‘Faço questão de cuidar da minha esposa’, diz Joaquim, há 50 anos com Maria, que tem Parkinson


Com muito amor, ele precisou reinventar a rotina e aprender a cuidar daquela que sempre o cuidou

Por Ana Lourenço
Atualização:

A medicina estima que uma a cada 100 pessoas com mais de 60 anos sofra com o mal de Parkinson. Conhecida pelos tremores, a condição neurodegenerativa, que é crônica, progressiva e incurável, também causa lentidão motora, rigidez entre as articulações e desequilíbrio – algo que a aposentada Maria Lygia Kopke sofre há 20 anos.

Para a família, e para o próprio paciente ver a progressão diária da doença não é fácil. Mas isso não foi impeditivo para o eletricista aposentado Joaquim Relvas, companheiro de Maria há quase 50 anos. “Faço questão de cuidar da minha esposa. Não vejo como uma obrigação”, conta ele. Com muito amor, ele precisou reinventar a rotina e aprender a cuidar daquela que sempre o cuidou. “Não tenho vergonha nenhuma”, afirma.

“Eu não fico contente em vê-la assim, mas tenho esperança. É a última que morre, né?”, diz Joaquim Relvas sobre sua esposa, Maria Lygia. Aposentado desde 2015, hoje ele passa as tardes cuidado dela, diagnosticada há 20 anos com a doença de Parkinson. “Eu tive que arregaçar as mangas e fazer algo que nunca tinha feito na vida. Mas fui aprendendo, me espelhando na cuidadora profissional”, diz.

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Até 2021, Maria vivia com dificuldades, ainda que dentro de uma rotina flexível. “Andávamos de bicicleta, ou passeávamos nas ruas aqui perto”, lembra Relvas. No entanto, tudo mudou por conta de uma infecção urinária e uma desidratação detectada em dezembro daquele ano.

A partir daí, Maria ficou acamada e passou a precisar de ajuda em tempo integral. De manhã, uma cuidadora presta auxílio, e depois do meio-dia, o marido é quem assume a função. Isso além dos fisioterapeutas, fonoaudiólogos e acupunturistas que fazem visitas frequentes.

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A parte mais difícil é logo após a dosagem de remédios, que fazem com que Maria faça movimentos involuntários ou trave a boca, o que cria saliva em excesso “A cena pode ser difícil, mas eu sei que meia hora depois passa o efeito do remédio”, conta.

A organização é essencial para ter o controle do cuidado, mas o escape do mundo de cuidados também é de suma importância para Seu Joaquim.

“De manhã, curto meus hobbies: andar com meus carros antigos e colecionar moedas. É a minha válvula de escape, porque é uma pressão bastante forte ver ela ali, sem poder sair, sem poder responder quando ela me pergunta: ‘quando vou sair da cama?’. Doí muito no coração”, desabafa.

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Mas depois de lidar com as suas dores, Relvas faz de tudo para tirar as de Maria. “Temos convivências boas, conversamos, assistimos filmes, damos risadas. Hoje em dia, com o celular dá até pra viajar para outros países pelo YouTube”, conta ele, que gosta de ver vídeos de lugares que ele visitou com a esposa. “Já aqueles outros que eu ainda não fui, mostro para ela e brinco: ‘Ó, você tem que melhorar logo para irmos lá’.”

Ela que segurou a barra aqui de casa, com nossos três filhos. Então, eu sempre fui parceiro porque acho que os dois têm de ser um time

Joaquim Relvas

Parceiros de vida

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O lema ‘um pelo outro’ sempre esteve presente no casamento de Joaquim e Maria. “De certa forma, por conta da minha profissão, ela que segurou a barra aqui de casa, com nossos três filhos. Então eu sempre fui parceiro, os dois têm que ser juntos um time. E sempre foi assim, desde o começo”, conta.

O casal se conheceu por meio de amigos em comum e, em 1977, se casaram. “Eu a amo muito graças ao convívio que a gente sempre teve, o carinho, isso de um sempre querer o bem-querer do outro. O segredo é um só: gostar da pessoa, na alegria e na tristeza”, diz.

Quando jovens, Joaquim e Maria gostam de acampar juntos. Muitas vezes, esse não só era o objetivo da viagem, mas suas paradas. “Uma vez fomos de carro para Bahia desde São Paulo e fomos parando para acampar em cada cidade”, conta.

