Só quem passa pelo susto de ouvir a frase “você está com câncer” é capaz de dizer o tamanho do buraco que se abre no horizonte. Estamos vivendo um momento de mudanças exponenciais em relação à doença, que tirou a vida de 10 milhões de pessoas em 2020, segundo a OMS. Se por um lado o número de diagnósticos só cresce, por outro, as chances de cura e de sobrevida também.
“Precisamos falar sobre câncer. A doença passará a ser em breve a primeira causa de morte. Para o triênio 2023-2025, estimativas do Instituto Nacional de Câncer (Inca) indicam o surgimento de 700 mil novos casos por ano no Brasil. Ao mesmo tempo, mais de 50% dos casos são curáveis. É uma doença comum, não há uma pessoa no mundo que não conheça alguém com o diagnóstico”, avalia a oncologista Anelisa Coutinho, presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC).
O aumento dos casos está relacionado a três fatores principais, segundo os especialistas. O estímulo ao alerta de diagnóstico precoce, a longevidade da população e fatores de risco modificáveis (ou os hábitos ruins, como tabagismo, sedentarismo e estresse).
Do lado da medicina, muitos dos avanços recentes estão relacionados com os tratamentos personalizados. “Houve um tempo em que o câncer era visto como tudo igual com poucas características que diferenciavam um do outro. Mas com o tratamento individualizado entende-se hoje que pessoas são diferentes e portanto os tumores também são”, explica a mastologista Fabiana Makdissi, líder do Centro de Referência de Tumores de Mama do A.C.Camargo Cancer Center.
O que significa, na prática, um olhar mais completo sobre a biologia do tumor. A virada de chave em relação ao desenvolvimento dos chamados biomarcadores, que permitem conhecer a fundo um determinado tumor, ocorreu nos anos 2000. Naquele ano, os cientistas Charlie Perol e Therese Sorlie apresentaram os primeiros estudos sobre o tema, voltados apenas para o câncer de mama. Com esse detalhamento dos tumores, se passou a construir drogas mais específicas, que podem ir direto ao ponto. O que fez mudar os protocolos de vários tratamentos. “Na prática, em muitos casos, a paciente passou a ser encaminhada primeiro para a quimioterapia e não para a cirurgia. Avalia-se, então, se houve resposta ou não para depois migrar ao segundo passo do tratamento”, explica Makdissi.
Com maior precisão científica, o longo percurso que o paciente com câncer precisa percorrer pode ser parcialmente amenizado em várias situações. As drogas inovadoras, segundo Coutinho, além de serem mais eficientes, também diminuem o grau de toxicidade do tratamento. “Com isso, tem-se menos efeitos colaterais, como enjoo, o que melhora muito a qualidade de vida”, afirma a oncologista. Segundo a presidente da SBOC, o atendimento individualizado contempla desde os exames diagnósticos que consideram o histórico familiar e o perfil do paciente até o suporte das equipes multidisciplinares com psicólogos, nutricionistas e especialistas em atividade física.
“Uma medicina humanizada é o mínimo que se espera de um profissional. Quando se tem protocolos bem estabelecidos, é possível oferecer o melhor tratamento disponível baseado em evidência científica. E a medicina baseada em evidências melhora o processo todo, até a cura da doença”, afirma Fabiana Makdissi.
A travessia mais gentil
A importância da medicina personalizada ajudou a professora e doula de adoção Paula Futada, de 46 anos, a encarar um câncer em plena pandemia. A seguir, trechos do relato da rotina que ela viveu.
“Em 2020, no primeiro ano da pandemia, comecei a ter tosse persistente, sudorese noturna, coceira nos braços e pernas e perda de apetite. Estávamos todos impactados por causa da pandemia da covid-19 e pensei que poderia ser estresse.
Os sintomas iam e vinham e só em 2021, quando tive um mal-estar muito forte, fui ao pronto-socorro. Fui diagnosticada com linfoma de Hodgkin, câncer no sistema linfático. Meu mundo desabou. Procurei um hematologista oncologista e o olhar desse médico desde a primeira consulta foi fundamental para que conseguisse enfrentar a batalha.
Acertamos os próximos passos para o tratamento do câncer.
Tudo foi muito personalizado, desde a pesquisa do linfoma por meio de biópsia até pelo fato de ser mulher e de estar com um linfoma muito mais comum em homens. Começamos a quimioterapia num esquema chamado ‘ABVD’, que foi um combo de medicamentos pensado para o meu caso. Por mais medo que tivesse, tinha a segurança de um especialista que me dava certeza de cura, mas me dizia que a travessia seria dolorosa. Tive uma grave crise alérgica por causa de um medicamento que precisou ser adaptado para o meu corpo.
Mudamos os caminhos algumas vezes, mas seguimos juntos. Vivia um fato que precisava ser encarado. Não tinha escolha a não ser confiar na equipe. Foram seis meses de aplicações até a remissão. O olhar humanizado e individualizado do médico e da equipe que me acompanhou foi fundamental para que pudesse viver o processo de maneira mais gentil, menos trágica. Pessoas que te dão acolhimento e que têm escuta são essenciais nessa travessia. O sucesso é incerto, mas a forma que você faz essa caminhada é muito determinante.”