Nutrição, exercício e comportamento

Opinião|Entenda como suas memórias alimentares moldam suas escolhas – e o que isso significa para a saúde


Para além de fornecer nutrientes importantes ao corpo, a comida desperta emoções e sentimentos; isso deve ser levado em conta em uma rotina equilibrada

Por Desire Coelho
Atualização:

Você sente o aroma de um bolo saindo do forno e é instantaneamente transportado para a cozinha da sua avó. Ou o cheiro de uma esfirra que te faz lembrar dos recreios, quando ela perfumava os corredores da escola. Não são apenas lembranças. Essas experiências têm o poder de estimular as mesmas sensações que tínhamos naqueles momentos e, mesmo após décadas, são capazes de influenciar diretamente o modo como nos relacionamos com a comida.

As escolhas, as preferências, as aversões e os hábitos alimentares em geral são determinados tanto pela nossa história de vida quanto por outros aspectos biológicos, psicológicos, culturais e ambientais, formando o que chamamos de espectro biopsicosocioambiental. Não dá para falar em alimentação saudável sem considerar todos esses fatores.

Memórias que construímos ao longo da vida, como cozinhar com a avó, têm o poder de interferir nas nossas escolhas alimentares. Foto: Jacob Lund/Adobe Stock
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Veja o que determina nossas preferências:

  • Genética: Quem nunca entrou na divertida discussão sobre o coentro? Enquanto para alguns é um tempero dos deuses, para outros – como eu – é como comer sabão. Essa diferença é explicada por questões genéticas. Nosso nariz possui receptores olfativos capazes de identificar os aromas voláteis dos alimentos, fazendo com que a pessoa os considere deliciosos – ou não. O mesmo pode acontecer com outros estímulos, como o sabor amargo ou azedo.
  • Exposição precoce: Um interessante estudo com gestantes propôs que elas consumissem com frequência uma solução de sabor específico nas últimas semanas de gravidez. Após o nascimento, os bebês foram testados em relação às preferências (sabe aqueles vídeos engraçados nas redes sociais de crianças provando comida e fazendo caretas? Exatamente assim). Os autores da pesquisa verificaram que os bebês cujas mães consumiram a tal solução apresentaram maior aceitação àqueles sabores. Além disso, a amamentação também é capaz de influenciar a preferência dos bebês, visto que o sabor do leite materno muda conforme a alimentação da mãe.
  • Combinação de ingredientes: Apesar de cada pessoa ter gostos diferentes em relação a acidez, dulçor, textura, amargor e por aí vai, existe uma combinação que é preferência universal: sal, açúcar e gordura. Essa mistura – muito explorada pelas indústrias de alimentos ultraprocessados – tem o poder de ativar áreas cerebrais relacionadas ao prazer, à recompensa e ao aprendizado, aumentando as chances de exagero e garantindo a repetição do comportamento no futuro.
  • História de vida: Estudos de neuroimagem demonstram que diferentes áreas cerebrais atuam associando nossas experiências alimentares com as emoções e formação de memórias. Um desses estudos mostrou que crianças com experiências positivas com alimentos – premiação, conforto, afeto e comemoração – tendem a desenvolver maior preferência por esses alimentos na vida adulta. A exposição repetida a certos sabores e contextos alimentares fortalecem conexões neurais específicas, levando à formação da memória alimentar. Quanto maior a repetição, a intensidade e o reforço, mais fortes essas memórias serão.
  • Relação familiar com a comida: O modo como nossa família – e/ou cuidadores – se alimenta molda o comportamento alimentar. As crianças observam e aprendem o comportamento de adultos e o reproduzem. Essa imitação é influenciada por aspectos evolutivos, incluindo os neurônios-espelho, que são ativados e estimulam a repetição do comportamento como uma forma adaptativa da criança pertencer àquele grupo social e garantir sua sobrevivência.
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Comida como conforto

Uma paciente estava evoluindo bem e o único desafio era o pão. Frequentemente ela exagerava quando tinha acesso a esse alimento, chegando, muitas vezes, a comer quatro unidades na sequência. Trabalhamos diversas estratégias que funcionavam vez ou outra, mas o pão ainda era uma questão. Um dia, lá pela nossa sexta sessão, ela mal entrou na minha sala e já foi dizendo: “Você não sabe o que lembrei! Quando meu padrasto queria punir a mim e meus irmãos, ele escondia o pão em um armário que a gente não alcançava. A gente nunca se deu muito bem. Você acha que isso pode ter alguma relação?”.