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Se antes os dias eram preenchidos com sossego e tranquilidade, hoje a preocupação toma conta da rotina. “Eu me sinto entristecido com a situação dela. Mas sempre pesquiso sobre a doença e boto fé em algumas coisas novas que estão aparecendo. Acho bastante difícil ter melhoras, mas a gente sempre tem esperanças”, diz Joaquim.

No dia a dia é justamente esse sentimento que mantém as ordens. “Hoje cedo, por exemplo, eu saí para pagar umas contas e quando eu voltei, vi ela me olhando. Quando me aproximei, ela sorriu e falou: ‘Ainda bem que você voltou’. Mas ela sabe que eu sempre vou voltar”, diz ele, emocionado.

‘Não vejo como obrigação’, diz Joaquim Relvas sobre cuidar da esposa Foto: Ricardo Lima/ Estadão
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A doença de Parkinson

A doença de Parkinson decorre de uma diminuição intensa da produção de dopamina, neurotransmissor que ajuda na transmissão de mensagens entre as células nervosas. “A dopamina auxilia na realização dos movimentos voluntários do organismo de forma automática. Na falta dela, o controle motor do paciente é perdido”, explica Marcelo Valadares, neurocirurgião funcional do Hospital Israelita Albert Einstein (SP) e médico chefe da área de Neurocirurgia Funcional da Disciplina de Neurocirurgia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Com o avanço da doença é possível que o paciente tenha um agravamento do quadro e precise de acompanhamento contínuo. Mas quando esse cuidador é da família, como é o caso do Joaquim Relvas, é preciso pensar na saúde mental desse familiar.

“É um exercício de paciência, resiliência, de desenvolvimento da inteligência emocional e, muitas vezes, de afeto”, diz Valadares. “Ledo engano achar que quem cuida não adoece, ainda mais quando existem fortes laços afetivos com o paciente.”

O neurocirurgião ressalva, que são várias questões envolvidas. “Tem o sofrimento de ver o ente querido limitado, tem a questão econômica, porque de uma forma outra você vai ter alguém que muitas vezes vai ter que se dedicar quase que um período integral para o outro. Tem também a questão física, porque o paciente precisa de um espaço para cuidados; a rotina também que precisa ser reorganizada. É uma enormidade de problemas”, coloca.

Assim, ter uma rede de apoio é fundamental para evitar sobrecargas físicas e mentais, assim como “escapes”, como os carros antigos de Seu Joaquim. “É necessário entender que essa pessoa precisa de alguém para substitui-la em plantões, idas a consultas médicas e divisão de tarefas domésticas e administrativas”, diz.

Marcelo Valadares, que também é o médico de Maria Lygia, admira a paciente. “A dona Maria Lygia já tem um quadro avançado e grave, mas ela tem uma boa preservação: capacidade de conversar a maior parte do tempo. Claro que tem uma limitação física muito grande, mas ver uma pessoa com aquela condição física bem humorada, faz você repensar muita coisa da nossa vida”, comenta.

A medicina estima que uma a cada 100 pessoas com mais de 60 anos sofra com o mal de Parkinson. Conhecida pelos tremores, a condição neurodegenerativa, que é crônica, progressiva e incurável, também causa lentidão motora, rigidez entre as articulações e desequilíbrio – algo que a aposentada Maria Lygia Kopke sofre há 20 anos.

Para a família, e para o próprio paciente ver a progressão diária da doença não é fácil. Mas isso não foi impeditivo para o eletricista aposentado Joaquim Relvas, companheiro de Maria há quase 50 anos. “Faço questão de cuidar da minha esposa. Não vejo como uma obrigação”, conta ele. Com muito amor, ele precisou reinventar a rotina e aprender a cuidar daquela que sempre o cuidou. “Não tenho vergonha nenhuma”, afirma.

“Eu não fico contente em vê-la assim, mas tenho esperança. É a última que morre, né?”, diz Joaquim Relvas sobre sua esposa, Maria Lygia. Aposentado desde 2015, hoje ele passa as tardes cuidado dela, diagnosticada há 20 anos com a doença de Parkinson. “Eu tive que arregaçar as mangas e fazer algo que nunca tinha feito na vida. Mas fui aprendendo, me espelhando na cuidadora profissional”, diz.

Até 2021, Maria vivia com dificuldades, ainda que dentro de uma rotina flexível. “Andávamos de bicicleta, ou passeávamos nas ruas aqui perto”, lembra Relvas. No entanto, tudo mudou por conta de uma infecção urinária e uma desidratação detectada em dezembro daquele ano.

