de novo para a polêmica. Ele anunciou que não vai vacinar a filha mais nova, Laura, de 11 anos, contra a covid-19.

Embora o porcentual de mortes de menores seja bem mais baixo do que o de idosos, pelo menos 300 crianças de 5 a 11 anos morreram no País de covid-19 desde o início da pandemia. A média é de uma morte a cada dois dias.

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Atualmente a covid-19 é a principal causa de morte por doença para a qual já existe vacina no Brasil. Além disso, os mais velhos já estão imunizados, e uma nova variante mais transmissível se espalha, a Ômicron. Assim, a tendência é de que o número de novas infecções se concentre naqueles que não estão protegidos.

“Os critérios para introdução de uma vacina em um programa público de imunização não se resumem ao número de mortes relacionado àquela doença, ainda que neste caso ele não seja desprezível”, ressaltou o pediatra Renato Kfouri, diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações.  “Por exemplo, a gripe, a diarreia por rotavírus, a varicela, a hepatite A, entre outras doenças, faziam menos vítimas do que a covid faz hoje. Mas, mesmo assim, não hesitamos em recomendar a vacinação contra todas essas doenças tão logo as vacinas se tornaram disponíveis”, afirmou o médico.

Segundo explicou o especialista, que também pertence à Sociedade Brasileira de Pediatria, “vacina-se para prevenir hospitalizações, ocupação de leitos de UTI, uso desnecessário de antibióticos, sobrecarga dos serviços de saúde, sequelas de saúde, falta dos pais ao trabalho, falta dos pequenos à escola, entre muitas outras razões”. Além disso, lembrou, vacina-se para reduzir a transmissão do vírus na sociedade.

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“Temos justificativas éticas, epidemiológicas, sanitárias e de saúde pública que justificam a vacinação da população pediátrica”, afirmou Kfouri.

Canadá vacina crianças de 5 a 11 anos desde novembro; secretarias estaduais de Saúde do Brasil contrariam governo federal e não vão exigir prescrição médica para aplicação Foto: Carlos Osorio/Reuters - 25/11/2021

Segurança e eficácia testadas

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No caso da vacina da Pfizer, a única até agora aprovada no Brasil para essa faixa etária, a eficácia é de 90,7%. O porcentual é considerado muito alto. Outro aspecto importante a se considerar é a segurança do imunizante. No caso da vacina contra a covid, a segurança do produto foi comprovada em testes de fase 1, 2 e 3. Os resultados foram revisados por outros pesquisadores e publicados em revistas científicas internacionalmente reconhecidas. Além disso, a agência sanitária de cada uma das dezenas de nações que já aprovaram o uso do imunizante em crianças também fez a sua avaliação. Todas elas consideraram o produto seguro.

Aproximadamente 5 milhões de crianças nesta faixa etária já foram vacinadas só nos Estados Unidos. Houve apenas oito casos de miocardite (o efeito colateral mais citado pelo governo brasileiro). Todos tiveram com evolução médica favorável. Segundo parecer do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês) dos EUA, “as vantagens da imunização ultrapassam em muito os riscos conhecidos e potenciais da vacina”.

“A visão deturpada que o presidente e o ministro da Saúde possuem sobre vacinação mistura o negacionismo com uma percepção equivocada de que a covid-19 é uma doença de indivíduos e não da população”, explicou o epidemiologista Pedro Hallal, da Universidade Federal de Pelotas, no Rio Grande do Sul. “A covid-19 é uma doença que afeta a população. A não vacinação de um atrapalha o outro. O não vacinado não prejudica somente a si, mas a todo o controle da pandemia”, disse.

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Os cientistas lembram que, mesmo quando a criança não apresenta sintomas, ela é um vetor para a circulação do vírus. Pode transmiti-lo para colegas e para a própria família. Isso pode incluir pessoas mais vulneráveis. As vítimas seriam idosos ou portadores de comorbidades, que podem apresentar formas graves da doença.