Trago esse caso porque muitos acham que o principal efeito da comida confortável, o comfort food, é o prazer. Mas, não: para alguns, o ato de comer traz alívio, anestesia e funciona como um modo de se esquivar de outras questões. Nesses casos, durante o comer, normalmente a pessoa está desconectada de si mesma – aí, come vorazmente, mal sentindo o sabor da comida.

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Esse é um tipo de comer emocional que, em vez de a pessoa se sentir bem por comer algo que adora, ela termina se sentindo mal consigo mesma – e pode precisar de ajuda para sair dessa situação.

Agora, imagine uma cena de propaganda: família feliz, se divertindo em torno da mesa, conversando, saboreando e vivendo um momento de descontração e felicidade. Como você imagina que essas pessoas comem: com voracidade ou prazer?

Algumas das minhas principais memórias alimentares vêm dos meus avós maternos. Minha avó assando bolo e eu e meus irmãos brigando para ver quem ia raspar a tigela da massa. Meu avô saboreando as comidas com um prazer que, só de lembrar, minha boca saliva de vontade, e bate aquela saudade...

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No Dia das Mães, assim como em outros dias de celebração, a memória alimentar vem à tona. Para alguns, os momentos em volta da mesa remetem a um alimento específico, como a lasanha de domingo ou aquela sobremesa especial. Para outros, é o contexto do celebrar em volta da mesa com fartura de comida e bebida.

Como você se sente quando come?

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Entender a nossa história e como ela influencia no relacionamento com a comida é fundamental para definir qual o nosso modelo de saúde e sermos honestos com relação a preferências e valores. Não é um dia que determina sua saúde – muito menos uma refeição. Esses momentos de prazer ao redor da mesa fazem parte do que vale a pena viver. São memórias muito importantes e que devem ser honradas.

Mais do que uma necessidade, a comida é (e deve ser) uma fonte de prazer, nutrindo não somente nosso corpo físico, mas também a nossa alma. A ciência, cada vez mais, vem mostrando que as refeições fazem isso com maestria. Portanto, se preocupe com a sua alimentação e cuide dela no dia a dia, mas, lembre-se: saborear um delicioso prato de comida afetiva vez ou outra é o que faz termos mais energia para voltar à rotina mais felizes.

Você sente o aroma de um bolo saindo do forno e é instantaneamente transportado para a cozinha da sua avó. Ou o cheiro de uma esfirra que te faz lembrar dos recreios, quando ela perfumava os corredores da escola. Não são apenas lembranças. Essas experiências têm o poder de estimular as mesmas sensações que tínhamos naqueles momentos e, mesmo após décadas, são capazes de influenciar diretamente o modo como nos relacionamos com a comida.

As escolhas, as preferências, as aversões e os hábitos alimentares em geral são determinados tanto pela nossa história de vida quanto por outros aspectos biológicos, psicológicos, culturais e ambientais, formando o que chamamos de espectro biopsicosocioambiental. Não dá para falar em alimentação saudável sem considerar todos esses fatores.

Memórias que construímos ao longo da vida, como cozinhar com a avó, têm o poder de interferir nas nossas escolhas alimentares. Foto: Jacob Lund/Adobe Stock

Veja o que determina nossas preferências:

  • Genética: Quem nunca entrou na divertida discussão sobre o coentro? Enquanto para alguns é um tempero dos deuses, para outros – como eu – é como comer sabão. Essa diferença é explicada por questões genéticas. Nosso nariz possui receptores olfativos capazes de identificar os aromas voláteis dos alimentos, fazendo com que a pessoa os considere deliciosos – ou não. O mesmo pode acontecer com outros estímulos, como o sabor amargo ou azedo.
  • Exposição precoce: Um interessante estudo com gestantes propôs que elas consumissem com frequência uma solução de sabor específico nas últimas semanas de gravidez. Após o nascimento, os bebês foram testados em relação às preferências (sabe aqueles vídeos engraçados nas redes sociais de crianças provando comida e fazendo caretas? Exatamente assim). Os autores da pesquisa verificaram que os bebês cujas mães consumiram a tal solução apresentaram maior aceitação àqueles sabores. Além disso, a amamentação também é capaz de influenciar a preferência dos bebês, visto que o sabor do leite materno muda conforme a alimentação da mãe.
  • Combinação de ingredientes: Apesar de cada pessoa ter gostos diferentes em relação a acidez, dulçor, textura, amargor e por aí vai, existe uma combinação que é preferência universal: sal, açúcar e gordura. Essa mistura – muito explorada pelas indústrias de alimentos ultraprocessados – tem o poder de ativar áreas cerebrais relacionadas ao prazer, à recompensa e ao aprendizado, aumentando as chances de exagero e garantindo a repetição do comportamento no futuro.
  • História de vida: Estudos de neuroimagem demonstram que diferentes áreas cerebrais atuam associando nossas experiências alimentares com as emoções e formação de memórias. Um desses estudos mostrou que crianças com experiências positivas com alimentos – premiação, conforto, afeto e comemoração – tendem a desenvolver maior preferência por esses alimentos na vida adulta. A exposição repetida a certos sabores e contextos alimentares fortalecem conexões neurais específicas, levando à formação da memória alimentar. Quanto maior a repetição, a intensidade e o reforço, mais fortes essas memórias serão.
  • Relação familiar com a comida: O modo como nossa família – e/ou cuidadores – se alimenta molda o comportamento alimentar. As crianças observam e aprendem o comportamento de adultos e o reproduzem. Essa imitação é influenciada por aspectos evolutivos, incluindo os neurônios-espelho, que são ativados e estimulam a repetição do comportamento como uma forma adaptativa da criança pertencer àquele grupo social e garantir sua sobrevivência.

Comida como conforto

Uma paciente estava evoluindo bem e o único desafio era o pão. Frequentemente ela exagerava quando tinha acesso a esse alimento, chegando, muitas vezes, a comer quatro unidades na sequência. Trabalhamos diversas estratégias que funcionavam vez ou outra, mas o pão ainda era uma questão. Um dia, lá pela nossa sexta sessão, ela mal entrou na minha sala e já foi dizendo: “Você não sabe o que lembrei! Quando meu padrasto queria punir a mim e meus irmãos, ele escondia o pão em um armário que a gente não alcançava. A gente nunca se deu muito bem. Você acha que isso pode ter alguma relação?”.

Trago esse caso porque muitos acham que o principal efeito da comida confortável, o comfort food, é o prazer. Mas, não: para alguns, o ato de comer traz alívio, anestesia e funciona como um modo de se esquivar de outras questões. Nesses casos, durante o comer, normalmente a pessoa está desconectada de si mesma – aí, come vorazmente, mal sentindo o sabor da comida.

Esse é um tipo de comer emocional que, em vez de a pessoa se sentir bem por comer algo que adora, ela termina se sentindo mal consigo mesma – e pode precisar de ajuda para sair dessa situação.

Agora, imagine uma cena de propaganda: família feliz, se divertindo em torno da mesa, conversando, saboreando e vivendo um momento de descontração e felicidade. Como você imagina que essas pessoas comem: com voracidade ou prazer?

Algumas das minhas principais memórias alimentares vêm dos meus avós maternos. Minha avó assando bolo e eu e meus irmãos brigando para ver quem ia raspar a tigela da massa. Meu avô saboreando as comidas com um prazer que, só de lembrar, minha boca saliva de vontade, e bate aquela saudade...

No Dia das Mães, assim como em outros dias de celebração, a memória alimentar vem à tona. Para alguns, os momentos em volta da mesa remetem a um alimento específico, como a lasanha de domingo ou aquela sobremesa especial. Para outros, é o contexto do celebrar em volta da mesa com fartura de comida e bebida.