A partir daí, Maria ficou acamada e passou a precisar de ajuda em tempo integral. De manhã, uma cuidadora presta auxílio, e depois do meio-dia, o marido é quem assume a função. Isso além dos fisioterapeutas, fonoaudiólogos e acupunturistas que fazem visitas frequentes.

A parte mais difícil é logo após a dosagem de remédios, que fazem com que Maria faça movimentos involuntários ou trave a boca, o que cria saliva em excesso “A cena pode ser difícil, mas eu sei que meia hora depois passa o efeito do remédio”, conta.

A organização é essencial para ter o controle do cuidado, mas o escape do mundo de cuidados também é de suma importância para Seu Joaquim.

“De manhã, curto meus hobbies: andar com meus carros antigos e colecionar moedas. É a minha válvula de escape, porque é uma pressão bastante forte ver ela ali, sem poder sair, sem poder responder quando ela me pergunta: ‘quando vou sair da cama?’. Doí muito no coração”, desabafa.

Mas depois de lidar com as suas dores, Relvas faz de tudo para tirar as de Maria. “Temos convivências boas, conversamos, assistimos filmes, damos risadas. Hoje em dia, com o celular dá até pra viajar para outros países pelo YouTube”, conta ele, que gosta de ver vídeos de lugares que ele visitou com a esposa. “Já aqueles outros que eu ainda não fui, mostro para ela e brinco: ‘Ó, você tem que melhorar logo para irmos lá’.”

Ela que segurou a barra aqui de casa, com nossos três filhos. Então, eu sempre fui parceiro porque acho que os dois têm de ser um time

Joaquim Relvas

Parceiros de vida

O lema ‘um pelo outro’ sempre esteve presente no casamento de Joaquim e Maria. “De certa forma, por conta da minha profissão, ela que segurou a barra aqui de casa, com nossos três filhos. Então eu sempre fui parceiro, os dois têm que ser juntos um time. E sempre foi assim, desde o começo”, conta.

O casal se conheceu por meio de amigos em comum e, em 1977, se casaram. “Eu a amo muito graças ao convívio que a gente sempre teve, o carinho, isso de um sempre querer o bem-querer do outro. O segredo é um só: gostar da pessoa, na alegria e na tristeza”, diz.

Quando jovens, Joaquim e Maria gostam de acampar juntos. Muitas vezes, esse não só era o objetivo da viagem, mas suas paradas. “Uma vez fomos de carro para Bahia desde São Paulo e fomos parando para acampar em cada cidade”, conta.

Se antes os dias eram preenchidos com sossego e tranquilidade, hoje a preocupação toma conta da rotina. “Eu me sinto entristecido com a situação dela. Mas sempre pesquiso sobre a doença e boto fé em algumas coisas novas que estão aparecendo. Acho bastante difícil ter melhoras, mas a gente sempre tem esperanças”, diz Joaquim.

No dia a dia é justamente esse sentimento que mantém as ordens. “Hoje cedo, por exemplo, eu saí para pagar umas contas e quando eu voltei, vi ela me olhando. Quando me aproximei, ela sorriu e falou: ‘Ainda bem que você voltou’. Mas ela sabe que eu sempre vou voltar”, diz ele, emocionado.

‘Não vejo como obrigação’, diz Joaquim Relvas sobre cuidar da esposa Foto: Ricardo Lima/ Estadão

A doença de Parkinson

A doença de Parkinson decorre de uma diminuição intensa da produção de dopamina, neurotransmissor que ajuda na transmissão de mensagens entre as células nervosas. “A dopamina auxilia na realização dos movimentos voluntários do organismo de forma automática. Na falta dela, o controle motor do paciente é perdido”, explica Marcelo Valadares, neurocirurgião funcional do Hospital Israelita Albert Einstein (SP) e médico chefe da área de Neurocirurgia Funcional da Disciplina de Neurocirurgia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Com o avanço da doença é possível que o paciente tenha um agravamento do quadro e precise de acompanhamento contínuo. Mas quando esse cuidador é da família, como é o caso do Joaquim Relvas, é preciso pensar na saúde mental desse familiar.

“É um exercício de paciência, resiliência, de desenvolvimento da inteligência emocional e, muitas vezes, de afeto”, diz Valadares. “Ledo engano achar que quem cuida não adoece, ainda mais quando existem fortes laços afetivos com o paciente.”