Um estudo divulgado na semana passada pela Fiocruz revelou que, sem a vacinação em massa das crianças brasileiras contra a covid-19 dificilmente o País atingirá os patamares mínimos de imunização necessários para a proteção coletiva da população.

O trabalho analisou a evolução da cobertura vacinal no País. Mostrou que o ritmo do avanço da imunização vem caindo sistematicamente desde setembro. Já chegou, avalia a Fiocruz, praticamente, à estagnação.

Caso essa tendência se confirme, teríamos, ao final do processo, cerca de 75% da população vacinada, o que é muito pouco para a proteção coletiva. O ideal seria termos, no mínimo, 85%. Para os pesquisadores, sem as crianças, será praticamente impossível alcançar esse porcentual. “Precisamos, inevitavelmente, expandir a vacinação entre os mais jovens, deixando de lado as questões políticas em cima da vacinação”, afirmou o pesquisador da Fiocruz Raphael Guimarães, um dos autores do estudo. “Se conseguirmos fazer isso, poderíamos ultrapassar os 90% da população imunizada, o que nos colocaria numa situação de maior conforto.”

Vacinas são fruto de investimento global

Outra questão frequentemente levantada por aqueles que costumam se opor à vacinação é o tempo recorde em que as vacinas contra a covid-19 foram desenvolvidas. Especialistas explicam que os imunizantes não surgiram do zero. Foram criados com base em modelos que já eram desenvolvidos para outros micro-organismos.

Além disso, lembram, com a pandemia se disseminando rapidamente, houve um esforço inédito de cientistas de todo o mundo, muitos deles trabalhando em conjunto. Destacam também que ocorreu uma concentração nunca vista de recursos financeiros para uma área específica da pesquisa. E as testagens puderam ser aceleradas porque foi possível, por exemplo, fazer os testes de fase 1, 2 e 3 em paralelo. Em geral, são feitos em sequência.

Também por uma questão de segurança, explicou a Pfizer, embora a vacina das crianças tenha o mesmo princípio ativo da utilizada entre os maiores de 11 anos, os frascos com as dosagens infantis apropriadas virão com uma coloração diferenciada. Terão tampa e rótulos em cor de laranja, para que possam ser facilmente distinguíveis dos demais. O imunizante da Pfizer em menores é aplicado em duas doses, com intervalo de três semanas entre elas.

“Serei a primeira da fila, levando todas as crianças da minha família”, garantiu a pneumologista da Fiocruz Margareth Dalcolmo. “O estudo da Pfizer para esta faixa etária é espetacular. Os Estados Unidos já vacinaram mais de 5 milhões de crianças em segurança, não há dúvidas de que precisamos vacinar e proteger nossas crianças o quanto antes, sobretudo antes de voltarem para a escola, no próximo ano.” COLABOROU LEON FERRARI

Estados Unidos e boa parte dos países da Europa Ocidental estão entre as 42 nações que já aprovaram a vacinação de crianças de 5 a 11 anos para prevenir a covid-19. No Brasil, embora a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) já tenha autorizado o uso do imunizante da Pfizer nessa faixa etária, a decisão sobre a imunização das crianças foi adiada para janeiro. O governo federal alega a necessidade de realizar previamente consulta e audiência públicas – inéditas nesse tipo de decisão – antes de começar a vacinar.

Para especialistas, essa é uma iniciativa desnecessária, uma vez que a vacina já foi testada e autorizada por órgãos técnicos. Eles alertam que o atraso na imunização pode ter consequências nocivas tanto do ponto de vista da saúde individual dos pequenos quanto da proteção coletiva de toda a população contra o vírus.

O presidente Jair Bolsonaro tem atacado a medida. Ele afirma que os números de mortes no grupo mais jovem da população são baixos e não justificam a vacinação. O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, fez o mesmo.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) e as principais agências sanitárias do mundo, como a europeia e a americana, bem como as maiores instituições de ensino e pesquisa e a grande maioria das sociedades médicas, porém, recomendam a vacinação das crianças.

