Covid: estudo sobre vacina da Pfizer mostra ensaio clínico cuidadoso com resultados inquestionáveis


Com exatos 11 meses, já temos uma vacina que comprovadamente funciona

Por Fernando Reinach

Este é o trabalho científico mais importante de 2020. A Pfizer/BioNTech publicou os resultados completos dos estudos de Fase 3 de sua vacina. Lendo o trabalho é fácil entender por que a vacina foi rapidamente aprovada na Inglaterra e nos EUA. O trabalho relata um ensaio clínico cuidadoso com resultados inquestionáveis. A eficácia de 95% e a segurança da vacina foram comprovados. É um desses trabalhos científicos que serão usados nas escolas de medicina para ensinar como um ensaio de Fase 3 pode ser executado rapidamente com perfeição. 

Isso contrasta com os resultados publicados pela AstraZeneca/Oxford que demonstram como é difícil executar um desses estudos. São relatados erros de dosagem, tempo entre doses e diferenças de protocolos nos diferentes locais. Apesar disso o estudo demonstrou que a vacina é segura e tem 62% de eficácia. A AstraZeneca está analisando se deve repetir parte do estudo a possibilidade de combinar seu componente ativo com o da vacina russa na esperança de melhorar os resultados. Tudo indica que a vacina, que foi a aposta da Fiocruz e do governo Bolsonaro, provavelmente terá dificuldade para ser aprovada no futuro próximo.

Mas isso não é o pior que pode acontecer. A Sanofi/GSK anunciou que a vacina que estava desenvolvendo produziu resposta imunológica em adultos de 18 a 49 anos, mas o resultado foi insuficiente entre aqueles com mais de 50 anos. O programa agora vai para uma fase 2B de testes, para tentar resposta em todas as faixas etárias, com previsão de conclusão desses estudos no fim de 2021. Outra vacina, desenvolvida na Universidade de Queensland, na Austrália, também foi abandonada depois que pessoas inoculadas passaram a testar positivo para o HIV sem jamais terem sido infectadas. Fracassos como esses são esperados e outros vão ocorrer nos próximos meses. Esses fatos colocam os holofotes do mundo científico nos resultados da Coronavac desenvolvida pela Sinovac e cujo ensaio de Fase 3 está a cargo do Butantan. O ensaio terminou dia 24 de novembro e os resultados devem ser anunciados até o dia 15 de dezembro. A qualidade do estudo coordenado pelo Butantan, e os resultados obtidos, vão determinar se a Coronavac funciona ou também será abandonada.

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Americanos passam por sede da farmacêutica Pfizer, em Nova York Foto: Angela Weiss / AFP

Mas vamos às boas notícias. Os ensaios de Fase 3 da Pfizer/BioNTech foram executados entre os dias 27 de julho e 14 de novembro de 2020 em 152 centros de pesquisa localizados nos EUA (130), Argentina (1), Brasil (2), África do Sul (4), Alemanha (6), e Turquia (9). No Brasil um dos centros fica em São Paulo e é coordenado por Cristiano Zerbini, o outro por meu amigo Edson Moreira, um infectologista e epidemiologista baiano arretado que foi meu contemporâneo na Universidade de Cornell. Ambos estão entre os autores principais do trabalho.

O centro de Edson fica na Associação Obras Sociais Irmã Dulce, em Salvador, e faz anos se dedica a executar ensaios clínicos. O Brasil contribuiu com 6% dos voluntários. Coordenados e pagos pela Pfizer esses 152 centros recrutaram 44.820 voluntários em poucas semanas. Desses 43.448 receberam injeções, sendo que 21.720 receberam a vacina e 21.728 receberam placebo (uma solução de água com sal). Dos que receberam injeções 37.706 foram seguidos por 2 meses, uma exigência dos órgãos regulatórios que aprovam as vacinas.

