Exposição ao excesso de luz noturna pode ter relação com maior risco de Alzheimer, aponta pesquisa


Relação ainda precisa ser melhor estudada, mas mudanças ambientais têm grande potencial como medida de proteção coletiva

Por Leon Ferrari

Uma maior exposição à luz noturna ao ar livre (chamada de poluição luminosa) foi associada a uma maior prevalência de Alzheimer, principal causa de demência no mundo, de acordo com estudo do Centro Médico da Universidade Rush, nos Estados Unidos, publicado na última sexta-feira, 6, na revista Frontiers in Neuroscience.

Os pesquisadores analisaram dados de satélite de 48 Estados americanos (apenas Alasca e Havaí ficaram de fora) e de pacientes do Medicare, programa governamental que oferece cuidados de saúde para pessoas com doenças crônicas.

“Isso foi observado tanto para a média de 2012 a 2018 quanto para cada ano analisado individualmente, em pessoas com mais e menos de 65 anos, em ambos os sexos”, diz o artigo.

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Para pesquisadores, poluição luminosa pode afetar o relógio biológico, gerando um quadro inflamatório Foto: Jose Luis Stephens/Adobe Stock

O que surpreendeu os cientistas foi que entre indivíduos com menos de 65 anos, a intensidade da luz noturna foi associada à prevalência de Alzheimer em maior grau do que todos os outros fatores de risco adicionados ao modelo.

Segundo eles, pessoas mais jovens podem ser particularmente sensíveis aos efeitos prejudiciais da luz à noite. No entanto, os dados do Medicare são limitados em relação a essa população (o programa é destinado principalmente a idosos).

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Limitações e destaques

O estudo tem limitações. Elas vão desde a máxima resolução alcançada com os satélites — no nível de condado, subdivisão que pode incluir várias cidades — até uma possível confusão com a poluição do ar e sonora.

Ele acerta, porém, ao propor analisar o impacto de fatores ambientais no desenvolvimento do Alzheimer e, subsequentemente, da demência, síndrome marcada por declínio da função cognitiva (capacidade de processar pensamentos) e perda de autonomia.

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Além de fatores genéticos, há 14 hábitos modificáveis associados à doença — veja aqui a lista completa — e a exposição à poluição luminosa não figura entre eles.

“Ao analisar todos os indivíduos, a intensidade média da luz noturna foi associada à prevalência da doença de Alzheimer, mesmo quando considerados o abuso de álcool, doença renal crônica, depressão, insuficiência cardíaca e obesidade”, escreveram os pesquisadores. Segundo eles, isso significa que a poluição luminosa pode ter uma influência mais forte do que fatores de risco conhecidos.

No entanto, outros fatores, como fibrilação atrial (um tipo de arritmia), diabetes, hiperlipidemia, hipertensão e acidente vascular cerebral, incluídos no modelo deles, também foram fortemente associados à prevalência de Alzheimer.

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Como?

Para a professora Robin Voigt, autora principal do estudo e diretora do Circadian Rhythm Research Laboratory, da Universidade Rush, a principal hipótese está na disrupção do ritmo circadiano.

Popularmente chamado de “relógio biológico”, o ritmo circadiano está relacionado a como nosso corpo e suas funcionalidades variam ao longo de um dia. “Quando o interrompemos, promovemos doenças mediadas por inflamação”, explicou Robin ao Estadão.

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“Sabemos que a interrupção dos ritmos circadianos leva ao aumento da produção de inflamação, com as células do sistema imunológico produzindo mais citocinas pró-inflamatórias. Isso pode estar relacionado a mudanças no microbioma intestinal. A interrupção circadiana impacta a barreira intestinal, levando à permeabilidade intestinal”, continuou.

A influência no microbioma e na barreira intestinal pode ser um dos fatores-chave no Alzheimer. “Quando esses dois fatores estão presentes, ocorre neuroinflamação, há uma ruptura da barreira hematoencefálica, e células imunes periféricas podem entrar no cérebro”, disse a cientista.

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Nesse cenário, bactérias podem chegar ao cérebro e ativar as microglias (células do sistema nervoso central que têm função parecida com a dos glóbulos brancos), que, cronicamente ativadas, afetam os neurônios, desencadeando um processo de neurodegeneração.

Além disso, a interrupção do ciclo circadiano está associada a distúrbios do sono, que também estão na mira dos estudiosos da demência.