Nota técnica da Fiocruz sustenta que a imunização dos grupo de 5 a 11 anos “vai colaborar com a mitigação das formas graves e óbitos nesta faixa etária, será importante para a retomada das atividades escolares presenciais e reduzirá a transmissão do vírus na sociedade”. Por isso, conclui, é estratégia crucial para o combate da pandemia.

Além da consulta para ouvir a opinião de leigos, o governo brasileiro anunciou que, no caso de a imunização acontecer, pretende exigir a apresentação de prescrição médica e da autorização formal dos pais. Autoridades de saúde estaduais e municipais já afirmaram que não pretendem cumprir essas exigências. A avaliação é que dificultariam, sobretudo, o acesso dos mais pobres ao imunizante. O próprio Bolsonaro contribuiu de novo para a polêmica. Ele anunciou que não vai vacinar a filha mais nova, Laura, de 11 anos, contra a covid-19.

Embora o porcentual de mortes de menores seja bem mais baixo do que o de idosos, pelo menos 300 crianças de 5 a 11 anos morreram no País de covid-19 desde o início da pandemia. A média é de uma morte a cada dois dias.

Atualmente a covid-19 é a principal causa de morte por doença para a qual já existe vacina no Brasil. Além disso, os mais velhos já estão imunizados, e uma nova variante mais transmissível se espalha, a Ômicron. Assim, a tendência é de que o número de novas infecções se concentre naqueles que não estão protegidos.

“Os critérios para introdução de uma vacina em um programa público de imunização não se resumem ao número de mortes relacionado àquela doença, ainda que neste caso ele não seja desprezível”, ressaltou o pediatra Renato Kfouri, diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações.  “Por exemplo, a gripe, a diarreia por rotavírus, a varicela, a hepatite A, entre outras doenças, faziam menos vítimas do que a covid faz hoje. Mas, mesmo assim, não hesitamos em recomendar a vacinação contra todas essas doenças tão logo as vacinas se tornaram disponíveis”, afirmou o médico.

Segundo explicou o especialista, que também pertence à Sociedade Brasileira de Pediatria, “vacina-se para prevenir hospitalizações, ocupação de leitos de UTI, uso desnecessário de antibióticos, sobrecarga dos serviços de saúde, sequelas de saúde, falta dos pais ao trabalho, falta dos pequenos à escola, entre muitas outras razões”. Além disso, lembrou, vacina-se para reduzir a transmissão do vírus na sociedade.

“Temos justificativas éticas, epidemiológicas, sanitárias e de saúde pública que justificam a vacinação da população pediátrica”, afirmou Kfouri.

Canadá vacina crianças de 5 a 11 anos desde novembro; secretarias estaduais de Saúde do Brasil contrariam governo federal e não vão exigir prescrição médica para aplicação Foto: Carlos Osorio/Reuters - 25/11/2021

Segurança e eficácia testadas

No caso da vacina da Pfizer, a única até agora aprovada no Brasil para essa faixa etária, a eficácia é de 90,7%. O porcentual é considerado muito alto. Outro aspecto importante a se considerar é a segurança do imunizante. No caso da vacina contra a covid, a segurança do produto foi comprovada em testes de fase 1, 2 e 3. Os resultados foram revisados por outros pesquisadores e publicados em revistas científicas internacionalmente reconhecidas. Além disso, a agência sanitária de cada uma das dezenas de nações que já aprovaram o uso do imunizante em crianças também fez a sua avaliação. Todas elas consideraram o produto seguro.

Aproximadamente 5 milhões de crianças nesta faixa etária já foram vacinadas só nos Estados Unidos. Houve apenas oito casos de miocardite (o efeito colateral mais citado pelo governo brasileiro). Todos tiveram com evolução médica favorável. Segundo parecer do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês) dos EUA, “as vantagens da imunização ultrapassam em muito os riscos conhecidos e potenciais da vacina”.

“A visão deturpada que o presidente e o ministro da Saúde possuem sobre vacinação mistura o negacionismo com uma percepção equivocada de que a covid-19 é uma doença de indivíduos e não da população”, explicou o epidemiologista Pedro Hallal, da Universidade Federal de Pelotas, no Rio Grande do Sul. “A covid-19 é uma doença que afeta a população. A não vacinação de um atrapalha o outro. O não vacinado não prejudica somente a si, mas a todo o controle da pandemia”, disse.