Como você se sente quando come?

Entender a nossa história e como ela influencia no relacionamento com a comida é fundamental para definir qual o nosso modelo de saúde e sermos honestos com relação a preferências e valores. Não é um dia que determina sua saúde – muito menos uma refeição. Esses momentos de prazer ao redor da mesa fazem parte do que vale a pena viver. São memórias muito importantes e que devem ser honradas.

Mais do que uma necessidade, a comida é (e deve ser) uma fonte de prazer, nutrindo não somente nosso corpo físico, mas também a nossa alma. A ciência, cada vez mais, vem mostrando que as refeições fazem isso com maestria. Portanto, se preocupe com a sua alimentação e cuide dela no dia a dia, mas, lembre-se: saborear um delicioso prato de comida afetiva vez ou outra é o que faz termos mais energia para voltar à rotina mais felizes.

Você sente o aroma de um bolo saindo do forno e é instantaneamente transportado para a cozinha da sua avó. Ou o cheiro de uma esfirra que te faz lembrar dos recreios, quando ela perfumava os corredores da escola. Não são apenas lembranças. Essas experiências têm o poder de estimular as mesmas sensações que tínhamos naqueles momentos e, mesmo após décadas, são capazes de influenciar diretamente o modo como nos relacionamos com a comida.

As escolhas, as preferências, as aversões e os hábitos alimentares em geral são determinados tanto pela nossa história de vida quanto por outros aspectos biológicos, psicológicos, culturais e ambientais, formando o que chamamos de espectro biopsicosocioambiental. Não dá para falar em alimentação saudável sem considerar todos esses fatores.

Memórias que construímos ao longo da vida, como cozinhar com a avó, têm o poder de interferir nas nossas escolhas alimentares. Foto: Jacob Lund/Adobe Stock

Veja o que determina nossas preferências:

  • Genética: Quem nunca entrou na divertida discussão sobre o coentro? Enquanto para alguns é um tempero dos deuses, para outros – como eu – é como comer sabão. Essa diferença é explicada por questões genéticas. Nosso nariz possui receptores olfativos capazes de identificar os aromas voláteis dos alimentos, fazendo com que a pessoa os considere deliciosos – ou não. O mesmo pode acontecer com outros estímulos, como o sabor amargo ou azedo.
  • Exposição precoce: Um interessante estudo com gestantes propôs que elas consumissem com frequência uma solução de sabor específico nas últimas semanas de gravidez. Após o nascimento, os bebês foram testados em relação às preferências (sabe aqueles vídeos engraçados nas redes sociais de crianças provando comida e fazendo caretas? Exatamente assim). Os autores da pesquisa verificaram que os bebês cujas mães consumiram a tal solução apresentaram maior aceitação àqueles sabores. Além disso, a amamentação também é capaz de influenciar a preferência dos bebês, visto que o sabor do leite materno muda conforme a alimentação da mãe.
  • Combinação de ingredientes: Apesar de cada pessoa ter gostos diferentes em relação a acidez, dulçor, textura, amargor e por aí vai, existe uma combinação que é preferência universal: sal, açúcar e gordura. Essa mistura – muito explorada pelas indústrias de alimentos ultraprocessados – tem o poder de ativar áreas cerebrais relacionadas ao prazer, à recompensa e ao aprendizado, aumentando as chances de exagero e garantindo a repetição do comportamento no futuro.
  • História de vida: Estudos de neuroimagem demonstram que diferentes áreas cerebrais atuam associando nossas experiências alimentares com as emoções e formação de memórias. Um desses estudos mostrou que crianças com experiências positivas com alimentos – premiação, conforto, afeto e comemoração – tendem a desenvolver maior preferência por esses alimentos na vida adulta. A exposição repetida a certos sabores e contextos alimentares fortalecem conexões neurais específicas, levando à formação da memória alimentar. Quanto maior a repetição, a intensidade e o reforço, mais fortes essas memórias serão.
  • Relação familiar com a comida: O modo como nossa família – e/ou cuidadores – se alimenta molda o comportamento alimentar. As crianças observam e aprendem o comportamento de adultos e o reproduzem. Essa imitação é influenciada por aspectos evolutivos, incluindo os neurônios-espelho, que são ativados e estimulam a repetição do comportamento como uma forma adaptativa da criança pertencer àquele grupo social e garantir sua sobrevivência.