O que dizem outros cientistas

Estudar a relação entre poluição luminosa e Alzheimer é algo bastante inovador, mas, de acordo com uma revisão de pesquisadores da Universidade Médica de Wroclaw, na Polônia, publicada na revista Springer Link, “há um número crescente de pesquisas sublinhando a complexidade dessa correlação”.

Estudos com modelos animais, que vão de moscas a camundongos, incluindo pesquisas do grupo de Robin, exploram como a exposição à luz durante a noite pode promover a neurodegeneração. Embora esse tipo de estudo seja importante, são necessárias pesquisas que acompanhem pacientes, de preferência a partir dos 40 anos, inclusive com dispositivos vestíveis que permitam medir a exposição à luz dentro de casa.

Uma das limitações do estudo publicado na última semana, por exemplo, é utilizar como base o endereço que a pessoa informou no momento do atendimento médico, sem considerar há quanto tempo a pessoa residia ali ou mesmo se permaneceu na residência.

“Os dados são muito interessantes e o desenho do estudo é muito criativo”, opina a geriatra Claudia Kimie Suemoto, professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), que não esteve envolvida na pesquisa.

Ela destaca, porém, que a relação precisa ser mais estudada. “O estudo usa informações um pouquinho mais macro do que deveria ser”, avalia. “Também fica um pouco difícil separar o que é poluição luminosa, de partículas (no ar) e sonora. Áreas muito iluminadas normalmente têm muito carro passando, muito trânsito, muita partícula e muito som.”

A exposição à poluição do ar já integra a lista de 14 fatores modificáveis, e Cláudia destaca que fatores ambientais como esse podem ser muito importantes para enfrentar as demências como um problema de saúde pública.

“Mesmo que o efeito individual seja pequeno, o efeito populacional é maior, porque se eu modificar determinado fator ambiental, provavelmente vou influenciar muito mais vidas.”

O que fazer?

“Nenhum fator isolado vai determinar se você vai ou não desenvolver a doença de Alzheimer. É necessário considerar a totalidade de uma pessoa”, ressaltou Robin.

O estudo considera apenas a luz externa, como a proveniente da iluminação pública, mas, para a pesquisadora, a exposição dentro de casa pode ser importante — e é controlável. “A poluição luminosa é algo realmente fácil de abordar dentro de nossas casas”, disse.

“Fora delas, é um pouco mais desafiador. No entanto, se conseguirmos fazer pequenas mudanças que reduzam nossa exposição à luz à noite e, consequentemente, diminuam um pouco o risco de Alzheimer, por que não?”, indagou.

Por fim, ela deu dicas de como enfrentar a poluição luminosa:

  • Reduzir o uso de eletrônicos, como smartphones e televisores, à noite;
  • Preferir luzes mais quentes para iluminar sua casa, em vez das lâmpadas brancas;
  • Recorrer a máscaras para dormir;
  • Usar cortinas blackout.

Uma maior exposição à luz noturna ao ar livre (chamada de poluição luminosa) foi associada a uma maior prevalência de Alzheimer, principal causa de demência no mundo, de acordo com estudo do Centro Médico da Universidade Rush, nos Estados Unidos, publicado na última sexta-feira, 6, na revista Frontiers in Neuroscience.

Os pesquisadores analisaram dados de satélite de 48 Estados americanos (apenas Alasca e Havaí ficaram de fora) e de pacientes do Medicare, programa governamental que oferece cuidados de saúde para pessoas com doenças crônicas.

“Isso foi observado tanto para a média de 2012 a 2018 quanto para cada ano analisado individualmente, em pessoas com mais e menos de 65 anos, em ambos os sexos”, diz o artigo.

Para pesquisadores, poluição luminosa pode afetar o relógio biológico, gerando um quadro inflamatório Foto: Jose Luis Stephens/Adobe Stock

O que surpreendeu os cientistas foi que entre indivíduos com menos de 65 anos, a intensidade da luz noturna foi associada à prevalência de Alzheimer em maior grau do que todos os outros fatores de risco adicionados ao modelo.

Segundo eles, pessoas mais jovens podem ser particularmente sensíveis aos efeitos prejudiciais da luz à noite. No entanto, os dados do Medicare são limitados em relação a essa população (o programa é destinado principalmente a idosos).

Limitações e destaques

O estudo tem limitações. Elas vão desde a máxima resolução alcançada com os satélites — no nível de condado, subdivisão que pode incluir várias cidades — até uma possível confusão com a poluição do ar e sonora.