O neurocirurgião ressalva, que são várias questões envolvidas. “Tem o sofrimento de ver o ente querido limitado, tem a questão econômica, porque de uma forma outra você vai ter alguém que muitas vezes vai ter que se dedicar quase que um período integral para o outro. Tem também a questão física, porque o paciente precisa de um espaço para cuidados; a rotina também que precisa ser reorganizada. É uma enormidade de problemas”, coloca.

Assim, ter uma rede de apoio é fundamental para evitar sobrecargas físicas e mentais, assim como “escapes”, como os carros antigos de Seu Joaquim. “É necessário entender que essa pessoa precisa de alguém para substitui-la em plantões, idas a consultas médicas e divisão de tarefas domésticas e administrativas”, diz.

Marcelo Valadares, que também é o médico de Maria Lygia, admira a paciente. “A dona Maria Lygia já tem um quadro avançado e grave, mas ela tem uma boa preservação: capacidade de conversar a maior parte do tempo. Claro que tem uma limitação física muito grande, mas ver uma pessoa com aquela condição física bem humorada, faz você repensar muita coisa da nossa vida”, comenta.

A medicina estima que uma a cada 100 pessoas com mais de 60 anos sofra com o mal de Parkinson. Conhecida pelos tremores, a condição neurodegenerativa, que é crônica, progressiva e incurável, também causa lentidão motora, rigidez entre as articulações e desequilíbrio – algo que a aposentada Maria Lygia Kopke sofre há 20 anos.

Para a família, e para o próprio paciente ver a progressão diária da doença não é fácil. Mas isso não foi impeditivo para o eletricista aposentado Joaquim Relvas, companheiro de Maria há quase 50 anos. “Faço questão de cuidar da minha esposa. Não vejo como uma obrigação”, conta ele. Com muito amor, ele precisou reinventar a rotina e aprender a cuidar daquela que sempre o cuidou. “Não tenho vergonha nenhuma”, afirma.

“Eu não fico contente em vê-la assim, mas tenho esperança. É a última que morre, né?”, diz Joaquim Relvas sobre sua esposa, Maria Lygia. Aposentado desde 2015, hoje ele passa as tardes cuidado dela, diagnosticada há 20 anos com a doença de Parkinson. “Eu tive que arregaçar as mangas e fazer algo que nunca tinha feito na vida. Mas fui aprendendo, me espelhando na cuidadora profissional”, diz.

Até 2021, Maria vivia com dificuldades, ainda que dentro de uma rotina flexível. “Andávamos de bicicleta, ou passeávamos nas ruas aqui perto”, lembra Relvas. No entanto, tudo mudou por conta de uma infecção urinária e uma desidratação detectada em dezembro daquele ano.

A partir daí, Maria ficou acamada e passou a precisar de ajuda em tempo integral. De manhã, uma cuidadora presta auxílio, e depois do meio-dia, o marido é quem assume a função. Isso além dos fisioterapeutas, fonoaudiólogos e acupunturistas que fazem visitas frequentes.

A parte mais difícil é logo após a dosagem de remédios, que fazem com que Maria faça movimentos involuntários ou trave a boca, o que cria saliva em excesso “A cena pode ser difícil, mas eu sei que meia hora depois passa o efeito do remédio”, conta.

A organização é essencial para ter o controle do cuidado, mas o escape do mundo de cuidados também é de suma importância para Seu Joaquim.

“De manhã, curto meus hobbies: andar com meus carros antigos e colecionar moedas. É a minha válvula de escape, porque é uma pressão bastante forte ver ela ali, sem poder sair, sem poder responder quando ela me pergunta: ‘quando vou sair da cama?’. Doí muito no coração”, desabafa.

Mas depois de lidar com as suas dores, Relvas faz de tudo para tirar as de Maria. “Temos convivências boas, conversamos, assistimos filmes, damos risadas. Hoje em dia, com o celular dá até pra viajar para outros países pelo YouTube”, conta ele, que gosta de ver vídeos de lugares que ele visitou com a esposa. “Já aqueles outros que eu ainda não fui, mostro para ela e brinco: ‘Ó, você tem que melhorar logo para irmos lá’.”

Ela que segurou a barra aqui de casa, com nossos três filhos. Então, eu sempre fui parceiro porque acho que os dois têm de ser um time

Joaquim Relvas

Parceiros de vida

O lema ‘um pelo outro’ sempre esteve presente no casamento de Joaquim e Maria. “De certa forma, por conta da minha profissão, ela que segurou a barra aqui de casa, com nossos três filhos. Então eu sempre fui parceiro, os dois têm que ser juntos um time. E sempre foi assim, desde o começo”, conta.