Comida como conforto

Uma paciente estava evoluindo bem e o único desafio era o pão. Frequentemente ela exagerava quando tinha acesso a esse alimento, chegando, muitas vezes, a comer quatro unidades na sequência. Trabalhamos diversas estratégias que funcionavam vez ou outra, mas o pão ainda era uma questão. Um dia, lá pela nossa sexta sessão, ela mal entrou na minha sala e já foi dizendo: “Você não sabe o que lembrei! Quando meu padrasto queria punir a mim e meus irmãos, ele escondia o pão em um armário que a gente não alcançava. A gente nunca se deu muito bem. Você acha que isso pode ter alguma relação?”.

Trago esse caso porque muitos acham que o principal efeito da comida confortável, o comfort food, é o prazer. Mas, não: para alguns, o ato de comer traz alívio, anestesia e funciona como um modo de se esquivar de outras questões. Nesses casos, durante o comer, normalmente a pessoa está desconectada de si mesma – aí, come vorazmente, mal sentindo o sabor da comida.

Esse é um tipo de comer emocional que, em vez de a pessoa se sentir bem por comer algo que adora, ela termina se sentindo mal consigo mesma – e pode precisar de ajuda para sair dessa situação.

Agora, imagine uma cena de propaganda: família feliz, se divertindo em torno da mesa, conversando, saboreando e vivendo um momento de descontração e felicidade. Como você imagina que essas pessoas comem: com voracidade ou prazer?

Algumas das minhas principais memórias alimentares vêm dos meus avós maternos. Minha avó assando bolo e eu e meus irmãos brigando para ver quem ia raspar a tigela da massa. Meu avô saboreando as comidas com um prazer que, só de lembrar, minha boca saliva de vontade, e bate aquela saudade...

No Dia das Mães, assim como em outros dias de celebração, a memória alimentar vem à tona. Para alguns, os momentos em volta da mesa remetem a um alimento específico, como a lasanha de domingo ou aquela sobremesa especial. Para outros, é o contexto do celebrar em volta da mesa com fartura de comida e bebida.

Como você se sente quando come?

Entender a nossa história e como ela influencia no relacionamento com a comida é fundamental para definir qual o nosso modelo de saúde e sermos honestos com relação a preferências e valores. Não é um dia que determina sua saúde – muito menos uma refeição. Esses momentos de prazer ao redor da mesa fazem parte do que vale a pena viver. São memórias muito importantes e que devem ser honradas.

Mais do que uma necessidade, a comida é (e deve ser) uma fonte de prazer, nutrindo não somente nosso corpo físico, mas também a nossa alma. A ciência, cada vez mais, vem mostrando que as refeições fazem isso com maestria. Portanto, se preocupe com a sua alimentação e cuide dela no dia a dia, mas, lembre-se: saborear um delicioso prato de comida afetiva vez ou outra é o que faz termos mais energia para voltar à rotina mais felizes.

Você sente o aroma de um bolo saindo do forno e é instantaneamente transportado para a cozinha da sua avó. Ou o cheiro de uma esfirra que te faz lembrar dos recreios, quando ela perfumava os corredores da escola. Não são apenas lembranças. Essas experiências têm o poder de estimular as mesmas sensações que tínhamos naqueles momentos e, mesmo após décadas, são capazes de influenciar diretamente o modo como nos relacionamos com a comida.

As escolhas, as preferências, as aversões e os hábitos alimentares em geral são determinados tanto pela nossa história de vida quanto por outros aspectos biológicos, psicológicos, culturais e ambientais, formando o que chamamos de espectro biopsicosocioambiental. Não dá para falar em alimentação saudável sem considerar todos esses fatores.