Ele acerta, porém, ao propor analisar o impacto de fatores ambientais no desenvolvimento do Alzheimer e, subsequentemente, da demência, síndrome marcada por declínio da função cognitiva (capacidade de processar pensamentos) e perda de autonomia.

Além de fatores genéticos, há 14 hábitos modificáveis associados à doença — veja aqui a lista completa — e a exposição à poluição luminosa não figura entre eles.

“Ao analisar todos os indivíduos, a intensidade média da luz noturna foi associada à prevalência da doença de Alzheimer, mesmo quando considerados o abuso de álcool, doença renal crônica, depressão, insuficiência cardíaca e obesidade”, escreveram os pesquisadores. Segundo eles, isso significa que a poluição luminosa pode ter uma influência mais forte do que fatores de risco conhecidos.

No entanto, outros fatores, como fibrilação atrial (um tipo de arritmia), diabetes, hiperlipidemia, hipertensão e acidente vascular cerebral, incluídos no modelo deles, também foram fortemente associados à prevalência de Alzheimer.

Como?

Para a professora Robin Voigt, autora principal do estudo e diretora do Circadian Rhythm Research Laboratory, da Universidade Rush, a principal hipótese está na disrupção do ritmo circadiano.

Popularmente chamado de “relógio biológico”, o ritmo circadiano está relacionado a como nosso corpo e suas funcionalidades variam ao longo de um dia. “Quando o interrompemos, promovemos doenças mediadas por inflamação”, explicou Robin ao Estadão.

“Sabemos que a interrupção dos ritmos circadianos leva ao aumento da produção de inflamação, com as células do sistema imunológico produzindo mais citocinas pró-inflamatórias. Isso pode estar relacionado a mudanças no microbioma intestinal. A interrupção circadiana impacta a barreira intestinal, levando à permeabilidade intestinal”, continuou.

A influência no microbioma e na barreira intestinal pode ser um dos fatores-chave no Alzheimer. “Quando esses dois fatores estão presentes, ocorre neuroinflamação, há uma ruptura da barreira hematoencefálica, e células imunes periféricas podem entrar no cérebro”, disse a cientista.

Nesse cenário, bactérias podem chegar ao cérebro e ativar as microglias (células do sistema nervoso central que têm função parecida com a dos glóbulos brancos), que, cronicamente ativadas, afetam os neurônios, desencadeando um processo de neurodegeneração.

Além disso, a interrupção do ciclo circadiano está associada a distúrbios do sono, que também estão na mira dos estudiosos da demência.

O que dizem outros cientistas

Estudar a relação entre poluição luminosa e Alzheimer é algo bastante inovador, mas, de acordo com uma revisão de pesquisadores da Universidade Médica de Wroclaw, na Polônia, publicada na revista Springer Link, “há um número crescente de pesquisas sublinhando a complexidade dessa correlação”.

Estudos com modelos animais, que vão de moscas a camundongos, incluindo pesquisas do grupo de Robin, exploram como a exposição à luz durante a noite pode promover a neurodegeneração. Embora esse tipo de estudo seja importante, são necessárias pesquisas que acompanhem pacientes, de preferência a partir dos 40 anos, inclusive com dispositivos vestíveis que permitam medir a exposição à luz dentro de casa.

Uma das limitações do estudo publicado na última semana, por exemplo, é utilizar como base o endereço que a pessoa informou no momento do atendimento médico, sem considerar há quanto tempo a pessoa residia ali ou mesmo se permaneceu na residência.

“Os dados são muito interessantes e o desenho do estudo é muito criativo”, opina a geriatra Claudia Kimie Suemoto, professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), que não esteve envolvida na pesquisa.

Ela destaca, porém, que a relação precisa ser mais estudada. “O estudo usa informações um pouquinho mais macro do que deveria ser”, avalia. “Também fica um pouco difícil separar o que é poluição luminosa, de partículas (no ar) e sonora. Áreas muito iluminadas normalmente têm muito carro passando, muito trânsito, muita partícula e muito som.”

A exposição à poluição do ar já integra a lista de 14 fatores modificáveis, e Cláudia destaca que fatores ambientais como esse podem ser muito importantes para enfrentar as demências como um problema de saúde pública.

“Mesmo que o efeito individual seja pequeno, o efeito populacional é maior, porque se eu modificar determinado fator ambiental, provavelmente vou influenciar muito mais vidas.”