Os cientistas lembram que, mesmo quando a criança não apresenta sintomas, ela é um vetor para a circulação do vírus. Pode transmiti-lo para colegas e para a própria família. Isso pode incluir pessoas mais vulneráveis. As vítimas seriam idosos ou portadores de comorbidades, que podem apresentar formas graves da doença.

Um estudo divulgado na semana passada pela Fiocruz revelou que, sem a vacinação em massa das crianças brasileiras contra a covid-19 dificilmente o País atingirá os patamares mínimos de imunização necessários para a proteção coletiva da população.

O trabalho analisou a evolução da cobertura vacinal no País. Mostrou que o ritmo do avanço da imunização vem caindo sistematicamente desde setembro. Já chegou, avalia a Fiocruz, praticamente, à estagnação.

Caso essa tendência se confirme, teríamos, ao final do processo, cerca de 75% da população vacinada, o que é muito pouco para a proteção coletiva. O ideal seria termos, no mínimo, 85%. Para os pesquisadores, sem as crianças, será praticamente impossível alcançar esse porcentual. “Precisamos, inevitavelmente, expandir a vacinação entre os mais jovens, deixando de lado as questões políticas em cima da vacinação”, afirmou o pesquisador da Fiocruz Raphael Guimarães, um dos autores do estudo. “Se conseguirmos fazer isso, poderíamos ultrapassar os 90% da população imunizada, o que nos colocaria numa situação de maior conforto.”

Vacinas são fruto de investimento global

Outra questão frequentemente levantada por aqueles que costumam se opor à vacinação é o tempo recorde em que as vacinas contra a covid-19 foram desenvolvidas. Especialistas explicam que os imunizantes não surgiram do zero. Foram criados com base em modelos que já eram desenvolvidos para outros micro-organismos.

Além disso, lembram, com a pandemia se disseminando rapidamente, houve um esforço inédito de cientistas de todo o mundo, muitos deles trabalhando em conjunto. Destacam também que ocorreu uma concentração nunca vista de recursos financeiros para uma área específica da pesquisa. E as testagens puderam ser aceleradas porque foi possível, por exemplo, fazer os testes de fase 1, 2 e 3 em paralelo. Em geral, são feitos em sequência.

Também por uma questão de segurança, explicou a Pfizer, embora a vacina das crianças tenha o mesmo princípio ativo da utilizada entre os maiores de 11 anos, os frascos com as dosagens infantis apropriadas virão com uma coloração diferenciada. Terão tampa e rótulos em cor de laranja, para que possam ser facilmente distinguíveis dos demais. O imunizante da Pfizer em menores é aplicado em duas doses, com intervalo de três semanas entre elas.

“Serei a primeira da fila, levando todas as crianças da minha família”, garantiu a pneumologista da Fiocruz Margareth Dalcolmo. “O estudo da Pfizer para esta faixa etária é espetacular. Os Estados Unidos já vacinaram mais de 5 milhões de crianças em segurança, não há dúvidas de que precisamos vacinar e proteger nossas crianças o quanto antes, sobretudo antes de voltarem para a escola, no próximo ano.” COLABOROU LEON FERRARI

Estados Unidos e boa parte dos países da Europa Ocidental estão entre as 42 nações que já aprovaram a vacinação de crianças de 5 a 11 anos para prevenir a covid-19. No Brasil, embora a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) já tenha autorizado o uso do imunizante da Pfizer nessa faixa etária, a decisão sobre a imunização das crianças foi adiada para janeiro. O governo federal alega a necessidade de realizar previamente consulta e audiência públicas – inéditas nesse tipo de decisão – antes de começar a vacinar.

Para especialistas, essa é uma iniciativa desnecessária, uma vez que a vacina já foi testada e autorizada por órgãos técnicos. Eles alertam que o atraso na imunização pode ter consequências nocivas tanto do ponto de vista da saúde individual dos pequenos quanto da proteção coletiva de toda a população contra o vírus.