Memórias que construímos ao longo da vida, como cozinhar com a avó, têm o poder de interferir nas nossas escolhas alimentares. Foto: Jacob Lund/Adobe Stock

Veja o que determina nossas preferências:

  • Genética: Quem nunca entrou na divertida discussão sobre o coentro? Enquanto para alguns é um tempero dos deuses, para outros – como eu – é como comer sabão. Essa diferença é explicada por questões genéticas. Nosso nariz possui receptores olfativos capazes de identificar os aromas voláteis dos alimentos, fazendo com que a pessoa os considere deliciosos – ou não. O mesmo pode acontecer com outros estímulos, como o sabor amargo ou azedo.
  • Exposição precoce: Um interessante estudo com gestantes propôs que elas consumissem com frequência uma solução de sabor específico nas últimas semanas de gravidez. Após o nascimento, os bebês foram testados em relação às preferências (sabe aqueles vídeos engraçados nas redes sociais de crianças provando comida e fazendo caretas? Exatamente assim). Os autores da pesquisa verificaram que os bebês cujas mães consumiram a tal solução apresentaram maior aceitação àqueles sabores. Além disso, a amamentação também é capaz de influenciar a preferência dos bebês, visto que o sabor do leite materno muda conforme a alimentação da mãe.
  • Combinação de ingredientes: Apesar de cada pessoa ter gostos diferentes em relação a acidez, dulçor, textura, amargor e por aí vai, existe uma combinação que é preferência universal: sal, açúcar e gordura. Essa mistura – muito explorada pelas indústrias de alimentos ultraprocessados – tem o poder de ativar áreas cerebrais relacionadas ao prazer, à recompensa e ao aprendizado, aumentando as chances de exagero e garantindo a repetição do comportamento no futuro.
  • História de vida: Estudos de neuroimagem demonstram que diferentes áreas cerebrais atuam associando nossas experiências alimentares com as emoções e formação de memórias. Um desses estudos mostrou que crianças com experiências positivas com alimentos – premiação, conforto, afeto e comemoração – tendem a desenvolver maior preferência por esses alimentos na vida adulta. A exposição repetida a certos sabores e contextos alimentares fortalecem conexões neurais específicas, levando à formação da memória alimentar. Quanto maior a repetição, a intensidade e o reforço, mais fortes essas memórias serão.
  • Relação familiar com a comida: O modo como nossa família – e/ou cuidadores – se alimenta molda o comportamento alimentar. As crianças observam e aprendem o comportamento de adultos e o reproduzem. Essa imitação é influenciada por aspectos evolutivos, incluindo os neurônios-espelho, que são ativados e estimulam a repetição do comportamento como uma forma adaptativa da criança pertencer àquele grupo social e garantir sua sobrevivência.

Comida como conforto

Uma paciente estava evoluindo bem e o único desafio era o pão. Frequentemente ela exagerava quando tinha acesso a esse alimento, chegando, muitas vezes, a comer quatro unidades na sequência. Trabalhamos diversas estratégias que funcionavam vez ou outra, mas o pão ainda era uma questão. Um dia, lá pela nossa sexta sessão, ela mal entrou na minha sala e já foi dizendo: “Você não sabe o que lembrei! Quando meu padrasto queria punir a mim e meus irmãos, ele escondia o pão em um armário que a gente não alcançava. A gente nunca se deu muito bem. Você acha que isso pode ter alguma relação?”.

Trago esse caso porque muitos acham que o principal efeito da comida confortável, o comfort food, é o prazer. Mas, não: para alguns, o ato de comer traz alívio, anestesia e funciona como um modo de se esquivar de outras questões. Nesses casos, durante o comer, normalmente a pessoa está desconectada de si mesma – aí, come vorazmente, mal sentindo o sabor da comida.

Esse é um tipo de comer emocional que, em vez de a pessoa se sentir bem por comer algo que adora, ela termina se sentindo mal consigo mesma – e pode precisar de ajuda para sair dessa situação.

Agora, imagine uma cena de propaganda: família feliz, se divertindo em torno da mesa, conversando, saboreando e vivendo um momento de descontração e felicidade. Como você imagina que essas pessoas comem: com voracidade ou prazer?