O que fazer?

“Nenhum fator isolado vai determinar se você vai ou não desenvolver a doença de Alzheimer. É necessário considerar a totalidade de uma pessoa”, ressaltou Robin.

O estudo considera apenas a luz externa, como a proveniente da iluminação pública, mas, para a pesquisadora, a exposição dentro de casa pode ser importante — e é controlável. “A poluição luminosa é algo realmente fácil de abordar dentro de nossas casas”, disse.

“Fora delas, é um pouco mais desafiador. No entanto, se conseguirmos fazer pequenas mudanças que reduzam nossa exposição à luz à noite e, consequentemente, diminuam um pouco o risco de Alzheimer, por que não?”, indagou.

Por fim, ela deu dicas de como enfrentar a poluição luminosa:

  • Reduzir o uso de eletrônicos, como smartphones e televisores, à noite;
  • Preferir luzes mais quentes para iluminar sua casa, em vez das lâmpadas brancas;
  • Recorrer a máscaras para dormir;
  • Usar cortinas blackout.

Uma maior exposição à luz noturna ao ar livre (chamada de poluição luminosa) foi associada a uma maior prevalência de Alzheimer, principal causa de demência no mundo, de acordo com estudo do Centro Médico da Universidade Rush, nos Estados Unidos, publicado na última sexta-feira, 6, na revista Frontiers in Neuroscience.

Os pesquisadores analisaram dados de satélite de 48 Estados americanos (apenas Alasca e Havaí ficaram de fora) e de pacientes do Medicare, programa governamental que oferece cuidados de saúde para pessoas com doenças crônicas.

“Isso foi observado tanto para a média de 2012 a 2018 quanto para cada ano analisado individualmente, em pessoas com mais e menos de 65 anos, em ambos os sexos”, diz o artigo.

Para pesquisadores, poluição luminosa pode afetar o relógio biológico, gerando um quadro inflamatório Foto: Jose Luis Stephens/Adobe Stock

O que surpreendeu os cientistas foi que entre indivíduos com menos de 65 anos, a intensidade da luz noturna foi associada à prevalência de Alzheimer em maior grau do que todos os outros fatores de risco adicionados ao modelo.

Segundo eles, pessoas mais jovens podem ser particularmente sensíveis aos efeitos prejudiciais da luz à noite. No entanto, os dados do Medicare são limitados em relação a essa população (o programa é destinado principalmente a idosos).

Limitações e destaques

O estudo tem limitações. Elas vão desde a máxima resolução alcançada com os satélites — no nível de condado, subdivisão que pode incluir várias cidades — até uma possível confusão com a poluição do ar e sonora.

Ele acerta, porém, ao propor analisar o impacto de fatores ambientais no desenvolvimento do Alzheimer e, subsequentemente, da demência, síndrome marcada por declínio da função cognitiva (capacidade de processar pensamentos) e perda de autonomia.

Além de fatores genéticos, há 14 hábitos modificáveis associados à doença — veja aqui a lista completa — e a exposição à poluição luminosa não figura entre eles.

“Ao analisar todos os indivíduos, a intensidade média da luz noturna foi associada à prevalência da doença de Alzheimer, mesmo quando considerados o abuso de álcool, doença renal crônica, depressão, insuficiência cardíaca e obesidade”, escreveram os pesquisadores. Segundo eles, isso significa que a poluição luminosa pode ter uma influência mais forte do que fatores de risco conhecidos.

No entanto, outros fatores, como fibrilação atrial (um tipo de arritmia), diabetes, hiperlipidemia, hipertensão e acidente vascular cerebral, incluídos no modelo deles, também foram fortemente associados à prevalência de Alzheimer.

Como?

Para a professora Robin Voigt, autora principal do estudo e diretora do Circadian Rhythm Research Laboratory, da Universidade Rush, a principal hipótese está na disrupção do ritmo circadiano.

Popularmente chamado de “relógio biológico”, o ritmo circadiano está relacionado a como nosso corpo e suas funcionalidades variam ao longo de um dia. “Quando o interrompemos, promovemos doenças mediadas por inflamação”, explicou Robin ao Estadão.

“Sabemos que a interrupção dos ritmos circadianos leva ao aumento da produção de inflamação, com as células do sistema imunológico produzindo mais citocinas pró-inflamatórias. Isso pode estar relacionado a mudanças no microbioma intestinal. A interrupção circadiana impacta a barreira intestinal, levando à permeabilidade intestinal”, continuou.

