Funai executa menos de 1% dos recursos de combate à covid-19 entre indígenas


Apenas R$ 383,5 mil do total de R$ 41,048 milhões disponibilizados foram utilizados

Por André Borges
Atualização:

BRASÍLIA – Os povos indígenas, um dos elos mais frágeis no enfrentamento da covid-19, encaram neste ano um desafio a mais na pandemia: a lentidão dos investimentos federais voltados a medidas de combate ao vírus. O primeiro semestre de 2021 foi marcado pela execução pífia dos recursos públicos reservados para esta finalidade. 

Os dados oficiais do governo mostram que, entre 1º de janeiro e 3º de junho, o governo disponibilizou, em valores corrigidos pela inflação, um total de R$ 41,048 milhões para a Fundação Nacional do Índio (Funai) aplicar em ações de “Enfrentamento da Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional Decorrente do Coronavírus”. No primeiro semestre, porém, somente R$ 383,5 mil desse montante foram empenhados, ou seja, reservados para bancar contratos firmados nesta área. Isso equivale a menos de 1% do total. Outros R$ 753,5 mil chegaram a ser usados, mas para pagar contas feitas no ano anterior, os chamados “restos a pagar”.

Esse dinheiro é “carimbado”, ou seja, destinado especificamente para bancar as medidas contra a proliferação do coronavírus entres os povos originários, uma proteção que, por missão, compete à Funai executar. A lentidão dessas ações fica mais evidente quando comparada ao ritmo das execuções financeiras ocorridas no primeiro semestre do ano passado. Entre janeiro e junho de 2020, quando a Funai contava com R$ 19,7 milhões – também em valores corrigidos - para bancar essas medidas, já tinha empenhado R$ 13,7 milhões a pagamentos de serviços e itens de saúde, 70% do total disponível.

continua após a publicidade

As informações obtidas pela reportagem constam do sistema Siga Brasil, do governo federal, e foram compiladas pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), especializado em análise das contas públicas.

As ações de medidas de proteção aos povos indígenas podem ter freado no primeiro semestre, mas a doença segue sem dar trégua. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), uma das principais organizações indígenas do País, tem monitorado o avanço da doença entre os povos originários em aldeias e áreas urbanas, com apoio do Instituto Socioambiental (ISA).

Os dados, que incluem informações da Secretaria de Saúde Indígena (Sesai), órgão vinculado ao Ministério da Saúde, mostram que, até esta terça-feira, 20, foram confirmadas 1.136 mortes de indígenas pela covid. É mais do que o dobro do que havia sido registrado até julho de 2020, quando 522 óbitos tinham sido registrados. O número de contaminados chega hoje a 57.086 pessoas.

continua após a publicidade

“Toda essa lentidão na execução financeira só demonstra mais uma faceta de como o governo lida com os povos indígenas. Isso é resultado desse esgarçamento que assistimos na Funai, que ainda tem que lidar com a escassez de pessoal e a incapacidade de executar seu trabalho de forma minimamente satisfatória”, diz Leila Saraiva, assessora política do Inesc. “Há um apagão institucional, com perseguição ideológica dentro da própria fundação e engessamento das ações do órgão.”

A proliferação da covid-19 entre os povos indígenas e a letargia do governo na execução orçamentária será uma das pautas da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, após o fim do recesso parlamentar. “Vamos investigar, para saber qual a razão desse gasto menor. Sabemos que houve vacinação no Estado do Amazonas, mas temos que entender o que está ocorrendo em todo o País”, disse ao Estadão o presidente da CPI, o senador Omar Aziz (PSD-AM).

Questionada sobre sua execução orçamentária, a Funai declarou, por meio de nota, que o valor de seu orçamento para o “Enfrentamento da Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional Decorrente do Coronavírus” – aprovado por meio da Medida Provisória em 8 de junho de 2021 – está “destinado a ações que estão em andamento” no órgão.

continua após a publicidade

“Cumpre esclarecer que, do montante aprovado, foram destinados R$ 15,8 milhões à contratação de força de trabalho para atuar em ações de proteção territorial. A Funai informa ainda que tem empenhado todos os esforços para que a contratação seja concluída o mais rápido possível, o que resultará na execução dos recursos”, declarou a fundação.