Algumas das minhas principais memórias alimentares vêm dos meus avós maternos. Minha avó assando bolo e eu e meus irmãos brigando para ver quem ia raspar a tigela da massa. Meu avô saboreando as comidas com um prazer que, só de lembrar, minha boca saliva de vontade, e bate aquela saudade...

No Dia das Mães, assim como em outros dias de celebração, a memória alimentar vem à tona. Para alguns, os momentos em volta da mesa remetem a um alimento específico, como a lasanha de domingo ou aquela sobremesa especial. Para outros, é o contexto do celebrar em volta da mesa com fartura de comida e bebida.

Como você se sente quando come?

Entender a nossa história e como ela influencia no relacionamento com a comida é fundamental para definir qual o nosso modelo de saúde e sermos honestos com relação a preferências e valores. Não é um dia que determina sua saúde – muito menos uma refeição. Esses momentos de prazer ao redor da mesa fazem parte do que vale a pena viver. São memórias muito importantes e que devem ser honradas.

Mais do que uma necessidade, a comida é (e deve ser) uma fonte de prazer, nutrindo não somente nosso corpo físico, mas também a nossa alma. A ciência, cada vez mais, vem mostrando que as refeições fazem isso com maestria. Portanto, se preocupe com a sua alimentação e cuide dela no dia a dia, mas, lembre-se: saborear um delicioso prato de comida afetiva vez ou outra é o que faz termos mais energia para voltar à rotina mais felizes.

Você sente o aroma de um bolo saindo do forno e é instantaneamente transportado para a cozinha da sua avó. Ou o cheiro de uma esfirra que te faz lembrar dos recreios, quando ela perfumava os corredores da escola. Não são apenas lembranças. Essas experiências têm o poder de estimular as mesmas sensações que tínhamos naqueles momentos e, mesmo após décadas, são capazes de influenciar diretamente o modo como nos relacionamos com a comida.

As escolhas, as preferências, as aversões e os hábitos alimentares em geral são determinados tanto pela nossa história de vida quanto por outros aspectos biológicos, psicológicos, culturais e ambientais, formando o que chamamos de espectro biopsicosocioambiental. Não dá para falar em alimentação saudável sem considerar todos esses fatores.

Memórias que construímos ao longo da vida, como cozinhar com a avó, têm o poder de interferir nas nossas escolhas alimentares. Foto: Jacob Lund/Adobe Stock

Veja o que determina nossas preferências:

  • Genética: Quem nunca entrou na divertida discussão sobre o coentro? Enquanto para alguns é um tempero dos deuses, para outros – como eu – é como comer sabão. Essa diferença é explicada por questões genéticas. Nosso nariz possui receptores olfativos capazes de identificar os aromas voláteis dos alimentos, fazendo com que a pessoa os considere deliciosos – ou não. O mesmo pode acontecer com outros estímulos, como o sabor amargo ou azedo.
  • Exposição precoce: Um interessante estudo com gestantes propôs que elas consumissem com frequência uma solução de sabor específico nas últimas semanas de gravidez. Após o nascimento, os bebês foram testados em relação às preferências (sabe aqueles vídeos engraçados nas redes sociais de crianças provando comida e fazendo caretas? Exatamente assim). Os autores da pesquisa verificaram que os bebês cujas mães consumiram a tal solução apresentaram maior aceitação àqueles sabores. Além disso, a amamentação também é capaz de influenciar a preferência dos bebês, visto que o sabor do leite materno muda conforme a alimentação da mãe.
  • Combinação de ingredientes: Apesar de cada pessoa ter gostos diferentes em relação a acidez, dulçor, textura, amargor e por aí vai, existe uma combinação que é preferência universal: sal, açúcar e gordura. Essa mistura – muito explorada pelas indústrias de alimentos ultraprocessados – tem o poder de ativar áreas cerebrais relacionadas ao prazer, à recompensa e ao aprendizado, aumentando as chances de exagero e garantindo a repetição do comportamento no futuro.
  • História de vida: Estudos de neuroimagem demonstram que diferentes áreas cerebrais atuam associando nossas experiências alimentares com as emoções e formação de memórias. Um desses estudos mostrou que crianças com experiências positivas com alimentos – premiação, conforto, afeto e comemoração – tendem a desenvolver maior preferência por esses alimentos na vida adulta. A exposição repetida a certos sabores e contextos alimentares fortalecem conexões neurais específicas, levando à formação da memória alimentar. Quanto maior a repetição, a intensidade e o reforço, mais fortes essas memórias serão.
  • Relação familiar com a comida: O modo como nossa família – e/ou cuidadores – se alimenta molda o comportamento alimentar. As crianças observam e aprendem o comportamento de adultos e o reproduzem. Essa imitação é influenciada por aspectos evolutivos, incluindo os neurônios-espelho, que são ativados e estimulam a repetição do comportamento como uma forma adaptativa da criança pertencer àquele grupo social e garantir sua sobrevivência.