A influência no microbioma e na barreira intestinal pode ser um dos fatores-chave no Alzheimer. “Quando esses dois fatores estão presentes, ocorre neuroinflamação, há uma ruptura da barreira hematoencefálica, e células imunes periféricas podem entrar no cérebro”, disse a cientista.

Nesse cenário, bactérias podem chegar ao cérebro e ativar as microglias (células do sistema nervoso central que têm função parecida com a dos glóbulos brancos), que, cronicamente ativadas, afetam os neurônios, desencadeando um processo de neurodegeneração.

Além disso, a interrupção do ciclo circadiano está associada a distúrbios do sono, que também estão na mira dos estudiosos da demência.

O que dizem outros cientistas

Estudar a relação entre poluição luminosa e Alzheimer é algo bastante inovador, mas, de acordo com uma revisão de pesquisadores da Universidade Médica de Wroclaw, na Polônia, publicada na revista Springer Link, “há um número crescente de pesquisas sublinhando a complexidade dessa correlação”.

Estudos com modelos animais, que vão de moscas a camundongos, incluindo pesquisas do grupo de Robin, exploram como a exposição à luz durante a noite pode promover a neurodegeneração. Embora esse tipo de estudo seja importante, são necessárias pesquisas que acompanhem pacientes, de preferência a partir dos 40 anos, inclusive com dispositivos vestíveis que permitam medir a exposição à luz dentro de casa.

Uma das limitações do estudo publicado na última semana, por exemplo, é utilizar como base o endereço que a pessoa informou no momento do atendimento médico, sem considerar há quanto tempo a pessoa residia ali ou mesmo se permaneceu na residência.

“Os dados são muito interessantes e o desenho do estudo é muito criativo”, opina a geriatra Claudia Kimie Suemoto, professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), que não esteve envolvida na pesquisa.

Ela destaca, porém, que a relação precisa ser mais estudada. “O estudo usa informações um pouquinho mais macro do que deveria ser”, avalia. “Também fica um pouco difícil separar o que é poluição luminosa, de partículas (no ar) e sonora. Áreas muito iluminadas normalmente têm muito carro passando, muito trânsito, muita partícula e muito som.”

A exposição à poluição do ar já integra a lista de 14 fatores modificáveis, e Cláudia destaca que fatores ambientais como esse podem ser muito importantes para enfrentar as demências como um problema de saúde pública.

“Mesmo que o efeito individual seja pequeno, o efeito populacional é maior, porque se eu modificar determinado fator ambiental, provavelmente vou influenciar muito mais vidas.”

O que fazer?

“Nenhum fator isolado vai determinar se você vai ou não desenvolver a doença de Alzheimer. É necessário considerar a totalidade de uma pessoa”, ressaltou Robin.

O estudo considera apenas a luz externa, como a proveniente da iluminação pública, mas, para a pesquisadora, a exposição dentro de casa pode ser importante — e é controlável. “A poluição luminosa é algo realmente fácil de abordar dentro de nossas casas”, disse.

“Fora delas, é um pouco mais desafiador. No entanto, se conseguirmos fazer pequenas mudanças que reduzam nossa exposição à luz à noite e, consequentemente, diminuam um pouco o risco de Alzheimer, por que não?”, indagou.

Por fim, ela deu dicas de como enfrentar a poluição luminosa:

  • Reduzir o uso de eletrônicos, como smartphones e televisores, à noite;
  • Preferir luzes mais quentes para iluminar sua casa, em vez das lâmpadas brancas;
  • Recorrer a máscaras para dormir;
  • Usar cortinas blackout.

Uma maior exposição à luz noturna ao ar livre (chamada de poluição luminosa) foi associada a uma maior prevalência de Alzheimer, principal causa de demência no mundo, de acordo com estudo do Centro Médico da Universidade Rush, nos Estados Unidos, publicado na última sexta-feira, 6, na revista Frontiers in Neuroscience.

Os pesquisadores analisaram dados de satélite de 48 Estados americanos (apenas Alasca e Havaí ficaram de fora) e de pacientes do Medicare, programa governamental que oferece cuidados de saúde para pessoas com doenças crônicas.

“Isso foi observado tanto para a média de 2012 a 2018 quanto para cada ano analisado individualmente, em pessoas com mais e menos de 65 anos, em ambos os sexos”, diz o artigo.