O presidente Jair Bolsonaro tem atacado a medida. Ele afirma que os números de mortes no grupo mais jovem da população são baixos e não justificam a vacinação. O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, fez o mesmo.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) e as principais agências sanitárias do mundo, como a europeia e a americana, bem como as maiores instituições de ensino e pesquisa e a grande maioria das sociedades médicas, porém, recomendam a vacinação das crianças.

Nota técnica da Fiocruz sustenta que a imunização dos grupo de 5 a 11 anos “vai colaborar com a mitigação das formas graves e óbitos nesta faixa etária, será importante para a retomada das atividades escolares presenciais e reduzirá a transmissão do vírus na sociedade”. Por isso, conclui, é estratégia crucial para o combate da pandemia.

Além da consulta para ouvir a opinião de leigos, o governo brasileiro anunciou que, no caso de a imunização acontecer, pretende exigir a apresentação de prescrição médica e da autorização formal dos pais. Autoridades de saúde estaduais e municipais já afirmaram que não pretendem cumprir essas exigências. A avaliação é que dificultariam, sobretudo, o acesso dos mais pobres ao imunizante. O próprio Bolsonaro contribuiu de novo para a polêmica. Ele anunciou que não vai vacinar a filha mais nova, Laura, de 11 anos, contra a covid-19.

Embora o porcentual de mortes de menores seja bem mais baixo do que o de idosos, pelo menos 300 crianças de 5 a 11 anos morreram no País de covid-19 desde o início da pandemia. A média é de uma morte a cada dois dias.

Atualmente a covid-19 é a principal causa de morte por doença para a qual já existe vacina no Brasil. Além disso, os mais velhos já estão imunizados, e uma nova variante mais transmissível se espalha, a Ômicron. Assim, a tendência é de que o número de novas infecções se concentre naqueles que não estão protegidos.

“Os critérios para introdução de uma vacina em um programa público de imunização não se resumem ao número de mortes relacionado àquela doença, ainda que neste caso ele não seja desprezível”, ressaltou o pediatra Renato Kfouri, diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações.  “Por exemplo, a gripe, a diarreia por rotavírus, a varicela, a hepatite A, entre outras doenças, faziam menos vítimas do que a covid faz hoje. Mas, mesmo assim, não hesitamos em recomendar a vacinação contra todas essas doenças tão logo as vacinas se tornaram disponíveis”, afirmou o médico.

Segundo explicou o especialista, que também pertence à Sociedade Brasileira de Pediatria, “vacina-se para prevenir hospitalizações, ocupação de leitos de UTI, uso desnecessário de antibióticos, sobrecarga dos serviços de saúde, sequelas de saúde, falta dos pais ao trabalho, falta dos pequenos à escola, entre muitas outras razões”. Além disso, lembrou, vacina-se para reduzir a transmissão do vírus na sociedade.

“Temos justificativas éticas, epidemiológicas, sanitárias e de saúde pública que justificam a vacinação da população pediátrica”, afirmou Kfouri.

Canadá vacina crianças de 5 a 11 anos desde novembro; secretarias estaduais de Saúde do Brasil contrariam governo federal e não vão exigir prescrição médica para aplicação Foto: Carlos Osorio/Reuters - 25/11/2021

Segurança e eficácia testadas

No caso da vacina da Pfizer, a única até agora aprovada no Brasil para essa faixa etária, a eficácia é de 90,7%. O porcentual é considerado muito alto. Outro aspecto importante a se considerar é a segurança do imunizante. No caso da vacina contra a covid, a segurança do produto foi comprovada em testes de fase 1, 2 e 3. Os resultados foram revisados por outros pesquisadores e publicados em revistas científicas internacionalmente reconhecidas. Além disso, a agência sanitária de cada uma das dezenas de nações que já aprovaram o uso do imunizante em crianças também fez a sua avaliação. Todas elas consideraram o produto seguro.

