A pandemia de covid-19 tornou ainda mais evidente a falta de acesso igualitário à assistência em saúde, fazendo com que o tema de equidade impusesse sua urgência. No início deste ano, o Institute for Healthcare Improvement (IHI), organização cuja proposta sobre melhorias no sistema de saúde é seguida em todo o mundo, colocou a busca pela equidade como mais um objetivo – o quinto – a ser seguido. As três primeiras metas, sugeridas em 2008, preveem melhorar a experiência do paciente, a qualidade da saúde e combater desperdícios na assistência. O quarto objetivo tem como foco o cuidado com os profissionais de saúde.
Em entrevista, Kedar Mate, presidente do IHI, e Sidney Klajner, presidente da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein, falaram sobre a importância de colocar a equidade no centro do debate de saúde, como propôs o 7º Fórum Latino-Americano de Qualidade e Segurança na Saúde,realizado pela ociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein e pelo Institute for Healthcare Improvement (IHI). “Você pode ter um ótimo acesso ao sistema de saúde, mas que te oferece uma assistência muito ruim. Temos que resolver esses problemas juntos”, pontua Mate.
Qual é o impacto da falta de acesso igualitário à saúde no mundo?
Mate: A falta de equidade não é uma novidade, acontece no mundo inteiro, é uma questão há muito tempo. O que a pandemia fez foi nos tornar muito mais conscientes disso. Ficou clara também a qualidade desse atendimento, porque você pode até ter um ótimo acesso ao sistema de saúde, mas que te oferece uma assistência muito ruim. Temos que resolver esses problemas juntos, certificando-nos que as pessoas consigam ser cuidadas, mas que o atendimento que recebam seja de qualidade, próximo de onde moram. Que seja uma assistência que coloque o paciente no centro.
Essa iniquidade no acesso à assistência ficou ainda mais nítida durante a pandemia?
Klajner: A pandemia jogou uma lente de aumento naquilo que já sabíamos que era ruim em todo o mundo. No Brasil, ficou ainda mais clara a grande diferença no atendimento nas diversas regiões do País. Isso se comprovou inclusive na mortalidade por covid: a da Região Sudeste foi menor que a da Região Norte, por exemplo, em grande parte por piores condições do sistema de saúde e falta de equipamentos adequados.
Mas a pandemia evidenciou também que a equidade tem que ser buscada antes mesmo do atendimento, já que a qualidade de saúde de cada população influencia nos índices de mortalidade, como vimos no Hospital Municipal M’Boi Mirim – Dr. Moysés Deutsch (gerido pelo Einstein), onde o protocolo, o equipamento e os profissionais eram os mesmos da rede privada, mas a gravidade com a qual o paciente chegava ao hospital era bem maior.
Falar em equidade é entender que todas as pessoas devem ter a oportunidade justa de atingir o seu potencial de saúde.
Sidney Klajner, Presidente do Einstein
Qual é o primeiro passo a se dar para um acesso mais equânime?
Mate: Após estudar esse problema por muitos anos, descobrimos que fomos capazes de criar assistência à saúde de melhor qualidade, mas para populações que já eram privilegiadas, porque não elegemos a equidade como algo importante. Então o primeiro passo é transformar equidade em uma prioridade estratégica na prestação do serviço de saúde.
Os hospitais e os sistemas de saúde com os quais temos parceria, como o Einstein, escolheram colocar esse tema dentro da estratégia da organização. E quando você dá esse passo, muita coisa muda. Porque agora não basta oferecer bom atendimento às pessoas que entram pela sua porta, temos que encontrar essas pessoas que precisam dos nossos serviços e que não têm o histórico de entrar em nossas instituições, pessoas que nem sequer confiam no sistema de saúde.
A gente consegue pensar em equidade no Brasil sem pensar no poder público?
Klajner: O nosso papel como organização de saúde é tentar influenciar o poder público para que não haja uma diferença tão grande nas condições de vida que podem levar à perda da saúde. Uma questão importante quando você fala de equidade é atuar na parte social, para favorecer vidas saudáveis em todos os lugares. Mas as organizações também podem ir para dentro de uma comunidade para promover, por exemplo, a profissionalização de adolescentes. Isso o Einstein já fazia, indo além dos muros de uma entidade de saúde e colaborando para que essa população tenha uma vida mais digna e não adoeça. A inclusão da equidade como um ponto de vista estratégico é papel das organizações de todos os setores. Isso entra dentro do ESG.
Por que acrescentar uma quarta e uma quinta metas para os sistemas de saúde se fez necessário?
Mate: Fez sentido começar a trabalhar em dois outros objetivos: garantir que os profissionais da saúde estejam saudáveis, seguros e que tenham satisfação e propósito em suas vidas, e garantir melhor saúde para pessoas de todas as raças e orientações sexuais, para quem mora na cidade ou na área rural. Em todos os países em que trabalhamos, as causas da iniquidade são diferentes, mas, em todos os casos em que começamos a trabalhar nisso, conseguimos resultados.