A escassez de testes de diagnóstico e insumos para a covid-19 em todo o mundo é o maior desafio para a gestão do novo ministro da Saúde, Nelson Teich, na opinião de especialistas ouvidos pelo Estado. A testagem em massa da população foi a estratégia apresentada pelo oncologista para obter mais informações sobre a epidemia e ter subsídios para traçar um plano alternativo ao isolamento horizontal atualmente em prática no País.
A ideia de um programa de testes foi lançada na primeira manifestação de Teich após ser apresentado pelo presidente Jair Bolsonaro, no Palácio do Planalto, como o substituto do ex-ministro, Luiz Henrique Mandetta. Na sexta, 17, ao tomar posse, Teich afirmou que a atuação do Ministério da Saúde será focada nas pessoas e que os mais pobres sofrerão com maior intensidade os efeitos da pandemia do coronavírus.
Especialistas concordam que testagem em massa, como vem sendo realizada na Coreia do Sul, por exemplo, seria ideal, mas ressaltam as limitações para que essa medida seja colocada em prática. Entre os desafios, estão obter kits de qualidade e traçar uma estratégia para realizar os exames.
Para eles, o distanciamento social, medida que vem sendo criticada por Bolsonaro e que colocou o presidente em rota de colisão com Mandetta, é a única disponível neste momento para conter um crescimento exponencial do número de casos e o colapso do sistema de saúde. O próprio Teich disse que, por enquanto, não haverá nenhuma mudança brusca.
PERSPECTIVAS
‘Exames foram aprovados a toque de caixa', diz Sergio Cimerman, infectologista e colunista do ‘Estado’
O médico infectologista e colunista do Estado Sergio Cimerman destaca que a falta de experiência no Sistema Único de Saúde (SUS) do novo ministro Nelson Teich, vindo da iniciativa privada, pode ser contornada com a formação de boa equipe técnica. “Ele tem de tomar atitudes técnicas, médicas, não políticas. Manter o isolamento horizontal, fazendo uma reavaliação a cada 15 ou 30 dias, para não haver um colapso no sistema hospitalar”, afirma.
A qualidade dos exames, diz, é um desafio para a testagem em massa. “O problema desses testes, no mundo todo, é que foram aprovados a toque de caixa, emergencialmente, não têm validação, nenhum teste tem validação. A sensibilidade é baixa. Um teste adequado deve ter sensibilidade acima de 90% e esses não chegam a 90%.”
Segundo ele, porém, a testagem é uma boa solução, já que há subnotificação de casos no País. “Com a testagem, vamos saber o perfil epidemiológico do Brasil e o número real”, diz. “Mas é impossível testar 212 milhões de pessoas, é um país continental, tem município onde nem se consegue chegar. A ideia é começar por profissionais de saúde.”
‘É preciso saber onde usar diagnóstico’, diz Fernando Reinach, biólogo e colunista do ‘Estado’
O biólogo e colunista do Estado Fernando Reinach aponta que o problema da testagem em massa é ter um planejamento. “O que ele vai fazer? Vai isolar as pessoas? Só testar não adianta, e ele não falou nada sobre o plano”, diz.
Outra questão importante na elaboração da política do Ministério da Saúde, de acordo com Reinach, é levar em conta a escassez de testes para diagnosticar o novo coronavírus. “Quando temos poucos testes, é preciso saber muito bem onde eles serão usados, onde obteremos mais resultados. E ele não mostrou os planos”, diz. “Sobre a manutenção do isolamento, a gente só vai saber mesmo pelas atitudes, mais do que pelas declarações” afirma. “Agora ele vai ter de mostrar a que veio.
‘Isolamento social ampliado é o correto’, diz Roberto Medronho, epidemiologista da UFRJ
Embora o poder público já se mobilize para ampliar a capacidade de testagem no Brasil, o plano de fazer exames em massa esbarra na dificuldade de comprar kits e insumos, sobretudo diante da disputa no mercado internacional.
“De toda forma, não temos condições, no momento, e isso não vai acontecer da noite para o dia, de testar 100% da população”, diz Roberto Medronho, epidemiologista da Universidade Federal do Rio (UFRJ). “Já perdemos dias valiosíssimos, num momento em que perder horas significa perder vidas, com todo o desgaste, todas as ações para queimar e isolar o ministro da Saúde.” A testagem é a chave, reforça, para fazer controle da epidemia e saber quando será melhor sair do isolamento.
Medronho diz estar preocupado com o “alinhamento” que o novo ministro diz ter com o presidente Jair Bolsonaro. “Espero que esse alinhamento seja no sentido de o presidente ter feito autocrítica e se convencido de que o isolamento social ampliado é a medida correta. Se for o inverso, seria trágico”, alerta. “Estamos na curva ascendente dos casos e os serviços de saúde nas grandes capitais já entram em colapso.”
‘Desafio será a articulação entre as pastas', diz Chrystina Barros, pesquisadora e ex-colega de Teich
Chrystina Barros, pesquisadora do Centro de Estudos em Gestão e Serviços de Saúde da Universidade Federal do Rio (UFRJ), conhece o novo ministro de perto – Teich foi seu chefe entre 2012 e 2018 em uma rede de clínicas oncológicas. Segundo ela, o novo titular da Saúde é “íntegro, competente e técnico” e um oncologista de “formação sólida”, também na área de negócios. “Ele tem um trabalho importante em gestão de saúde. E gestão, independentemente de ser pública ou privada, tem de ser pautada por questões técnicas”, acrescenta.
“O grande desafio que ele vai ter será organizar uma estrutura de informação, de articulação entre os vários ministérios”, diz. “A cada dia recebemos novos dados, validamos modelos anteriores, projeções, sabemos da ocupação dos hospitais. Se os leitos estão ocupados, tem de manter as restrições do isolamento.”
Para Chrystina, há uma lacuna sempre que ocorre uma transição, agravada ainda pelas dimensões continentais do Brasil, que tem cidades com população equivalente à de países da Europa. “O ideal era que não tivéssemos uma mudança num momento desses, mas aconteceu”, afirmou.
'Primeiro vai manter isolamento, mas tendência é verticalizar', diz Gilberto Ururahy, diretor da Med Rio Checkup
O diretor da Med Rio Checkup, Gilberto Ururahy, acredita que a perspectiva é de mudanças no isolamento no futuro. “Num primeiro momento vai manter isolamento, mas em curto prazo a tendência é verticalizar, foi o que entendi", afirma.
"Esse vírus, ainda muito desconhecido, tem nos ensinado algumas coisas: se dissemina muito rapidamente, tem letalidade baixa, e incide em população de idosos com comorbidades, as doenças crônicas, com evolução longa no tempo. Essa população virou alvo, pela fragilidade das pessoas, que têm sistema imunológico comprometido", afirma ele, especialista em Medicina Preventiva. “Então é preciso isolar e proteger o idoso muito bem, claro, ou isso não faz sentido.
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