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Como os voluntários foram selecionados para representar todos estratos da população, e foram colocados no grupo placebo ou no grupo dos vacinados por sorteio, os dois grupos são praticamente iguais em sua representação da população. Dos voluntários 58% tem entre 16 e 55 anos e 42% mais de 55 anos. Brancos são a maioria (83%) seguidos de latinos (28%). Lembre que muitos latinos são brancos. Negros (9,5%), asiáticos (4,2%) e até índios foram incluídos. Ou seja, os resultados valem para pessoas de ambos os sexos com mais de 16 anos.

Os efeitos adversos da vacina foram analisados nos 43.252 participantes. Nos primeiros dias após a injeção ~70% das pessoas reportaram dor no local da injeção e ~5% tiveram vermelhidão e um pouco de inchaço. Esses números são bem menores entre os que receberam o placebo (9% e 1%). Outros efeitos são fadiga, dor de cabeça e dor muscular, todos efeitos leves, esperados para uma vacina que provoca uma forte resposta imune. Esses sintomas desapareceram em 1 a 2 dias. O aparecimento de gânglios inchados em 0,3% dos vacinados também é esperado durante uma resposta imune forte. Não foram detectados efeitos adversos mais graves relacionados à vacina. 

Agora o mais importante: a eficácia da vacina. A vacina, como já divulgado na imprensa, apresenta 95% de eficácia (esse valor está entre 90,3% e 97,6% com 95% de certeza). Os dados que permitiram essa conclusão estão na figura abaixo e são tão claros que vale a pena entender a figura. No eixo horizontal está o número de dias decorridos desde que a pessoa foi vacinada. Ele vai de zero (o dia da vacinação) até 105 dias. O eixo vertical indica a porcentagem das pessoas do grupo que recebeu o placebo ou a vacina que apresentou sintomas de Covid-19 e testou positivo.

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Cada degrauzinho, em cada uma das duas curvas, representa o aparecimento de uma pessoa com Covid-19. A linha verde representa os casos de Covid-19 detectados entre as pessoas que receberam placebo. Veja que entre todos os que foram injetados com o placebo existem uma ou duas pessoas que apresentaram a doença logo no dia seguinte da vacinação, e pessoas que pegaram a doença em diferentes dias após receberem o placebo.

O que dá para ver é que ao longo do tempo o número de pessoas que pegou a doença após receber o placebo sobe constantemente, atingindo 2,4% de todos os injetados: 162 pessoas tiveram Covid-19 nos 105 dias. É claro que se o estudo continuar por mais alguns meses esse número vai continuar a crescer à medida que o vírus se espalha entre os voluntários que receberam o placebo. Esse crescimento contrasta com o que aconteceu com as pessoas que receberam a injeção com a vacina (linha vermelha).

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Nos primeiros 7 dias após receberem a vacina algumas pessoas (6) contraíram Covid-19 e a linha vermelha acompanha a verde (é o tempo que leva para a vacina começar a funcionar). Mas a partir desse ponto o número de pessoas que apresentaram Covid-19 praticamente para de crescer. Nos 105 dias em que durou o estudo, somente 8 pessoas contraíram Covid-19. Ou seja, em dois grupos idênticos de pessoas, que viveram exatamente no mesmo ambiente durante 105 dias, no grupo dos que receberam o placebo 162 ficaram doentes. Já entre os que receberam a vacina somente 8 ficaram doentes.

A eficácia da vacina é calculada de maneira muito sofisticada, mas você pode fazer uma conta simples, dividindo 162 por 8. O resultado é 20, ou seja, as pessoas que receberam placebo têm aproximadamente 20 vezes mais chance de pegar a doença. A eficácia calculada é de 95%. Mas você sequer precisa fazer a conta, basta ver que a linha vermelha é quase horizontal e a verde sobe constantemente ao longo do tempo, o que indica que a vacina funciona: vacinados não ficam doentes, quem recebe o placebo fica. No trabalho da AstraZeneca/Oxford existe uma figura semelhante, mas lá a curva vermelha sobe, mais lentamente que a verde, mas sobe, indicando uma eficácia de 62%. No dia 15 de dezembro vamos saber a curva da Coronavac.