A Funai afirmou ainda que “houve aprovação de crédito extraordinário no valor de R$ 25,1 milhões para ser utilizado na entrega de cestas básicas adquiridas pelo Ministério da Cidadania, sendo que a fundação depende das aquisições das cestas pelo ministério para executar os recursos com a logística de entrega das cestas”.

De acordo com seu balanço, a Funai afirmou que já destinou aproximadamente R$ 48,5 milhões para ações de prevenção à covid-19, “com destaque para o suporte a barreiras sanitárias e entrega de mais de 800 mil cestas básicas a indígenas de todo o país desde o início pandemia”.

continua após a publicidade
Hospital de campanha construído para pacientes com covid-19 em Boa Vista em 2020 Foto: Giovani Oliveira/Semuc/PMBV

Fake news é desafio em aldeias

A indígena Nice Gonçalves conta que, em sua aldeia, a Tembé, lno Pará, informações falsas levam os mais idosos a recusarem as vacinas. “Tem grupos religiosos que disseminam a mentira de que a vacina seria um chip, ou mesmo que ao tomá-la a pessoa se transformaria em um jacaré. Como somos ligados à natureza e aos animais, essas informações acabam amedrontando”, explica.

continua após a publicidade

A indígena Putira Sacuena, da etnia Baré, no Amazonas, lamenta a perda de entes queridos. “Se foram bibliotecas e museus, juntos aos nossos parentes que faleceram, principalmente, os nossos mais velhos”, diz. Para Putira, um dos maiores desafios dentro das aldeias foi o uso de máscara. / ROBERTA PARAENSE, ESPECIAL PARA O ESTADÃO

BRASÍLIA – Os povos indígenas, um dos elos mais frágeis no enfrentamento da covid-19, encaram neste ano um desafio a mais na pandemia: a lentidão dos investimentos federais voltados a medidas de combate ao vírus. O primeiro semestre de 2021 foi marcado pela execução pífia dos recursos públicos reservados para esta finalidade. 

Os dados oficiais do governo mostram que, entre 1º de janeiro e 3º de junho, o governo disponibilizou, em valores corrigidos pela inflação, um total de R$ 41,048 milhões para a Fundação Nacional do Índio (Funai) aplicar em ações de “Enfrentamento da Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional Decorrente do Coronavírus”. No primeiro semestre, porém, somente R$ 383,5 mil desse montante foram empenhados, ou seja, reservados para bancar contratos firmados nesta área. Isso equivale a menos de 1% do total. Outros R$ 753,5 mil chegaram a ser usados, mas para pagar contas feitas no ano anterior, os chamados “restos a pagar”.

Esse dinheiro é “carimbado”, ou seja, destinado especificamente para bancar as medidas contra a proliferação do coronavírus entres os povos originários, uma proteção que, por missão, compete à Funai executar. A lentidão dessas ações fica mais evidente quando comparada ao ritmo das execuções financeiras ocorridas no primeiro semestre do ano passado. Entre janeiro e junho de 2020, quando a Funai contava com R$ 19,7 milhões – também em valores corrigidos - para bancar essas medidas, já tinha empenhado R$ 13,7 milhões a pagamentos de serviços e itens de saúde, 70% do total disponível.

As informações obtidas pela reportagem constam do sistema Siga Brasil, do governo federal, e foram compiladas pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), especializado em análise das contas públicas.

As ações de medidas de proteção aos povos indígenas podem ter freado no primeiro semestre, mas a doença segue sem dar trégua. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), uma das principais organizações indígenas do País, tem monitorado o avanço da doença entre os povos originários em aldeias e áreas urbanas, com apoio do Instituto Socioambiental (ISA).

Os dados, que incluem informações da Secretaria de Saúde Indígena (Sesai), órgão vinculado ao Ministério da Saúde, mostram que, até esta terça-feira, 20, foram confirmadas 1.136 mortes de indígenas pela covid. É mais do que o dobro do que havia sido registrado até julho de 2020, quando 522 óbitos tinham sido registrados. O número de contaminados chega hoje a 57.086 pessoas.