Para pesquisadores, poluição luminosa pode afetar o relógio biológico, gerando um quadro inflamatório Foto: Jose Luis Stephens/Adobe Stock

O que surpreendeu os cientistas foi que entre indivíduos com menos de 65 anos, a intensidade da luz noturna foi associada à prevalência de Alzheimer em maior grau do que todos os outros fatores de risco adicionados ao modelo.

Segundo eles, pessoas mais jovens podem ser particularmente sensíveis aos efeitos prejudiciais da luz à noite. No entanto, os dados do Medicare são limitados em relação a essa população (o programa é destinado principalmente a idosos).

Limitações e destaques

O estudo tem limitações. Elas vão desde a máxima resolução alcançada com os satélites — no nível de condado, subdivisão que pode incluir várias cidades — até uma possível confusão com a poluição do ar e sonora.

Ele acerta, porém, ao propor analisar o impacto de fatores ambientais no desenvolvimento do Alzheimer e, subsequentemente, da demência, síndrome marcada por declínio da função cognitiva (capacidade de processar pensamentos) e perda de autonomia.

Além de fatores genéticos, há 14 hábitos modificáveis associados à doença — veja aqui a lista completa — e a exposição à poluição luminosa não figura entre eles.

“Ao analisar todos os indivíduos, a intensidade média da luz noturna foi associada à prevalência da doença de Alzheimer, mesmo quando considerados o abuso de álcool, doença renal crônica, depressão, insuficiência cardíaca e obesidade”, escreveram os pesquisadores. Segundo eles, isso significa que a poluição luminosa pode ter uma influência mais forte do que fatores de risco conhecidos.

No entanto, outros fatores, como fibrilação atrial (um tipo de arritmia), diabetes, hiperlipidemia, hipertensão e acidente vascular cerebral, incluídos no modelo deles, também foram fortemente associados à prevalência de Alzheimer.

Como?

Para a professora Robin Voigt, autora principal do estudo e diretora do Circadian Rhythm Research Laboratory, da Universidade Rush, a principal hipótese está na disrupção do ritmo circadiano.

Popularmente chamado de “relógio biológico”, o ritmo circadiano está relacionado a como nosso corpo e suas funcionalidades variam ao longo de um dia. “Quando o interrompemos, promovemos doenças mediadas por inflamação”, explicou Robin ao Estadão.

“Sabemos que a interrupção dos ritmos circadianos leva ao aumento da produção de inflamação, com as células do sistema imunológico produzindo mais citocinas pró-inflamatórias. Isso pode estar relacionado a mudanças no microbioma intestinal. A interrupção circadiana impacta a barreira intestinal, levando à permeabilidade intestinal”, continuou.

A influência no microbioma e na barreira intestinal pode ser um dos fatores-chave no Alzheimer. “Quando esses dois fatores estão presentes, ocorre neuroinflamação, há uma ruptura da barreira hematoencefálica, e células imunes periféricas podem entrar no cérebro”, disse a cientista.

Nesse cenário, bactérias podem chegar ao cérebro e ativar as microglias (células do sistema nervoso central que têm função parecida com a dos glóbulos brancos), que, cronicamente ativadas, afetam os neurônios, desencadeando um processo de neurodegeneração.

Além disso, a interrupção do ciclo circadiano está associada a distúrbios do sono, que também estão na mira dos estudiosos da demência.

O que dizem outros cientistas

Estudar a relação entre poluição luminosa e Alzheimer é algo bastante inovador, mas, de acordo com uma revisão de pesquisadores da Universidade Médica de Wroclaw, na Polônia, publicada na revista Springer Link, “há um número crescente de pesquisas sublinhando a complexidade dessa correlação”.

Estudos com modelos animais, que vão de moscas a camundongos, incluindo pesquisas do grupo de Robin, exploram como a exposição à luz durante a noite pode promover a neurodegeneração. Embora esse tipo de estudo seja importante, são necessárias pesquisas que acompanhem pacientes, de preferência a partir dos 40 anos, inclusive com dispositivos vestíveis que permitam medir a exposição à luz dentro de casa.

Uma das limitações do estudo publicado na última semana, por exemplo, é utilizar como base o endereço que a pessoa informou no momento do atendimento médico, sem considerar há quanto tempo a pessoa residia ali ou mesmo se permaneceu na residência.

