Silvia Soraia da Silva sofreu uma queda do colo da babá quando tinha 3 anos. As consequências deste acidente doméstico foram dramáticas. Erro médico na colocação de um gesso fez que uma fratura na fíbula se transformasse em uma infecção. Por pouco ela não precisou amputar a perna.
Mesmo com a orientação médica de não praticar nenhum esporte, ela se formou em educação física. O destino quis que ela trabalhasse com pessoas com deficiência. O trabalho, que ela renegou no começo, transformou-se em um espelho de sua própria história. Além de ser diretora técnica do Comitê Paraolímpico Brasileiro, Silvia montou dois trabalhos sociais: o Esporte é Educar (para pessoas com deficiência) e o Instituto Princesas Voleibol.
Na quadra do Pirituba Futebol Clube, na zona norte da cidade, Silvia Soraia da Silva, de 45 anos, diretora técnica do Comitê Paraolímpico Brasileiro, recebe uma bola mal levantada, mas aproxima-se da rede e... corta!
Agora, ela tem 3 anos e está no colo de uma babá. Na verdade, no colo de uma garota jovem, amiga da família, que cuidava de Silvia e dos irmãos enquanto os pais estavam trabalhando fora. Em um momento de distração, a babá derruba a criança. Silvia chora, mas, aparentemente, nada de mais grave aconteceu. Quando os pais de Silvia voltam para casa, nenhuma palavra sobre aquele que parecia ser um pequeno acidente doméstico.
Só que a noite foi ruim. Silvia não para de chorar e apresenta um quadro de febre alta. A família correu para um pronto-socorro. Lá, os médicos detectaram uma fratura na fíbula da perna esquerda. A menina foi engessada e a história deveria terminar aqui.
Mas se passaram muitos dias e a garota continuou chorando e com febre. No limite, a mãe de Silvia conseguiu uma consulta no Hospital das Clínicas. Só ali, descobriram que ela tinha sido engessada de forma errada (o gesso estava torto) e, por isso, Silvia teve osteomielite (nome que se dá à infecção no osso causada por bactérias, micobactérias ou fungos).
De acordo com Silvia, a infecção começou a “corroer” o osso de forma acelerada (principalmente porque ela estava em fase de crescimento). A situação evoluiu para internações, pequenas cirurgias, pinos, muletas, cadeiras de roda, gaiolas (aquelas que ficam ao redor da perna) e engates.
Parte da infância de Silvia foi vivida dentro de hospitais. A outra parte, na escola, foi ouvindo algumas crianças repetirem: “Lá vem a aleijada” e outras crueldades. Ainda assim, a menina procurou o meio mais improvável para se integrar: o esporte. Nos dias em que não sentia dor, e usando botas ortopédicas enormes, ela jogava tudo o que conseguia: “Aos 8 anos, ganhei minha primeira medalha. Ganhei o campeonato de queimada na escola”.
Entre os 15 e 18 anos, a situação complicou-se, embora a infecção estivesse controlada, o distanciamento entre os ossos aumentou (bem como o desencaixe do tornozelo). Na mesa, a possibilidade de um enxerto ou mesmo de amputação. “Os médicos diziam que eu não poderia fazer exercícios de impacto. Só piscina. Mas apaixonada por esporte, decidi fazer faculdade de Educação Física”, disse. Ao comunicar aos médicos sua opção, o pânico se instalou: “Eles não queriam, mas a minha decisão estava tomada”.
ESTAÇÃO ESPECIAL. Na faculdade, praticou todos os esportes possíveis e imagináveis com bola, inclusive o vôlei. Um dos professores acabou indicando-a para um estágio na Febem (hoje, Fundação Casa). “Na entrevista para o estágio, me disseram que o meu perfil era mais adequado para outra vaga, na Estação Especial da Lapa – que mantinha programas de esporte para pessoas com deficiência”, lembrou.
A primeira reação foi de negação. “O que eu iria fazer com aquelas pessoas? Tinha gente sem braço, cega, com deficiência mental”, falou. A pedido do seu professor de faculdade, decidiu experimentar o trabalho por um mês. O período foi o suficiente para entender o quanto ela tinha para ensinar e aprender naquele ambiente: “Percebi que aquela era a minha história. Na escola, me viam como incapaz, uma ‘aleijadinha’. E eu provei que podia fazer o que quisesse. Aquelas pessoas estavam vivendo algo parecido. Eu entendi que, assim como eu, eles poderiam fazer aquilo que quisessem”.
Silvia abraçou a causa. Sua dedicação e a participação na formação de atletas paraolímpicos de ponta fizeram com que ela fosse convidada para trabalhar no Comitê Paraolímpico Brasileiro. Com 10 anos de trabalho, Silvia é conhecida como “mãezona” no comitê. O trabalho dela é, justamente, prestar assistência aos atletas paraolímpicos que precisam sair de suas cidades para treinar em São Paulo: “Sou o ombro amigo e confidente, quem está lá para qualquer coisa”.
Paralelamente, Silvia montou dois trabalhos sociais: o Esporte é Educar (para pessoas com deficiência) e o Instituto Princesas Voleibol (que promove jogos entre mulheres e atua na arrecadação de alimentos): “O esporte é a minha vida. E ele é para todos. Não importam os obstáculos”.