“Toda essa lentidão na execução financeira só demonstra mais uma faceta de como o governo lida com os povos indígenas. Isso é resultado desse esgarçamento que assistimos na Funai, que ainda tem que lidar com a escassez de pessoal e a incapacidade de executar seu trabalho de forma minimamente satisfatória”, diz Leila Saraiva, assessora política do Inesc. “Há um apagão institucional, com perseguição ideológica dentro da própria fundação e engessamento das ações do órgão.”

A proliferação da covid-19 entre os povos indígenas e a letargia do governo na execução orçamentária será uma das pautas da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, após o fim do recesso parlamentar. “Vamos investigar, para saber qual a razão desse gasto menor. Sabemos que houve vacinação no Estado do Amazonas, mas temos que entender o que está ocorrendo em todo o País”, disse ao Estadão o presidente da CPI, o senador Omar Aziz (PSD-AM).

Questionada sobre sua execução orçamentária, a Funai declarou, por meio de nota, que o valor de seu orçamento para o “Enfrentamento da Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional Decorrente do Coronavírus” – aprovado por meio da Medida Provisória em 8 de junho de 2021 – está “destinado a ações que estão em andamento” no órgão.

“Cumpre esclarecer que, do montante aprovado, foram destinados R$ 15,8 milhões à contratação de força de trabalho para atuar em ações de proteção territorial. A Funai informa ainda que tem empenhado todos os esforços para que a contratação seja concluída o mais rápido possível, o que resultará na execução dos recursos”, declarou a fundação.

A Funai afirmou ainda que “houve aprovação de crédito extraordinário no valor de R$ 25,1 milhões para ser utilizado na entrega de cestas básicas adquiridas pelo Ministério da Cidadania, sendo que a fundação depende das aquisições das cestas pelo ministério para executar os recursos com a logística de entrega das cestas”.

De acordo com seu balanço, a Funai afirmou que já destinou aproximadamente R$ 48,5 milhões para ações de prevenção à covid-19, “com destaque para o suporte a barreiras sanitárias e entrega de mais de 800 mil cestas básicas a indígenas de todo o país desde o início pandemia”.

Hospital de campanha construído para pacientes com covid-19 em Boa Vista em 2020 Foto: Giovani Oliveira/Semuc/PMBV

Fake news é desafio em aldeias

A indígena Nice Gonçalves conta que, em sua aldeia, a Tembé, lno Pará, informações falsas levam os mais idosos a recusarem as vacinas. “Tem grupos religiosos que disseminam a mentira de que a vacina seria um chip, ou mesmo que ao tomá-la a pessoa se transformaria em um jacaré. Como somos ligados à natureza e aos animais, essas informações acabam amedrontando”, explica.

A indígena Putira Sacuena, da etnia Baré, no Amazonas, lamenta a perda de entes queridos. “Se foram bibliotecas e museus, juntos aos nossos parentes que faleceram, principalmente, os nossos mais velhos”, diz. Para Putira, um dos maiores desafios dentro das aldeias foi o uso de máscara. / ROBERTA PARAENSE, ESPECIAL PARA O ESTADÃO

BRASÍLIA – Os povos indígenas, um dos elos mais frágeis no enfrentamento da covid-19, encaram neste ano um desafio a mais na pandemia: a lentidão dos investimentos federais voltados a medidas de combate ao vírus. O primeiro semestre de 2021 foi marcado pela execução pífia dos recursos públicos reservados para esta finalidade. 

Os dados oficiais do governo mostram que, entre 1º de janeiro e 3º de junho, o governo disponibilizou, em valores corrigidos pela inflação, um total de R$ 41,048 milhões para a Fundação Nacional do Índio (Funai) aplicar em ações de “Enfrentamento da Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional Decorrente do Coronavírus”. No primeiro semestre, porém, somente R$ 383,5 mil desse montante foram empenhados, ou seja, reservados para bancar contratos firmados nesta área. Isso equivale a menos de 1% do total. Outros R$ 753,5 mil chegaram a ser usados, mas para pagar contas feitas no ano anterior, os chamados “restos a pagar”.

Esse dinheiro é “carimbado”, ou seja, destinado especificamente para bancar as medidas contra a proliferação do coronavírus entres os povos originários, uma proteção que, por missão, compete à Funai executar. A lentidão dessas ações fica mais evidente quando comparada ao ritmo das execuções financeiras ocorridas no primeiro semestre do ano passado. Entre janeiro e junho de 2020, quando a Funai contava com R$ 19,7 milhões – também em valores corrigidos - para bancar essas medidas, já tinha empenhado R$ 13,7 milhões a pagamentos de serviços e itens de saúde, 70% do total disponível.