O casal se conheceu por meio de amigos em comum e, em 1977, se casaram. “Eu a amo muito graças ao convívio que a gente sempre teve, o carinho, isso de um sempre querer o bem-querer do outro. O segredo é um só: gostar da pessoa, na alegria e na tristeza”, diz.

Quando jovens, Joaquim e Maria gostam de acampar juntos. Muitas vezes, esse não só era o objetivo da viagem, mas suas paradas. “Uma vez fomos de carro para Bahia desde São Paulo e fomos parando para acampar em cada cidade”, conta.

Se antes os dias eram preenchidos com sossego e tranquilidade, hoje a preocupação toma conta da rotina. “Eu me sinto entristecido com a situação dela. Mas sempre pesquiso sobre a doença e boto fé em algumas coisas novas que estão aparecendo. Acho bastante difícil ter melhoras, mas a gente sempre tem esperanças”, diz Joaquim.

No dia a dia é justamente esse sentimento que mantém as ordens. “Hoje cedo, por exemplo, eu saí para pagar umas contas e quando eu voltei, vi ela me olhando. Quando me aproximei, ela sorriu e falou: ‘Ainda bem que você voltou’. Mas ela sabe que eu sempre vou voltar”, diz ele, emocionado.

‘Não vejo como obrigação’, diz Joaquim Relvas sobre cuidar da esposa Foto: Ricardo Lima/ Estadão

A doença de Parkinson

A doença de Parkinson decorre de uma diminuição intensa da produção de dopamina, neurotransmissor que ajuda na transmissão de mensagens entre as células nervosas. “A dopamina auxilia na realização dos movimentos voluntários do organismo de forma automática. Na falta dela, o controle motor do paciente é perdido”, explica Marcelo Valadares, neurocirurgião funcional do Hospital Israelita Albert Einstein (SP) e médico chefe da área de Neurocirurgia Funcional da Disciplina de Neurocirurgia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Com o avanço da doença é possível que o paciente tenha um agravamento do quadro e precise de acompanhamento contínuo. Mas quando esse cuidador é da família, como é o caso do Joaquim Relvas, é preciso pensar na saúde mental desse familiar.

“É um exercício de paciência, resiliência, de desenvolvimento da inteligência emocional e, muitas vezes, de afeto”, diz Valadares. “Ledo engano achar que quem cuida não adoece, ainda mais quando existem fortes laços afetivos com o paciente.”

O neurocirurgião ressalva, que são várias questões envolvidas. “Tem o sofrimento de ver o ente querido limitado, tem a questão econômica, porque de uma forma outra você vai ter alguém que muitas vezes vai ter que se dedicar quase que um período integral para o outro. Tem também a questão física, porque o paciente precisa de um espaço para cuidados; a rotina também que precisa ser reorganizada. É uma enormidade de problemas”, coloca.

Assim, ter uma rede de apoio é fundamental para evitar sobrecargas físicas e mentais, assim como “escapes”, como os carros antigos de Seu Joaquim. “É necessário entender que essa pessoa precisa de alguém para substitui-la em plantões, idas a consultas médicas e divisão de tarefas domésticas e administrativas”, diz.

Marcelo Valadares, que também é o médico de Maria Lygia, admira a paciente. “A dona Maria Lygia já tem um quadro avançado e grave, mas ela tem uma boa preservação: capacidade de conversar a maior parte do tempo. Claro que tem uma limitação física muito grande, mas ver uma pessoa com aquela condição física bem humorada, faz você repensar muita coisa da nossa vida”, comenta.

A medicina estima que uma a cada 100 pessoas com mais de 60 anos sofra com o mal de Parkinson. Conhecida pelos tremores, a condição neurodegenerativa, que é crônica, progressiva e incurável, também causa lentidão motora, rigidez entre as articulações e desequilíbrio – algo que a aposentada Maria Lygia Kopke sofre há 20 anos.

Para a família, e para o próprio paciente ver a progressão diária da doença não é fácil. Mas isso não foi impeditivo para o eletricista aposentado Joaquim Relvas, companheiro de Maria há quase 50 anos. “Faço questão de cuidar da minha esposa. Não vejo como uma obrigação”, conta ele. Com muito amor, ele precisou reinventar a rotina e aprender a cuidar daquela que sempre o cuidou. “Não tenho vergonha nenhuma”, afirma.