Aproximadamente 5 milhões de crianças nesta faixa etária já foram vacinadas só nos Estados Unidos. Houve apenas oito casos de miocardite (o efeito colateral mais citado pelo governo brasileiro). Todos tiveram com evolução médica favorável. Segundo parecer do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês) dos EUA, “as vantagens da imunização ultrapassam em muito os riscos conhecidos e potenciais da vacina”.

“A visão deturpada que o presidente e o ministro da Saúde possuem sobre vacinação mistura o negacionismo com uma percepção equivocada de que a covid-19 é uma doença de indivíduos e não da população”, explicou o epidemiologista Pedro Hallal, da Universidade Federal de Pelotas, no Rio Grande do Sul. “A covid-19 é uma doença que afeta a população. A não vacinação de um atrapalha o outro. O não vacinado não prejudica somente a si, mas a todo o controle da pandemia”, disse.

Os cientistas lembram que, mesmo quando a criança não apresenta sintomas, ela é um vetor para a circulação do vírus. Pode transmiti-lo para colegas e para a própria família. Isso pode incluir pessoas mais vulneráveis. As vítimas seriam idosos ou portadores de comorbidades, que podem apresentar formas graves da doença.

Um estudo divulgado na semana passada pela Fiocruz revelou que, sem a vacinação em massa das crianças brasileiras contra a covid-19 dificilmente o País atingirá os patamares mínimos de imunização necessários para a proteção coletiva da população.

O trabalho analisou a evolução da cobertura vacinal no País. Mostrou que o ritmo do avanço da imunização vem caindo sistematicamente desde setembro. Já chegou, avalia a Fiocruz, praticamente, à estagnação.

Caso essa tendência se confirme, teríamos, ao final do processo, cerca de 75% da população vacinada, o que é muito pouco para a proteção coletiva. O ideal seria termos, no mínimo, 85%. Para os pesquisadores, sem as crianças, será praticamente impossível alcançar esse porcentual. “Precisamos, inevitavelmente, expandir a vacinação entre os mais jovens, deixando de lado as questões políticas em cima da vacinação”, afirmou o pesquisador da Fiocruz Raphael Guimarães, um dos autores do estudo. “Se conseguirmos fazer isso, poderíamos ultrapassar os 90% da população imunizada, o que nos colocaria numa situação de maior conforto.”

Vacinas são fruto de investimento global

Outra questão frequentemente levantada por aqueles que costumam se opor à vacinação é o tempo recorde em que as vacinas contra a covid-19 foram desenvolvidas. Especialistas explicam que os imunizantes não surgiram do zero. Foram criados com base em modelos que já eram desenvolvidos para outros micro-organismos.

Além disso, lembram, com a pandemia se disseminando rapidamente, houve um esforço inédito de cientistas de todo o mundo, muitos deles trabalhando em conjunto. Destacam também que ocorreu uma concentração nunca vista de recursos financeiros para uma área específica da pesquisa. E as testagens puderam ser aceleradas porque foi possível, por exemplo, fazer os testes de fase 1, 2 e 3 em paralelo. Em geral, são feitos em sequência.

Também por uma questão de segurança, explicou a Pfizer, embora a vacina das crianças tenha o mesmo princípio ativo da utilizada entre os maiores de 11 anos, os frascos com as dosagens infantis apropriadas virão com uma coloração diferenciada. Terão tampa e rótulos em cor de laranja, para que possam ser facilmente distinguíveis dos demais. O imunizante da Pfizer em menores é aplicado em duas doses, com intervalo de três semanas entre elas.

“Serei a primeira da fila, levando todas as crianças da minha família”, garantiu a pneumologista da Fiocruz Margareth Dalcolmo. “O estudo da Pfizer para esta faixa etária é espetacular. Os Estados Unidos já vacinaram mais de 5 milhões de crianças em segurança, não há dúvidas de que precisamos vacinar e proteger nossas crianças o quanto antes, sobretudo antes de voltarem para a escola, no próximo ano.” COLABOROU LEON FERRARI

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