“Os dados são muito interessantes e o desenho do estudo é muito criativo”, opina a geriatra Claudia Kimie Suemoto, professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), que não esteve envolvida na pesquisa.

Ela destaca, porém, que a relação precisa ser mais estudada. “O estudo usa informações um pouquinho mais macro do que deveria ser”, avalia. “Também fica um pouco difícil separar o que é poluição luminosa, de partículas (no ar) e sonora. Áreas muito iluminadas normalmente têm muito carro passando, muito trânsito, muita partícula e muito som.”

A exposição à poluição do ar já integra a lista de 14 fatores modificáveis, e Cláudia destaca que fatores ambientais como esse podem ser muito importantes para enfrentar as demências como um problema de saúde pública.

“Mesmo que o efeito individual seja pequeno, o efeito populacional é maior, porque se eu modificar determinado fator ambiental, provavelmente vou influenciar muito mais vidas.”

O que fazer?

“Nenhum fator isolado vai determinar se você vai ou não desenvolver a doença de Alzheimer. É necessário considerar a totalidade de uma pessoa”, ressaltou Robin.

O estudo considera apenas a luz externa, como a proveniente da iluminação pública, mas, para a pesquisadora, a exposição dentro de casa pode ser importante — e é controlável. “A poluição luminosa é algo realmente fácil de abordar dentro de nossas casas”, disse.

“Fora delas, é um pouco mais desafiador. No entanto, se conseguirmos fazer pequenas mudanças que reduzam nossa exposição à luz à noite e, consequentemente, diminuam um pouco o risco de Alzheimer, por que não?”, indagou.

Por fim, ela deu dicas de como enfrentar a poluição luminosa:

  • Reduzir o uso de eletrônicos, como smartphones e televisores, à noite;
  • Preferir luzes mais quentes para iluminar sua casa, em vez das lâmpadas brancas;
  • Recorrer a máscaras para dormir;
  • Usar cortinas blackout.

Uma maior exposição à luz noturna ao ar livre (chamada de poluição luminosa) foi associada a uma maior prevalência de Alzheimer, principal causa de demência no mundo, de acordo com estudo do Centro Médico da Universidade Rush, nos Estados Unidos, publicado na última sexta-feira, 6, na revista Frontiers in Neuroscience.

Os pesquisadores analisaram dados de satélite de 48 Estados americanos (apenas Alasca e Havaí ficaram de fora) e de pacientes do Medicare, programa governamental que oferece cuidados de saúde para pessoas com doenças crônicas.

“Isso foi observado tanto para a média de 2012 a 2018 quanto para cada ano analisado individualmente, em pessoas com mais e menos de 65 anos, em ambos os sexos”, diz o artigo.

Para pesquisadores, poluição luminosa pode afetar o relógio biológico, gerando um quadro inflamatório Foto: Jose Luis Stephens/Adobe Stock

O que surpreendeu os cientistas foi que entre indivíduos com menos de 65 anos, a intensidade da luz noturna foi associada à prevalência de Alzheimer em maior grau do que todos os outros fatores de risco adicionados ao modelo.

Segundo eles, pessoas mais jovens podem ser particularmente sensíveis aos efeitos prejudiciais da luz à noite. No entanto, os dados do Medicare são limitados em relação a essa população (o programa é destinado principalmente a idosos).

Limitações e destaques

O estudo tem limitações. Elas vão desde a máxima resolução alcançada com os satélites — no nível de condado, subdivisão que pode incluir várias cidades — até uma possível confusão com a poluição do ar e sonora.

Ele acerta, porém, ao propor analisar o impacto de fatores ambientais no desenvolvimento do Alzheimer e, subsequentemente, da demência, síndrome marcada por declínio da função cognitiva (capacidade de processar pensamentos) e perda de autonomia.

Além de fatores genéticos, há 14 hábitos modificáveis associados à doença — veja aqui a lista completa — e a exposição à poluição luminosa não figura entre eles.

“Ao analisar todos os indivíduos, a intensidade média da luz noturna foi associada à prevalência da doença de Alzheimer, mesmo quando considerados o abuso de álcool, doença renal crônica, depressão, insuficiência cardíaca e obesidade”, escreveram os pesquisadores. Segundo eles, isso significa que a poluição luminosa pode ter uma influência mais forte do que fatores de risco conhecidos.