Para quem ainda não acredita no poder da ciência é bom lembrar que o time de cientistas da BioNTech começou a desenvolver a vacina no dia 10 de janeiro de 2020, quando os cientistas chineses publicaram a sequência do novo Coronavírus. Em 27 de julho começaram os ensaios de Fase 3, e agora, em 10 de dezembro de 2020, exatos 11 meses depois, já temos uma vacina que comprovadamente funciona, que é segura, já foi aprovada e está sendo usada para vacinar a população. Todo o esforço científico desse ano resultou em muitos novos conhecimentos, mas também em algo extremamente útil, uma vacina capaz de salvar milhões de vidas. Entendeu por que a ciência é importante?

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MAIS INFORMAÇÕES: SAFETY AND EFFICACY OF THE BNT162B2 MRNA COVID-19 VACCINE. NEJM, DOI: 10.1056/NEJMOA2034577 (2020)

*É BIÓLOGO, PHD EM BIOLOGIA CELULAR E MOLECULAR PELA CORNELL UNIVERSITY E AUTOR DE A CHEGADA DO NOVO CORONAVÍRUS NO BRASIL; FOLHA DE LÓTUS, ESCORREGADOR DE MOSQUITO; E A LONGA MARCHA DOS GRILOS CANIBAIS

Este é o trabalho científico mais importante de 2020. A Pfizer/BioNTech publicou os resultados completos dos estudos de Fase 3 de sua vacina. Lendo o trabalho é fácil entender por que a vacina foi rapidamente aprovada na Inglaterra e nos EUA. O trabalho relata um ensaio clínico cuidadoso com resultados inquestionáveis. A eficácia de 95% e a segurança da vacina foram comprovados. É um desses trabalhos científicos que serão usados nas escolas de medicina para ensinar como um ensaio de Fase 3 pode ser executado rapidamente com perfeição. 

Isso contrasta com os resultados publicados pela AstraZeneca/Oxford que demonstram como é difícil executar um desses estudos. São relatados erros de dosagem, tempo entre doses e diferenças de protocolos nos diferentes locais. Apesar disso o estudo demonstrou que a vacina é segura e tem 62% de eficácia. A AstraZeneca está analisando se deve repetir parte do estudo a possibilidade de combinar seu componente ativo com o da vacina russa na esperança de melhorar os resultados. Tudo indica que a vacina, que foi a aposta da Fiocruz e do governo Bolsonaro, provavelmente terá dificuldade para ser aprovada no futuro próximo.

Mas isso não é o pior que pode acontecer. A Sanofi/GSK anunciou que a vacina que estava desenvolvendo produziu resposta imunológica em adultos de 18 a 49 anos, mas o resultado foi insuficiente entre aqueles com mais de 50 anos. O programa agora vai para uma fase 2B de testes, para tentar resposta em todas as faixas etárias, com previsão de conclusão desses estudos no fim de 2021. Outra vacina, desenvolvida na Universidade de Queensland, na Austrália, também foi abandonada depois que pessoas inoculadas passaram a testar positivo para o HIV sem jamais terem sido infectadas. Fracassos como esses são esperados e outros vão ocorrer nos próximos meses. Esses fatos colocam os holofotes do mundo científico nos resultados da Coronavac desenvolvida pela Sinovac e cujo ensaio de Fase 3 está a cargo do Butantan. O ensaio terminou dia 24 de novembro e os resultados devem ser anunciados até o dia 15 de dezembro. A qualidade do estudo coordenado pelo Butantan, e os resultados obtidos, vão determinar se a Coronavac funciona ou também será abandonada.

