SÃO PAULO – Uma estratégia de isolamento social que só mantenha idosos em casa, como sugere o presidente Jair Bolsonaro, ainda poderia levar à morte mais de 529 mil pessoas no Brasil em decorrência da covid-19. A taxa é um pouco menos da metade da que poderia ocorrer se nada fosse feito no País para conter a dispersão do novo coronavírus. Mas é muito mais alta do que os resultados que poderiam ser conseguidos com uma estratégia rápida e ampla de isolamento social.
Os números fazem parte da nova pesquisa do Grupo de Resposta à Covid-19 do Imperial College de Londres, instituição que vem fazendo quase em tempo real projeções matemáticas do crescimento da pandemia e avaliações das ações em andamento. Foi um trabalho dessa equipe com projeções para os Estados Unidos e o Reino Unido, que fez o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, recuar sobre a ideia de adotar um isolamento vertical (quarentena só de alguns grupos, como idosos e doentes crônicos).
Johnson foi diagnosticado com coronavírus nesta sexta-feira, 27. Segundo o jornal The New York Times, a estimativa também influenciou a Casa Branca a enrijecer medidas de isolamento.
Bolsonaro, porém, voltou a defender o fim do isolamento social nesta sexta. ‘Infelizmente algumas mortes terão. Paciência’, disse, à BandTV. “O brasileiro quer trabalhar. Esse negócio de confinamento aí tem de acabar, temos de voltar às nossas rotinas. Deixem os pais, os velhinhos, os avós em casa e vamos trabalhar."
O trabalho mais recente do Imperial College, divulgado nessa quinta-feira, 26, expandiu a modelagem para 202 países (veja aqui o trabalho, em inglês). Os cientistas, liderados por Neil Ferguson, comparam os possíveis impactos sobre a mortalidade em vários cenários: ausência de intervenções, com distanciamento social mais brando, que eles chamam de mitigação, ou mais restrito, que é a chamada supressão.
As estimativas foram feitas com base nos dados da China e de países de alta renda, o que pode significar que para as nações de baixa renda a realidade possa ser ainda mais grave que a apontada no trabalho. Os pesquisadores consideram que se houvesse no Brasil uma restrição mais ampla de isolamento, e feita de modo rápido, os resultados seriam bem menos dramáticos. Mas ainda poderiam ocorrer cerca de 44 mil mortes.
A eficácia do isolamento mais amplo, como preconizado pela Organização Mundial da Saúde, seria sentida em todo o mundo, de acordo com a modelagem feita pelo grupo. Eles projetam que na ausência de intervenções, a covid-19 resultaria em 7 bilhões de infecções e 40 milhões de mortes em todo o mundo este ano – 1,15 milhão é o estimado para o Brasil se nada fosse feito.
“Estratégias de mitigação focadas na blindagem de idosos (redução de 60% nos contatos sociais) e desaceleração, mas não interrupção da transmissão (redução de 40% nos contatos sociais para uma população mais ampla) poderia reduzir esse ônus pela metade, salvando 20 milhões de vidas, mas prevemos que, mesmo nesse cenário, os sistemas de saúde em todos os países será rapidamente sobrecarregado”, escrevem os cientistas.
“É provável que esse efeito seja mais grave em contextos de baixa renda onde a capacidade é mais baixa. Como resultado, prevemos que o verdadeiro ônus em ambientes de baixa renda que buscam estratégias de mitigação podem ser substancialmente mais altos do que refletido nessas estimativas”, continuam os pesquisadores. O Brasil já prevê demanda crescente no SUS. Até está sexta-feira, o País já tinha 92 mortes confirmadas em decorrência da covid-19.
Sobrecarga do sistema de saúde
Os autores apontam ainda que a demanda por assistência médica só ficará em níveis manejáveis com uma rápida adoção de medidas de saúde pública para suprimir a transmissão, semelhantes às adotadas, por exemplo, na China e na Coreia do Sul. Eles listam os testes em massa, o isolamento de casos e medidas mais amplas de distanciamento social.
“Se uma estratégia de supressão for implementada precocemente (quando houver uma taxa de 0,2 mortes por 100 mil habitantes por semana) e sustentada, então 38,7 milhões de vidas podem ser salvas. Se for iniciada quando o número de óbitos for maior (1,6 óbitos por 100 mil habitantes por semana), então só 30,7 milhões de vidas poderiam ser salvas”, escrevem. “Atrasos na implementação de estratégias para suprimir a transmissão levará a piores resultados e menos vidas salvas.”
Eles ponderam que não consideraram nos cálculos os impactos sociais e econômicos mais amplos da supressão e reconhecem que eles serão altos e podem ser desproporcionais em ambientes de baixa renda. Reforçam também, como já tinham dito nos estudos anteriores, que as estratégias de supressão teriam de ser mantidas, com breves interrupções, até que vacinas ou tratamentos eficazes se tornem disponíveis.
“Nossa análise destaca as decisões desafiadoras enfrentadas por todos os governos nas próximas semanas e meses, mas demonstra como uma ação rápida, decisiva e coletiva agora poderia salvar milhões de vidas”, resumem.
Entenda os cenários usados no estudo
Ação zero: No cenário em que nenhuma providência é tomada para frear o avanço do novo coronavírus, os pesquisadores preveem cerca de 1,15 milhão de mortes no Brasil.
Mitigação com distanciamento social leve: No cenário com regras menos rígidas de isolamento, a previsão é de cerca de 627 mil óbitos.
Mitigação com foco no distanciamento de idosos: Nesse cenário, o modelo dos cientistas prevê que cidadãos com mais de 70 anos vão reduzir seus contatos sociais em 60%. Nessa perspectiva, são projetadas 529 mil mortes. O presidente Bolsonaro defende isolamento só de alguns grupos, como dos mais velhos e de risco, para prejudicar menos a economia.
Supressão: Esse é o cenário de distanciamento social intensivo em larga escala, com redução de 75% nas taxas de contato interpessoal, para suprimir rapidamente a transmissão e minimizar casos e mortes a curto prazo. Seu objetivo também é evitar que os pacientes mais graves cheguem ao mesmo tempo nos hospitais. Com a adoção dessa medida, o total de mortes previstas varia de 44 mil para 206 mil, a depender da data em que a estratégia é iniciada.