Comida como conforto

Uma paciente estava evoluindo bem e o único desafio era o pão. Frequentemente ela exagerava quando tinha acesso a esse alimento, chegando, muitas vezes, a comer quatro unidades na sequência. Trabalhamos diversas estratégias que funcionavam vez ou outra, mas o pão ainda era uma questão. Um dia, lá pela nossa sexta sessão, ela mal entrou na minha sala e já foi dizendo: “Você não sabe o que lembrei! Quando meu padrasto queria punir a mim e meus irmãos, ele escondia o pão em um armário que a gente não alcançava. A gente nunca se deu muito bem. Você acha que isso pode ter alguma relação?”.

Trago esse caso porque muitos acham que o principal efeito da comida confortável, o comfort food, é o prazer. Mas, não: para alguns, o ato de comer traz alívio, anestesia e funciona como um modo de se esquivar de outras questões. Nesses casos, durante o comer, normalmente a pessoa está desconectada de si mesma – aí, come vorazmente, mal sentindo o sabor da comida.

Esse é um tipo de comer emocional que, em vez de a pessoa se sentir bem por comer algo que adora, ela termina se sentindo mal consigo mesma – e pode precisar de ajuda para sair dessa situação.

Agora, imagine uma cena de propaganda: família feliz, se divertindo em torno da mesa, conversando, saboreando e vivendo um momento de descontração e felicidade. Como você imagina que essas pessoas comem: com voracidade ou prazer?

Algumas das minhas principais memórias alimentares vêm dos meus avós maternos. Minha avó assando bolo e eu e meus irmãos brigando para ver quem ia raspar a tigela da massa. Meu avô saboreando as comidas com um prazer que, só de lembrar, minha boca saliva de vontade, e bate aquela saudade...

No Dia das Mães, assim como em outros dias de celebração, a memória alimentar vem à tona. Para alguns, os momentos em volta da mesa remetem a um alimento específico, como a lasanha de domingo ou aquela sobremesa especial. Para outros, é o contexto do celebrar em volta da mesa com fartura de comida e bebida.

Como você se sente quando come?

Entender a nossa história e como ela influencia no relacionamento com a comida é fundamental para definir qual o nosso modelo de saúde e sermos honestos com relação a preferências e valores. Não é um dia que determina sua saúde – muito menos uma refeição. Esses momentos de prazer ao redor da mesa fazem parte do que vale a pena viver. São memórias muito importantes e que devem ser honradas.

Mais do que uma necessidade, a comida é (e deve ser) uma fonte de prazer, nutrindo não somente nosso corpo físico, mas também a nossa alma. A ciência, cada vez mais, vem mostrando que as refeições fazem isso com maestria. Portanto, se preocupe com a sua alimentação e cuide dela no dia a dia, mas, lembre-se: saborear um delicioso prato de comida afetiva vez ou outra é o que faz termos mais energia para voltar à rotina mais felizes.

Opinião por Desire Coelho

Nutricionista e bacharel em esporte, doutora e mestre em Ciências pela USP, especialista em transtornos alimentares e em análise do comportamento. É autora do livro “Por que não consigo emagrecer?” e coautora do livro “A Dieta Ideal”

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