Americanos passam por sede da farmacêutica Pfizer, em Nova York Foto: Angela Weiss / AFP

Mas vamos às boas notícias. Os ensaios de Fase 3 da Pfizer/BioNTech foram executados entre os dias 27 de julho e 14 de novembro de 2020 em 152 centros de pesquisa localizados nos EUA (130), Argentina (1), Brasil (2), África do Sul (4), Alemanha (6), e Turquia (9). No Brasil um dos centros fica em São Paulo e é coordenado por Cristiano Zerbini, o outro por meu amigo Edson Moreira, um infectologista e epidemiologista baiano arretado que foi meu contemporâneo na Universidade de Cornell. Ambos estão entre os autores principais do trabalho.

O centro de Edson fica na Associação Obras Sociais Irmã Dulce, em Salvador, e faz anos se dedica a executar ensaios clínicos. O Brasil contribuiu com 6% dos voluntários. Coordenados e pagos pela Pfizer esses 152 centros recrutaram 44.820 voluntários em poucas semanas. Desses 43.448 receberam injeções, sendo que 21.720 receberam a vacina e 21.728 receberam placebo (uma solução de água com sal). Dos que receberam injeções 37.706 foram seguidos por 2 meses, uma exigência dos órgãos regulatórios que aprovam as vacinas.

Como os voluntários foram selecionados para representar todos estratos da população, e foram colocados no grupo placebo ou no grupo dos vacinados por sorteio, os dois grupos são praticamente iguais em sua representação da população. Dos voluntários 58% tem entre 16 e 55 anos e 42% mais de 55 anos. Brancos são a maioria (83%) seguidos de latinos (28%). Lembre que muitos latinos são brancos. Negros (9,5%), asiáticos (4,2%) e até índios foram incluídos. Ou seja, os resultados valem para pessoas de ambos os sexos com mais de 16 anos.

Os efeitos adversos da vacina foram analisados nos 43.252 participantes. Nos primeiros dias após a injeção ~70% das pessoas reportaram dor no local da injeção e ~5% tiveram vermelhidão e um pouco de inchaço. Esses números são bem menores entre os que receberam o placebo (9% e 1%). Outros efeitos são fadiga, dor de cabeça e dor muscular, todos efeitos leves, esperados para uma vacina que provoca uma forte resposta imune. Esses sintomas desapareceram em 1 a 2 dias. O aparecimento de gânglios inchados em 0,3% dos vacinados também é esperado durante uma resposta imune forte. Não foram detectados efeitos adversos mais graves relacionados à vacina. 

Agora o mais importante: a eficácia da vacina. A vacina, como já divulgado na imprensa, apresenta 95% de eficácia (esse valor está entre 90,3% e 97,6% com 95% de certeza). Os dados que permitiram essa conclusão estão na figura abaixo e são tão claros que vale a pena entender a figura. No eixo horizontal está o número de dias decorridos desde que a pessoa foi vacinada. Ele vai de zero (o dia da vacinação) até 105 dias. O eixo vertical indica a porcentagem das pessoas do grupo que recebeu o placebo ou a vacina que apresentou sintomas de Covid-19 e testou positivo.

Cada degrauzinho, em cada uma das duas curvas, representa o aparecimento de uma pessoa com Covid-19. A linha verde representa os casos de Covid-19 detectados entre as pessoas que receberam placebo. Veja que entre todos os que foram injetados com o placebo existem uma ou duas pessoas que apresentaram a doença logo no dia seguinte da vacinação, e pessoas que pegaram a doença em diferentes dias após receberem o placebo.

O que dá para ver é que ao longo do tempo o número de pessoas que pegou a doença após receber o placebo sobe constantemente, atingindo 2,4% de todos os injetados: 162 pessoas tiveram Covid-19 nos 105 dias. É claro que se o estudo continuar por mais alguns meses esse número vai continuar a crescer à medida que o vírus se espalha entre os voluntários que receberam o placebo. Esse crescimento contrasta com o que aconteceu com as pessoas que receberam a injeção com a vacina (linha vermelha).