“Eu não fico contente em vê-la assim, mas tenho esperança. É a última que morre, né?”, diz Joaquim Relvas sobre sua esposa, Maria Lygia. Aposentado desde 2015, hoje ele passa as tardes cuidado dela, diagnosticada há 20 anos com a doença de Parkinson. “Eu tive que arregaçar as mangas e fazer algo que nunca tinha feito na vida. Mas fui aprendendo, me espelhando na cuidadora profissional”, diz.

Até 2021, Maria vivia com dificuldades, ainda que dentro de uma rotina flexível. “Andávamos de bicicleta, ou passeávamos nas ruas aqui perto”, lembra Relvas. No entanto, tudo mudou por conta de uma infecção urinária e uma desidratação detectada em dezembro daquele ano.

A partir daí, Maria ficou acamada e passou a precisar de ajuda em tempo integral. De manhã, uma cuidadora presta auxílio, e depois do meio-dia, o marido é quem assume a função. Isso além dos fisioterapeutas, fonoaudiólogos e acupunturistas que fazem visitas frequentes.

A parte mais difícil é logo após a dosagem de remédios, que fazem com que Maria faça movimentos involuntários ou trave a boca, o que cria saliva em excesso “A cena pode ser difícil, mas eu sei que meia hora depois passa o efeito do remédio”, conta.

A organização é essencial para ter o controle do cuidado, mas o escape do mundo de cuidados também é de suma importância para Seu Joaquim.

“De manhã, curto meus hobbies: andar com meus carros antigos e colecionar moedas. É a minha válvula de escape, porque é uma pressão bastante forte ver ela ali, sem poder sair, sem poder responder quando ela me pergunta: ‘quando vou sair da cama?’. Doí muito no coração”, desabafa.

Mas depois de lidar com as suas dores, Relvas faz de tudo para tirar as de Maria. “Temos convivências boas, conversamos, assistimos filmes, damos risadas. Hoje em dia, com o celular dá até pra viajar para outros países pelo YouTube”, conta ele, que gosta de ver vídeos de lugares que ele visitou com a esposa. “Já aqueles outros que eu ainda não fui, mostro para ela e brinco: ‘Ó, você tem que melhorar logo para irmos lá’.”

Ela que segurou a barra aqui de casa, com nossos três filhos. Então, eu sempre fui parceiro porque acho que os dois têm de ser um time

Joaquim Relvas

Parceiros de vida

O lema ‘um pelo outro’ sempre esteve presente no casamento de Joaquim e Maria. “De certa forma, por conta da minha profissão, ela que segurou a barra aqui de casa, com nossos três filhos. Então eu sempre fui parceiro, os dois têm que ser juntos um time. E sempre foi assim, desde o começo”, conta.

O casal se conheceu por meio de amigos em comum e, em 1977, se casaram. “Eu a amo muito graças ao convívio que a gente sempre teve, o carinho, isso de um sempre querer o bem-querer do outro. O segredo é um só: gostar da pessoa, na alegria e na tristeza”, diz.

Quando jovens, Joaquim e Maria gostam de acampar juntos. Muitas vezes, esse não só era o objetivo da viagem, mas suas paradas. “Uma vez fomos de carro para Bahia desde São Paulo e fomos parando para acampar em cada cidade”, conta.

Se antes os dias eram preenchidos com sossego e tranquilidade, hoje a preocupação toma conta da rotina. “Eu me sinto entristecido com a situação dela. Mas sempre pesquiso sobre a doença e boto fé em algumas coisas novas que estão aparecendo. Acho bastante difícil ter melhoras, mas a gente sempre tem esperanças”, diz Joaquim.

No dia a dia é justamente esse sentimento que mantém as ordens. “Hoje cedo, por exemplo, eu saí para pagar umas contas e quando eu voltei, vi ela me olhando. Quando me aproximei, ela sorriu e falou: ‘Ainda bem que você voltou’. Mas ela sabe que eu sempre vou voltar”, diz ele, emocionado.

