A Fundação Nacional do Índio (Funai), órgão ligado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, recebeu, há duas semanas, R$ 10,840 milhões de recursos emergenciais para usar na proteção de indígenas contra o avanço do novo coronavírus. Nenhum centavo desse recurso, porém, foi utilizado até hoje, quando o País já soma ao menos nove casos e três mortes de indígenas pela covid-19.
A informação foi apurada pelo Estado por meio do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siaf) do governo federal, com apoio da empresa Rubrica, agência especializada em monitoramento de gastos públicos.
No dia 2 de abril, a Funai passou a dispor de R$ 10,840 milhões a partir da publicação da medida provisória 942, que tratou de uma série de medidas federais de enfrentamento à pandemia. A MP tem efeito imediato. Por isso, o recurso, de caráter emergencial e extraordinário, ficou à disposição da Funai.
Os dados do sistema federal mostram, porém, que até ontem apenas um gasto de R$ 11,4 mil foi empenhado pela Funai, ou seja, o valor foi bloqueado dos recursos, mas sequer foi efetivamente pago pela fundação.
Questionada sobre as razões de não usar o recurso emergencial, a Funai não se posicionou até o fechamento desta reportagem. A autarquia também não comentou o que pretende fazer com a cifra de R$ 10,8 milhões que recebeu para combater a covid-19 e se a cifra seria satisfatória para programas necessários.
Para se ter uma ideia, o orçamento total da Funai previsto para este ano é de R$ 506 milhões, dos quais mais de R$ 151 milhões serão usados para pagamento de pensões e aposentadorias de servidores. O valor destinado à proteção dos índios contra a covid-19 corresponde a um quinto das despesas administrativas do órgão, que consomem mais de R$ 50 milhões por ano.
Avanço
A situação dos cerca de 800 mil índios do País é alarmante, principalmente daqueles que vivem na região amazônica, onde o coronavírus tem avançado rapidamente, em contraposição à chegada de suprimentos de saúde, alimentação, higiene e infraestrutura médica.
Manaus é hoje o elo mais frágil da engrenagem da saúde nacional, com seu sistema de atendimento já em colapso, como reconhece o Ministério da Saúde. Instituições socioambientais de todo o País têm apelado há dias para que o governo adote medidas urgentes de proteção aos indígenas, que hoje são duplamente expostos aos riscos de exposição à doença, não apenas pela falta de estrutura onde vivem, mas também pelas ameaças crescentes de posseiros, grileiros e madeireiros que avançam sobre suas terras.
No Pará, é grande a preocupação com os garimpeiros. “A situação é de extrema gravidade e a presença de invasores coloca em risco não somente a integridade territorial como ameaça nossa própria sobrevivência física, diante da ameaça de contaminação pela covid-19”, afirma o povo Kayapó, do município de Alto Progresso, no Pará, em um apelo enviado nesta segunda-feira, 13, ao Ministério Público Federal do Estado.
Desde o dia 17 de março, uma portaria da Funai impede a entrada de não índios em terras demarcadas. Criminosos da floresta, no entanto, nunca pediram autorização para invadir áreas oficialmente demarcadas.
Apesar da letargia da Funai em fazer aportes de valores menores, a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, disse que o governo vai destinar R$ 4,7 bilhões em diversas ações de proteção aos povos tradicionais, como indígenas, quilombolas e ciganos. Desses R$ 4,7 bilhões, R$ 3,2 bilhões estão relacionados à transferência de renda de R$ 600 para famílias de povos tradicionais que estão inscritas no programa Bolsa Família. Há previsão de R$ 1,5 bilhão em compras de cestas básicas, kits de higiene e reforço alimentar.
Damares mencionou ainda R$ 23 milhões para investimento em ações de prevenção e atendimento à saúde. Não foi detalhado como os suprimentos de alimentação e de higiene serão distribuídos aos Estados, nem qual a sua programação.
O ministro da Justiça, Sérgio Moro, que controla a Funai, disse que a pasta tem dado atenção aos indígenas, incluindo aqueles já contaminados. “Está havendo essa tensão com a saúde dos povos indígenas, principalmente daqueles que foram diagnosticados como infectados. Infelizmente, nós temos três óbitos de indígenas até o momento. Em todos eles, porém, o contato veio de fora das aldeias”, comentou.