Nos primeiros 7 dias após receberem a vacina algumas pessoas (6) contraíram Covid-19 e a linha vermelha acompanha a verde (é o tempo que leva para a vacina começar a funcionar). Mas a partir desse ponto o número de pessoas que apresentaram Covid-19 praticamente para de crescer. Nos 105 dias em que durou o estudo, somente 8 pessoas contraíram Covid-19. Ou seja, em dois grupos idênticos de pessoas, que viveram exatamente no mesmo ambiente durante 105 dias, no grupo dos que receberam o placebo 162 ficaram doentes. Já entre os que receberam a vacina somente 8 ficaram doentes.

A eficácia da vacina é calculada de maneira muito sofisticada, mas você pode fazer uma conta simples, dividindo 162 por 8. O resultado é 20, ou seja, as pessoas que receberam placebo têm aproximadamente 20 vezes mais chance de pegar a doença. A eficácia calculada é de 95%. Mas você sequer precisa fazer a conta, basta ver que a linha vermelha é quase horizontal e a verde sobe constantemente ao longo do tempo, o que indica que a vacina funciona: vacinados não ficam doentes, quem recebe o placebo fica. No trabalho da AstraZeneca/Oxford existe uma figura semelhante, mas lá a curva vermelha sobe, mais lentamente que a verde, mas sobe, indicando uma eficácia de 62%. No dia 15 de dezembro vamos saber a curva da Coronavac.

Para quem ainda não acredita no poder da ciência é bom lembrar que o time de cientistas da BioNTech começou a desenvolver a vacina no dia 10 de janeiro de 2020, quando os cientistas chineses publicaram a sequência do novo Coronavírus. Em 27 de julho começaram os ensaios de Fase 3, e agora, em 10 de dezembro de 2020, exatos 11 meses depois, já temos uma vacina que comprovadamente funciona, que é segura, já foi aprovada e está sendo usada para vacinar a população. Todo o esforço científico desse ano resultou em muitos novos conhecimentos, mas também em algo extremamente útil, uma vacina capaz de salvar milhões de vidas. Entendeu por que a ciência é importante?

MAIS INFORMAÇÕES: SAFETY AND EFFICACY OF THE BNT162B2 MRNA COVID-19 VACCINE. NEJM, DOI: 10.1056/NEJMOA2034577 (2020)

*É BIÓLOGO, PHD EM BIOLOGIA CELULAR E MOLECULAR PELA CORNELL UNIVERSITY E AUTOR DE A CHEGADA DO NOVO CORONAVÍRUS NO BRASIL; FOLHA DE LÓTUS, ESCORREGADOR DE MOSQUITO; E A LONGA MARCHA DOS GRILOS CANIBAIS

Este é o trabalho científico mais importante de 2020. A Pfizer/BioNTech publicou os resultados completos dos estudos de Fase 3 de sua vacina. Lendo o trabalho é fácil entender por que a vacina foi rapidamente aprovada na Inglaterra e nos EUA. O trabalho relata um ensaio clínico cuidadoso com resultados inquestionáveis. A eficácia de 95% e a segurança da vacina foram comprovados. É um desses trabalhos científicos que serão usados nas escolas de medicina para ensinar como um ensaio de Fase 3 pode ser executado rapidamente com perfeição. 

Isso contrasta com os resultados publicados pela AstraZeneca/Oxford que demonstram como é difícil executar um desses estudos. São relatados erros de dosagem, tempo entre doses e diferenças de protocolos nos diferentes locais. Apesar disso o estudo demonstrou que a vacina é segura e tem 62% de eficácia. A AstraZeneca está analisando se deve repetir parte do estudo a possibilidade de combinar seu componente ativo com o da vacina russa na esperança de melhorar os resultados. Tudo indica que a vacina, que foi a aposta da Fiocruz e do governo Bolsonaro, provavelmente terá dificuldade para ser aprovada no futuro próximo.