‘Não vejo como obrigação’, diz Joaquim Relvas sobre cuidar da esposa Foto: Ricardo Lima/ Estadão

A doença de Parkinson

A doença de Parkinson decorre de uma diminuição intensa da produção de dopamina, neurotransmissor que ajuda na transmissão de mensagens entre as células nervosas. “A dopamina auxilia na realização dos movimentos voluntários do organismo de forma automática. Na falta dela, o controle motor do paciente é perdido”, explica Marcelo Valadares, neurocirurgião funcional do Hospital Israelita Albert Einstein (SP) e médico chefe da área de Neurocirurgia Funcional da Disciplina de Neurocirurgia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Com o avanço da doença é possível que o paciente tenha um agravamento do quadro e precise de acompanhamento contínuo. Mas quando esse cuidador é da família, como é o caso do Joaquim Relvas, é preciso pensar na saúde mental desse familiar.

“É um exercício de paciência, resiliência, de desenvolvimento da inteligência emocional e, muitas vezes, de afeto”, diz Valadares. “Ledo engano achar que quem cuida não adoece, ainda mais quando existem fortes laços afetivos com o paciente.”

O neurocirurgião ressalva, que são várias questões envolvidas. “Tem o sofrimento de ver o ente querido limitado, tem a questão econômica, porque de uma forma outra você vai ter alguém que muitas vezes vai ter que se dedicar quase que um período integral para o outro. Tem também a questão física, porque o paciente precisa de um espaço para cuidados; a rotina também que precisa ser reorganizada. É uma enormidade de problemas”, coloca.

Assim, ter uma rede de apoio é fundamental para evitar sobrecargas físicas e mentais, assim como “escapes”, como os carros antigos de Seu Joaquim. “É necessário entender que essa pessoa precisa de alguém para substitui-la em plantões, idas a consultas médicas e divisão de tarefas domésticas e administrativas”, diz.

Marcelo Valadares, que também é o médico de Maria Lygia, admira a paciente. “A dona Maria Lygia já tem um quadro avançado e grave, mas ela tem uma boa preservação: capacidade de conversar a maior parte do tempo. Claro que tem uma limitação física muito grande, mas ver uma pessoa com aquela condição física bem humorada, faz você repensar muita coisa da nossa vida”, comenta.

A medicina estima que uma a cada 100 pessoas com mais de 60 anos sofra com o mal de Parkinson. Conhecida pelos tremores, a condição neurodegenerativa, que é crônica, progressiva e incurável, também causa lentidão motora, rigidez entre as articulações e desequilíbrio – algo que a aposentada Maria Lygia Kopke sofre há 20 anos.

Para a família, e para o próprio paciente ver a progressão diária da doença não é fácil. Mas isso não foi impeditivo para o eletricista aposentado Joaquim Relvas, companheiro de Maria há quase 50 anos. “Faço questão de cuidar da minha esposa. Não vejo como uma obrigação”, conta ele. Com muito amor, ele precisou reinventar a rotina e aprender a cuidar daquela que sempre o cuidou. “Não tenho vergonha nenhuma”, afirma.

“Eu não fico contente em vê-la assim, mas tenho esperança. É a última que morre, né?”, diz Joaquim Relvas sobre sua esposa, Maria Lygia. Aposentado desde 2015, hoje ele passa as tardes cuidado dela, diagnosticada há 20 anos com a doença de Parkinson. “Eu tive que arregaçar as mangas e fazer algo que nunca tinha feito na vida. Mas fui aprendendo, me espelhando na cuidadora profissional”, diz.

Até 2021, Maria vivia com dificuldades, ainda que dentro de uma rotina flexível. “Andávamos de bicicleta, ou passeávamos nas ruas aqui perto”, lembra Relvas. No entanto, tudo mudou por conta de uma infecção urinária e uma desidratação detectada em dezembro daquele ano.

A partir daí, Maria ficou acamada e passou a precisar de ajuda em tempo integral. De manhã, uma cuidadora presta auxílio, e depois do meio-dia, o marido é quem assume a função. Isso além dos fisioterapeutas, fonoaudiólogos e acupunturistas que fazem visitas frequentes.

A parte mais difícil é logo após a dosagem de remédios, que fazem com que Maria faça movimentos involuntários ou trave a boca, o que cria saliva em excesso “A cena pode ser difícil, mas eu sei que meia hora depois passa o efeito do remédio”, conta.

A organização é essencial para ter o controle do cuidado, mas o escape do mundo de cuidados também é de suma importância para Seu Joaquim.

“De manhã, curto meus hobbies: andar com meus carros antigos e colecionar moedas. É a minha válvula de escape, porque é uma pressão bastante forte ver ela ali, sem poder sair, sem poder responder quando ela me pergunta: ‘quando vou sair da cama?’. Doí muito no coração”, desabafa.

