Após ter vetado na noite de segunda-feira, 26, o projeto de lei que obrigava planos de saúde a custear medicamentos orais para pacientes diagnosticados com câncer, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) virou alvo de críticas de entidades médicas que defendiam a medida e acreditavam que ela podia levar mais conforto e opções para pacientes em tratamento. Aprovado pelo Congresso no início do mês, o projeto enfrentava, por outro lado, resistência de operadoras de saúde.
Hoje, existem 59 quimioterapias orais cobertas pelos planos de saúde. O projeto abriria espaço para a oferta de pelo menos outros 23 remédios de quimioterapia oral a pacientes de convênios médicos, como mostrou o Estadão na semana passada. Pela proposta, as operadoras deveriam oferecer todos os tratamentos desse tipo que já tivessem aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Pelo modelo atual – que continuará vigente –, é necessária também a inclusão no rol de medicamentos aprovados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) para que o plano de saúde seja obrigado a ofertar o medicamento ao paciente. Se estiver fora dessa lista, não há essa exigência da operadora – muitos clientes acionam a Justiça. Na última análise para ampliação da lista de tratamentos cobertos, 12 remédios foram rejeitados.
“Embora a boa intenção do legislador”, justificou a Subchefia para Assuntos Jurídicos da Presidência da República, a inclusão automática dos remédios “contrariaria o interesse público por deixar de levar em conta aspectos como a previsibilidade, transparência e segurança jurídica aos atores do mercado e toda a sociedade civil”. Ainda conforme o órgão, haveria “inevitável repasse” de custos adicionais a consumidores, o que faria encarecer ainda mais os planos de saúde.
Já Bolsonaro disse a apoiadores na tarde desta terça-feira, 27, que não havia fonte de custeio prevista para liberar a medida – embora a lei envolvesse o sistema privado. Ele deu a entender que a sanção poderia implicar até em possível crime de responsabilidade. “Se eu sancionar, estou em curso de crime de responsabilidade. Aí veto. Apanho porque vetei. Por falta de conhecimento do pessoal”, afirmou.
“Se (Bolsonaro) tivesse lido, não teria vetado. O que tem a ver crime de responsabilidade com um projeto que gera zero gasto público?”, disse ao Estadão o autor da lei da quimioterapia oral, o senador José Reguffe (Podemos-DF). Ele afirmou que já tenta articular com parlamentares a derrubada do veto.
O fundador do Instituto Vencer o Câncer, o médico oncologista Fernando Maluf, reforça que, com a sanção do projeto, o custeio das medicações seria dos planos de saúde. “O governo não tem absolutamente nenhum prejuízo, pelo contrário”, afirmou o médico.
“70% dos remédios contra o câncer são orais. Eles tratam os 20 tumores mais comuns”, continua Maluf. Ele complementa ainda que é “absolutamente verdadeiro o fato de que o tratamento sai mais caro”, já que medicamentos podem evitar que pacientes com doenças curáveis se tornem metastáticos, o que resulta em elevação significativa no custo do tratamento. A ampliação da quimioterapia oral é “o projeto de maior impacto na oncologia do País”, defendeu o especialista.
A presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), Clarissa Mathias, diz que, com o veto ao projeto, o presidente “desconsidera que, ao menos desde a aprovação da Lei dos Planos de Saúde, em 1999, os medicamentos quimioterápicos de aplicação endovenosa são oferecidos pelos planos de saúde automaticamente após a aprovação da Anvisa”. Esse era o modelo da lei aprovada pelo Legislativo. “E isso nunca afetou a oferta dos medicamentos nem o preço dos planos privados de saúde foi modificado, como aponta o presidente”, destaca Clarissa.
Professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), Mário Scheffer também lamentou. “Hoje existem antineoplásicos de uso oral que fazem a diferença no tratamento.” Segundo ele, no Brasil as pessoas com câncer, em média, vivem menos do que em outros países justamente, entre outros motivos, pelo menor acesso a tratamentos.
Mercado
Para entidades ligadas aos planos, a lei nova abria precedentes para que tratamentos fossem adotados sem análise de custo-efetividade, algo que afetaria a incorporação de remédios para outras doenças e aumentaria as mensalidades de todos os beneficiários. Em nota, a Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), representante de 15 dos maiores planos nacionais, celebrou a decisão. “A inclusão automática prevista no projeto de lei afetaria um dos pilares do funcionamento da saúde suplementar e prejudicaria a sustentabilidade de um sistema que assiste mais de 48 milhões de pessoas”, afirmou.