Mas isso não é o pior que pode acontecer. A Sanofi/GSK anunciou que a vacina que estava desenvolvendo produziu resposta imunológica em adultos de 18 a 49 anos, mas o resultado foi insuficiente entre aqueles com mais de 50 anos. O programa agora vai para uma fase 2B de testes, para tentar resposta em todas as faixas etárias, com previsão de conclusão desses estudos no fim de 2021. Outra vacina, desenvolvida na Universidade de Queensland, na Austrália, também foi abandonada depois que pessoas inoculadas passaram a testar positivo para o HIV sem jamais terem sido infectadas. Fracassos como esses são esperados e outros vão ocorrer nos próximos meses. Esses fatos colocam os holofotes do mundo científico nos resultados da Coronavac desenvolvida pela Sinovac e cujo ensaio de Fase 3 está a cargo do Butantan. O ensaio terminou dia 24 de novembro e os resultados devem ser anunciados até o dia 15 de dezembro. A qualidade do estudo coordenado pelo Butantan, e os resultados obtidos, vão determinar se a Coronavac funciona ou também será abandonada.

Americanos passam por sede da farmacêutica Pfizer, em Nova York Foto: Angela Weiss / AFP

Mas vamos às boas notícias. Os ensaios de Fase 3 da Pfizer/BioNTech foram executados entre os dias 27 de julho e 14 de novembro de 2020 em 152 centros de pesquisa localizados nos EUA (130), Argentina (1), Brasil (2), África do Sul (4), Alemanha (6), e Turquia (9). No Brasil um dos centros fica em São Paulo e é coordenado por Cristiano Zerbini, o outro por meu amigo Edson Moreira, um infectologista e epidemiologista baiano arretado que foi meu contemporâneo na Universidade de Cornell. Ambos estão entre os autores principais do trabalho.

O centro de Edson fica na Associação Obras Sociais Irmã Dulce, em Salvador, e faz anos se dedica a executar ensaios clínicos. O Brasil contribuiu com 6% dos voluntários. Coordenados e pagos pela Pfizer esses 152 centros recrutaram 44.820 voluntários em poucas semanas. Desses 43.448 receberam injeções, sendo que 21.720 receberam a vacina e 21.728 receberam placebo (uma solução de água com sal). Dos que receberam injeções 37.706 foram seguidos por 2 meses, uma exigência dos órgãos regulatórios que aprovam as vacinas.

Como os voluntários foram selecionados para representar todos estratos da população, e foram colocados no grupo placebo ou no grupo dos vacinados por sorteio, os dois grupos são praticamente iguais em sua representação da população. Dos voluntários 58% tem entre 16 e 55 anos e 42% mais de 55 anos. Brancos são a maioria (83%) seguidos de latinos (28%). Lembre que muitos latinos são brancos. Negros (9,5%), asiáticos (4,2%) e até índios foram incluídos. Ou seja, os resultados valem para pessoas de ambos os sexos com mais de 16 anos.

Os efeitos adversos da vacina foram analisados nos 43.252 participantes. Nos primeiros dias após a injeção ~70% das pessoas reportaram dor no local da injeção e ~5% tiveram vermelhidão e um pouco de inchaço. Esses números são bem menores entre os que receberam o placebo (9% e 1%). Outros efeitos são fadiga, dor de cabeça e dor muscular, todos efeitos leves, esperados para uma vacina que provoca uma forte resposta imune. Esses sintomas desapareceram em 1 a 2 dias. O aparecimento de gânglios inchados em 0,3% dos vacinados também é esperado durante uma resposta imune forte. Não foram detectados efeitos adversos mais graves relacionados à vacina. 