No entanto, outros fatores, como fibrilação atrial (um tipo de arritmia), diabetes, hiperlipidemia, hipertensão e acidente vascular cerebral, incluídos no modelo deles, também foram fortemente associados à prevalência de Alzheimer.

Como?

Para a professora Robin Voigt, autora principal do estudo e diretora do Circadian Rhythm Research Laboratory, da Universidade Rush, a principal hipótese está na disrupção do ritmo circadiano.

Popularmente chamado de “relógio biológico”, o ritmo circadiano está relacionado a como nosso corpo e suas funcionalidades variam ao longo de um dia. “Quando o interrompemos, promovemos doenças mediadas por inflamação”, explicou Robin ao Estadão.

“Sabemos que a interrupção dos ritmos circadianos leva ao aumento da produção de inflamação, com as células do sistema imunológico produzindo mais citocinas pró-inflamatórias. Isso pode estar relacionado a mudanças no microbioma intestinal. A interrupção circadiana impacta a barreira intestinal, levando à permeabilidade intestinal”, continuou.

A influência no microbioma e na barreira intestinal pode ser um dos fatores-chave no Alzheimer. “Quando esses dois fatores estão presentes, ocorre neuroinflamação, há uma ruptura da barreira hematoencefálica, e células imunes periféricas podem entrar no cérebro”, disse a cientista.

Nesse cenário, bactérias podem chegar ao cérebro e ativar as microglias (células do sistema nervoso central que têm função parecida com a dos glóbulos brancos), que, cronicamente ativadas, afetam os neurônios, desencadeando um processo de neurodegeneração.

Além disso, a interrupção do ciclo circadiano está associada a distúrbios do sono, que também estão na mira dos estudiosos da demência.

O que dizem outros cientistas

Estudar a relação entre poluição luminosa e Alzheimer é algo bastante inovador, mas, de acordo com uma revisão de pesquisadores da Universidade Médica de Wroclaw, na Polônia, publicada na revista Springer Link, “há um número crescente de pesquisas sublinhando a complexidade dessa correlação”.

Estudos com modelos animais, que vão de moscas a camundongos, incluindo pesquisas do grupo de Robin, exploram como a exposição à luz durante a noite pode promover a neurodegeneração. Embora esse tipo de estudo seja importante, são necessárias pesquisas que acompanhem pacientes, de preferência a partir dos 40 anos, inclusive com dispositivos vestíveis que permitam medir a exposição à luz dentro de casa.

Uma das limitações do estudo publicado na última semana, por exemplo, é utilizar como base o endereço que a pessoa informou no momento do atendimento médico, sem considerar há quanto tempo a pessoa residia ali ou mesmo se permaneceu na residência.

“Os dados são muito interessantes e o desenho do estudo é muito criativo”, opina a geriatra Claudia Kimie Suemoto, professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), que não esteve envolvida na pesquisa.

Ela destaca, porém, que a relação precisa ser mais estudada. “O estudo usa informações um pouquinho mais macro do que deveria ser”, avalia. “Também fica um pouco difícil separar o que é poluição luminosa, de partículas (no ar) e sonora. Áreas muito iluminadas normalmente têm muito carro passando, muito trânsito, muita partícula e muito som.”

A exposição à poluição do ar já integra a lista de 14 fatores modificáveis, e Cláudia destaca que fatores ambientais como esse podem ser muito importantes para enfrentar as demências como um problema de saúde pública.

“Mesmo que o efeito individual seja pequeno, o efeito populacional é maior, porque se eu modificar determinado fator ambiental, provavelmente vou influenciar muito mais vidas.”

O que fazer?

“Nenhum fator isolado vai determinar se você vai ou não desenvolver a doença de Alzheimer. É necessário considerar a totalidade de uma pessoa”, ressaltou Robin.

O estudo considera apenas a luz externa, como a proveniente da iluminação pública, mas, para a pesquisadora, a exposição dentro de casa pode ser importante — e é controlável. “A poluição luminosa é algo realmente fácil de abordar dentro de nossas casas”, disse.

“Fora delas, é um pouco mais desafiador. No entanto, se conseguirmos fazer pequenas mudanças que reduzam nossa exposição à luz à noite e, consequentemente, diminuam um pouco o risco de Alzheimer, por que não?”, indagou.

Por fim, ela deu dicas de como enfrentar a poluição luminosa:

  • Reduzir o uso de eletrônicos, como smartphones e televisores, à noite;
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