Mas depois de lidar com as suas dores, Relvas faz de tudo para tirar as de Maria. “Temos convivências boas, conversamos, assistimos filmes, damos risadas. Hoje em dia, com o celular dá até pra viajar para outros países pelo YouTube”, conta ele, que gosta de ver vídeos de lugares que ele visitou com a esposa. “Já aqueles outros que eu ainda não fui, mostro para ela e brinco: ‘Ó, você tem que melhorar logo para irmos lá’.”

Ela que segurou a barra aqui de casa, com nossos três filhos. Então, eu sempre fui parceiro porque acho que os dois têm de ser um time

Joaquim Relvas

Parceiros de vida

O lema ‘um pelo outro’ sempre esteve presente no casamento de Joaquim e Maria. “De certa forma, por conta da minha profissão, ela que segurou a barra aqui de casa, com nossos três filhos. Então eu sempre fui parceiro, os dois têm que ser juntos um time. E sempre foi assim, desde o começo”, conta.

O casal se conheceu por meio de amigos em comum e, em 1977, se casaram. “Eu a amo muito graças ao convívio que a gente sempre teve, o carinho, isso de um sempre querer o bem-querer do outro. O segredo é um só: gostar da pessoa, na alegria e na tristeza”, diz.

Quando jovens, Joaquim e Maria gostam de acampar juntos. Muitas vezes, esse não só era o objetivo da viagem, mas suas paradas. “Uma vez fomos de carro para Bahia desde São Paulo e fomos parando para acampar em cada cidade”, conta.

Se antes os dias eram preenchidos com sossego e tranquilidade, hoje a preocupação toma conta da rotina. “Eu me sinto entristecido com a situação dela. Mas sempre pesquiso sobre a doença e boto fé em algumas coisas novas que estão aparecendo. Acho bastante difícil ter melhoras, mas a gente sempre tem esperanças”, diz Joaquim.

No dia a dia é justamente esse sentimento que mantém as ordens. “Hoje cedo, por exemplo, eu saí para pagar umas contas e quando eu voltei, vi ela me olhando. Quando me aproximei, ela sorriu e falou: ‘Ainda bem que você voltou’. Mas ela sabe que eu sempre vou voltar”, diz ele, emocionado.

‘Não vejo como obrigação’, diz Joaquim Relvas sobre cuidar da esposa Foto: Ricardo Lima/ Estadão

A doença de Parkinson

A doença de Parkinson decorre de uma diminuição intensa da produção de dopamina, neurotransmissor que ajuda na transmissão de mensagens entre as células nervosas. “A dopamina auxilia na realização dos movimentos voluntários do organismo de forma automática. Na falta dela, o controle motor do paciente é perdido”, explica Marcelo Valadares, neurocirurgião funcional do Hospital Israelita Albert Einstein (SP) e médico chefe da área de Neurocirurgia Funcional da Disciplina de Neurocirurgia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Com o avanço da doença é possível que o paciente tenha um agravamento do quadro e precise de acompanhamento contínuo. Mas quando esse cuidador é da família, como é o caso do Joaquim Relvas, é preciso pensar na saúde mental desse familiar.

“É um exercício de paciência, resiliência, de desenvolvimento da inteligência emocional e, muitas vezes, de afeto”, diz Valadares. “Ledo engano achar que quem cuida não adoece, ainda mais quando existem fortes laços afetivos com o paciente.”

O neurocirurgião ressalva, que são várias questões envolvidas. “Tem o sofrimento de ver o ente querido limitado, tem a questão econômica, porque de uma forma outra você vai ter alguém que muitas vezes vai ter que se dedicar quase que um período integral para o outro. Tem também a questão física, porque o paciente precisa de um espaço para cuidados; a rotina também que precisa ser reorganizada. É uma enormidade de problemas”, coloca.

Assim, ter uma rede de apoio é fundamental para evitar sobrecargas físicas e mentais, assim como “escapes”, como os carros antigos de Seu Joaquim. “É necessário entender que essa pessoa precisa de alguém para substitui-la em plantões, idas a consultas médicas e divisão de tarefas domésticas e administrativas”, diz.

Marcelo Valadares, que também é o médico de Maria Lygia, admira a paciente. “A dona Maria Lygia já tem um quadro avançado e grave, mas ela tem uma boa preservação: capacidade de conversar a maior parte do tempo. Claro que tem uma limitação física muito grande, mas ver uma pessoa com aquela condição física bem humorada, faz você repensar muita coisa da nossa vida”, comenta.

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