Agora o mais importante: a eficácia da vacina. A vacina, como já divulgado na imprensa, apresenta 95% de eficácia (esse valor está entre 90,3% e 97,6% com 95% de certeza). Os dados que permitiram essa conclusão estão na figura abaixo e são tão claros que vale a pena entender a figura. No eixo horizontal está o número de dias decorridos desde que a pessoa foi vacinada. Ele vai de zero (o dia da vacinação) até 105 dias. O eixo vertical indica a porcentagem das pessoas do grupo que recebeu o placebo ou a vacina que apresentou sintomas de Covid-19 e testou positivo.

Cada degrauzinho, em cada uma das duas curvas, representa o aparecimento de uma pessoa com Covid-19. A linha verde representa os casos de Covid-19 detectados entre as pessoas que receberam placebo. Veja que entre todos os que foram injetados com o placebo existem uma ou duas pessoas que apresentaram a doença logo no dia seguinte da vacinação, e pessoas que pegaram a doença em diferentes dias após receberem o placebo.

O que dá para ver é que ao longo do tempo o número de pessoas que pegou a doença após receber o placebo sobe constantemente, atingindo 2,4% de todos os injetados: 162 pessoas tiveram Covid-19 nos 105 dias. É claro que se o estudo continuar por mais alguns meses esse número vai continuar a crescer à medida que o vírus se espalha entre os voluntários que receberam o placebo. Esse crescimento contrasta com o que aconteceu com as pessoas que receberam a injeção com a vacina (linha vermelha).

Nos primeiros 7 dias após receberem a vacina algumas pessoas (6) contraíram Covid-19 e a linha vermelha acompanha a verde (é o tempo que leva para a vacina começar a funcionar). Mas a partir desse ponto o número de pessoas que apresentaram Covid-19 praticamente para de crescer. Nos 105 dias em que durou o estudo, somente 8 pessoas contraíram Covid-19. Ou seja, em dois grupos idênticos de pessoas, que viveram exatamente no mesmo ambiente durante 105 dias, no grupo dos que receberam o placebo 162 ficaram doentes. Já entre os que receberam a vacina somente 8 ficaram doentes.

A eficácia da vacina é calculada de maneira muito sofisticada, mas você pode fazer uma conta simples, dividindo 162 por 8. O resultado é 20, ou seja, as pessoas que receberam placebo têm aproximadamente 20 vezes mais chance de pegar a doença. A eficácia calculada é de 95%. Mas você sequer precisa fazer a conta, basta ver que a linha vermelha é quase horizontal e a verde sobe constantemente ao longo do tempo, o que indica que a vacina funciona: vacinados não ficam doentes, quem recebe o placebo fica. No trabalho da AstraZeneca/Oxford existe uma figura semelhante, mas lá a curva vermelha sobe, mais lentamente que a verde, mas sobe, indicando uma eficácia de 62%. No dia 15 de dezembro vamos saber a curva da Coronavac.

Para quem ainda não acredita no poder da ciência é bom lembrar que o time de cientistas da BioNTech começou a desenvolver a vacina no dia 10 de janeiro de 2020, quando os cientistas chineses publicaram a sequência do novo Coronavírus. Em 27 de julho começaram os ensaios de Fase 3, e agora, em 10 de dezembro de 2020, exatos 11 meses depois, já temos uma vacina que comprovadamente funciona, que é segura, já foi aprovada e está sendo usada para vacinar a população. Todo o esforço científico desse ano resultou em muitos novos conhecimentos, mas também em algo extremamente útil, uma vacina capaz de salvar milhões de vidas. Entendeu por que a ciência é importante?

MAIS INFORMAÇÕES: SAFETY AND EFFICACY OF THE BNT162B2 MRNA COVID-19 VACCINE. NEJM, DOI: 10.1056/NEJMOA2034577 (2020)

*É BIÓLOGO, PHD EM BIOLOGIA CELULAR E MOLECULAR PELA CORNELL UNIVERSITY E AUTOR DE A CHEGADA DO NOVO CORONAVÍRUS NO BRASIL; FOLHA DE LÓTUS, ESCORREGADOR DE MOSQUITO; E A LONGA MARCHA DOS GRILOS CANIBAIS

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