As informações obtidas pela reportagem constam do sistema Siga Brasil, do governo federal, e foram compiladas pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), especializado em análise das contas públicas.

As ações de medidas de proteção aos povos indígenas podem ter freado no primeiro semestre, mas a doença segue sem dar trégua. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), uma das principais organizações indígenas do País, tem monitorado o avanço da doença entre os povos originários em aldeias e áreas urbanas, com apoio do Instituto Socioambiental (ISA).

Os dados, que incluem informações da Secretaria de Saúde Indígena (Sesai), órgão vinculado ao Ministério da Saúde, mostram que, até esta terça-feira, 20, foram confirmadas 1.136 mortes de indígenas pela covid. É mais do que o dobro do que havia sido registrado até julho de 2020, quando 522 óbitos tinham sido registrados. O número de contaminados chega hoje a 57.086 pessoas.

“Toda essa lentidão na execução financeira só demonstra mais uma faceta de como o governo lida com os povos indígenas. Isso é resultado desse esgarçamento que assistimos na Funai, que ainda tem que lidar com a escassez de pessoal e a incapacidade de executar seu trabalho de forma minimamente satisfatória”, diz Leila Saraiva, assessora política do Inesc. “Há um apagão institucional, com perseguição ideológica dentro da própria fundação e engessamento das ações do órgão.”

A proliferação da covid-19 entre os povos indígenas e a letargia do governo na execução orçamentária será uma das pautas da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, após o fim do recesso parlamentar. “Vamos investigar, para saber qual a razão desse gasto menor. Sabemos que houve vacinação no Estado do Amazonas, mas temos que entender o que está ocorrendo em todo o País”, disse ao Estadão o presidente da CPI, o senador Omar Aziz (PSD-AM).

Questionada sobre sua execução orçamentária, a Funai declarou, por meio de nota, que o valor de seu orçamento para o “Enfrentamento da Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional Decorrente do Coronavírus” – aprovado por meio da Medida Provisória em 8 de junho de 2021 – está “destinado a ações que estão em andamento” no órgão.

“Cumpre esclarecer que, do montante aprovado, foram destinados R$ 15,8 milhões à contratação de força de trabalho para atuar em ações de proteção territorial. A Funai informa ainda que tem empenhado todos os esforços para que a contratação seja concluída o mais rápido possível, o que resultará na execução dos recursos”, declarou a fundação.

A Funai afirmou ainda que “houve aprovação de crédito extraordinário no valor de R$ 25,1 milhões para ser utilizado na entrega de cestas básicas adquiridas pelo Ministério da Cidadania, sendo que a fundação depende das aquisições das cestas pelo ministério para executar os recursos com a logística de entrega das cestas”.

De acordo com seu balanço, a Funai afirmou que já destinou aproximadamente R$ 48,5 milhões para ações de prevenção à covid-19, “com destaque para o suporte a barreiras sanitárias e entrega de mais de 800 mil cestas básicas a indígenas de todo o país desde o início pandemia”.

Hospital de campanha construído para pacientes com covid-19 em Boa Vista em 2020 Foto: Giovani Oliveira/Semuc/PMBV

Fake news é desafio em aldeias

A indígena Nice Gonçalves conta que, em sua aldeia, a Tembé, lno Pará, informações falsas levam os mais idosos a recusarem as vacinas. “Tem grupos religiosos que disseminam a mentira de que a vacina seria um chip, ou mesmo que ao tomá-la a pessoa se transformaria em um jacaré. Como somos ligados à natureza e aos animais, essas informações acabam amedrontando”, explica.

A indígena Putira Sacuena, da etnia Baré, no Amazonas, lamenta a perda de entes queridos. “Se foram bibliotecas e museus, juntos aos nossos parentes que faleceram, principalmente, os nossos mais velhos”, diz. Para Putira, um dos maiores desafios dentro das aldeias foi o uso de máscara. / ROBERTA PARAENSE, ESPECIAL PARA O ESTADÃO

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.